Mais uma vez, regressemos um pouco
atrás. Já sabemos que o dia primeiro de Maio era, nos bons velhos tempos, um
dia muito desejado na nossa terra. O rancho dos potes floridos era sempre esperado
pelas gentes da Figueira, que acorria a aplaudi-lo à sua passagem e o seguia
até aos locais onde exibia as suas danças, ao som da tuna bem afinada,e cujas
frescas vozes dos garbosos pares subiam aos ares, onde se misturavam com o
delicado perfume das nossas flores e do sempre bem cheiroso limonete.
Pois foi este dia, primeiro de Maio, o
escolhido para o surgir de uma nova associação na nossa freguesia, o Grupo
Desportivo e Recreativo da Chã. Foi no ano de 1976. Ainda somos do tempo em que
este local era muito pouco habitado. Com o desenvolvimento da cidade, a Chã foi
um dos lugares mais procurados para habitação. O sítio era excelente e
proporcionava excelente qualidade de vida aos residentes. Com o aumento
populacional, breve se tornou necessário criar um local que oferecesse
possibilidades de convívio e de recreio. E foi desta forma que nasceu a nova
colectividade. As suas primeiras actividades, além do recreio e convívio
proporcionado aos locais, foram o desporto e o folclore. Uma equipa de futebol
foi criada e o Rancho Infantil Estrelinhas da Chã foi formado. Em breve se
desenvolveriam estas e outras actividades.
Em Maio de 1978, o Grupo Musical e de
Instrução Tavaredense, que se encontrava instalado no velho solar dos condes de
Tavarede havia cerca de cinquenta anos, enfrentava enormes dificuldades devidas
ao estado ruinoso do edifício. De notar que, logo que o novo proprietário
adquiriu o imóvel, exigiu a saída da colectividade, a qual chamou a sua atenção para a dificuldade que haveria em arranjar um
edifício para colocar os haveres do Grupo. O senhorio recusou-se a
colaborar com a associação e, nos termos legais, o valor da renda passou a ser
depositada em estabelecimento bancário.
Tentando resolver o assunto, verifica-se
que, em Abril de 1977, foi realizada uma assembleia geral extraordinária. Foi
apresentada uma proposta de venda em regime horizontal, da parte que ocupamos,
por parte do senhorio, cuja proposta se cifrava em 300.000$00. Foi encarado o assunto em pormenor,
chegando-se à conclusão de ser inviável não só a responsabilidade na compra,
como ainda no futuro, para a hipótese de obras, muito especialmente no quer diz
respeito ao exterior, atendendo a que contrairiamos a responsabilidade em 1/3
do referido prédio em possíveis obras exteriores. Foram tiradas diversas
conclusões, mas pairando sempre entre todos os presentes, a situação caótica em
que todos os pontos sensíveis do prédio estão em decadência total, referiu-se
não só ao telhado como ainda as paredes, muito especialmente a do lado que
ocupamos. Foi ventilada a hipótese de fazer seguir até à Junta de Freguesia as
nossas grandes preocupações, quanto ao futuro na continuidade do Grupo nesta
casa, na medida em que somos todos da opinião geral de que a detereorização do
prédio se está a acentuar dia a dia, atendendo a que não só a parte que
ocupamos, como a parte que pertence ao senhorio, se encontra em perspectiva de
ruina.
Foi, então, que a direcção do Grupo fez
publicar o seguinte comunicado:
Presentemente a sua actividade está relativamente parada, pois que houve um
autêntico abandono pelas pessoas que nos parecem deveriam e tinham obrigação de
olhar mais de frente para uma Colectividade que os seus antepassados tanto
ajudaram a sua continuidade.
Apresenta-se-nos a nós, Directores de
momento, um aspecto de continuidade muito sombrio, pois como V. Exa. deve saber
as instalações desta estão situadas desde 1935 mais ou menos, no Palácio de
Tavarede, o qual como é do vosso conhecimento está em completa degradação.
Entretanto vamos orientando a sobrevivência desta, abrindo a porta mais ou
menos todos os dias para alguns dos seus associados que queiram vir até cá
divertir-se um pouco, vendo Televisão, ouvindo telefonia e pouco mais.
Vamos entretanto, a partir deste
momento, organizar uma pequena Biblioteca, pois que acabamos de receber da
Câmara Municipal, um subsídio de 5 000$00 para esse fim, aliás ao que temos
conhecimento, nunca houve em momento algum passado, qualquer subsídio em favor
desta. E vamos ficar por aqui na medida em que também não podemos ter a
continuidade de bailes dada a situação caótica do referido Palácio, como já
atrás referenciámos.
Quanto a projectos em curso, estão
limitados, no entanto há um sonho, que embora continuando, se vai desvanecendo
com o tempo, que seria uma Colectividade mais capaz, no entanto temos um grande
obstáculo que é a falta de terreno, do qual está muito pendente uma possível
continuidade desta.
Continuamos na expectativa, no entanto
como devem ter conhecimento as Direcções destas Casas são normalmente
substituidas de ano a ano, o que torna sempre dificil uma solução a largo
prazo. No nosso caso e como atrás foi dito, por desinteresse absoluto esta
presentemente conta apenas com umas boas vontades de jovens, embora poucos, que
não querem deixar que encerre as suas portas.
