1984.01.20 - ANIVERSÁRIO DA SIT (O DEVER)
Há muito que, em Tavarede, o Teatro anda associado a
todas as manifestações das suas gentes. Não será exagerado afirmar-se, até, que
a vida em Tavarede gira em torno do seu Teatro. E, se alguém tiver dúvidas a
tal respeito, apenas terá de ali se deslocar numa dessas ocasiões para
constatar.
Agora, na comemoração do 80º aniversário da Sociedade
de Instrução Tavaredense, o fenómeno repetiu-se: o momento mais alto das
comemorações teve lugar no seu magnífico teatro onde foi levada à cena a peça
“Na Feira de Gil Vicente”, com adaptação desse “homem grande de Teatro” que é
José Ribeiro. Gil Vicente foi, assim, o “convidado” de honra de Tavarede, Gil
Vicente que poderemos quase considerar famíliar ali (quem não se lembra da
inesquecível “melhor Maria Parda” que foi, sem dúvida, a saudosa Violinda
Medina?). Desta vez foram levadas à cena: “No Lar de Uma Família Judaica”
(prólogo), “Auto da Barca do Inferno”, “O Pote da Mofina Mendes”, “Gil Vicente
vem à Feira” e “Auto da Feira”.
Mas não será ousado apresentar, em Tavarede, peças de
tal nível cultural?
É certo que a pergunta teria perfeito cabimento em
relação à maioria dos centros portugueses. Mas a Tavarede não. É que ali há
como que uma “representação colectiva” em que os que não sobem ao palco
“representam” na plateia. Poder-se-á afirmar (passe o plágio) que quem não
representa já representou e é esse facto que cria o tal ambiente em que se
“respira teatro” e torna quase familiar a presença dos grandes vultos da
cultura teatral. O teatro passou a fazer parte da vida desta gente, razão pela
qual Gil Vicente é compreendido.
E sobre o espectáculo?
Julgamos ter dito o suficiente. Adiantaremos, no
entanto, que vimos em palco quatro gerações. E que, se aquele Diabo (João de
Oliveira) foi o melhor que já vimos, “o sapateiro” (José Luiz Nascimento) e “o
parvo” (João Medina Junior), foram apenas duas excepcionais actuações num
conjunto que surpreendia pela segurança com que todos dominavam a complicada
linguagem de Gil Vicente, um autor que efectivamente, não está ao alcance de
muitos grupos. Que nos perdoe o leitor a escassez de nota de reportagem aqui
contida. Mas a verdade é que, para poder ter uma ideia exacta do que foi o
espectáculo, só terá uma forma: deslocar-se lá na próxima representação (21 do
corrente às 21,45) só assim poderá ficar com uma ideia de conjunto, desde a
peça aos actores, da orquestra (dirigida por José Custódio Ramos) ao
guarda-roupa (Anahory), dos cenários... a tudo.
Vá, que não se arrepende.
1986.02.28 -
TEATRO (O FIGUEIRENSE)
“Chá
de Limonete” é o grande sucesso que a Sociedade de Instrução tavaredense leva à
cena pela última vez no próximo domingo, dia 2 de Março, pelas 16,30 horas.
O
público continua a aplaudir esta linda fantasia em dois actos da autoria de
José da Silva Ribeiro.
A
acção cultural que a SIT de há longos anos vem desenvolvendo através dos seus
distintos amadores, continua a demonstrar que o Teatro não morre na nossa
terra.
E
para que esta obra continue, necessário é que o público incentive os que a
estão realizando, não faltando aos espectáculos de bom Teatro que se lhes
proporcionam.
1986.05.27 -
X JORNADAS DE TEATRO AMADOR (DIÁRIO
DE COIMBRA)
Com a realização da 12ª sessão, no Teatro Taborda, em
Brenha, terminaram no passado dia 24, as X Jornadas de Teatro Amador da
Figueira da Foz, organizadas pelo Lions Clube desta cidade. Nesta sessão a
Sociedade de Instrução Tavaredense apresentou a comedia “As Artimanhas de
Scapino”, de Molière. Se a peça termina com Scapino a dizer: “A mim, que me
levem para uma das cabeceiras da mesa, à espera que morra”, nós brindamos na
grande mesa onde tiveram lugar doze sessões para que esta iniciativa se
mantenha eternamente “à espera que não morra”.
Dentro de uma linha a que já nos habituou, a
Sociedade de Instrução Tavaredense apresentou talvez o melhor texto dramático
das X Jornadas sem nos esquecermos de “A Estalajadeira”, de Carlos Goldini,
representado na 8ª sessão pelo Grupo Amador de Teatro de Taveiro.
“As Artimanhas de Scapino” foram representadas pela
primeira vez em 24 de Maio de 1671, quando Molière tinha 49 anos e partilhava
com os comediantes italians, seus amigos, o Teatro do Palácio-Real. Daí,
talvez, a razão por que o herói desta farsa, que tem o diabo no corpo, possua
muitas características próprias da “commedia dell’arte”.
