segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Histórias e Lendas- 8

Curiosamente a primeira notícia que recolhemos, na imprensa figueirense, relativa à nossa água, é precisamente sobre as fontes, que eram as principais fornecedoras de água à população de Tavarede e da vizinha Figueira. A Fonte da Várzea, quando no anno de 1861 com ella se gastou inefficazmente a somma de 308$855, alem de valiosos materiais que estavam para diversa applicação, foi pela tentativa d'uma mina para serem aproveitados os repares, e o resultado foi, que tendo-se perdido nesses trabalhos a direcção da origem desconhecida, deu que fazer aos encarregados para readequirir a antiga, cujo veio chegaram a perder, é no entretanto é extrahida a púcaros pela profundeza do nivel, sendo mister derregar as aguas externas por meio de vala de communicação com o ribeiro, e esta é a encosta do norte do monte a que o correspondente se refere. A fonte da Lapa está em igual profundidade, e é a continuação do monte. Em Tavarede é a fonte abundante e de excellente qualidade, porém ao nivel da parte mais baixa da povoação situada na planicie”.
Foi o jornal O Figueirense que punblicou esta nota no dia 6 de Setembro de 1863. A partir desta data as notícias sobre a água na nossa terra são muitas.


Mas as águas em Tavarede nem sempre foram abundantes. E se água para se beber e para os gastos caseiros várias vezes teve complicações, maior escassez tiveram os nossos antepassados com a água para as regas das suas sementeiras. Isto aconteceu, por exemplo, no verão do ano de 1876.
                “Pediram há dias alguns proprietários de Tavarede à Câmara Municipal providências sobre a distribuição das águas para regas. Como, porem, não fosse até agora escutado este pedido, houve hontem alli uma grande desordem entre vários indivíduos que se utilisam das águas, desordem esta que pode repetir-se a cada momento, em quanto a câmara não se decidir a nomear um homem para a distribuição”.
Mas nem a fonte de Tavarede escapou. “Há uma fonte em Tavarede que está em condições tristíssimas. Todos os dias alli há scenas de pugilato por causa da escassez da água”. Na verdade foi mandada reparar, mas logo surgiram problemas, pois os operários, enquanto procederam às obras, “privam o público da água da água para as regas das suas propriedades”.
O verão daquele ano terá sido de muito calor e seco. Até a fonte da Várzea, de tantas e tão antigas tradições, não escapou. ...... Vamos atravessar este anno uma crise terrível. Vem bater-nos à porta, sinistro, como as visões esquálidas de um cérebro em febre, o medonho espectro da sede. Lavra por ahi um clamor espantoso, como se a villa estivesse soffrendo os horrores de um prolongado sítio. Não há água! A fonte da Várzea, completamente arruinada, não pode ocorrer às necessidades da localidade. Ouve-se em torno d’ella um côro de imprecações e de blasphemias que faz lembrar a gritaria descomposta dos sabbats mysteriosos das noites nebulosas da Germania. Os chefes de família vêem-se obrigados a augmentar o numero de creados, por causa do longo tempo consummido junto à fonte, à espera do ténue fio d’água que não pode supprir as necessidades de uma povoação populosa como esta..........      Próximo da fonte da Várzea há uma propriedade, pertencente ao sr. José Maria da Silva, onde o zelo d’este cavalheiro fez sair do solo um copioso veio d’água, que, na crise actual, tem sido a providencia de muitos habitantes da villa”.

            Mas no ano de 1880 a situação foi agravada. A cidade da Figueira, cujo desenvolvimento foi rápido e enorme, teve de resolver o problema do fornecimento necessário aos habitantes. As fontes existentes eram insuficientes e sentiu-se a necessidade da distribuição domiciliária da água necessária ao consumo da população.

         Estudado o assunto pelas respectivas entidades, foi publicado, no referido ano, o relatório efectuado que, apesar de extenso, julgamos de interesse publicar na parte que diz respeito à nossa terra.



