Chegam, finalmente, ao Paço. Nespera Cajú, que
também já havia regressado, faz as despedidas e prepara-se para regressar ao
Brasil. Mas, antes, a Grã-Duquesa ainda lhe quer mostrar uma outra beleza de
Tavarede: os nossos jardins.
Comissário – “E é grande, imenso,
inesgotável de beleza e perfume o nosso jardim. Parece que a nossa terra foi
tocada pela varinha mágica da fada das flores. Pode ser frouxa a seara do
trigo, podem as geadas ter derretido as hortaliças, pode a estiagem ter
dizimado os milharais, que por toda
parte, no recanto duma leira, no abrigado dum valado, contra os muros
dos quintais, nos canteiros talhados junto à horta e por todos os quintalejos
das casas, a natureza se mostra generosa e bela na abundância de flores, as
mais variadas na forma, na cor e no aroma. Veja, admire-as: o crisântemo
imponente falando-nos com orgulho das coisas orientais; a graciosa papoila; a
rosa delicada; a modesta violeta; o malmequer simbólico; a perfumada glicínia;
o doirado girassol, sempre voltado para o astro-rei. Aromas diferentes,
diferentes cores e variadas formas e todas igualmente belas”.
Não
há fidalgo ou brasileiro
Que
em seu jardim
Possa mostrar assim
Tantas
graças num canteiro.
A
rosa, flor arrogante,
Disputa
a palma ao girassol
O
petulante
Que
julga ser um sol.
Rubra
e farfalhuda
A
papoila alegre, em festa,
Nem
olha a violeta muda
Que
se esconde modesta.
Quem
não tiver
Um
malmequer
Não
chega a fazer sentido
Se
é ou não correspondido.
Moça
taful
Que
quer marido
Abre
os braços à glicínia azul.
E estamos
a chegar ao fim desta nossa primeira viagem. O serão, aliás, já vai longo.
Vamos terminar estas histórias de hoje, a que demos o título de “O teatro de
João José”, o teatro de João Gaspar de Lemos Amorim e de José da Silva Ribeiro,
com a fantasia “Retalhos e Fitas”,que se seguiu a “O Grão-Ducado de Tavarede”.
É
muito pequena, mesmo a mais pequena desta parceria de autores. Teve a sua
estreia a 14 de Janeiro de 1928. Devemos esclarecer, no entanto, que o teatro
de João José não se esgotou com estas peças. O seu maior êxito, “O Sonho do
Cavador”, aquela que é a mais conhecida e representada, será evocada na
primeira parte do próximo serão. A segunda parte terá outro grande triunfo do
nosso grupo cénico, “A Cigarra e a Formiga”, da parceria Eu e Ele, pseudónimo
dos autores José da Silva Ribeiro e Alberto de Lacerda.
Depois
de “O Grão Ducado de Tavarede”, foi a nossa aldeia visitada por uma nova
personagem. Desta vez, não se tratou nem de um brasileiro, nem de um
jornalista. Desta vez o visitante era bastante mais importante, pois tratou-se
do “deus Mercúrio”, o chamado “Deus do Comércio e dos Ladrões”. Numa das suas
viagens pelo Olimpo, quando mais próximo passava do planeta Terra, chegou-lhe
aos ouvidos a fama das grandes fitas de Tavarede. Ficou de tal forma curioso
que não resistiu. Desceu e veio conhecer tal terra tão falada.
Foi
recebido, naturalmente, na sala de visitas da aldeia, no Largo da Igreja, onde
se encontrava concentrada praticamente toda a população. Foi recebido pelo Tio
Joaquim. Quem era o Tio Joaquim? Ele mesmo nos vai dizer.
Tio
Joaquim – “É como me tratam: tio Joaquim. Cá na terra há mais Joaquins, mas
tio Joaquim há só um, que sou eu! Até os correios assim me conhecem. Os avisos
da décima trazem só: Tio Joaquim – Tavarede. E cá vêm ter. Não é para me gabar,
mas, graças a Deus, sou pessoa de alta importância. Abaixo do senhor Vigário,
sou eu. Cá na terra toda a gente me consulta, toda a gente quer saber a minha
opinião, todos querem o meu conselho. Sou eu quem regula o amanho das terras da
freguesia: Oh! João, aproveita esta estiada para a sementeira da leira da
baixa. Ó Manel, trata-me da vinha, que se vai embora se lhe não acodes com o
sulifate. Não te descuides c’os tomates, Zé da Estina, amarra-os se os queres
ter grandes, etc. Eu é que digo o que se há-de semear neste crescente, eu é que
aviso se vem chuva ou se temos bom tempo p’ró minguante. E às vezes não basta o
conselho. É preciso obrar. E eu obro muitas vezes nas terras dos outros. E se
são precisos louvados para avaliações ou para partilhas, vêm-me chamar; e nos
compromissos de gado nada se faz sem mim. Não há curral de porcos em que eu não
tenha entrado. Em questões de porcaria ninguém me leva a melhor”.
É um bom cicerone.
Mostra-lhe as principais fitas da aldeia. A das bruxas e o roubo do dinheiro
das festas da Igreja com a sacristia fechada. A fita das tabernas, onde reina o
alcool e o jogo. A fita da miséria, na casa daqueles que gastam a féria em
vinho e se esquecem da mulher e filhos. Enfim, tudo o que havia na nossa aldeia
naqueles recuados tempos. Nem se esqueceu, até, de lhe mostrar as nossas
hortas, com a fita dos nabos e das couves.
Nabo
Não
é basófia
Nem
eu me gabo
Mas
meio mundo
Gosta
do Nabo.
Couve
Vem
toda a gente
À
minha missa.
Vendo
a beleza
Desta
hortaliça.
Nabo
Quem
tem o gosto apurado,
Seja
cristão, seja mouro,
Saboreia
regalado
O nabo do Saltadouro.
Couve
Esse
teu pregão é baldo
E
a minha fama é tão forte
Que
ninguém despreza o caldo
Da
rica couve de corte.
Nabo
Esses
teus ditos
São
palanfrórios.
Querem-me
sempre
Para
os casórios.
Couve
Diz-se da
moça
Fresca
e papuda:
Que
boa couve
Tão
repolhuda.
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