Assistimos a um espectáculo de bom nível, bem
estruturado (tendo em conta a opção feita para a encenação), com bom ritmo e um
trabalho de actores muito equilibrado. Porém, consideramos correcto destacar a
interpretação de “Geronte”, por João Medina.
A encenação desta peça tem levantado desde sempre
muita discussão, na qual participaram nomes como Stanislawski, Jacques Copeau,
Jouvet, Chancerel e Jean-Louis Barrault, entre outros. Porém, já em 1913 Copeau
recusava o realismo de Stanislawski, que mostrava em cena um barco com sacos de
farinha para justificar o facto de “Geronte” se meter dentro de um na 2ª cena
do III acto. Deixamos este ponto à reflexão do grupo, pois a actual estrutura
do espectáculo pode ser melhorada se for vencida a rotina de práticas
estabelecidas há muito tempo.
Se pode haver duas concepções de encenação desta
peça, também há duas formas de representar “Scapino”. Questão também muito
discutida, mas que só mostra toda a riqueza deste personagem. José Luís
Nascimento cria um”Scapino” que está de acordo com o tom geral do espectáculo,
embora tenha dificuldades do ponto de vista físico. Pois é consenso que a
representação de “Scapino” ultrapassa o texto para ser também uma prova física.
1987.05.01 -
ALGUÉM TERÁ DE MORRER (CORREIO DA
FIGUEIRA)
A Sociedade de Instrução Tavaredense levou à cena a
peça em três actos de Luís Francisco Rebelo, “Alguém terá de morrer”, uma das
mais notáveis obras do nosso teatro, já que nela é permitido ao actor
evidenciar os seus recursos criativos.
Já havíamos observado esta peça pelos amadores da
Naval 1º de Maio, naquela Associação. Ficámos então com algumas dúvidas se não
estaríamos de facto em presença de uma magnífica representação teatral. Daí a
nossa segunda observação, agora em Tavarede, onde confirmámo o talento do autor
e da sua profundidade imaginativa, construíndo diálogos, que são interrogativos
e desesperados, com a morte. Realmente, e com actores que têm a sensibilidade
das personagens na ponta da língua, não há limites para os diversos graus de
emoção, onde a vida enfrentando a morte, paralelamente, resulta numa curiosa
composição, de modo que o espectador compreende que são duras e complexas as
realidades da nossa existência, quando assumida assim, controlada pelo
Mensageiro, em horas e minutos que perspectivam o suspiro final.
“Alguém terá de morer” não é propriamente uma cruel
aventura para a plateia, antes insistiu o autor em demonstrar-nos o que
seríamos nas nossas atitudes, se porventura tivessemos de enfrentar a subtil e
macabra presença de um enviado da morte, que não dá alternativas a uma família
em pânico, submetida que foi àquela certeza. Toda esta dilatada compreensão que
os actores nos transmitem durante a sua dinâmica e segura representação, só é
possível vivê-la na sua mensagem, porque os sete componentes são a perfeita
integração do percurso autor-actor-plateia, de um jeito e arte belíssima, que
estimula sempre o espectador atento e ávido de saber, donde vem toda aquela
exaltação no dizer e no sentir.
Francisco Rebelo sabia que ao escrever que a morte é
o destino que se cumpre, que originava nos personagens a incerteza dos
propósitos, perante o desconhecido que representa a morte, quando assustadoramente
nos transformamos e ao mesmo tempo revelamos a medíocre fragilidade de nos
sentirmos perdidos, num caminho que até então era desvario e arrogância. De
todas estas situações, que são habilmente denunciads por excelentes actores e
actrizes, não aceitamos a débil condição humana, tão ridícula perante um facto,
que deveríamos assumir com equilíbrio e
condição necessários. Mas é seguramente impossível ao comum dos mortais,
aceitar o percurso traçado pelo autor, porque existindo a incerteza e a angústia,
também a esperança nos anima e diverte nas inúmeras insuficiências de reflexão.
“Alguém terá de morrer” e um alerta para nós, que ainda vivemos, quando
actores extraordinários na sua comunicação com a lateia, e inconformados com
aquela sentença final, descobrem entre si que a vida é um prodígio tão belo que
todos o querem preservar. Distinguir este ou aquele actor seria indelicada
análise, porque todos são a realidade do nosso contentamento, e elevada
admiração pela arte que nos proporcionaram no dizer e na simulação fisionómica,
face às diversas mutações dos textos, que lançados sobre a platea, a obriga a
reconhecer-se em todas aquelas maquinações da nossa existência, sempre tão
fútil, quando chamada a enfrentar-se com o nosso próprio encontro.
Verdade se diga, que se os actores de Tavarede
pisarem os exigentes palcos da capital, experimentarão, decerto, honrosas e
sucessivas chamadas das plateias, onde por vezes – permitam-me o desabafo – já
temos comido gato por lebre.
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