Isto torna-se como é de calcular num
martírio contínuo de sofrimento sem que se veja a cura a aplicar-lhe. Não temos
dúvida nenhuma em que se assim o entenderem e se quizerem mais algum pormenor
que achem conveniente, inclusivé vir até esta para mais de perto estar em cima
das realidades e também porque talvez se pudessem aflorar mais alguns assuntos
de maior interesse, estar à vossa disposição, pois que entendemos que assuntos
desta natureza, deveriam vir mais vezes e portanto com maior realce na imprensa
quer regional quer ainda mesmo na maioria dos casos na Nacional.
Há um pormenor que nos ficou retido e
que vamos dar-lhe algum realce: sendo isto uma casa de Sócios e para Sócios, implica
sob pena de multa dar todos os anos relação às Finanças do seu movimento de
bufete, achamos absurdo, entretanto tivémos já há três anos a esta parte
isenção de pagamento de contribuição, no entanto temos que ter escrita montada
de compras e vendas como qualquer estabelecimento, se houver qualquer
esquecimento no preenchimento obrigatório e anual dos elementos da
Contribuição, é certo e sabido que de seguida vem uma multa, no nosso caso é
muito fácil acontecer pois como atrás foi dito as Direcções mudam de ano para
ano.
Também continuamos a pagar à Polícia o
funcionamento do nosso Bufete melhor dizendo a licença para a sua abertura,
outra anomalia, mas vamos cumprindo, também ainda não deixamos de pagar a taxa
da Televisão, que também consideramos uma das maiores injustiças que se podem
fazer.
É evidente que estou neste caso a falar
de nós e por outras que concerteza estão nas circunstâncias idênticas às
nossas”. Apesar
da precariedade das instalações, ainda se tentava a continuidade.
No mês de Outubro do mesmo ano, o grupo
cénico da Sociedade fez a reposição da peça O
processo de Jesus. Este acontecimento ficará para sempre registado na
história da colectividade. A sua amadora, Violinda Medina e Silva, que
abandonara o palco, havia dois anos, devido ao falecimento de sua única filha,
reapareceu em cena neste espectáculo.
No mês seguinte, a Sociedade iniciou os
preparativos para comemorar as suas Bodas de Diamante. Não é vulgar o caso da Sociedade de Instrução Tavaredense – fiel à sua
origem e durante mais de meio século trabalhando, lutando e persistindo numa
obra de educação e cultura do Povo.
Ao fundá-la, há 75 anos, aquele grupo
de humildes tavaredenses foi movido por um pensamento que, sem dúvida alguma,
enobrece: assegurar a existência de uma escola nocturna para ensino de adultos
e menores. Sentiam, talvez mais do que sabiam, que sem instrução não é possível
alcançar os direitos morais e materiais que distinguem o homem. Criaram a
escola e, logo no primeiro ano, deixaram a funcionar um grupo dramático, que
reacendeu a tradição local do teatro.
Vinte anos depois, ao aprovar os
estatutos actualmente em vigor, a Sociedade de Instrução Tavaredense definiu
mais concretamente, de harmonia com a maior amplitude da acção que vinha
desenvolvendo, os fins que se propunha: a instrução e educação das classes
populares, através de uma escola nocturna para adultos e menores, da biblioteca
e do teatro.
À instrução associava-se a educação. A
obra meritória de ensinar a ler e a escrever completavam-se com a acção
educativa e cultural.
Os 50 anos de vida desta instituição de
Tavarede, uma das freguesias consideradas meio-termo entre urbano e rural,
constituem uma afirmação honrosa, que o passado comprova cabalmente, de forma
elogiosa. Mas, e o futuro?
As modestas e tão úteis colectividades
de educação e recreio, de há tempos a esta parte vêem-se acumular dificuldades
ao cumprimento da missão que a si próprias impuseram. A Sociedade de Instrução
Tavaredense sente-lhes o peso, como não podia deixar de ser. A sua escola
nocturna, que funcionou ininterruptamente até 1942, teve de encerrar. E a acção
educativa e cultural do teatro também já chegou a estar ameaçada, embora ainda
não esteja completamente livre de perigo.
Com o errado critério de ver fontes de
receita em actividades que não deviam sê-lo, as colectividades de educação e
recreio suportam encargos que o Estado e as autarquias locais bem podiam
isentá-las, já que lhes não prestam o auxilio material que era dever
conceder-lhes. A esta, outras razões haveria a juntar. O certo, porém, é que,
com maior ou menor sacrifício, suportanto esta e aquela dificuldade, as
colectividades em causa não desanimam na sua actividade, ao ponto de se deixar
morrer. Elas são, em certos casos, a alma de um povo. E a Sociedade de
Instrução Tavaredense não foge à regra.
E é precisamente esta colectividade que
se apresta para comemorar o seu 75º aniversário (foi fundada em Janeiro de
1904). A direcção da Sociedade, pretendendo comemorar convenientemente as suas
“Bodas de Diamante”, resolveu juntar a si um grupo de sócios, com o fim de
elaborar um programa comemorativo, de acordo com o passado de que Tavarede
tanto se orgulha.
Assim, no dia 1 de Dezembro abrirão as
comemorações com uma exposição evocativa da história da SIT; terá lugar a
publicação de um livro (“75 Anos… e Caminhando”, de José da Silva Ribeiro), de
continuação ao anterior, “50 Anos ao Serviço do Povo”, em que são passados em
revista os principais momentos da história da Sociedade; em Janeiro,
estrear-se-á uma nova peça escrita pelo director cénico, na linha das
anteriormente dedicadas, também elas, à história de Tavarede (“Chá de
Limonete”, “Terra do Limonete”, “Cântico da Aldeia”, etc.); serão, também,
realizados espectáculos culturais e desportivos, a par de confraternização
entre sócios.
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