sábado, 15 de setembro de 2012

Teatro da S.I.T. - Notas e Críticas - 45


1981.01.23     -     ECOS DA TERRA DO LIMONETE (O DEVER)

                Já 77 anos são passados desde que em 1904 nasceu na velha Tavarede a Sociedade de Instrução Tavaredense. 77 anos que tiveram o condão de operar a milagrosa transformação das suas gentes como nos foi dado observar no seu magnífico (mas já pequeno) Teatro. Não exageramos se afirmarmos que, naquela casa, não se fez teatro mas se escreveu história ao reviver-se todo um passado que se perde no distante século XI (Conde D. Sisnando). Aqueles homens, mulheres e crianças, escudadas embora no saber e perspicácia desse “quase lendário” José Ribeiro e que mesmo amparado à bengala continua a ser o Mestre insubstituível, parecem ter dentro de si a arte dos seus antepassados, tão perfeitas são as respectivas actuações.
                Em Tavarede não se aprende teatro, respira-se teatro!
                Mas vamos ao espectáculo.
                Com uma casa à cunha foi levada à cena a fantasia em 2 actos e 13 cenas, “Ecos da Terra do Limonete” que abriu com aplaudidas palavras de José Ribeiro. Desfilaram, em seguida, pelo famoso palco, mais de meia centena de personagens a quem a riqueza da indumentária de Alberto Anahory transmitia uma “realidade histórica” que transportava os espectadores àquele país de “fantasia-verdade” que julgávamos só estar ao alcance de profissionais.
                Como momentos mais altos daquela fantasia salientamos (embora reconhecendo o melindre da tarefa dado o excelente nível de toda a peça):
                = o Velho do Paço (João Oliveira) em que a espectral figura de velho se fundia com as funduras do “postal do Paço de Tavarede”;
                = a riqueza dos vestuários e adequado enquadramento das numerosas personagens em “Onde começa a História” e “O serão das Alfândegas”;
                = a sensibilidade e “vivência histórica” em “Dois Mortos sem sepultura” (João Medina, Antonino Santos e Helena Carvalho);
                = o “Zé da Gaita” (José Luís), “Vitorino da Vaca” (João Medina), “Horta da Figueira”, “Conversa na Rua”, “Canção da Fonte”, a bruxa (Otília Medina), “Milagre da Fonte”, etc. etc.

1981.03.06     -     TEATRO EM TAVAREDE (O FIGUEIRENSE)

                Verdadeiramente calorosos os aplausos com que o público tem acolhido, na sua triunfal carreira, a peça de Tavarede “Ecos da Terra do Limonete”. O facto plenamente se justifica: os 2 actos da peça, constituidos por 13 cenas de evocação histórica, de bela e rica fantasia e de comentário alegre e pitoresco, são aliciantes sugestivos – um desfile de figuras e de factos de ontem e de hoje, começando pela tão bela cena de “A Mãe e a Filha” (Tavarede e Figueira), como prolongando a história da vila de Tavarede e do lugar de S. Julião com o Conde D. Sisnando, o Abade Pedro e Cidel Pais em Coimbra, no ano de 1064; passando pelas ruínas do Paço dos Quadros com a sua falada torre com ameias; relembrando Fernandes Tomás; ouvindo o exportador de laranjas junto à casa da Câmara de Tavarede; e a conversa na rua, e o Capador e o Carreiro; e, a fechar, o rancho do 1º de Maio com os potes enfeitados. Tudo isto dentro de linda moldura cénica, com um conjunto de 60 figuras lindamente vestidas por Anahory e boa música enriquecendo e alegrando algumas cenas.
                Quem desejar ver ainda uma vez esta obra da SIT terá de ir amanhã a Tavarede. Será a despedida de “Ecos da Terra do Limonete”.

