A propósito da reaparição, em cena, da
amadora Violinda Medina e Silva, encontrámos a seguinte nota: Já lá vai, talvez, uma trintena de anos, era
eu ainda uma criança de calção e bibe.
Em
Tavarede, onde fora ao teatro pela mão de meu pai, recordo que pouco faltou
para a casa vir abaixo, tamanha foi a trovoada de aplausos que culminou a
representação da peça então em
cena. Uma amadora era especialmente distinguida: Violinda
Medina e Silva.
Violinda
Medina e Silva
Passaram os anos, tudo naturalmente
envelheceu. Se D. Violinda levar hoje os dias agarrada a recordações, não me
admira. Eu próprio, bem mais novo, me tenho visto já a debruçar nos terraços do
tempo, buscando na memória pessoas e coisas que a emoção gravou. Violinda
Medina e Silva é, por exemplo, uma delas. Recordo o seu porte majestoso no
papel de D. Madalena de Vilhena; a sua naturalidade exemplar em Os Velhos , de João da
Câmara; o seu admirável desempenho em As Árvores Morrem de Pé, de Alejandro
Casona. Recordo tudo isso. Mas poderia lembrar muitas outras representações em
que interveio o seu talento invulgar.
Pois Violinda Medina e Silva – essa
extraordinária mulher da cena portuguesa – vai regressar ao palco. Em Tavarede,
pois onde havia de ser? É ali que ela tem levado toda uma vida de devoção pelo
teatro; foi ali que ela conheceu os maiores êxitos da sua carreira; é ainda ali
que, religiosamente arrecadadas, velhinhas tábuas de um antigo palco aguardam,
sem pressas, o dia de serem a mortalha da actriz.
Nota: Talvez que o leitor se surpreenda
com o último parágrafo, ou melhor, não compreenda bem… Se estiver nesse caso é
porque não sabe que Violinda Medina e Silva deseja ter por caixão… as tábuas do
antigo palco do Teatro de Tavarede. As tábuas estão arrecadadas, e a sua
vontade cumprir-se-á. Oxalá que daqui por muitos anos.
E com vista às comemorações das Bodas de
Diamante, copiámos a seguinte nota: A
história dos primeiros 50 anos de vida dessa prestigiosíssima colectividade que
é a Sociedade de Instrução Tavaredense, está fielmente retratada num livro
comemorativo das respectivas “Bodas de Ouro”, da autoria do distinto
jornalista, nosso conterrâneo, José da Silva Ribeiro. Que propositadamente a
escreveu em linguagem escorreita e cuidada, mas num estilo singelo, que revela
clara intenção de pretender interessar pessoas de todos os graus de cultura e
ser perfeitamente entendido mesmo pelos mais humildes dos seus leitores. Ela
apenas pecará por uma sobriedade da apreciação de excepcional e admirável Obra
levada a cabo, que bem se compreende e aceita, por o autor ser desde longa data
o grande, esclarecido e proficiente mentor, guia e esteio dessa mesma Obra. O
que a nós, estranhos a ela, mas seus incondicionais admiradores, nos cumpre
suprir.
Foi a 15 de Janeiro de 1904, que em
Tavarede, ridente povoação dos arredores da Figueira, mas modesto aglomerado
rural de menos de mil habitantes, catorze homens, todos de humílima condição
social, parcos meios e modestíssimas profissões, resolveram fundar a Sociedade
de Instrução Tavaredense. Finalidade: servir de suporte a uma escola para
ensino dos sócios e seus filhos. Mas porque na terra havia largas tradições teatrais,
logo elas foram reatadas com a criação de brioso grupo dramático, que ainda
nesse ano deu o seu primeiro espectáculo.
Os benefícios prestados à instrução
pela escola nocturna desta prestimosa colectividade, no meio em que actuava e
durante um período de 38 anos, em que funcionou, ininterruptamente, foram
incalculáveis. Infelizmente, porém, em 1942, exigências de legislação
totalitária do “santa combismo” forçaram a pôr termo a essa verdadeira campanha
de combate ao analfabetismo.
Apesar das dificuldades e encargos que,
em lugar de estímulos e auxílios, lhe foram, num crescente, sendo impostos, o
teatro da Sociedade de Instrução Tavaredense é que, longe de perder vitalidade
ou mesmo soçobrar, cada vez em ritmo mais acelerado prosseguiu, tão resoluta
como triunfantemente, e sob todos os aspectos, a sua brilhante carreira
ascencional. Cresceu de maneira notável o seu nível artístico, tanto de
reportório como de interpretação. Alargou-se a sua esfera de acção,
ultrapassando a própria sede e área do concelho, com várias deslocações a
terras como o Porto, Coimbra, Leiria, Tomar, Torres Novas, Pombal, Soure,
Marinha Grande, Pampilhosa, Colares, etc. Sendo de registar, neste capítulo,
que todas essas deslocações foram sempre para fins de beneficência e atingiram
o número de 20 pelo que se refere a Coimbra e de 16 pelo que diz respeito à
cidade de Tomar. Chegou-se mesmo ao ponto de levar a cabo uma campanha
vicentina que, com o maior êxito e todo o mérito, se tornou extensiva às
freguesias rurais do concelho.