ABASTECIMENTO DE ÁGUA À FIGUEIRA             Todo o projecto de abastecimento de águas compreende especialmente duas partes distintas, que podem constituir o objecto de dois projectos diferentes:
            1º - aquisição das águas e execução das obras necessárias para as conduzir à povoação;
            2º - distribuição destas pelas fontes e pelos domicílios.
            Foi do estudo da primeira parte deste vasto problema com relação à vila da Figueira da Foz que a respectiva municipalidade, por intermédio do seu exmo. Presidente, me fez a honra de incumbir, e cujo resultado eu agora apresento.
            O projecto que ofereço compõe-se de três partes principais:
            1ª Drenagem do solo por um sistema de galerias subterrâneas para a captagem das águas na região superior do vale da ribeira de Tavarede, no sitio denominado o “Prazo”.
            2º Assentamento da canalização de ferro para a condução das águas à vila.
            3ª Construção de um reservatório no alto do Pinhal numa altitude superior à de todas as casas da vila, para a fácil e regular distribuição da água pelos chafarizes, que se julgue conveniente estabelecer, e pelos domicílios, quando mais tarde se pretenda este desideratum.
            É claro que, pertencendo o reservatório propriamente ao sistema de distribuição, deve considerar-se formar um projecto à parte, tornando-se a sua construção independente da execução dos outros trabalhos, e podendo provisoriamente substituir-se por um grande chafariz, se a Municipalidade não estiver desde já habilitada com os meios necessários para toda a despeza.
            Primeira parte – Trabalhos de exploração subterrânea
            Não havendo à superfície do solo nos arredores da Figueira nenhuma nascente assas copiosa que fornecesse por si só o volume de águas necessário para o abastecimento da vila, era forçoso recorrer à exploração subterrânea ensaiada já em Portugal com grande proveito pelo distinto engenheiro chefe dos trabalhos geológicos, sr. Carlos Ribeiro, para o abastecimento de Lisboa. Há três anos sucessivos a água fornecida pelos trabalhos de exploração nas visinhanças de Belas à nossa capital durante a estação calmosa tem sido o suficiente para permitir continuamente o abastecimento nos domicílios, o que sem este auxílio seria impossível, como mostraram os estios de 1874, 1875 e 1976.
            Demonstrada a proficiência do sistema, e sendo as condições para a exploração nas visinhanças da Figueira incomparavelmente mais favoráveis do que em Belas, não hesitei um momento em adoptá-lo no meu projecto, confiando firmemente nos resultados.
            O sítio escolhido para a exploração deveria satisfazer simultaneamente às duas condições principais: fornecer água em abundância, e fornecê-la em altitude bastante para que, chegando à Figueira com cota assas elevada, pudesse a todo o tempo distribuir-se pelos domicílios sem haver necessidade de a levantar. Estas condições realizam-se maravilhosamente no vale do Prazo, acrescendo de mais a circunstância importantíssima, que os trabalhos podem ali estabelecer-se, de modo que se desenvolvam quase indefinidamente para o futuro, quando o aumento da população e as crescentes necessidades do consumo deste precioso elemento o exijam.
            O vale de Tavarede é, de todos os que descem da Serra da Boa Viagem, o que corre em mais baixo nível, cortando transversalmente um espessíssima série de camadas permeáveis, é nos seus flancos que brota o maior número de nascentes. A água vê-se com efeito romper por toda a parte, e especialmente no fundo dos vales e das quebradas uma vegetação activa e louçã plenamente atesta a frescura do solo.
            Seguindo os nossos trabalhos de exploração em nível inferior ao alveo da ribeira, é claro que as galerias que abrirmos colherão toda a água que as camadas contiverem no massiço superior ao plano em que elas forem estabelecidas, massiço importantíssimo, pois o relevo do solo sobe rapidamente nos dois flancos do vale, não havendo, como se disse, em toda a extensão da serra nenhuns pontos de descarga mais baixos do que este vale.
