sexta-feira, 27 de junho de 2014

Operetas em Tavarede - 23

         Foi propositadamente que abreviámos a primeira parte do sarau desta noite. O que nós pretendemos recordar, nestas reuniões, a par da breve história das peças escolhidas, é, sobretudo as cantigas. Algumas delas, estamos convictos disso, terão sido verdadeiras novidades para a maioria dos nossos acompanhantes. E das “Pupilas”, outros números houveram que, talvez até, deveriam ser recordados. Mas, lembrámo-nos de que, a segunda parte, é dedicada à opereta “Justiça de Sua Majestade”, igualmente extraída dum romance de Júlio Dinis.

         E, então? Então... é que esta opereta foi uma adaptação feita, para o nosso grupo cénico, pelo nosso saudoso Mestre José da Silva Ribeiro. Só esta razão seria suficiente para uma conversa maior, tanto mais que ele escreveu-a em situações bem difíceis! Foi durante a sua prisão, no forte de S. João Baptista, em Angra do Heroísmo. Deportado por motivos políticos aproveitou parte do seu tempo para escrever esta opereta. E teve excelentes colaboradores. Os versos que se espalham ao longo dos seus três actos, são da autoria do professor Alberto de Lacerda, como se recordam o poeta de “A Cigarra e a Formiga”. Para a música, além da sempre magnífica inspiração e sensibilidade do maestro amador António Simões, teve a colaboração especial de dois consagrados maestros e compositores lisboetas: Raul Portela e Raul Ferrão, autores de tantas e tantas músicas que Portugal inteiro escutou com encanto. Lógico, portanto, que reservássemos um pouco mais do nosso tempo de hoje para esta segunda parte. E principiemos a nossa narração.

         Estamos numa estrada entre Barcelos e Braga, no Minho. A um dos lados há uma estalagem. Um grupo de oficiais do exército prepara-se para entrar e almoçar. O estalajadeiro, junto do seu pessoal, explica-lhes o que tem para os servir.

            Oficiais                 
    Louvado seja o Senhor
    Que chegámos finalmente
    A lugar aonde a gente
    Se sente,
    Coma e beba do melhor.

            Coro geral                    
     Louvado seja o Senhor!
    Louvado seja o Senhor!

            Julião              
    Ó da casa!... Ó da casa!...
    Ou esta casa vai rasa
    Ou me dão já de comer.

            Todos      
    Ou nos dão já de comer.

           Cipriano             
    Para mim um boi inteiro,
    Dois leitões ou um carneiro,
    E um almude p’ra beber.

            Todos         
    Um almude p’ra beber.

            Estalajadeiro       
      Senhorias,
      Temos trutas, carnes frias,
      As capoeiras,
      As coelheiras,
     À vossa disposição,
     E um porquito de salmoura
     Que é uma consolação!

            Todos  
     As capoeiras,
     As coelheiras
     À nossa disposição
     E um porquito de salmoura
     Que é uma consolação!

            Julião 
      Pois então vamos embora!
      Serve, serve muito bem!

              Cipriano                   
       Mas para a sede que eu sinto...

            Estalajadeiro  
     Tenho branco, tenho tinto
     E tenho verde também.

            Todos     
     Temos branco, temos tinto
     E temos verde também.

            Pessoal 
      Pois então vamos embora
      Sem tardança
      A preparar a pitança,
      Que quem vem, estrada fora,
      Légua a légua, hora a hora,
      Percorrendo a estrada imensa,
      Marcha e pensa,
      Vem pensando
      E vem marchando
     Mais ligeiro
     Que em chegando
    À terra da promissão
    Um boi inteiro
    Não é grande refeição.

         Era um verdadeiro banquete para eles, pois que estavam esfomeados. Fizeram a encomenda e entraram. Tempo depois, dois desses oficiais, o Major Samora e o Alferes Rialva saem da estalagem e conversam, enquanto aguardam pelos seus companheiros, mais custosos de abandonaram a mesa.

         
O Major Samora, velho soldado, fala dos tempos em que, colocado em Braga, ali viveu algumas aventuras que julgava esquecidas, mas que, com este regresso ao Minho, voltavam a acorrer-lhe à memória. “Lances arriscados, entusiasmos da vitória, desesperos de derrotas, mil aventuras, enfim, pecados velhos que vão lembrando com certo travo”. Aventuras da mocidade! No final da campanha de então, havia conhecido uma rapariga das imediações de Barcelos que profundamente o impressionara. Quando se firmou a paz, depois de uma convalescença longa de um grave ferimento, recordou-se dela. Escreveu a saber notícias. Recebeu a resposta de que havia morrido. Como a recordava, agora!


         Também Rialva lhe confidencia de certos amores que havia tido, tempos atrás, em Braga. Era uma menina que estava a educar-se num convento local. Tinha ido passar uns dias a casa de um tio. Ficou de tal forma enlouquecido por ela que, uma noite, sem pensar nas consequências, lhe salta pelo muro do jardim para se encontrar com ela. Após longa conversa e promessas de amor e depois de a ter beijado pela primeira e única vez, saltou novamente o muro para a rua. Regressou, com o seu batalhão, a Lisboa. Esqueceu-a, é claro. Nunca mais tinha procurado saber dela, tanto mais que nunca mais aqui voltara.

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