sexta-feira, 14 de março de 2014

As operetas em Tavarede - 8

      Chegam, finalmente, ao Paço. Nespera Cajú, que também já havia regressado, faz as despedidas e prepara-se para regressar ao Brasil. Mas, antes, a Grã-Duquesa ainda lhe quer mostrar uma outra beleza de Tavarede: os nossos jardins.

         Comissário – “E é grande, imenso, inesgotável de beleza e perfume o nosso jardim. Parece que a nossa terra foi tocada pela varinha mágica da fada das flores. Pode ser frouxa a seara do trigo, podem as geadas ter derretido as hortaliças, pode a estiagem ter dizimado os milharais, que por toda  parte, no recanto duma leira, no abrigado dum valado, contra os muros dos quintais, nos canteiros talhados junto à horta e por todos os quintalejos das casas, a natureza se mostra generosa e bela na abundância de flores, as mais variadas na forma, na cor e no aroma. Veja, admire-as: o crisântemo imponente falando-nos com orgulho das coisas orientais; a graciosa papoila; a rosa delicada; a modesta violeta; o malmequer simbólico; a perfumada glicínia; o doirado girassol, sempre voltado para o astro-rei. Aromas diferentes, diferentes cores e variadas formas e todas igualmente belas”.

 Não há fidalgo ou brasileiro
 Que em seu jardim
 Possa mostrar assim
 Tantas graças num canteiro.
 A rosa, flor arrogante,
 Disputa a palma ao girassol
 O petulante
 Que julga ser um sol.
 Rubra e farfalhuda
 A papoila alegre, em festa,
 Nem olha a violeta muda
 Que se esconde modesta.
 Quem não tiver
 Um malmequer
 Não chega a fazer sentido
 Se é ou não correspondido.
 Moça taful
 Que quer marido
  Abre os braços à glicínia azul.

         E estamos a chegar ao fim desta nossa primeira viagem. O serão, aliás, já vai longo. Vamos terminar estas histórias de hoje, a que demos o título de “O teatro de João José”, o teatro de João Gaspar de Lemos Amorim e de José da Silva Ribeiro, com a fantasia “Retalhos e Fitas”,que se seguiu a “O Grão-Ducado de Tavarede”.

         É muito pequena, mesmo a mais pequena desta parceria de autores. Teve a sua estreia a 14 de Janeiro de 1928. Devemos esclarecer, no entanto, que o teatro de João José não se esgotou com estas peças. O seu maior êxito, “O Sonho do Cavador”, aquela que é a mais conhecida e representada, será evocada na primeira parte do próximo serão. A segunda parte terá outro grande triunfo do nosso grupo cénico, “A Cigarra e a Formiga”, da parceria Eu e Ele, pseudónimo dos autores José da Silva Ribeiro e Alberto de Lacerda.

         Depois de “O Grão Ducado de Tavarede”, foi a nossa aldeia visitada por uma nova personagem. Desta vez, não se tratou nem de um brasileiro, nem de um jornalista. Desta vez o visitante era bastante mais importante, pois tratou-se do “deus Mercúrio”, o chamado “Deus do Comércio e dos Ladrões”. Numa das suas viagens pelo Olimpo, quando mais próximo passava do planeta Terra, chegou-lhe aos ouvidos a fama das grandes fitas de Tavarede. Ficou de tal forma curioso que não resistiu. Desceu e veio conhecer tal terra tão falada.

         Foi recebido, naturalmente, na sala de visitas da aldeia, no Largo da Igreja, onde se encontrava concentrada praticamente toda a população. Foi recebido pelo Tio Joaquim. Quem era o Tio Joaquim? Ele mesmo nos vai dizer.

         Tio Joaquim – “É como me tratam: tio Joaquim. Cá na terra há mais Joaquins, mas tio Joaquim há só um, que sou eu! Até os correios assim me conhecem. Os avisos da décima trazem só: Tio Joaquim – Tavarede. E cá vêm ter. Não é para me gabar, mas, graças a Deus, sou pessoa de alta importância. Abaixo do senhor Vigário, sou eu. Cá na terra toda a gente me consulta, toda a gente quer saber a minha opinião, todos querem o meu conselho. Sou eu quem regula o amanho das terras da freguesia: Oh! João, aproveita esta estiada para a sementeira da leira da baixa. Ó Manel, trata-me da vinha, que se vai embora se lhe não acodes com o sulifate. Não te descuides c’os tomates, Zé da Estina, amarra-os se os queres ter grandes, etc. Eu é que digo o que se há-de semear neste crescente, eu é que aviso se vem chuva ou se temos bom tempo p’ró minguante. E às vezes não basta o conselho. É preciso obrar. E eu obro muitas vezes nas terras dos outros. E se são precisos louvados para avaliações ou para partilhas, vêm-me chamar; e nos compromissos de gado nada se faz sem mim. Não há curral de porcos em que eu não tenha entrado. Em questões de porcaria ninguém me leva a melhor”.

         É um bom cicerone. Mostra-lhe as principais fitas da aldeia. A das bruxas e o roubo do dinheiro das festas da Igreja com a sacristia fechada. A fita das tabernas, onde reina o alcool e o jogo. A fita da miséria, na casa daqueles que gastam a féria em vinho e se esquecem da mulher e filhos. Enfim, tudo o que havia na nossa aldeia naqueles recuados tempos. Nem se esqueceu, até, de lhe mostrar as nossas hortas, com a fita dos nabos e das couves.

Nabo
Não é basófia
Nem eu me gabo
Mas meio mundo
Gosta do Nabo.

Couve
Vem toda a gente
À minha missa.
Vendo a beleza
 Desta hortaliça.

 Nabo
Quem tem o gosto apurado,
Seja cristão, seja mouro,
Saboreia regalado
O nabo do Saltadouro.

  Couve
  Esse teu pregão é baldo
  E a minha fama é tão forte
  Que ninguém despreza o caldo
   Da rica couve de corte.

Nabo
Esses teus ditos
São palanfrórios.
Querem-me sempre
Para os casórios.

Couve
Diz-se da moça
Fresca e papuda:
Que boa couve

Tão repolhuda.

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