Ainda continuamos com as águas do Prazo
recordando que, até chegarem à Várzea, eram a força motriz que fazia mover as cinco azenhas, a segunda
das quais, defronte à bica do S. Paio, era local de paragem obrigatória no
regresso da romaria à capela do santo. A parede junto à qual girava a enorme
roda impelida pela água, estava sempre coberta de viçosas avencas e a
fresquidão do sítio era óptimo convite à petisqueira.
Quando as águas correntes chegavam à
aldeia, junto da igreja, lá encontravam as lavadeiras de terra lavando as suas
roupas ou das suas freguesas da cidade, sempre cantando as bonitas cantigas do
teatro.
Claro, que nem sempre era assim. Apesar
da enorme quantidade conduzida para a cidade e que no verão fazia diminuir
consideralmente o caudal do ribeiro, do que se ressentiam os agricultores das
férteis leiras, havia, nos invernos mais chuvosos e rigorosos, cheias que
inundavam terras de cultura, quintais e lojas das habitações, não poucas vezes
chegando até ao meio da velhinha Rua Direita.
Em Agosto de 1910, encontrámos, na
imprensa figueirense, este interessante anúncio: “Tende
cuidado com o vosso estomago e intestinos. Uma boa água poderá
dar-vosprolongada velhice. Digerir bem é ter alegria e ser feliz. Quereis uma
excelente água para a vossa casa? Bebei a da ‘Fonte da Moura (Tavarede) e que
vos vai à vossa porta por 100 reis os vinte litros. Depósito e requisições na
‘Farmácia Milheiriço’ rua 11 de Setembro”.
Não conseguimos localizar o local onde
nascia esta milagrosa água. E, pelos vistos, seria uma muito boa água. “Nascida no sitio denominado “Fonte da Moura”, na
freguezia de Tavarede. Esta excellente agua, que tem tido uma procura
extraordinaria, é positivamente das melhores que tem apparecido, sendo o seu
preço diminutissimo, pois é vendida á razão de 100 reis os vinte litros. É
posta á porta de quem a requisitar sem maior dispendio.
Leve, crystallina e fresca auxilia e
facilita a digestão, bebendo-se por prazer. A falta de uma boa agua na Figueira
ao alcance de todas as bolsas está finalmente remediada com a apparecimento da
Agua da Fonte da Moura, colhida com o maior rigor de hygiene e captada em fonte
hermeticamente fechada e limpa.
Registamos com prazer este beneficio
prestado aos figueirenses e aos seus hospedes, pois uma boa agua vale tanto
como a propria vida. É depositaria a Pharmacia Milheiriço, na rua 11 de
setembro, onde pode ser requisitada”.
Mas a Companhia do Gaz e da Água
resolveu acabar com o negócio, sentindo-se lesada com a concorrência. Fez a
respectivas participação à Câmara figueirense, quer tomou a deliberação “... ofício desta data da companhia do gaz e da água
desta cidade, acusando a recepção do ofício de 30 do mês findo, agradece o ter
sido atendida a sua reclamação sobre a venda ao público de água de uma fonte
próxima de Tavarede, continuando a fazer-se a venda. Deliberou-se
providenciar”. E
assim acabou o negócio.
A fonte da Várzea era célebre, não só
pela excelência da sua água, mas igualmente por ser o lugar escolhido para a
concentração dos ranchos dos potes floridos que, na manhã do primeiro de Maio,
iam à Figueira cantar e dançar.
O lugar da fonte, certamente pelo seu
encantamento, inspirou poetas que nos deixaram textos e versos muito
inspirados. “... Não há moça
de trabalho, que não consuma e môa a derradeira noite de Abril, a florir seu
pote de barro vermelho, - que é grande o despique em apresentar caprichosamente
enfeitadas, as cantaras airosas.
Urdem-se entre folhas de hera, os
tenras ramagens de buxo ou loiro, círculos de rosas e cravos em coloridos e
bizarros tons, que enastram o bôjo da vasilha, caem em aneis pelo talhe grêgo
dos bocais, e pelo jeito em ânfora à roda das azas perfeitas.
E grandes laçadas de fitas de sêda,
descem pelos pucaros bem torneados, humidos e apetitosos, que matam sêdes de
água e amor, a beiços de namorados...
Ainda o céu é um crivo de estrêlas e
mal se laiva o nascente de uma ténue e branda claridade, já descem dos píncaros
do Cruzeiro, das azinhagas do Robim, da estrada de Mira, - seguindo no caminho
fácil e geitoso da Várzea-de-Tavarede – ranchadas de gente môça e garrula,
cantando e bailando, entre risos e folgares.
Em roda da Fonte, com seu arco
moirisco, é bem uma romaria. Os toques, são às duzias. E andam pelo ar cantigas
d’oiro, com résteas de Sol!
Chegou agora o grupo dos “Amorosos”.
São de Brenha. A tuna, é de apetite. Os rapazes trazem bonés forrados de fustão
branco. E as raparigas ramos de limonete e pandeiretas de onde pendem tiras
vistosas de mil côres. Cantam, com acompanhamento de côro, a velha moda popular
“Margarida-vai-à-Fonte”. Que linda voz tem a cantadeira...”.
Vejamos, ainda, mais uma significativa
nota. “
Beber, no alvor da madrugada do 1º. de Maio, água pura, gostosa e fresca, na
fonte milagreira da Várzea de Tavarede - é da tradição que fornece saúde,
felicidade, alegria e sorte - para o ano inteiro!
Por isso, tôda a
gente das terras ao derredor da linda e risonha aldeia, se agrupa e junta na
praxista manhã, no largo onde a bica rumoreja num fio cristalino.
Não há môça de
trabalho, que não consuma e moa a derradeira noite de Abril, a florir seu pote
de barro vermelho - que é grande o despique em apresentar, caprichosamente
enfeitadas, as cântaras airosas.
Urdem-se entre
fôlhas de hera, ou tenras ramadas de buxo ou louro, círculos de rosas e cravos
em coloridos e bizarros tons, que enastram o bôjo da vasilha, caem em anéis
pelo talhe grego dos bocais, pelo jeito em ânfora das asas perfeitas.
E grandes laçadas
de fitas de sêda, descem pelos púcaros bem torneados, úmidos e apetitosos, que
matam sêdes de água e amor, a beiços de namorados...
Ainda o céu é um
crivo de estrêlas e mal se laiva o nascente de uma ténue e branda claridade, já
descem dos píncaros do Cruzeiro, das azinhagas do Robim, da estrada de Mira -
seguindo no caminho fácil e jeitoso da Várzea de Tavarede - ranchadas de gente
môça e gárrula, cantando e bailando, entre risos e folgares.
Em roda da fonte,
com seu ar moirisco, é bem uma romaria. Os toques, são às dúzias. E andam pelo
ar cantigas de ouro, como résteas de sol!”.
Já nada resta da fonte e o largo onde
dançavam os ranchos, à sombra do enorme pinheiro manso, deu lugar a uma rotunda
e a uma via rápida.
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