1981.04.06     -     V JORNADAS DE TEATRO AMADOR (MAR ALTO)

                Quando em 1664, em França, Molière apresenta a sua nova peça, estaria talvez longe de pensar que um escândalo iria abalar durante algum tempo a sociedade da época, mercê da intervenção do poderio eclesiástico face à exibição em Versalhes, pela primeira vez, da última comédia daquele que viria a ser um dos maiores nomes da comediografia francesa, conseguindo durante alguns anos a proibição da sua representação.
                A mais de trezentos anos de distância, a Sociedade de Instrução Tavaredense põe em cena essa polémica obra de Molière, “Tartufo”, uma comédia em 5 actos, numa adaptação literária de António Feliciano de Castilho.
                É evidente que a sociedade actual não comunga dos mesmos preconceitos daquela época, nem o clericalismo de hoje detém a força e a influência política capaz de cercear uma obra tão mordaz como “Tartufo”.
                Em “Tartufo”, Molière satiriza não só uma época, mas perpétua no tempo a visão sombria de todas aquelas figuras sinistras, repelentes, que sugam a cada passo os ingénuos e pobres de espírito que se deixam levar pela matreirice diabólica dos cínicos e oportunistas sem escrúpulos.
                Tartufo é a personagem central desta peça, um falso devoto que mercê das suas habilidades e valendo-se de falsos conceitos morais e religiosos de que se faz possuir, consegue albergar-se no seio de uma família cujas tradições religiosas do senhor e de sua mãe fazem dele a pessoa mais idolatrada da casa – um santo possuidor de todas as virtudes.
                Mas como em todas as histórias, a verdade se sobrepõe à hipocrisia e Tartufo é desmascarado e preso antes de se consumar a sua mais ignominiosa perfídia.
                A actuação da Sociedade de Instrução Tavaredense desempenhou o mais perfeito trabalho que até agora nos foi apresentado nestas Jornadas de Teatro Amador. Numa peça de difícil desempenho, quer pela extensão dos seus diálogos, quer pela extensiva permanência em cena de muitos dos seus personagens, obrigando-os a uma movimentada marcação, mantendo sempre viva a sua presença e a expressivos jogos mímicos de que aliás se saíram com perfeita execução, foi bem posto à prova um conjunto de artistas excelentemente dirigidos, denotando um saber e uma experiência notáveis para um agrupamento amador.
                No plano individual, assistimos a exibições francamente boas, onde não são de apontar excepções negativas à boa interpretação de todos os elementos. Refira-se no entanto a extraordinária interpretação de Ana Paula Fadigas no papel de Dorina, a criada da casa, que apenas como comentário nos apetece alertar os empresários de teatro profissional para, no caso de precisarem de artistas de primeiro plano, aparecerem por Tavarede.
                João de Oliveira, o Tartufo, que não é decerto um refinado hipócrita, fingiu-o muito bem.
                Para a figura irascível do velho Orgon, dono da casa,, também uma excelente interpretação de João Medina, apenas um reparo que não deslustra no entanto a sua boa actuação. Parece-nos que deveria pôr um pouco menos fulgor na voz e mais na expressão, quando Dorina lhe dava as novas da casa e ele apenas pretendia saber de Tartufo, perguntando por ele repetida e energicamente. Este é um dos momentos altos desta peça, pois traduz o desprezo pelos mais elementares deveres para com a família, contrastando com a obcecação fanática posta na veneração quase divina àquele homem que viria a portar-se como um símbolo de hipocrisia e traição.

1981.05.01     -     TARTUFO DE MOLIÈRE À JOSÉ RIBEIRO (O DEVER)

