Foram muitos os requerimentos que João
de Almada fez na tentativa de retirar da posse de sua mãe os seus bens. Temia,
diz ele, que ela dissipasse os bens que herdara da Viscondessa de Condeixa, da
mesma forma que dissipara os bens da Casa de Tavarede. Foram ouvidas muitas
testemunhas, de ambas as partes, mas a verdade é que foi dada razão a D.
Antónia Madalena, como refere o despacho do corregedor que julgou o caso … seria muito violento privar de modo tão sumário D. Antónia
Madalena de uma Casa que era sua por direito próprio… E por decisão
do Desembargo do Paço, de 16 de Março de 1829, o assunto ficou encerrado para
sempre.
Parecia,
agora, que D. Antónia Madalena, então com 55 anos de idade, iria passar a ter
uma velhice tranquila na sua casa de Lisboa. Mas não foi isso que sucedeu. A
Morgada de Tavarede era uma liberal. Tinha sofrido enorme desgosto por seu
filho ter assumido o absolutismo. Não sei, na verdade, se o liberalismo da
nossa fidalga era uma verdade indiscutível ou se seria levada a isso por
oposição a seu filho. Na verdade muitas foras as vezes em que ela invocou seus
títulos e os de seu marido, defendendo a sua posição.
Mas
sabe-se que o seu mordomo, João Anselmo, e o padre capelão José Vitorino de
Sousa, natural de Formoselha, que tomara a seu serviço aquando passara a
residir em Lisboa, eram liberais e convictos. E tambem se sabe que, no dia 4 de
Julho de 1832, pelas 2 horas da noite, o Corregedor do Crime de Alfama, com o
escrivão e acompanhados por tropas da Guarda Real da Polícia e dos Voluntários
Realistas de Castro Daire, entraram no seu palácio, sito no ‘pátio da
Tavarede’, na Rua do Grilo, levando presos todos quantos ali se encontravam.
A 7 de Julho de 1832,
requer D. Antónia, por seus priivilégios e por ser presa por uma denúncia vaga
de crime político, por suas doenças perigosas, como há quatro dias se acha sem
socorros médicos, incomunicável no segredo da Corte, para Sua Majestade a
mandar para onde lhe aprouver, mas onde a suplicante possa evitar a morte.
E no dia 10 de mesmo mês,
foi emitido um régio aviso, mandando-a ser transferida do segredo da cadeia da Corte
para o Mosteiro de Santa Joana.
Alegava-se, então, que havia papéis subversivos apreendidos em sua casa. E no
dia 21 de Julho seguinte, foi entregue no referido Convento Real de Santa
Joana, para julgar os crimes cometidos contra a
Augusta Pessoa de Sua Majestade El-Rei Nosso Senhor e segurança do Estado.
D. Antónia já havia sido
interrogada. Aqui fica a nota deste interrogatório. Ano
de 1832. Aos 6 de Julho do dito ano, nesta cidade de Lisboa e cadeira da Corte,
onde veio o dr. Jerónimo Moreira Vaz, Corregedor do crime do Bairro de Alfama,
comigo escrivão do seu cargo e o assistente no fim assinado, aí mandou chamar à
sua presença a D. Antónia Madalena de Quadros e Sousa, presa na dita cadeia, e
depois de lhe deferir juramento dos Santos Evangelhos quanto a terceiro, lhe
fez as seguintes perguntas. E eu, José Joaquim Galvão, o escrevi.
E
perguntado pelo nome, filiação, naturalidade, morada, estado e idade, respondeu
chamar-se D. Antónia Madalena de Quadros, filha de José Juzarte de Quadros e Dona
Joana Madalena Leite, natural de Tavarede, moradora da Estrada do Grilo, em
Lisboa, é viúva de Francisco de Almada e Mendonça, e tem de idade 58 anos,
incompletos.
E
perguntada quando, aonde, por que ordem e por que motivo foi presa, respondeu
que fôra presa na noite de 3 para 4 do corrente, em sua casa, por ordem do
Ministro e que ignora o motivo.
E
perguntada há quanto tempo viviam em casa dela, interrogada, Joaquim Pessoa da
Silva Amorim, natural de Castelo Branco, António Manuel da Silva Broa, natural
do Sardoal, e que foi alferes do novo regimento de infantaria de Lisboa, e José
Maria Rodrigues, natural da freguesia de Santa Cruz, do cartel desta cidade de
Lisboa, e o Padre José Vitorino de Sousa, natural de Formoselha, e que mais pessoas
eram frequentes em sua casa, ou por visita ou em efectiva residência.