Ao fazer a resenha dos primeiros
cinquenta anos de actividade do grupo cénico, que dirigia há já 38 anos, José
da Silva Ribeiro interrogar-se-ia: “Como irá ser o futuro?”.
Mas ele em nada desmereceu do passado.
Muito pelo contrário.
O seu famoso agrupamento manteve o
mesmo ritmo de intenso labor. Requintou em primores de interpretação e
montagem. Levou à cena cada vez reportório de mais alto nível, categoria e
responsabilidade. Representou, entre muitos outros, Almeida Garrett, Luís de
Camões, Marcelino Mesquita e D. João da Câmara, novas e várias peças de Gil
Vicente, “Romeu e Julieta”, “Dente por Dente”, “Conto de Inverno”, “Tudo Está
Bem Quando Acaba Bem”, de Shakespeare, “As Artimanhas de Scapino”, “Médico à
Força”, “O Avarento” e “Tartufo”, de Molière. Além de umas tantas peças de José
da Silva Ribeiro, que com elas totalizou 19 originais, adaptações e traduções
destinadas ao seu grupo cénico.
Não devendo esquecer-se as suas
intervenções valiosas em comemorações como as do: “V Centenário da Morte do Infante
D. Henrique”; “Dia Mundial do Teatro”; “IV Centenário de Shakespeare”; “5º.
Centenário do nascimento de Gil Vicente”; e “4º. Centenário da publicação dos
Luzíadas”.
Quem ousará, portanto, pôr em dúvida
que são na verdade notáveis as “Bodas de Diamante” da Sociedade de Instrução
Tavaredense? Ou negar que elas constituem a concludente e irrefutável prova do
invulgar amor ao teatro, do bairrismo e da perseverança no esforço colectivo,
mesmo dirigido apenas às coisas do espírito, da gente da terra do limonete?
Entre a qual, neste caso ocupa o
primeiro lugar por direito próprio, que ninguém jamais tentou negar-lhe, José
da Silva Ribeiro, nobre figura de indefectível democrata, com carácter
espartano, que o emérito professor Joaquim de Carvalho considerava seu
“companheiro de sentimentos e propósitos”.
Um homem de invulgar inteligência e
craveira intelectual, associadas a perfeita noção da perenidade dos autênticos
valores espirituais e sociais, que há 62 anos, com notável estoicismo, é o
grande arquitecto de tão admirável Obra, que no presente caso põe em jogo e
acção todas as faculdades do espírito tanto de intérpretes como de
espectadores. Facto que naturalmente leva a concluir que o teatro, como a
música, deveriam fazer parte integrante da cultura geral dos indivíduos.
Por tudo o que fica dito e o muito mais
que ficou por referir, nos parece serem as próximas “Bodas de Diamante”, da
Sociedade de Instrução Tavaredense, o ocasião mais oportuna para que a Figueira
preste à referida colectividade e ao seu devotado director cénico as homenagens
a que ambos têm inteiro jus.
Com o que, por múltiplas razões, se
cumprirá apenas um dever.
E relativamente a estas comemorações,
queremos aqui recordar um caso interessante. Era, então, presidente da Câmara
da Figueira, o reverendo Dr. José Manuel Leite, grande e devotado amigo desta
colectividade. Como membro da comissão organizadora das festas, pedimos uma
entrevista. Havíamos pensado em conseguir a presença de uma figura importante,
na cultura nacional, para presidir à sessão solene. Ocorreu-nos o nome do prof.
Dr. David Mourão Ferreita, na ocasião secretário de Estado da Cultura.
Solicitámos a colaboração do referido presidente da Câmara. Amável, como
sempre, concordou com a nossa sugestão, prometeu-nos a sua diligência, mas
adiantou: A Câmara vai tentar, e decerto
conseguirá, a vinda do secretário de Estado da Cultura. Mas, vocês, vão
prometer que conseguem que, nessa sessão solene, Mestre José Ribeiro aceitará
receber, publicamente, a medalha de ouro da cidade, que lhe foi atribuida há
cerca de dois anos e ainda não recebeu.
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