Água, vinho e leite
Produtos tavaredenses com fama!
Foram três produtos tavaredenses que
tiveram muita fama! Comecemos pelo vinho. Até porque o vinho lembra o S.
Martinho e este santo, desde tempos imemoriáveis, é o padroeiro de Tavarede.
Ainda não há muitos anos o vinho tinha grande influência na nossa terra. “... há vinte ou trinta anos, havia aqui duas
tabernas. Hoje temos cinco!”. (Chá de Limonete)
É verdade! Tendo sido Tavarede uma terra
de índole agrícola, havia sempre um pedaço de terreno, cuidadosamente tratado,
onde imperavam pujantes cepas, ou corrimões que ladeavam as leiras semeadas.
Nalguns quintais, enormes parreiras proporcionavam sombras agradáveis nas
quentes tardes do verão.
A grande maioria dos tavaredenses apenas
fabricavam pequenas quantidades para consumo próprio, não sendo raros os casos
em que recorriam a uns cântaros de água.
Mesmo assim, poucos eram aqueles que conseguiam colheita para todo o
ano. E poucos, mesmo muito poucos, eram aqueles que vendiam o seu vinho.
Havia, porém, alguns locais na freguesia
onde se fabricava vinho de qualidade, especialmente branco. Encontramos
diversas referências ao vinho branco produzido nos Condados! E nas encostas da
Matiôa e do Saltadouro, terrenos fortes cheios de sol, era o tinto e o palhete
que dominavam.
Mas, embora os produtores fossem
muitos, os bebedores eram em número substancialmente superior. Influência,
talvez, do orago da terra... Mesmo nas primeiras décadas do século vinte
encontram-se muitas notícias, na imprensa figueirense, sobre o consumo
excessivo de vinho na terra, o que muitas vezes dava azo a quezílias e
desordens, que algumas vezes atingiam gravidade. Questões do progresso
comercial, como o aumento de tabernas referido acima!
Baseados nas citadas velhas notícias,
encontramos muitas notas lamentando a preferência da taberna em desfavor da
escola que há mais de cento e dez anos já funcionava, gratuitamente, na
colectividade do Terreiro. Mas era nas tabernas que, embrenhados em jogos de
cartas, os trabalhadores tavaredenses iam passar os serões, bem longos no
inverno, gastando na bebida muitas vezes o dinheiro necessário à sua
alimentação e de sua família.
Na verdade foi bastante longa e dura a
luta travada contra tal vício, onde se deve destacar a acção desempenhada pelas
associações locais, sempre tentando atrair os analfabetos trabalhadores à
educação e â instrução que as aulas proporcionavam. Como exemplo, citamos o
espectáculo promovido pela Sociedade levado à cena nas comemorações do seu
aniversário, em Janeiro de 1911, transcrevendo um pequeno apontamento
encontrado num jornal figueirense. “... é um
pequeno drama e uma grande lição que oxalá aproveite aos que infelizmente
preferem a frequência na taberna e no jogo ao santuário da escola. Pintando
claramente as consequências funestas dos que se deixam arrastar pelo vício até
à prática dos mais horrendos crimes, termina pela apoteose à instrução”.
Muitas foram as vezes que houve
aproveitamente do teatro para mostrar os malifícios do abuso do vinho e as
vantagens da educação, aprendendo a ler e a escrever. Somente como exemplo,
retirámos da fantasia ‘Na Terra do Limonete’, levada à cena em Abril de 1912,
este pequeno fragmento: “Zé Borracho – Este é do bom. Foi tirado
da pipa ou da picheira? (gesto do Taberneiro) Bem! (senta-se e fala
com os copos, muito bêbedo) Pois sim! Diz
que eu já lá vou! Quer dinheiro? Vá roubá-lo! (pausa) Quais filhos, nem qual diabo? Cada um que trate de
si! (pausa)
Para roubar ou pedir não é preciso aprender. Eu cá deixo tudo menos de beber! (levanta-se
com o copo e canta)
Do
funil faço a mortalha,
D’uma
pipa o caixão,
Da
garrafa uma vela,
Fico
de copo na mão;
O
beber alegra a gente,
O
fumar nos dá prazer.
Quem
não fuma, quem não bebe,
Que
alegrias pode ter.
Mas foi uma luta proveitosa embora
longa. Os tavaredenses acabaram com tal vício e, em grande parte devido às
lições colhidas nos espectáculos teatrais, acabaram por se integrarem no lote
dos povos do concelho mais instruidos e cultos.
Voltando ao princípio, recordamos que,
naqueles saudosos e já distantes tempos da nossa meninice, a nossa terra, cujas
leiras ao redor da aldeia eram cuidadosamente amanhadas, q uase que em todas as casas se espichava
um pequeno barril quando era chegado o dia de S. Martinho.
O tempo das vindimas era um tempo
alegre e feliz na aldeia, mesmo para aqueles que tinham de ir à fonte buscar
alguns cântaros de àgua para atestarem o pequeno barril, raras vezes uma pipa.
Recordamos o tempo em que, em duas ou
três adegas locais, se pendurava à porta uma grande ramada de loureiro, que era
o aviso de que ali se vendia vinho novo de produção própria, ao copo e à
garrafa. E muitos eram aqueles que, vindos da cidade ou em especial de Buarcos
aqui vinham merendar nas tardes domingueiras, petiscando saborosas sardinhas
asssadas, saborosa broa caseira e algumas azeitonas, que acompanhavam com o
saboroso vinho novo.
Tinha fama o vinho que assim era
vendido. Das encostas do Saltadouro, da Matiôa e dos Condados, onde as vinhas
eram cuidadosamente tratadas. E enquanto a torneira da pipa deitasse era
garantida a clientela.
Certamente que ainda haverá quem
fabrique o seu vinho. Mas, e com toda a
certza o dizemos, já não existe na terra nenhuma adega que, por ocasião do S.
Martinho, abra a sua porta com o ramo de louro pendurado.
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