Velhos
costumes da nossa aldeia. Da nossa... e das outras. E a má-língua não era só
enquanto lavavam roupa no rio e a punham
a corar ou bebiam o café de Tavarede! E a visita continua. O Comissário, cheio
de orgulho, não regateia os elogios.
Comissário – “Como vê, a Exposição
Internacional do Grão-Ducado de Tavarede é uma coisa notável em qualquer parte
do mundo. Estão aqui representadas as mais poderosas nações, a França, a
Inglaterra, a Alemanha, a China, o Japão, os diversos países da África, da
América e da Oceania. A secção pecuária é vastíssima. Há animais de todas as
espécies, tamanhos e feitios; mamíferos, insectos e batráquios, peixes e
anfíbios, terrestres, aquáticos e aéreos, a aranha, a rã, a formiga, o
elefante, o mosquito, o hipopótamo, a galinha, o bacalhau, o leão, o burro...
em burros, então, é um sortido variadíssimo: Temo-los manhosos e medraços,
espertos e teimosos, filósofos e tapados como um burro; variam na cor, no
tamanho e na educação. Temos o burro preto, o burro branco, o burro malhado e o
burro cor de burro quando foge; o burro pequenito como um burrito de mama, o
burro de tamanho natural e o burro como umas casas; o burro que nem zurra, nem
morde, nem dá coice; o burro que não morde, nem dá coice mas zurra; e o burro
que zurra, que dá coice e que morde. Burricalmente falando, pode dizer-se que
esta secção constitue para o nosso Grão-Ducado um verdadeiro sucesso
burrical!”.
Pelo
que se vê, a nossa terra estava bem servida de burros. Só assim, aliás, se
compreende o sucesso que eram as cavalhadas pelo S. João. Chegavam a ir “desde
o rio até ao paço!”. Tiveram fama e deixaram muitas saudades!
Depois
da visita, passaram pela nossa fonte, beberam da fresca água e seguiram para o
Paço, onde o conselho estava reunido.
Quando
chegaram, a Grã-Duquesa estava a receber a delegação dos três estados vizinhos:
Brenha, Quiaios e Buarcos:
Brenha
Comigo
ninguém caçôa.
Quiaios
Pois
comigo ninguém zomba.
Buarcos
Sou
um mar de levadia.
Os três
São
três estados d’arromba.
Brenha
Sai
dos meus quarenta fornos
A
broa mais afamada.
Quiaios
Tenho chouriço de palmo.
Buarcos
Eu
tenho a raia escalada.
Os três
Broa,
lavadeiras,
Pencas
e pescada.
Ranchos,
ferraduras,
Ai
que trapalhada.
Brenha
E
a pinga
Que
eu guardo nas minhas adegas
Quiaios
Melhor
o sumo cá do meco.
Buarcos
Que
o digam as minhas broégas.
Satisfeito
com o que viu, o brasileiro faz a entrega do donativo de dois mil contos e
descreve como está maravilhado com a capital do Grão-Ducado, a cidade do
Limonete, terra asseada e civilizada. As grandes avenidas, como a do Outeiro e
a do Santo Aleixo; os excelentes carros eléctricos da Companhia Fadigas &
Toquim, Limitada; os grandes e ricos estabelecimentos do Cascato e António
Amaro; o elevador para o Alto de S. Martinho; os belos monumentos históricos
como o Paço do Conde, o Arco do Caminho dos Canos e tantas outras maravilhas. E
sugere que o donativo seja utilizado para a conclusão do caminho de ferro para
o Cabo Mondego.
Muito
reconhecida, a Grã-Duquesa nomeia o cidadão Nespera Cajú “cidadão tavaredense
honorário e benemérito”. E logo se resolve que nas fábricas do Senhor da
Arieira seja fundida uma estátua, em barro, do tavaredense Manuel Pereira da
Nespera, em que este figurará “montado num cavalo, a toda a brida, segurando numa
das mãos as rédeas e na outra um ramo de limonete”. Significará o progresso de
Tavarede a galope...
Estavam a tomar estas decisões quando chega o embaixador da China. Vinha pedir uma explicação e fazer uma exigência. Acabara de receber da China a seguinte comunicação: “averiguou-se que uma peça representada em Tavarede, chamada Lúcia-Lima, produziu na Rússia extraordinária impressão. A China é nessa peça metida a ridículo e isto fez com que os bolchevistas russos fomentassem a guerra que lavra no Celeste Império para lá implantarem o bolchevismo. Os autores da escandalosa obra são um poeta que esteve na terra dos pretos – tem o nome do rei preto e um maestro muito conhecido pela sua batuta fina e leve”. Exigia, então, a entrega dos dois facínoras ou uma indemnização de 10 milhões de libras.
