“Por
mero acaso, e não porque esperasse emproadas
replicas à minha inocente carta de 24 do mês último, é que vi, depois de
decorridos alguns dias, referências abespinhadas de um quidam que entende na sua, e lá isso entende muito bem, não merecer
sequer uma simples designação, embora ela seja tão estapafúrdia como a sua
figura picaresca do pingurrio que veio de reforço… ao mestre.
De resto, cá na minha também opino porque o
interessantíssimo anónimo, heróico defensor das prendas e mais partes que
concorrem na pessoa das desempenhantes
do Bijou, se alaparde o mais possível
por detrás do mais bem vedado tapume. Quem me diz a mim que não poderia eu
tomar a nuvem por Juno e o mestre António pelo mestre João? Nada mais fácil do
que querer filar um farçola emproado e pimpão e, em vez disso, deitar os
gatazios a um pândego que conheça a gramática… parda (?) tão bem como o
Mandarim The-chin-pó sabia de cor as máximas do moralista Confúcio. Isso nunca!
O mais prudente é uma pessoa não se arriscar
da zona da certeza e não avaporar a
imaginação pelas regiões mortiféras
onde brilham sideralmente as pedras finas
do decantado Bijou, parte das quais têm sido lavradas pela mão (?) do primeiro mestre – o que tem pouca
gramática – e não pela do segundo, - que tem a gramática toda! – e que afinal,
bem se vê, segundo afirmam testemunhas oculares e guturais, costuma escrever
de um borco e com rara perfeição.
Eu, se neste momento, ou em qualquer outro, me achasse com
tendências para responder à carta-dueto do ninguém,
ver-me-ia, declaro-o com toda a franquelidade,
seriamente atrapalhado, porque por mais que se faça suar o topete, por mais
agudeza que um cérebro possua, é verdadeiramente impossível ajudar o que haja
de fino espírito no remelgueiro
mistifório do púfio. Chega até uma pessoa a pensar que quem aponta à execração
pública os crimes (isso é o que nós havemos de ver?) gramáticos dos outros, não
deve declinar a obrigação de perpetrar correspondências com algum bom senso.
Terminando por agora: Tavarede não está tão cheia de pobres
de espírito que não comporte de vez em quando mais alguns, os quais em tardes
amenas costumam, para refrescar a amizade, ir libar do divino licor… arranjando assim forças para bem desempenhar o papel
de Cireneu nas estrambólicas epístolas fabricadas nesta aldeia e exportadas
para a Gazeta.
E adeusinho até breve. (Pum)”. (O Povo da Figueira)
Relativamente à parte
religiosa, lê-se numa nota publicada em 1893: “Consta-nos que na noite do
passado Natal, na Igreja de Tavarede se exibia uma caprichosa iluminação a
balões à veneziana, e... mais alguma coisa: troféus de bandeiras de diferentes
nações e galhardetes. A pouco e pouco o progresso vai invadindo tudo. Os nossos
parabéns ao sr. padre ‘nobre’ que, assim, vai abrindo o caminho à secularização
da igreja”.
Não se encontram muitas notas quer referentes a espectáculos,
quer a celebrações religiosas, até ao fim do século dezanove. Mas, segundo se
depreende de posteriores notícias, foi uso e costume do nosso povo sempre
levado a efeito.
Mas, ainda naquele século, encontramos duas notas que
consideramos de interesse aqui incluir. Uma é referente ao Natal de 1899. “Sentamo-nos hoje à mesa para lhes escrever, mas,
francamente, não sabemos bem com que encher estes pobresitos linguados. Tudo é
pasmaceira, tudo é aborrecimento! O dia de Natal, esse dia tão solemnisado e
commemorado pelo chistianismo, passou entre nós sem deixar grande rasto da sua
passagem. Sómente à missa conventual d’aquelle dia os fieis assistentes
beijaram com frenezim o Menino Jesus, e algumas familias saboriaram os
tradiccionaes filhós e brôas doces, guloseimas com que os pastores e pastoras
do presepio costumam brindar o Redemptor. Que saudades nos deixaram aquelles
tempos em que aqui se celebrava a representação dos autos pastoris, a que
sempre se assistia com prazer. Hoje, nada d’isso. Todos alcunham aquella peça de estopante e aborrecida, sem se
lembrarem de que por muitos espectaculos que se dêem n’esta occasião nenhum
d’elles attrahirá tanto espectador como o da representação das scenas dos autos
pastoris e dos Reis Magos.
