sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Histórias e Lendas - 7



            “Que sendo o Couto de Tavarede muito pequeno, tráz nele um grande rebanho de cabras, destruindo todas as vinhas e mais novidades dos pobres, e se acaso lhas deitam fora os donos das fazendas, os criados se levantam contra eles e os ameaçam com seu amo, cujo respeito os intimida a não defenderem o que é seu. E o mesmo sucede com os gados das pessoas que são da sua casa, por serem muitos os compadres e afilhados que logrão da isenção e privilégios da mesma, e estes, ainda que os seus gados sejam daninhos, não são coimados e se algum, por esquecimento da Justiça o foi, logo o faz riscar do livro e fica isento da coima”.

         Retirámos este apontamento da carta que o cabido da Sé de Coimbra enviou ao rei D. José, contando as arbitrariedades e tropelias que o então morgado de Tavarede, Fernando Gomes de Quadros, cometia contra o pobre povo da nossa terra e que acabou por ter o resultado final da mudança da câmara de Tavarede para a nova vila da Figueira da foz do Mondego, que levou à queda do poderio dos fidalgos tavaredenses.

Não esquecemos o lamento que o David Seco, personagem da fantasia ‘Chá de Limonete’ fez, a propósito do relatado acima, aos seus conterrâneos: “isso é que eu não perdoo ao fidalgo: fazer leite de cabra duma vinha que dava uma pinga de quinze graus”.

Teria razão no seu lamento, mas, o que é verdade, é que os abusos feitos pelo morgado e seus criados, passaram a ser feitos pelos cabreiros da terra, e não só, de acordo com a notícia publicada em Junho de 1906 num periódico figueirense:

“São grandes os prejuizos que as cabras fazem diariamente assaltando os prédios e devastando as ceáras. Todos se queixam d’este mal, que n’outro tempo se corrigia facilmente, mas hoje, graças à novissima legislação, não pode o pequeno proprietario defender o que lhe pertence, porque é dispendioso e complicado o processo e geralmente fica n’ele condenado, porque é dificil saber quem é o dono da cabrada que faz qualquer damno.
            Há muito tempo foi apresentado à camara municipal um requerimento assinado por centenares de proprietarios de varias freguezias do concelho, pedindo o restabelecimento da antiga disposição do codigo de posturas em que, por meio de multas, se corrigiam facilmente os abusos dos cabreiros e a municipalidade lucrava muito, já que eram amiudadas as transgressões. Esse requerimento foi indeferido!
            Dizem os cabreiros que enquanto houver cabritos hão de fazer o que quizerem”.

     Pela nossa memória perpassam muitas recordações relacionadas com este tema. Recordamos nossa avó Otília que, com a sua bata branca e com o latão com o leite, provindo da ordenha das duas vacas leiteiras, que mantinham no pequeno curral sito ao fundo do quintal, ia diariamente à Figueira vender a produção às suas habituais clientes.

         Um dos cabreiros locais era o Joaquim Lopes, vulgarmente conhecido por Joaquim Tarouco, que tinha um rebanho de cabras que, manhã cedo e à tardinha, atravessava a aldeia, sinalizando a sua passagem com o tilintar de diversas campainhas, que alguns dos animais levavam penduradas ao pescoço. E não eram raras as vezes que causavam estragos em propriedades alheias.

         “ Num dos últimos dias o cabreiro Joaquim Lopes, conhecido por Tarôco, metteu a sua grande cabrada na fazenda da srª. Jesuina Nunes, na Mateôa, causando-lhe grandes prejuizos.
            Mas não foram só os prejuizos. Como a proprietária o fosse encontrar n’aquelle lindo serviço, tratou, juntamente com os filhos e mulher, de apedrejar a pobre Jesuina, que é entrevada e que a custo se livrou das pedras.
            É assim que os cabreitos fazem àquelles a quem assaltam e roubam as suas propriedades. E não há justiça para estes malandros?”.       

         Enquanto seu filho, o Evaristo, levava as cabras para pastarem, o Joaquim Tarouco ia para a Figueira vender o leite produzido. Eram conhecidos os seus pregões anunciando o produto no Bairro Novo da cidade, especialmente durante a época balnear.

         Também na quinta do Paço, à altura propriedade do sr. Marcelino, havia um grande rebanho de cabras de que era pastor o Diogo.
         Por meados do século passado, acabou a exploração leiteira na terra. As autoridades competentes reconheceram que, apesar da obrigatória inspecção que os vendedores tinham de fazer no laboratório municipal, acabaram por proibir a actividade, por falta de condições higiénicas e salubridade.

         A partir de então nunca mais a velha aldeia ouviu o alegre tilintar das campainhas dos rebanhos, manhã cedo para irem em busca do seu manjar e à noitinha recolhendo ao seu curral, o do Joaquim Tarouco um pouco adiante da fonte, no caminho da Várzea, e o do Marcelino, no velho solar dos fidalgos de Tavarede transformada em redil.
        
    









Sem comentários:

Enviar um comentário