            Já dissemos noutra ocasião e agora repetimos: não é simplesmente no facto da existência das nascentes visíveis à superfície do solo do vale do Prazo, nascentes aliás valiosas, que me baseei para aconselhar a exploração de águas nesta localidade; foram principalmente considerações geológicas que me firmaram nesta escolha. Com efeito, além destas manifestações exteriores, que revelam a existência de consideráveis massas de água, no interior do solo, a garantia da permanência dessas nascentes, sobretudo quando sejam exploradas em nível inferior ao alveo da ribeira, está assegurada pela composição íntima e estrutura do solo, que é constituído por camadas pela maior parte muito permeáveis, sobrepondo-se do Sul para o Norte concordantemente, e com fraco pendor umas às outras, e inflectindo-se do Cabo Mondego para Maiorca em forma de bacia, da qual a Figueira ocupa o centro.
            A exploração que propomos será por estes motivos, pois, a mais produtiva, e muito de presumir (ou quase certo) que poderá suspender-se muito antes do limite que lhe assinamos no nosso projecto. Os trabalhos são além disso estabelecidos de modo em que não comprometem as explorações futuras, antes podem sucessivamente desenvolver-se quando convier, sem que esta ampliação do fornecimento embarace nunca o abastecimento usual.
Para isso bastará abrir pelo mesmo sistema, em nível superior ao dos trabalhos existentes, e para montante do extremo superior da galeria colectora, uma rede de galerias análogas, que poderá estender-se até às nascentes do Olho de Perdiz, onde nasce a ribeira de Tavarede, ou ainda além através da serra; estabelecendo-se a ligação dos novos trabalhos com os trabalhos antigos só depois que aqueles estejam terminados.
            Tendo apresentado os fundamentos do nosso projecto, resta agora descrever as obras aconselhadas.
            O sistema de galerias de exploração que propomos consta de uma galeria longitudinal colectora seguindo proximamente a linha do thalweg do chamado vale de Sampaio, e de várias galerias transversais ou travessas partindo desta, e seguindo a direcção das principais quebradas ou valeiros, que cortam um e outro flanco, e vem convergir naquele vale. Por agora, para assegurar permanentemente um abastecimento diário de 1.500 ou mesmo de 1.800 metros cúbicos, parece-me mais que suficiente a abertura da galeria longitudinal e das travessas indicadas na planta e nos perfis respectivos. Aquela galeria começando a 60 m. a Sul 6º E da ermida denominada na localidade do Santo Sampaio, num pequeno tanque de depuração que serve de origem ao canal, seguirá para o norte com a inclinação constante de 0.001 até 108,10 m. para montante da desembocadura do vale do Custódio, medindo ao todo 817,40 m. de extensão.
            Deste aqueduto ou galeria geral partirão para um e outro lado as travessas de exploração, cada uma de 100,0 m. de comprimento, pouco mais ou menos, também com a inclinação de 0.001 ou ainda menor, correspondendo respectivamente aos vales do Cipriano, do Bandeira, dos Gamelas, dos Ferreiras e do Custódio, vindo assim a medir todo este sistema de galerias 1.352,50 m. de extensão. Mas, repetimos, julgamos desnecessário concluir estes trabalhos para se obter a quantidade de água razoavelmente reputada necessária para um amplo abastecimento da Figueira, nestes primeiros tempos, mesmo supondo o desenvolvimento que ela deve ter por efeito da construção do caminho de ferro da Beira.
            As travessas, a que assinámos proximamente o limite de 100,0 m. (mas que poderão prolongar-se até onde o permitir a ventilação dos trabalhos, ou nalguns casos especiais suspender-se antes daquele limite, quando por exemplo as dificuldades do trabalho ou a conveniência de não causar  inutilmente alguma nascente o aconselhem) serão todas fechadas por barragens próximo da sua junção com a galeria geral, reservando-se a água que elas recebem para suprir durante a estiagem ou quebras das nascentes que alimentam directamente esta galeria. Estas travessas, algumas das quais seguem aproximadamente a direcção da estratificação (N 60º O magnº) serão abertas nas camadas de grés que durante o avanço da galeria geral se vir que são mais produtivas, ou, se elas cruzarem obliquamente aquela direcção, inflectir-se-ão de modo que vão procurá-las.
