Seguem-se as assinaturas de mais
de trinta pessoas, residentes em Tavarede, Buarcos, Figueira e Maiorca. Não
deixa de ser curioso que um destes assinantes terá sido João Adolfo de Crato,
Juiz da Alfândega da Figueira, amigo e ‘banqueiro’ do morgado de Tavarede,
talvez a maior fortuna local e que veio a adquirir grande parte dos bens da
família Quadros.
Segundo o Dr. Rocha Madahil, a primeira redação deste extraordinário e quase
inacreditável libelo… … foi, depois retocada: cortaram-se alguns períodos e o
articulado relativo ao desacato feito a Bento da Cunha Terrão e a Bernardo da
Cunha; substituiu-se o termo vergalho, com receio, talvez que soasse mal… …
toda a palavra vergalho trocada por chicote. Mas, de qualquer forma,
chega a impressionar a opressão, crimes e maldades cometidas sobre o pobre e
indefeso povo.
E não se julgue que a posição assumida pelo Cabido era
total a favor do povo. Estavam crentes de que, passando a Câmara e Justiças
para a Figueira, se acabaria com o despótico poder dos fidalgos. Isso era
verdade, mas o Cabido desejava para si continuar a ser o donatário do Couto de
Tavarede, continuando a ter direito aos seus privilégios. Falharam os seus
cálculos, mas a história de Tavarede, uma história de mais de sete séculos,
deixou de ter qualquer significado, ficando dependente da nova vila da Figueira
da Foz.
Apesar da defesa que, a mando de El-Rei, a nobreza e o
povo (?) de Tavarede deram, quanto ao pedido do Cabido para a mudança da Câmara
e Justiças, não resultou…. É a
Justiça inexpugnável fortaleza que não teme os rebates falsos; é Vossa
Majestade o sagrado da mesma Justiça, como fonte e manancial dela; esta
certeza, e a de que é próprio da real protecção de Vossa Majestade defender os
oprimidos das violências, nos constitue na esperança de sair escusado o requerimento
do reverendíssimo suplicado que só se induz de circunstâncias inatendíveis e
não verdadeiras, e se o foram não podia competir com o direito adquirido e
radicado na imemorial posse em que estamos da conservação da casa da Câmara
neste Couto, desde a sua fundação, por cuja razão e pelo mais que com pura
verdade expomos na presente resposta, deve ser desprezada a suplica,
denegando-se ao reverendíssimo suplicado a provisão que intenta e assim o
esperamos da equidade com que é distribuida a mesma Justiça pela real mão de
Vossa Majestade não obstante a resposta da Câmara, cujos oficiais são este ano
as daquele lugar…
Além da mudança da Câmara, as tropelias e crimes do
fidalgo morgado de Tavarede não podiam ficar impunes. Acabou por ser levado a
julgamento e condenado, tendo acabado os seus dias na cadeia da portagem em
Coimbra.
Pedro
Joaquim Lopes de Quadros e Sousa
8º. Senhor de Tavarede - Morgado
Fernão
Gomes de Quadros e Sousa faleceu, como atrás foi referido, na cadeia da
portagem em Coimbra, no dia 15 de Março de 1767, tendo o seu corpo sido
trasladado para ser sepultado na capela do Convento de Santo António, na
Figueira da Foz. Já não assistiu, portanto, à concretização da mudança da
Câmara de Tavarede para a Figueira da foz do Mondego, em 1771.
Seu
filho primogénito, Pedro Joaquim Lopes de Quadros e Sousa, que, como herdeiro,
deveria tomar posse do morgado e da Casa de Tavarede quando seu pai morreu, não
o podia fazer, pois estava preso.
Como
seu pai, havia sido uma pessoa de péssimos instintos. Já na exposição feita
pelo Cabido a El-Rei D. José I, são denunciados diversos crimes praticados por
ele. O mais grave, todavia, terá sido a morte de seu tio, Frei Aires de Santa
Ana, religioso no convento de S. Francisco, em Lisboa. Consta que … morreu, infelizmente, de um tiro de pistola que lhe deu seu
sobrinho Pedro Joaquim, estando rezando a uma varanda, por ter sido repreendido
de uma desobediência a seu pai… Esta repreensão devia-se aos seus maus procedimentos que vinha de fazer no lugar da Figueira…
andando pelas tabernas emborrachando-se. Aliás, diversos autores referem que
Pedro Joaquim terá cometido o assassínio num
excesso de vinho.
Creio, porém, que Pedro Joaquim de Quadros foi de facto,
pouco tempo após a morte que praticou, remetido preso para a Berlenga Maior, em
cujo espaço, que não ultrapassa alguns poucos quilómetros quadrados, viveu do
final da sua juventude até ao final da idade madura, escreveu o Dr.
Pedro Quadros Saldanha em ‘A Casa de Tavarede’.
