Já nos alongámos muito mais do que o
previsto e, apesar disso, muito ainda haveria a recordar quanto aos usos e
costumes da nossa terra. E, se recordámos alguns, não nos poderemos esquecer e
lembrar, embora muito resumidamente, de mais uns quantos.
Como, por exemplo, as lavadeiras de Tavarede,
e o costume que havia de irem lavar as roupas na água límpida e fresca do nosso
ribeiro, enquanto cantavam alegremente as mais bonitas cantigas do nosso
teatro.
Lavadeiras
de Tavarede, na ribeira da Várzea
E
enquanto iam lavando a roupa e cantando, lá ia de vez em quando um pouco de
‘má-língua’, normalmente ‘cortando na casaca das amigas...’. As lavadeiras
tavaredenses, tantas vezes recordadas no nosso teatro!
Pela
chamada semana santa era a queima do Judas e o tão desejado dia da esmola. Se
ainda se mantém este último costume, já não é nada semelhante ao dos nossos
tempos, em que, em ranchada e levando a bolsa de trapos coloridos, íamos de
porta em porta pedindo a ‘esmolinha’, que nunca era negada. Um punhado de
feijão, de grão de bico ou de chícharos, um quarto de broa caseira cozida na
véspera, e no final a bolsa já estava recheada.
Mas
nunca nos esquecíamos de ir até à estrada da Chã, pedir a esmola a casa do sr.
Ezequiel Leite, pois já sabíamos que nos seriam distribuidas mãos-cheias de
avelãs...
Também
era muito frequente a passagem por Tavarede dos carros de bois gandarezes,
carregados de ‘mexoalho’ que iam comprar em Buarcos e que era precioso adubo
para as suas areentas terras. A rapaziada acompanhava a caminhada vagarosa do
caravana esperando a queda de algum pilado, que logo corríamos a apanhar e
guardar para a merenda...
O
enterro do bacalhau, a serração da velha, felizmente ainda recordada, e tantos
mais...
Mas não
podemos esquecer um outro costume que, assim o julgamos, ainda é seguido,
especialmente pelas crianças das escolas. Recordamos a quinta-feira da Ascensão
e a alegre apanha da ‘espiga’. “É ámanhã, quinta-feira da Ascenção, em que
bandos de raparigas moças, de labios rubros, faces rosadas e olheiras fundas,
correm estonteantes, borboleteando em redór das seáras como uma nuvem de
daninhos e alados pardais, na faina voluptuosa e risonha de colher a Espiga,
que depois entrelaçam com as mais belas flôres silvestres.
Cada espiga que vão colhendo é uma esperança que se lhes
agloméra no cerebro; cada flôr cortada é um facho de luz mais puro que o sol
benfazejo da primavera, que lhes ilumina a alma e faz tanger a corda mais
intima do seu coração. É, pois, ámanhã um grande dia, um dia santo, que até o mais
libertino deve respeitar como o dia da Ascenção do Martir do Calvário.
E
acabamos estas recordações com a nota que escrevemos no livro ‘Tavarede – a
terra de nossos avós’ - primeiro caderno, sobre este velho costume. “Quarenta dias
haviam decorrido após a Sua ressurreição.
Então
Jesus Cristo, cumprindo as profecias que assim já o haviam prenunciado, reuniu
os seus discípulos no Monte das Oliveiras, o mesmo onde Judas Iscariotes o
havia entregado aos soldados, e levantando as mãos os abençoou. Enquanto os
abençoava foi-se elevando à sua vista, e subiu ao céu onde está sentado à
direita de Deus, donde voltará, no Dia do Juizo, da mesma maneira por que foi
para lá. É assim que a Bíblia nos conta a Ascenção de Cristo ao céu.
Ora
nesse dia, quinta-feira, cumpre-se, há já longos anos, uma tradição. É a apanha
da espiga. Esta, segundo os
antigos, deve ser apanhada da parte da manhã e guardada em casa. Significa o
guardar a espiga, pedir a Jesus Cristo a mercê de, durante o ano, nos não
faltar com as coisas que ela simboliza e que são mais necessárias à nossa vida.
A espiga é composta do seguinte:
- Malmequeres amarelos e
brancos - representam ouro e prata;
- Trigo - significa o pão;
- Papoulas encarnados - que
pedem alegria;
-
Um bocado de oliveira e parra - é o azeite e o vinho;
Além
destas coisas, indispensáveis, há pessoas que também juntam centeio, aveia e
até favas. Estas, assim como o trigo, representam o pão, que é o nosso
principal alimento. E é para pedir a Jesus Cristo que nunca nos falte com o
ouro e com a prata, o azeite e o vinho, e finalmente com a alegria, que neste
dia se vêm pelos caminhos dos campos, enormes grupos de raparigas que,
alegremente, procuram aqui uma seara de trigo para apanharem uma espiga, além
uma oliveira para colherem um bocadinho e mais adiante os malmequeres, as
papoulas e as restantes coisas, para formarem assim a espiga, conforme manda a
tradição.
O
certo é que, por volta do meio dia, se vêem as raparigas regressar a suas
casas, alegres e felizes, com o ramo na mão, no qual sobressai o vermelho
garrido das papoulas, igual ao tom carminado das suas faces que o sol,
atrevido, corou. Ao chegarem a casa correm pressurosas a guardar a sua espiga,
a qual só será atirada fóra quando no próximo ano for substituida por outra.
É
assim ano após ano. A tradição, já tão velhinha, continua. As raparigas não a
deixam esquecer. É vê-las como anciosas esperam este dia. Oxalá nunca a deixem
morrer e que sempre possam continuar a ir apanhar a espiga com a paz e a alegria
que a mesma representa. O dia da Ascenção era um dia muito respeitado
antigamente. Bastará, para o confirmar, a quadra que respigámos de um artigo
sobre as superstições populares no concelho da Figueira da Foz
Se os passarinhos soubessem
Quando é dia d'Asccenção
Nem punham o pé no ninho
Nem o biquinho do chão.
Se os passarinhos soubessem
Quando é dia d'Asccenção
Nem punham o pé no ninho
Nem o biquinho do chão.
Sem comentários:
Enviar um comentário