N’estas circunstancias, o que quereis
que vos digamos? Só se falarmos das choradeiras dos contribuintes, por este
anno, a uns, os terem sobrecarregado mais nas suas já pesadas contribuições, e
a outros lhes lançarem novas collectas, que nos parecem ser immerecidas. Resultados
das boas informações d’aquelles que, sem interesse proprio, vão assim
satisfazendo pequenas vingançasinhas, sem se importarem com os transtornos que
virá originar o pagamento d’essas collectas aos que as não deviam pagar. Mas
emfim, elles fazem bem, porque a Fazenda Nacional, com aquella gratidão que lhe
é caracteristica, há-de pagar-lhes bem os seus bellos serviços...
Tambem se realisa aqui na noite de
domingo para segunda-feira proxima a missa que por ordem papal foi mandada
rezar em todas as egrejas parochiaes, para commemorar a entrada do Anno Bom”.
Antes de transcrevermos a outra nota,
recordamos que na mesma publicação da nota acima, há apontamento de que, em
Buarcos, o Presépio e os Reis Magos foram ali ensaiados pelo tavaredense
António Almeida Cruz, que é ‘um rapaz bem conhecido nesta cidade’. E a outra
nota conta a festa natalícia em Tavarede em Dezembro de 1900.
“Foi extraordinario, muito grande, como
nunca vimos, o numero de fieis que correram á nossa egreja para assistir á
festividade que ali se fez na noite de 24 para 25, celebrando o nascimento do
Menino-Deus.
Era meia noite quando, desvendado o
throno do altar mór, disfructámos um espectaculo sublime: um pequenino presepio
rodeado de dezenas de lumes que reluziam brilhantemente por entre aquelle bello
quadro, que a todos os christãos inspira tanta fé e ardente commoção.
Echoou então por todo o templo a Gloria in excelsis Deo, e continuou em
seguida a cantar se a missa, que findou ás 2 horas, sendo celebrante o revdº
vigario d’esta freguezia sr. Costa e Silva; serviram de acolytos os
coadjuctores de Quiaios e das Alhadas.
Prégou o revdº Pimenta, de Verride,
versando o seu discurso sobre: o providencial nascimento do Redemptor, os
feitos de Jesus e o martyrio a que foi condemnado, soffrendo sempre as mais
crueis amarguras, sacrificado a isso pelas suas ideias alta e verdadeiramente
sublimes.
A decoração dos altares mór e lateraes
revelava bem o gosto artistico do sr. Bernardo da Cruz, que, em trabalhos
d’aquelle genero, o tem já demonstrado, quer aqui, quer n’essa cidade. O
effeito produzido pelo altar mór, visto a distancia, era deveras attrahente.
O côro estava bem organisado, tanto na
parte instrumental como vocal, e, diga-se a verdade (que não podemos occultar),
se não fôra o estar n’uma festa d’aldeia,
pelo que alguns musicos costumam desempenhar os seus papeis com bem pouco
esmero, teria jus a ser geralmente apreciado.
Cremos bem que isto não deixa de lhes
saltar aos olhos, como não deixa de saltar aos dos que assistem áquelles actos
e tenham ouvido já, pelos mesmos musicos, córos e orchestras magnificas,
merecedoras de incontestavel applauso.
Entendem-nos, decerto.
O Menino foi beijado com fervor e
alvoroço, pois todos queriam ser os primeiros a depor-lhe o quente beijo d’amor.
= À missa conventual do dia 25 tocou um
pequeno grupo dirigido pelo nosso conterraneo João Prôa.
= N’este dia á noite, no theatrinho
Duque de Saldanha, representaram-se algumas scenas do presepio, ante o qual as
pastoras e os pastores, cheios d’alegria, saudavam reverentemente o
Recemnascido, offertando lhe muitas prendas.
Acabou este espectaculo pela 1 hora da
noite, assistindo a elle muitas pessoas, que enchiam a pequenina casa de
recreio da Estudantina Tavaredense”.
Sem comentários:
Enviar um comentário