Com
a morte de seu pai e com a sua prisão, perpétua, nas Berlengas, foi sua mão que
assumiu o governo do morgadio, ajudada pelo seu segundo filho, António Leite.
Este, devido às circunstâncias verificadas, estaria crente que seria declarado
o herdeiro da casa de Tavarede, certo que seu irmão não viveria muitos anos nas
Berlengas.
Terá
sido enorme a sua surpresa, bem como a de sua mãe, D. Brites Josefa da Silva e
Castro, quando, já reinando a rainha D. Maria I, apareceu em Tavarede Pedro
Joaquim Lopes de Quadros e Sousa, então com 46 anos de idade, e liberto graças
a um perdão real que lhe fôra concedido.
Pouco
foi o tempo em que Pedro Joaquim esteve de posse do seu morgado. Nos cadernos
do Dr. Mesquita de Figueiredo refere-se que … fez
tais loucuras que foi mandado de vez para ela (prisão das Berlengas), onde
morreu.
A verdade é outra. Ele foi, na realidade, preso, mas foi encarcerado em
Coimbra, na mesma prisão onde seu pai morrera.
Tentou
a sua defesa, como é natural. As acusações, no entanto, foram fortes. Como
exemplo disso, transcrevo a informação que foi prestada pelo então Corregedor
de Coimbra. O suplicante matou um tio seu religioso
com um tiro por cuja causa se mandou para a Fortaleza das Berlengas, em que
esteve muitos anos e dela saíu na ocasião do indulto geral do Fidelíssimo
Senhor Rei D. José I. Veio para a sua casa de Tavarede e companhia de sua mãe,
e se entregou a vícios, andando publicamente e escandalosamente amancebado e
frequentemente ébrio. Costuma trazer consigo armas de fogo e em uma noite
estando umas criadas de sua mãe à janela e desconfiando que elas o estavam
espreitando e a uma concubina lhe atirou um tiro, mas não as ofendeu. E por
estes factos é temido não só dos estranhos como também dos domésticos. Apareceu
nesta cidade continuando a sua irregular vida, e imprópria do seu nascimento,
causando escândalo e temor que rompesse nos seus costumados excessos e para se
evadirem achando-me eu na comerca em correição e o juiz do crime doente, se
deliberou o juiz de fora do cível mandá-lo prender e dar conta a Vossa
Majestade pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, que me veio a
informar, e remeti a informação em 14 de Dezembro próximo passado de 1778. Já
anteriormente o juiz de fora da vila da Figueira representou a Vossa Majestade
as desordens do suplicante e o temor daquele povo, que vindo-me também a
informar expedi em 19 de Outubro do dito ano sem que de uma ou da outra tenha
havido resolução. Não consta que o suplicante tenha culpas judicialmente
formadas nem é razão esteja perpetuamente preso em uma cadeia pública; porém
para se evadir a própria injúria e a de seus parentes, e eminente perigo da sua
liberdade, me pareceu ser justo se tornasse a mandar para as Berlengas ou para
outra alguma fortaleza deste reino onde se lhe administrasse o necessário para
a conservação da vida, como já informei a Vossa Majestade ou dar alguma outra
providência e sobre tudo mandará Vossa Majestade o que for servido.
Pode
depreender-se de tudo isto, que a própria família o desejava preso. E apesar do
recurso apresentado e do testemunho favorável de pessoas influentes, a rainha
não concedeu perdão. Mas, talvez até por simples curiosidade, transcrevo uma
pequena parte dos testemunhos de sua defesa. 1 . O
suplicante é quieto e pacífico e não costuma nem descompuzera pessoa alguma,
antes acomoda as desuniões e rixas que sucede haver no dito couto e nesta vila
e suas circunvizinhanças, sem que para este fim use de despotismos e tenha
espancado pessoa alguma que não queira obedecer-lhe nos seus petitórios. Com
bons modos pede que se acomodem algumas desuniões pois ‘o seu génio é de
acomodar várias rixas que há entre algumas pessoas’. 2 . O couto de Tavarede é
lugar triste e esta vila muito alegre por ser porto de mar, aonde entram várias
embarcações com gentes civilizadas com quem o suplicante trata, sem que haja
notícia tenha ofendido pessoa alguma. Tavarede era lugar pequeno e o suplicante
tem algumas vezes vindo passear a pé e de cavalo à Figueira, sem que nela tenha
ofendido pessoa alguma, antes tratando todos com muita cortesia. 3 . O
suplicante é morgado e senhor da sua casa e por ser muito obediente a sua mãe,
D. Brites Joséfa da Silva e Castro, lhe tem largado a administração de toda sua
casa, sem que em nada encontre as determinações da referida sua mãe. Tem
desistido da administração da casa, que entrega à mãe.
Alguma
coisa não está certa. Mentia o Corregedor de Coimbra ou mentiam as testemunhas
de defesa?
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