Respondeu
que Joaquim Pessoa da Silva Amorim, há 5 ou 6 meses na casa dela interrogada, e
António Manuel da Silva Vieira Broa, que reside na casa dela, interrogada, há 3
meses, e José Maria Rodrigues residia em casa dela, interrogada, haveria um
mês, pouco mais ou menos, e que o seu padre capelão José Vitorino de Sousa,
reside na casa dela, interrogada, há 5 anos, e que não tinha visitas.
E
perguntada se antes de admitir na sua casa, e na sua companhia, os referidos
Joaquim Pessoa da Silva Amorim, António Manuel da Silva Vieira Broa, José Maria
Rodrigues, examinara ela, interrogada, como devia examinar, a conduta
religiosa, moral e política destes indivíduos, e os títulos por que eles
puderam legalizar a sua residência na Corte, principalmente aqueles que dela
não serão naturais.
Respondeu
que há 3 anos, pouco mais ou menos, que Joaquim Pessoa da Silva Amorim
frequentou a casa dela, interrogada, visitanto o seu administrador João de Melo
Barreto de Eça, com o qual tomou conhecimento numa hospedaria e contraíram tal
amizade que o referido Joaquim Amorim, frequentando por este motivo a casa
dela, interrogada, lhe pediu o deixasse residir nela, ao que anuiu ela, interrogada, não lhe investigando
a sua conduta, não lhe importando o que ele fazia, e quando o via era a reunião
do almoço, jantar e ceia; e que António Manuel da Silva Vieira Broa era
conhecido dela, interrogada, há muito tempo, bem como a família dele, e por
isso o admitiu em sua casa e lhe permitiu que nela vivesse, ignorando o seu
emprego militar, no que reconhece o seu pouco cuidado e sua culpa; e que José
Maria Rodrigues foi conduzido a casa dela, interrogada, por um seu tio, chamado
Fortuna, caserneiro, por ocasião de visita e jogo de voltarete, e tomando
depois conhecimento, o dito José Maria Rodrigues, com os filhos do
administrador dela interrogada João José de Melo Barreto de Eça, lhe pediram
aqueles que o deixasse persistir em sua casa, ao que ela interrogada anuiu,
ignorando que ele tivesse culpas.
E
por ora ele Ministro não fez mais perguntas à respondente, que sendo-lhe lidas
disse estarem conformes e que as respostas as ratifica, e assinou com a
respondente e nós escrivães, em fé de verdade. E eu José Joaquim Galvão o
escrevi e assinei.
Para recordação, e porque talvez
venha a interessar a alguém, a seguir transcrevo algumas passagens do processo:
TESTEMUNHAS João Gregório de Melo Barreto d’Eça, filho de
João de Melo Barreto d’Eça e de D. Maria do Carmo Teles de Melo, natural da
Figueira, morador na Calçada de Santo André, 68 – 2º andar, não tem emprego… “…
é certo que na dita casa de D. Antónia Madalena de Quadros e Sousa existia um
outro réu de lesa-majestade, o doutor Paula, da Figueira, amigo dele interrogado,
seus pais e irmãos, a quem davam ali por brincadeira o nome de Thypalos, e que
este fôra o que se evadira à justiça na noite de 4 do corrente, em que ali o
pai e irmãos dele interrogado, a dona da casa e outras pessoas foram presas…”.
(Negou)
Perguntas
a Joaquim Pereira da Silva Amorim – 3ªs perguntas – 23 de Julho de 1832:
“E
perguntado quem era um outro réu e
culpado que se achava em casa de D. Antónia Madalena de Qiadros e Sousa, na
noite em que ele interrogado, e outros ali foram presos, escapando-se aquele
réu à prisão.
Respondeu
que àquela casa costumava ir de visita, e algumas vezes pernoitava, um outro
chamado Paula, da vila da Figueira, e que reside em Lisboa, mas que não tinha
dito, a ele interrogado, onde era a sua morada e que ignorava se ali estava.
E
perguntado se ele conhece a letra daquele doutor Paula, respondeu que o viu
escrever algumas vezes e que apresentado-se-lhe a letra pode dizer se sim ou
não a conhece.
E
perguntado se àquele Paula davam na referida casa o nome de Thypalos, respondeu
que um francês, chamado Messidor, que estava em casa de D. Maria de Noronha,
vizinha da casa onde estava ele interrogado, e ia este doutor Paula, lhe
chamavam muitas vezes Thypalos.
E
perguntado se conhece a letra do bilhete de folhas 86 dos autos e da carta de folhas 87 dos mesmos, que lhe foi
mostrada: que tanto aquele como este estão assinados com o nome de Thypalos.
Respondeu que não conhece bem a dita letra e que nunca vira que aquele doutor
Paula se assinasse Thypalos. E perguntado onde reside este doutor em Lisboa:
reaspondeu que não sabia.
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