“Que sendo o Couto de Tavarede muito
pequeno, tráz nele um grande rebanho de cabras, destruindo todas as vinhas e
mais novidades dos pobres, e se acaso lhas deitam fora os donos das fazendas,
os criados se levantam contra eles e os ameaçam com seu amo, cujo respeito os
intimida a não defenderem o que é seu. E o mesmo sucede com os gados das
pessoas que são da sua casa, por serem muitos os compadres e afilhados que
logrão da isenção e privilégios da mesma, e estes, ainda que os seus gados
sejam daninhos, não são coimados e se algum, por esquecimento da Justiça o foi,
logo o faz riscar do livro e fica isento da coima”.
Retirámos este
apontamento da carta que o cabido da Sé de Coimbra enviou ao rei D. José,
contando as arbitrariedades e tropelias que o então morgado de Tavarede,
Fernando Gomes de Quadros, cometia contra o pobre povo da nossa terra e que
acabou por ter o resultado final da mudança da câmara de Tavarede para a nova
vila da Figueira da foz do Mondego, que levou à queda do poderio dos fidalgos
tavaredenses.
Não esquecemos o lamento que
o David Seco, personagem da fantasia ‘Chá de Limonete’ fez, a propósito do
relatado acima, aos seus conterrâneos: “isso é que eu não perdoo ao fidalgo: fazer leite de cabra duma
vinha que dava uma pinga de quinze graus”.
Teria razão no seu lamento,
mas, o que é verdade, é que os abusos feitos pelo morgado e seus criados,
passaram a ser feitos pelos cabreiros da terra, e não só, de acordo com a
notícia publicada em Junho de 1906 num periódico figueirense:
“São
grandes os prejuizos que as cabras fazem diariamente assaltando os prédios e
devastando as ceáras. Todos se queixam d’este mal, que n’outro tempo se
corrigia facilmente, mas hoje, graças à novissima legislação, não pode o
pequeno proprietario defender o que lhe pertence, porque é dispendioso e
complicado o processo e geralmente fica n’ele condenado, porque é dificil saber
quem é o dono da cabrada que faz qualquer damno.
Há muito tempo foi apresentado à
camara municipal um requerimento assinado por centenares de proprietarios de
varias freguezias do concelho, pedindo o restabelecimento da antiga disposição
do codigo de posturas em que, por meio de multas, se corrigiam facilmente os
abusos dos cabreiros e a municipalidade lucrava muito, já que eram amiudadas as
transgressões. Esse requerimento foi indeferido!
Dizem os cabreiros que enquanto
houver cabritos hão de fazer o que quizerem”.
Pela nossa memória perpassam
muitas recordações relacionadas com este tema. Recordamos nossa avó Otília que,
com a sua bata branca e com o latão com o leite, provindo da ordenha das duas
vacas leiteiras, que mantinham no pequeno curral sito ao fundo do quintal, ia
diariamente à Figueira vender a produção às suas habituais clientes.
Um dos cabreiros
locais era o Joaquim Lopes, vulgarmente conhecido por Joaquim Tarouco, que
tinha um rebanho de cabras que, manhã cedo e à tardinha, atravessava a aldeia,
sinalizando a sua passagem com o tilintar de diversas campainhas, que alguns
dos animais levavam penduradas ao pescoço. E não eram raras as vezes que
causavam estragos em propriedades alheias.
“ Num dos últimos dias o cabreiro
Joaquim Lopes, conhecido por Tarôco, metteu a sua grande cabrada na fazenda da
srª. Jesuina Nunes, na Mateôa, causando-lhe grandes prejuizos.
Mas não foram só os prejuizos. Como
a proprietária o fosse encontrar n’aquelle lindo serviço, tratou, juntamente
com os filhos e mulher, de apedrejar a pobre Jesuina, que é entrevada e que a
custo se livrou das pedras.
É assim que os cabreitos fazem
àquelles a quem assaltam e roubam as suas propriedades. E não há justiça para
estes malandros?”.
Enquanto seu filho,
o Evaristo, levava as cabras para pastarem, o Joaquim Tarouco ia para a
Figueira vender o leite produzido. Eram conhecidos os seus pregões anunciando o
produto no Bairro Novo da cidade, especialmente durante a época balnear.
Também na quinta do Paço, à altura
propriedade do sr. Marcelino, havia um grande rebanho de cabras de que era
pastor o Diogo.
Por meados do século
passado, acabou a exploração leiteira na terra. As autoridades competentes
reconheceram que, apesar da obrigatória inspecção que os vendedores tinham de
fazer no laboratório municipal, acabaram por proibir a actividade, por falta de
condições higiénicas e salubridade.
A partir de então
nunca mais a velha aldeia ouviu o alegre tilintar das campainhas dos rebanhos,
manhã cedo para irem em busca do seu manjar e à noitinha recolhendo ao seu
curral, o do Joaquim Tarouco um pouco adiante da fonte, no caminho da Várzea, e
o do Marcelino, no velho solar dos fidalgos de Tavarede transformada em redil.
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