            Nos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6 e distanciados entre si em média 118 metros, abrir-se-ão poços, que servirão para a extracção de entulhos, e ao mesmo tempo para a ventilação dos trabalhos, para o que se farão corresponder verticalmente à galeria geral, e quanto possível ao alinhamento das galerias transversais. Um deles (o nº 3) convenientemente revestido, será destinado a servir mais tarde como clarabóia de serviço, para as reparações que por acaso seja necessário fazer na galeria.
            Devendo evitar-se na execução destes trabalhos o enorme dispêndio que ocasiona a elevação das águas (dispêndio multiplamente nocivo, porque a elevação de águas estorva o regular andamento dos trabalhos, e é tanto maior quanto maior é a quantidade de água que se vai obtendo) a abertura desses poços não será simultânea mas sucessiva, e só depois que esteja concluído o lanço de galeria que a cada um respectivamente lhe fica a juzante.
            Em casos especiais mesmo, quando a ventilação permitir o prosseguimento dos trabalhos na galeria geral, o poço só se abrirá quando esta tiver passado por baixo do ponto que ele deve ocupar, podendo assim dispensar-se talvez a abertura de alguns deles, ou substituir-se por um simples furo de sonda. Em todo o caso, como a inclinação das camadas é para o quadrante do S (530º O magnético, mediana) isto é, para a origem da galeria, quando o poço vier a abrir-se já terão sido sangradas num nível inferior as camadas que ele irá atravessar.
            O único sistema, pois, que aconselho, e ao qual está ligada essencialmente a economia da obra, consiste em o trabalho seguir sempre de baixo para cima por uma só frente de ataque para cada lanço de galeria, e empregando portanto só dois grupos de mineiros. Começando os trabalhos simultaneamente na origem da galeria geral junto ao tanque de depuração, e no poço 1, que tem imediata descarga para o barranco dos Grilos, podendo rasgar-se a galeria numa das fases para que não haja que elevar os entulhos, ter-se-á completado aquele primeiro túnel e o lanço da galeria até à vertical do poço 2 proximamente ao mesmo tempo. (Para maior brevidade do trabalho poderiam atacar-se ao mesmo tempo os dois topos do túnel e a galeria do poço 1, vindo então a agrupar-se três grupos de mineiros).
            Executada esta primeira parte do trabalho, e logo que um dos grupos de mineiros tiver concluído a abertura do poço 2 (aliás de pequena profundidade, 5,574 m.), prosseguirá o avanço da galeria geral para o poço 3, ocupando-se simultaneamente o outro grupo de mineiros da abertura da travessa de exploração para o nascente, seguindo o vale de Cipriano. Concluída esta segunda parte do trabalho, e bem assim aberto o poço 3, poceder-se-á simultaneamente à abertura da travessa de exploração do vale do Bandeira, e do lanço da galeria geral até à vertical do poço 4; e assim por diante até se ter obtido a quantidade de água que se deseje.
            O poço nº 1, que será a verdadeira testa dos trabalhos de exploração, não carecerá de revestimento, porque precisamente nesse ponto passa um banco de calcáreo pisolítico de 5 a 6 metros de espessura, muito grosseiro, trechiforme,  com muitos grãos e fragmentos rolados de quartzo, na verdade rijíssimo, mas única única camada desta natureza que os nossos trabalhos terão de cortar.
            Seguindo a galeria para juzante do poço 1 quase perpendicularmente à direcção geral da estratificação consideramos que haverá somente 8,0 m de galeria e 5,638 m de poço a abrir em calcáreo. Mas como é pequena a espessura do grés (3,0 m em média acima do tecto da galeria) o melhor será remover este prisma de grés, abrindo como acima dissemos uma trincheira, isto é, rasgando a face S do poço, profundando e regularizando o barranco para fazer todo o desmonte a céu aberto, com o que se conseguirá entre outras vantagens, dar uma entrada ampla de ar para o interior dos trabalhos e portanto estabelecer uma ventilação mais perfeita, o que poderá mais tarde traduzir-se talvez numa grande economia dispensando-se a abertura de alguns poços.
