Ao grupo vieram-se juntar o Reitor e João da Esquina, mais a
mulher, que estranhando o movimento no largo, quiseram saber de que se tratava.
José da Dornas, bem disposto, logo começa a contar as enormes virtudes de seu
filho, o novo médico. Pois não era que ele até conseguira demonstrar aos seus
mestres que não havia doenças?... E, perante a incredulidade dos aldeões, logo
acrescenta: “E olhem, vocemecês, que ele até provou aos professores, e
escreveu-o, que “um homem e um macaco é tudo a mesma coisa”... Estava ali um
sábio! Pois bem, arranjou-a bonita. Com que então homens e macacos tudo a mesma
coisa?
João e Teresa
Que doutor, ai, que doutor falto de caco
É
decerto, é decerto esse alveitar
Que
me quer, sim, que me quer tornar macaco
P’ra
me ver macaquear.
Reitor
Claramente
ele não disse
Nesse
livro original
Que
a travessa macaquice
É
condão do racional.
João e Teresa
Não terá
nossos carinhos
Quem
faz tal comparação
Tem
decerto macaquinhos
Ou
é grande macacão.
José
Vem
a coisa bem’ xplicada
E
ao doutor eu dou razão
Pois
há muita macacada
Na
moderna geração.
João
Se
eu sou macaco,
Como
explicar
Que
tenho caco
Para
pensar?
Teresa
Se
eu sou macaca,
Sem
contestar
Devo
ser fraca
P’ra
matutar.
José
Macacos
par’cemos
Não
somos porém,
Mas,
quando nascemos,
Guinchamos
também,
Caretas
fazemos,
Não
temos pensar,
Macacos
par’cemos
Até
no olhar.
João e Teresa
Tal nunca
supomos
Nem
disse ninguém
Macacos
não somos
Que
eu vejo-me bem.
Se
acaso par’cemos
Alguns
animais
De
tudo seremos,
Macacos
jamais.
Passa
fora tal doutor
Que
nos vem assim tratar,
Se
não mostra mais valor
P’ra
que foi ele estudar?
Que
doutor, que doutor falto de caco
É
decerto, é decerto esse alveitar
Que
me quer, que me quer tornar macaco
P’ra
me ver encavacar.
Reitor
Claramente
ele não disse
Nesse
livro original
Que
a travessa macaquice
É
condão do racional.
João e Teresa
Quem não
tenha muito caco
Não
aceita e com razão
Que
lhe digam que é macaco
Sem
andar co’as mãos p’lo chão.
Margarida e Clara, duas irmãs orfãs, viviam sob a protecção
do reitor que, à hora da morte da mãe, lhe jurara velar por elas. Eram bastante
diferentes as duas raparigas. Margarida, reservada e pouco expansiva, desde há
uns tempos que andava constantemente triste. Pelo contrário, Clara, era alegre
e divertida, sempre pronta para as festas da aldeia, e que, por muitas vezes, tentara
que a irmã lhe dissesse a razão daquela tão grande tristeza, que ela não
compreendia.
Margarida
A débil
flor pode à mulher ser comparada
Em
seu aspecto, em seu destino e condição
Tal
como a flor é pela sorte destinada
A
ter vergel ou pertencer à solidão.
Se
quando nasce tem d’abril uma alvorada
No
mundo esparge o mais suave e belo odor,
Mas
se d’inverso em rude escarpa foi brotada,
Na
sua vida simboliza a eterna dor.
Clara
Tal
como a flor tu és, irmã,
Pois
no olhar tens o lampejo
Do
astro-rei, que de manhã
Vem
dar na flor o doce beijo
P’ra
que se torne mais louçã.
Devem
na sorte ser iguais,
Se
beija a todos igualmente,
Pois,
quando a luz desce aos rosais
Brilha
também suavemente
No
monte agreste ou salgueirais.
Ambas
Mulheres
e flores
São
dois primores
Que
os trovadores
Bem
entrelaçam.
E
sendo flores
Brotam
fulgores
Dizem
amores
Por
onde passam.
Margarida
Porém a
flor pode brotar entre um canteiro
Onde
se ostentam lindas rosas do Japão,
Ou
florescer no mais escuro montureiro
E
assim morrer sem um só beijo d’afeição.
Como
dizer que a sorte igual é para as duas?
Como
provar que os seus destinos são rivais?
Se
aquele teve a luz dos sois e brandas luas
E
esta só viu a triste sombra e nada mais?
Clara
Se
a boa sorte o bem produz,
Ninguém
demonstra com verdade.
Pois
se a má sorte ao mal conduz
Bastam
os braços da amizade
P’ra
nos dar vida, amor e luz.
Serás
a flor que em seu arvol
Jamais
poisou a cotovia,
Uma
andorinha, um rouxinol.
Mas
outra flor te acaricia
P’ra
que te beije o lindo sol.
Ambas
Mulheres
e flores
São
dois primores
Que
os trovadores
Bem
entrelaçam,
E
sendo flores
Brotam
fulgores,
Dizem
amores
Por
onde passam.
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