                O famoso grupo cénico da S. I., Tavaredense desceu à Figueira, mais uma vez, para, com todo o valor que lhe é justamente reconhecido, levar à cena a conhecida comédia de Molière, Tartufo, na versão de António Feliciano de Castilho.
                Obra célebre, de autor célebre, encontrou no experimentado Grupo de Tavarede e estudo abalisado de José Ribeiro o pulso forte que a sua erudição exigia e possibilitou uma exibição de nível e que apenas estará à mercê de equipas altamente profissionalizadas. Os amadores (?) de Tavarede mostraram, assim, ter atingido um grau de maturidade teatral tal que só estará ao alcance de minguado número de grupos cénicos no nosso país.
                Tartufo não é uma peça fácil. Não sei mesmo se é possível vê-lo, com tal nível, em Portugal. Só artistas evoluídos, estudiosos, superiormente dirigidos, têm acesso a Molière. Ora, todo o elenco que pisou o palco do Peninsular, sem excepção, chegou a Molière. Assim – e porque seria injustiça realçar nomes – aqui fica a lista de todas as personagens que tornaram possível tal espectáculo que entusiasmou a numerosa assistência que quase enchia a sala e dispensou ao famoso grupo calorosa ovação que só terminou quando José Ribeiro, principal responsável pelo êxito obtido, apareceu no palco.
                Personagens: Madame Pernelle, mãe de Orgon, Lurdes Lontro; Orgon, marido de Elmira, João Medina; Elmira, esposa de Orgon, Maria Conceição Mota; Damis, filho de Orgon, Vitor Medina; Mariana, filha de Orgon, Ana Maria Bernardes; Valério, noivo de Mariana, José Manuel Vitorino; Cleanto, cunhado de Orgon, José Luis Nascimento; Tartufo, falso devoto, João de Oliveira; Dorina, creada de Mariana, Ana Paula Fadigas; Leal, oficial de diligências, Manuel Lontro; Meirinho, Antonino Santos e Filipa, creada de Mme. Pernelle, Teresa Lontro.

1981.05.07     -     JORNADAS DE TEATRO AMADOR (A VOZ DA FIGUEIRA)

                O teatro aconteceu no passado dia 27 com a apresentação do grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense.
                Esta é a “troupe” do concelho com mais experiência de palco e de maiores créditos dados até agora.
                Não por isso, mas pela linha de conduta imposta ao grupo, ele constitui um grande exemplo a seguir pelos demais. Desde a subida do pano (rigorosamente à hora marcada) até ao final da peça, respirou-se disciplina.
                Qualquer pessoa, habituada a ver teatro, notou ali a mão de um mestre conduzindo cada elemento e a harmonizar o todo da encenação. No final, alguém nos informou que, efectivamente, a venerável figura que apareceu em palco, trazida pelos actores, era o devotado artífice de tão homogéneo grupo: - José Ribeiro.
                Verdadeiro sacerdote do teatro, ele conseguiu, ao longo dos anos, uma obra que poderá (e quanto a nós DEVERÁ) apresentar em qualquer festival de teatro, mesmo no estrangeiro.
                Talento e bom senso demonstraram todos os elementos em palco, mas – que me perdoem os demais – João Medina, na figura de Orgon fez-nos lembrar Jacinto Ramos. E não temos dúvida nenhuma em afirmar que Ana Paula Fadigas (na criada Dorina) poderá ser se o quizer – um grande vulto do teatro português.
                E que bem que Lurdes Lontro traçou a figura da mãe de Orgon! O próprio Tartufo, cuja aparência de João Oliveira igualmente ajudou, além da rigorosa interpretação.
                Tão emocionada nos deixou o vosso esforço, tavaredenses – ele bem se adivinha pela obra apresentada – que um dia vos procuraremos.

1981.05.15     -     TARTUFO (BARCA NOVA)

                ... o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense optou por ser “fiel à obra”, o que não surpreende por estar de acordo com os seus trabalhos anteriores e as ideias do se encenador. Apesar de fazer apenas dois intervalos, entre o 2 e 3º actos e o 4º e 5º actos, o pano de boca desce sempre no final de todos os actos e não podem ser designados por intervalo só porque os espectadores não saiem da sala. Pequeno pormenor sem interesse pensarão alguns, mas que demonstra bem que nem todas as novas técnicas de produção teatral foram seguidas neste espectáculo. No final desta montagem de Mestre José Ribeiro tivemos a sensação de que Tartufo não tinha mostrado a sua verdadeira face dos dias de hoje, apesar de todas as qualidades que o espectáculo encerra.
                O bom trabalho da maioria dos actores, apesar da sua representação convencional não impede a impressão de termos estado na sala de um museu onde às obras expostas não são fornecidas as melhores condições para serem admiradas na sua plenitude. Porém, tudo isto não nos impede de afirmar que este é até agora o melhor espectáculo destas V Jornadas de Teatro Amador da Figueira da Foz, e que Ana Paula Fadigas confirma as suas grandes potencialidades como actriz.

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