            Em vista da descrição sucinta que apresentamos deve concluir-se que a descarga das águas que correrem pela galeria durante a execução dos trabalhos poderá fazer-se para o barranco dos Grilos sem que seja necessário percorrerem o túnel entre este barranco e o tanque de depuração. Assim o túnel, além de contribuir eficazmente para o abastecimento, porque romperá uma formação de grés muito grosseiras em geral e muito permeáveis, levantando-se muitíssimo o terreno que elas constituem para o poente até às cabeceiras dos vales de Pijeiros e dos Condados, prestará ainda a vantagem de isolar a testa dos trabalhos subterrâneos da dos trabalhos à superfície, tornando durante a construção totalmente independentes os dois serviços, na verdade de índole bem diferente, e portanto exigindo o emprego de pessoal distinto.
            Tendo em atenção que as nascentes descobertas pelos trabalhos subterrâneos geralmente nos primeiros tempos (o que aliás bem se compreende pela pressão que a água experimentava antes de ter aquele ponto de descarga) julgo prudente que os trabalhos de exploração se não suspendam antes que se tenha obtido pelo menos o dobro da água que se julgue necessária para abastecimento da vila, e que muito largamente pode imputar-se hoje em 500 mc ou 600 mc diários.
            O trabalho de abertura dos poços e galerias deverá fazer-se por empreitada, e seguidamente às tarefas, dia e noite sem nenhuma interrupção. Os revestimentos deverão ser feitos por administração, ou pelo menos devem ser constantemente vigiados por um mestre hábil e de inteira confiança, para que não haja a recear para o futuro desabamentos, ou mesmo pequenas reparações, que em todo o caso se tornarão dispendiosíssimas, e até poderão embaraçar ou interromper o abastecimento.
            Durante a execução dos trabalhos muito provavelmente o traçado das galerias, que indicamos, terá de modificar-se ligeiramente nalguns pontos, quando por exemplo se reconhecer a inconveniência de seguir por maior espaço uma camada de grés rijo, permeável, porventura muito aquífero, e em que a galeria não carecerá de revestimento, evitando-se desta arte uma camada de argila  pelo contrário improdutiva e difícil de suster.
            O perfil da galeria será do tipo ordinário de volta inteira, com 2,0 m de altura e 0,75 m de largura. Ao meio da soleira correrá um passeio de lagedo tosco (pedra sava) ou de grés, que dividirá as duas caleiras, e servirá para a passagem da gente, quando seja necessário visitar o aqueduto, e dos carrinhos de mão quando se careça de fazer a limpeza das caleiras ou alguma reparação, sem que a água se turve. Este passeio terá 0,35 m de largura, e elevar-se à altura de 0,25 m sobre o pavimento da galeria, vindo portanto cada uma das caleiras a ter 0,20 m de largura e 0,25 m de profundidade. (Com uma inclinação de 0,001 m por metro, segundo as permissas de M. M. Darcy e Bazin, cada uma das caldeiras laterais da galeria com 0,20 de largura e igual profundidade, dará passagem proximamente a 800 mc por dia supondo-se pouco lisa, isto é, oferecendo a superfície natural do grés, sendo a velocidade média da corrente de 0,232 m e supondo-se lisa, isto é, rebocada de cimento hidráulico misturado com areia, dará passagem a mais de 1.300 mc sendo a velocidade média de 0,402 m por segundo.
            As caleiras comunicarão entre si repetidamente, afim de alongar o trajecto que a água tem de percorrer, diminuindo-lhe a velocidade, e portanto aproveitando os depósitos dentro da galeria; esta comunicação estabelecer-se-á, quer deixando estreitos intervalos de espaço a espaço no assentamento das pedras que formam o passeio, quer talhando estas de propósito para o objectivo conforme mostra o desenho.
