Foi,
pois, ao espectáculo do passado dia 4, realizado no teatro da SIT, que o
ilustre professor jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
sr. Dr. Hernâni Cidade, eminente presidente da Comissão Nacional das
Comemorações Camonianas – que desde há muitos anos se digna honrar-me com a sua
preciosa amizade, a pontos de já por diversas vezes ter colaborado no meu
“Jornal de Sintra” -, esteve presente e se fez acompanhar de diversos
intelectuais seus amigos.
Entusiasmado por meu filho, que dias
antes, vindo do Norte e indo beijar a familia a Tavarede (onde também nasceu),
assistiu a uma representação da aludida peça, também, com ele, a esposa e filha,
minha mulher e um casal amigo, ali me desloquei.
Dou-me por muito feliz tê-lo feito. O
contrário redundaria numa carga de remorsos que nunca
mais deixaria de pesar-me na consciência…
Ao abrir o espectáculo, José Ribeiro,
descendo ao proscénio, num improviso felicíssimo, como sempre, cumprimentou e
saudou, brilhantemente, o ilustre e categorizado académico, regozijando-se com
a grata presença de tão elevada personalidade, que honrava, sobretudo a
veneranda colectividade de cultura popular da sua terra e os seus humildes
amadores teatrais, todos gente do povo, para quem pediu a maior generosidade e
benevolência na interpretação das peças que iriam apreciar.
E o espectáculo começou pela ordem em
acima referida…
… e acabou, sob uma estrepitosa,
interminável e delirante salva de palmas, devidas aos artistas competentes, e
chamadas entusiásticas a José Ribeiro . que bem mereceu, de facto, as
retumbantes manifestações de carinhoso apreço de que foi alvo!
Antes do pano baixar, o ilustre
espectador, sr. Dr. Hernâni Cidade, subiu ao palco, onde lhe foi entregue, por
uma amadora, um lindo e viçoso ramo de flores, após o que, no uso da palavra,
proferiu um eloquente discurso – que foi bem uma magnifica lição histórica – em
que envolveu, na simpática pessoa de José Ribeiro, o seu apreço ao grupo cénico
que acabara de apreciar e o seu abraço de simpatia ao bom povo da linda aldeia
em que se encontrava, rodeado dos mais cativantes e bem merecidos carinhos.
Uma apoteótica salva de palmas coroou a
magistral lição do ilustre orador.
Prof. Dr. Hernâni Cidade, em
Tavarede
No
salão de recepções da SIT foi, depois, servido a convidados de honra presentes
ao espectáculo, amadores cénicos, etc., um suculento “copo-de-água”, que deu
ensejo a que todos os presentes se regalassem de ouvir mais dois brilhantes
discursos, primeiro, pelo velho amigo José Ribeiro, depois, pelo eminente
presidente da Comissão Nacional das Comemorações de “Os Lusíadas”.
Mais uma vez saí, orgulhoso, de
Tavarede – e profundamente envaidecido pela cada vez mais aprimorada capacidade
artística dos meus conterrâneos! Só é pena que, tanto o espectáculo de agora,
como tantos outros que lá têm sido realizados, todos da mais reconhecida e
categorizada interpretação e rigorosa encenação, fiquem só por ali e pela
Figueira…
Um grande abraço de parabéns, pois, ao
“velho” Zé Ribeiro e aos seus pupilos, entre os quais a “hierarquia” dos
Medinas continua a estar bem representada – em quantidade e qualidade – graças
a Deus!...
De represso a Sintra, pensei em dirigir
um pedido de duas palavrinhas, sobre os tavaredenses, a tão ilustre
catedrático, quase certo de que não deixaria de ser gratamente atendido; e,
como tal, assim o fiz, tendo logo merecido a desvanecedora atenção de Sua Exª,
que se dignou honrar-me com a carta que se segue – e aqui se agradece,
reconhecida e gratamente, com um sincero e respeitoso abraço de muita admiração
e estima. Bem haja, pois, por tamanha honra, sr. Dr. Hernani Cidade:
Sr. António Medina, Meu prezado amigo:
Tenho o tempo tomadíssimo, mas não lhe
posso negar as palavrinhas que me pede sobre o espectáculo a que ambos
assistimos na sua terra, na inesquecível noite de 4 de Novembro.