Pois
sim! Os tais facínoras, o poeta e o maestro, haviam fugido e sabem para onde?
Para o Inferno! Foram para o Diabo! E o embaixador, com a companhia de Nespera
Cajú, decidiram ir à sua procura.
Coro – Diabitos e Bruxas
A
nossa alegre,
Risonha
vida,
É
agradável,
É divertida:
Sobre
os telhados
Voar,
voar;
E
numa eira
Dançar,
dançar.
Neste
baile do Sabá
De
bruxas e diabitos,
Haja
risadas macabras,
Haja
uivos, haja gritos,
Haja
guinchos de vampiros,
De
morcego e da serpente,
Em
homenagem infernal
A
Satam omnipotente.
A
nossa alegre,
Risonha
vida,
É
agradável,
É
divertida:
Sobre
os telhados
Voar,
voar;
E
numa eira
Dançar,
dançar.
Satanaz
É
bailar,
Divertir
Sem
descansar.
Que
outra alma
Há-de
vir
Há-de vir
Aqui
Aqui
parar.
Bruxas e Diabitos
Bailam
as bruxas
E
Satanaz,
Bom
tocador,
Ouvir-nos
faz
Do
violão
Estranho
som:
Dom,
dom, dom, dom
Dão,
dão, dão, dão.
Entretanto, os fugitivos,
julgando-se já esquecidos, agradecem a estadia no Inferno e regressam à terra
do limonete. Vinham saudosos e, para matar saudades, foram dar uma volta pela
velha aldeia, agora Grão-Ducado.
No
caminho encontram dois figurões: o João Borracho e o José Borrachão. Caminhavam
cambaleando, como era normal neles, frequentadores ferrenhos das tabernas
tavaredenses. Ouçamos um pouco da sua conversa.
Zé
– “Cá p’ra mim, isto não tem conserto nem nas Caldas”.
João
– “Qual quê, isto há-de entrar nos eixos”.
Zé
– “Não entra, que lhe digo eu. Isto está torto de todo e já não há nada capaz
de o endireitar. Falsificam tudo, tudo”.
João
– “Nem o pão escapa. E o pão é uma coisa sagrada. O pão é o corpo de Nosso
Senhor Jesus Cristo”.
Zé
– “E o vinho, amigo João? O vinho é ainda mais sagrado do que o pão, porque se
o pão é o corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo, o vinho é o sangue. E eu cá se
fosse juiz mandava enforcar os falsificadores do vinho num candeeiro. (dá um tombo)”
João
– “Olhe lá esse candeeiro”.
Zé
– “Vê? Você pensa que eu estou bebado? Bebado, eu! O que estou é incomodado do
estomago por causa da zurrapa da taberna. Aquilo não é vinho, é uma potreia.
Mais de metade é água do poço. E depois fica a gente assim incomodada e aos
tombos. Se fosse vinho, só do que dá a cepa, isso até faz endireitar os
velhos”.
João
– “Ó compadre, olhe que as falsificações de dinheiro também estão muito
apuradas”.
Zé
– “Pois estão. Falsificam tudo, as notas graúdas e as moedas pequenas; olhe que
há dez reis falsos, vinténs falsos, patacos falsos, meios tostões falsos e não
falsificam três vinténs porque é moeda que não existe”.
João
– “Estão ali à escuta. Vamo-nos andando”.
Zé
– “Vamos lá. Mas você não pense que eu estou bebado, ahn! Isto é da porcaria da água que misturam com o vinho”.
Claro
que era das misturas. E logo a seguir, os nossos amigos encontram uma outra
figura importante na vida da aldeia. A taberna.
Domingo
à noite
Na
nossa aldeia
Esta
igrejinha
É
sempre cheia.
Aqui se adora
O
S. Martinho,
A
quem dedicam
Preces
de vinho.
Muitos
devotos,
Finda
a oração,
Jogam
marimbo
E
o chincalhão.
Neste
escuro santuário,
À
luz da velha candeia,
Gente
há de tipo vário
Dos
mais famosos d’aldeia.
Vê-se
palrar o sapateiro
Junto
dum cavador
Matreiro,
E
um zanaga carpinteiro
Ao
ferrador
Descreve
uma caçada
D’alta
monta.
E
o bom do taberneiro ao balcão
Calcula
e conta
O
que lhe rende o carrascão.
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