            Como o terreno que as galerias têm de atravessar é constituído de grés e de marnes, dominando porém muito as camadas de grés rijos sobre as de grés brandos e de marnes, calcularei que somente a terça ou quarta parte das galerias a abrir terá de ser revestida. E ainda, como só a galeria principal terá de conservar-se desembaraçada para ser visitada, podendo o traçado das travessas modificar-se à vontade, considerarei que todas estas ficam em bruto; porque para o prosseguimento dos trabalhos de avanço, nos raros casos em que as travessas terão de cortar rochas brandas, poderá empregar-se um revestimento provisório de madeira (cofragem), que será ao depois reforçado, quando a abertura da galeria estiver terminada, com os entulhos de grés vindos de outro ponto dos trabalhos, e que poderão ali acumular-se em vez de serem extraídos para a superfíoie
            Medindo a galeria geral projectada 807,40 m considerei pois que somente 250,0 m terão que ser revestidos, apreciação que certamente está acima da verdade, pois que, como dissemos, não julgamos indispensável por agora, para satisfazer às mais urgentes necessidades do abastecimento, levar a abertura desta galeria até ao extremo norte.
            Em compensação as despesas de desmonte da rocha deverão ser relativamente grandes, porque algumas camadas de grés grosseiros, contendo grossos e abundantíssimos fragmentos quartzosos, comportar-se-ão quase como as quartzitas com respeito à acção do fogo, e ao estrago das brocas e outras ferramentas.
            Também a abóbada da galeria, quando tiver de construir-se, deverá ser relativamente de grande espessura, porque de ordinário só terá de empregar-se em terreno muito frouxo, nas camadas argilosas, que alternam com as camadas rijas, as quais pelo contrário não carecem absolutamente de revestimento. O tipo que adoptámos é o de 0,40 m de espessura para os pés direitos, tendo a abóbada 0,30 de espessura no fecho. Os pés direitos serão construídos ordinariamente de alvenaria hidráulica, e a abóbada deste mesmo material ou de beton. Excepcionalmente, e só quando as circunstâncias impreterivelmente exijam, serão construídos de enxelharia.
            Pela mesma razão acima notada supomos que a maior parte da extensão dos poços de serviço que tem de abrir-se não carecerá de revestimento; todavia, como nesta espécie de obras, que estão mais expostas, há mais a recear os desabamentos, considerei que a entivação dos poços abrangerá metade da sua extensão total.
            A secção dos poços basta que seja de 2 m x 1,60 m para que, mesmo revestidos de madeira, dêem passagem fácil aos baldes com o entulho. Ao poço nº 3, destinado a servir de clarabóia, dar-se-á a forma circular com 2,0 m de diâmetro interior, a menos que ele seja aberto em rocha muito rija que não careça de revestimento, porque em tal caso conservará a forma rectangular. Deixando de fora as paredes do poço, ou dos lados do quadrado circunscrito ao circulo que o representa a largura de 0,50 m para poder assentar-se um sarilho, fechar-se-á este espaço dentro de uma casa rectangular ou quadrada, com a porta de entrada numa das faces, e uma fresta ou olhal na parede oposta, e superiormente coberta por uma abóbada de volta inteira, de beton ou alvenaria hidráulica.
            Correspondendo este poço à vertical da galeria geral convirá cobrir no fundo as caleiras com uma capa de lagedo, afim de que a água não se suje, mormente quando tiver de fazer-se alguma reparação.
            Para facilidade do serviço terá de cobrir-se a soleira da galeria com um estrado seguido de madeira, formado de taipais soltos, por baixo dos quais passará a água sem o que o movimento dos carros dentro da mina se tornaria muito moroso e incómodo. É este um elemento de despesa a que há que atender, mas de pouca importância aliás, porque os mesmos taipais, poderão servir sucessivamente, passando-os de um  lanço de galeria já concluída para o outro em avanço.