Foi tudo para mim uma
impressionantíssima surpresa! Sem me deter na maneira como fui acolhido, com
simpatia de tão espontânea generosidade e com palavras de tão calorosa
eloquência, prefiro falar-lhe do modo como eu próprio fui empolgado pela
interpretação do auto camoneano – El-Rei Seleuco. Inteligente a interpretação,
adequado o cenário, com a necessária dignidade o vestuário, e tudo em termos de
dar a melhor evidência a certa grande realidade excepcional: uma exemplaríssima
dedicação de José Ribeiro pela educação do povo humilde da sua aldeia e a
colaboração de todos nessa obra admirável com a entusiástica aceitação dela – a
melhor, a mais comovida e autêntica maneira de lha agradecer.
José Ribeiro merece aquele ambiente de
calorosa estima e de enternecida admiração, que lhe dedicam todos os
colaboradores, todo o povo de Tavarede. E até na formação de tal ambiente está
demonstrada a superior sensibilidade do povo a cuja educação ele com tanta
bondade e com tanta inteligência consagra a sua devoção cívica e a sua
humaníssima paternidade. Na verdade, é uma surpresa gratíssima sentir como todos
desempenham os seus papéis! Sem um comum fundo de cultura superior à habitual
em pessoas de aldeia e profissão humilde, não seria possível tanta
maleabilidade na interpretação e representação das figuras, na adequação a
estas de falas e atitudes, quer naquele auto, quer na Evocação de Camões e “Os
Lusíadas”, da autoria do seu ilustre conterrâneo.
É uma bela obra, a que José Ribeiro
está realizando. Mas é o de melhor colaboração possível, o ambiente moral e até
artístico em que tem a felicidade de trabalhar. Merecia-o o seu talento;
merecia-o a sua simpatia, a que nem falta a espontânea eloquência com que sabe
comunicar-se.
Aqui tem, meu querido amigo, o que, da
abundância do coração, me veio ao bico da esferográfica.
Tudo isto e ainda um abraço do seu
amigo Hernâni Cidade.
Entretanto um novo projecto de obras
começou a formar-se: a construção de um pavilhão desportivo. Anexo à sede e a
edificar no antigo campo de jogos. Nova campanha para angariação de fundos, muita
dedicação e muito esforço colectivo, e a obra acabou por iniciar-se e, anos
mais tarde, concluir-se.
Depois do movimento de 25 de Abril,
Mestre José Ribeiro escreveu e ensaiou uma nova fantasia. Deu-lhe o título de Manta de Retalhos. Sobre esta peça, não
resistimos à transcrição desta nota. Eu
que não assisti a nenhuma estreia, fui desta vez a uma, sem constrangimento,
com prazer. Isto aconteceu num lugar pouco conhecido, porém, o mais teatral de
Portugal: em Tavarede.
Vila de 500 habitantes – perto da Figueira da Foz -, possui
um grupo de teatro amador já famoso e cujo mentor, José Ribeiro, não precisa
das acções de dinamização cultural vindas de fora, porque ele a dinamiza há já
algumas dezenas de anos, e de dentro.
Na verdade, em Tavarede faz-se mais
teatro do que em Lisboa e do que em Paris e Londres: dos 500 habitantes, na
última estreia, vimos cerca de 40 actores, uma dúzia ou mais de músicos tocando
no fosso da orquestra, 20 técnicos de cena, enfim, uma percentagem considerável
da população local.
A peça estreada chama-se “Mesa Redonda”
e o seu autor compilador é uma vez mais o infantigável José Ribeiro, 80 anos
passados; mesmo após uma recente grave doença, continua cheio de “verve” e
quando anda, os outros têm de correr atrás. Diz-se: o que há de bom em
Tavarede, é a água e o José Ribeiro. Mas voltando ao espectáculo: era um
exemplo vivo da aliança da cultura “culta” (Gil Vicente, Sóror Mariana, Cântico
dos Cânticos) com as preocupações locais
e até políticas do momento. Uma revista “sui generis”, com quatro
“compères” (de mesa redonda quadrada), com música, canções, finais e tudo, com
dezenas de cenários ou apontamentos montados num abrir e fechar de olhos,
rigorosamente, sem falha; e, dentro desse global recreativo os textos muito
belos e sérios.
A estreia foi um êxito mas o eco não
chegou, que eu saiba, a Lisboa. Ficou no seu lugar para o qual foi concebido o
espectáculo, com honestidade, trabalho e talento, sem modas e oportunismos. E
quase me penitencio de falar dele, neste jornal: é como desvendar deslealmente
um segredo, embora movido pela simpatia, admiração e até mais. Eis o abraço do
espectador da estreia, desta vez não renitente. Jorge Listopad.
Sem comentários:
Enviar um comentário