Foi propositadamente que abreviámos a primeira parte do
sarau desta noite. O que nós pretendemos recordar, nestas reuniões, a par da
breve história das peças escolhidas, é, sobretudo as cantigas. Algumas delas,
estamos convictos disso, terão sido verdadeiras novidades para a maioria dos
nossos acompanhantes. E das “Pupilas”, outros números houveram que, talvez até,
deveriam ser recordados. Mas, lembrámo-nos de que, a segunda parte, é dedicada
à opereta “Justiça de Sua Majestade”, igualmente extraída dum romance de Júlio
Dinis.
E, então? Então... é que esta opereta foi uma adaptação
feita, para o nosso grupo cénico, pelo nosso saudoso Mestre José da Silva
Ribeiro. Só esta razão seria suficiente para uma conversa maior, tanto mais que
ele escreveu-a em situações bem difíceis! Foi durante a sua prisão, no forte de
S. João Baptista, em Angra do Heroísmo. Deportado por motivos políticos aproveitou
parte do seu tempo para escrever esta opereta. E teve excelentes colaboradores.
Os versos que se espalham ao longo dos seus três actos, são da autoria do
professor Alberto de Lacerda, como se recordam o poeta de “A Cigarra e a
Formiga”. Para a música, além da sempre magnífica inspiração e sensibilidade do
maestro amador António Simões, teve a colaboração especial de dois consagrados
maestros e compositores lisboetas: Raul Portela e Raul Ferrão, autores de
tantas e tantas músicas que Portugal inteiro escutou com encanto. Lógico,
portanto, que reservássemos um pouco mais do nosso tempo de hoje para esta
segunda parte. E principiemos a nossa narração.
Estamos numa estrada entre Barcelos e Braga, no Minho. A um
dos lados há uma estalagem. Um grupo de oficiais do exército prepara-se para
entrar e almoçar. O estalajadeiro, junto do seu pessoal, explica-lhes o que tem
para os servir.
Oficiais
Louvado
seja o Senhor
Que
chegámos finalmente
A
lugar aonde a gente
Se
sente,
Coma
e beba do melhor.
Coro geral
Louvado
seja o Senhor!
Louvado
seja o Senhor!
Julião
Ó
da casa!... Ó da casa!...
Ou
esta casa vai rasa
Ou
me dão já de comer.
Todos
Ou
nos dão já de comer.
Cipriano
Para
mim um boi inteiro,
Dois
leitões ou um carneiro,
E
um almude p’ra beber.
Todos
Um
almude p’ra beber.
Estalajadeiro
Senhorias,
Temos
trutas, carnes frias,
As
capoeiras,
As
coelheiras,
À
vossa disposição,
E
um porquito de salmoura
Que
é uma consolação!
Todos
As
capoeiras,
As
coelheiras
À
nossa disposição
E
um porquito de salmoura
Que
é uma consolação!
Julião
Pois
então vamos embora!
Serve,
serve muito bem!
Cipriano
Mas
para a sede que eu sinto...
Estalajadeiro
Tenho
branco, tenho tinto
E
tenho verde também.
Todos
Temos
branco, temos tinto
E
temos verde também.
Pessoal
Pois
então vamos embora
Sem
tardança
A
preparar a pitança,
Que
quem vem, estrada fora,
Légua
a légua, hora a hora,
Percorrendo
a estrada imensa,
Marcha
e pensa,
Vem
pensando
E
vem marchando
Mais
ligeiro
Que
em chegando
À
terra da promissão
Um
boi inteiro
Não é grande refeição.
Era um verdadeiro banquete para eles, pois que estavam
esfomeados. Fizeram a encomenda e entraram. Tempo depois, dois desses oficiais,
o Major Samora e o Alferes Rialva saem da estalagem e conversam, enquanto
aguardam pelos seus companheiros, mais custosos de abandonaram a mesa.
O Major Samora, velho soldado, fala dos tempos em que, colocado em Braga, ali viveu algumas aventuras que julgava esquecidas, mas que, com este regresso ao Minho, voltavam a acorrer-lhe à memória. “Lances arriscados, entusiasmos da vitória, desesperos de derrotas, mil aventuras, enfim, pecados velhos que vão lembrando com certo travo”. Aventuras da mocidade! No final da campanha de então, havia conhecido uma rapariga das imediações de Barcelos que profundamente o impressionara. Quando se firmou a paz, depois de uma convalescença longa de um grave ferimento, recordou-se dela. Escreveu a saber notícias. Recebeu a resposta de que havia morrido. Como a recordava, agora!
Também Rialva lhe confidencia de certos amores que havia
tido, tempos atrás, em Braga. Era uma menina que estava a educar-se num
convento local. Tinha ido passar uns dias a casa de um tio. Ficou de tal forma
enlouquecido por ela que, uma noite, sem pensar nas consequências, lhe salta
pelo muro do jardim para se encontrar com ela. Após longa conversa e promessas
de amor e depois de a ter beijado pela primeira e única vez, saltou novamente o
muro para a rua. Regressou, com o seu batalhão, a Lisboa. Esqueceu-a, é claro.
Nunca mais tinha procurado saber dela, tanto mais que nunca mais aqui voltara.
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