            Finalmente no primeiro lanço de galeria a juzante do poço 1, as caleiras serão revestidas de uma capa de reboco hidráulico, para que seja mais fácil a limpeza, podendo conservar-se a caldeira daquele poço na largura da galeria para servir como um primeiro tanque de deposição. No resto das galerias as caleiras só serão revestidas onde for absolutamente indispensável.
            As águas exploradas pelos trabalhos subterrâneos serão recebidas num tanque completamente enterrado, onde começa a canalisação de ferro. Este tanque, a que chamaremos de depuração ou de deposição, porque as águas depositarão ali as matérias sólidas, areia ou argila, que arrastarem, reputo-o de indispensável, porque sendo a canalisação de ferro de pequeno calibre, (0,15 m) e seguindo em repetidas ondulações para se adaptar à configuração do solo, é da maior importância que a água entre nela o mais límpida possível.
            Este tanque, de que os desenhos dão uma perfeita ideia, é dividido longitudinalmente por um muro em dois compartimentos distintos e independentes, cada um com a sua descarga especial para a ribeira para se fazer a limpeza, e além disso divididos transversalmente por três septos, o do meio móvel (corrediça ou adufa submersível), formando uma espécie de labirinto, que a água é obrigada a percorrer antes de chegar à tubagem de ferro.
            Na extremidade de cada uma das caleiras há uma adufa, de forma que, estando levantadas ambas e abertas as duas torneiras de passagem na origem da canalisação, a água passará simultaneamente por ambos os compartimentos do tanque; pelo contrário, se se fechar uma das adufas e a torneira de passagem correspondente, obrigar-se-á a passar toda por um dos compartimentos, podendo fazer-se a limpeza do outro, sendo preciso, sem a mínima interrupção no fornecimento.
            Para quebrar a velocidade da água, à sua entrada no tanque há uma espécie de descarregadouro a juzante de cada adufa, crescendo sucessivamente a inclinação do fundo da caleira, e ao mesmo tempo alargando a superfície onde pode desdobrar-se a lamina de água.
            O tanque será encerrado numa casa rectangular de 2,0 m x 5,25 m de área interior, servindo as paredes laterais do tanque em parte de alicerce às suas duas paredes mais extensas, e coberta por uma abóbada de volta inteira de beton ou de alvenaria hidráulica.
            O acesso ao tanque far-se-á por um lanço de 5 degraus, disposição necessária para que a tubagem saia do tanque enterrada à profundidade de 1 m que deverá manter em todo o seu trajecto, e para que a parede oposta à porta ganhe a altura conveniente para se poder nela abrir uma fresta ou olho-de-boi para iluminar a casa e para ventilação.
            O muro divisório do tanque será coberto por um capeamento de lajedo de 0.50 m de largo, para permitir a passagem para dentro da galeria ao guarda, que deve inspecioná-la, e fazer a manobra das válvulas de descarga quando seja preciso. Como é óbvio, o fundo deve ter escoante para estas válvulas.
            O fundo do tanque será formado por uma camada de betão; as paredes laterais e o muro da divisória central, de alvenaria hidráulica; e as paredes da casa, de alvenaria ordinária. As paredes do tanque e bem assim as da casa serão revestidas interiormente de uma capa de reboco hidráulico.
            O curso que a água tem de percorrer até à sua chegada ao alto do Pinhal é muito difícil, porque o solo a que tem de sujeitar-se a canalisação é muito acidentado. Como se vê na planta a direcção geral da canalisação não se afasta muito da da direcção rectilínea; no plano vertical é que é obrigada a dobrar-se em repetidos sifões, seguindo-se sem interrupção uns aos outros, até que o traçado chega à estrada frente à quinta de S. João, para transpor as quebradas do solo, que não poderiam tornear-se sem um grandíssimo desenvolvimento no traçado, e algumas delas nem mesmo assim. (Este relatório continua a publicar-se em vários números seguintes para explicarem a condução das águas para a Figueira e a sua distribuição, o que não copiei por não interessar directamente a Tavarede)
  









Sem comentários:

Enviar um comentário