E houve nova deslocação a nova terra.
Coube a vez à Marinha Grande. Embora sem
o espectaculoso de que se revestem algumas vezes os chamados grandes
acontecimentos, antes com a simplicidade que é o traço característico da gente
do Povo, o Grupo Cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, ofereceu ao
público da Marinha um desses momentos que bem se podem considerar de
excepcionais para o meio.
Já de há muito que ouvíamos falar do
Grupo de Tavarede, sem, no entanto, termos tido ocasião de o ver representar.
Dele nos tinham feito apreciações muito favoráveis, que nos aguçaram a atenção
para o momento em que nos fosse possível assistir a um espectáculo seu. E foi
sob esta influência, que presenciámos o espectáculo no Teatro Stephens, do
domingo passado.
E quando o pano desceu pela última vez,
ficámos com a certeza de que as referências a este agrupamento estavam àquem
das que de facto merecem. Como nós, pensaram todos os espectadores.
“Horizonte”, de Manuel Frederico
Pressler, é uma peça em 3 actos, simples, bem encadeada, em que as personagens
se movimentam com graça e realidade. Apresentando como fundo um amor no
Ribatejo, em que o pai da rapariga pretende – Oh! As tradições… - “casá-la” com
rapaz do seu agrado, as cenas vão ganhando em emoção, que culmina no desespero
do pai ante a fuga da filha com o rapaz dos seus sonhos. Nalguns períodos são
de intenso dramatismo, noutros de confiante espectativa. Há nesta peça cenas
que ficam gravadas, como a da “explosão” de sinceridade e de orgulho da
protagonista.
A realidade que ali atribuímos aos
personagens não se entenda bem para o que nós desejaríamos que fosse a peça,
nem para as realidades mais duras que sofrem tantos dos ribatejanos. Viu-se um
desenrolar de acontecimentos em que a característica vida ribatejana não tem
traços vincados. É mais à terra que, embora subsidiariamente, se refere quando
se fala no meio. Mas é uma terra grata, que dá vida próspera e não esfumaça
vidas. Há, sem dúvida, no Ribatejo, famílias que assim devem viver. A maioria,
porém, rosto calcinado, corpo moído de tanto trabalho, leva bem mais dura (e
Redol disse-no-lo em “Fanga”). Era antes a vida destes, eram antes as
dificuldades que os trabalhadores têm, que nós gostaríamos de ver por tema do
Ribatejo.
O grande valor do espectáculo foi a
representação do Grupo de Tavarede. Ela foi cuidada até ao mínimo pormenor. Não
foi simplesmente um êxito de interpretação, que, diga-se, era primorosa.
Cenários, trajes, tudo bom.
Em primeiro plano está,
indubitavelmente, Violinda Medina. Fulcro da peça, eleva-se a grandes alturas,
àquelas aonde só pairam as artistas de gema. É verdadeiramente magistral a
naturalidade com que se comporta em toda a peça, e, muito especialmente, quando
põe a nu o seu talento dramático.
João Cascão, no pai Firmino, dá-nos um
homem de idade mas ainda de acção; faz ressaltar a indomabilidade que os
trabalhos lhe transmitiram; baila-lhe no rosto a alegria das satisfações e
mostra a carranca nos momentos de ira. É um artista de vulto para emparceirar
com a protagonista.
Não adianta apreciar, individualmente,
mais do que o trabalho das duas “estrelas” da peça. Todos se houveram com brio,
com galhardia, com plena consciência dos seus papéis. Não houve interpretações
inferiores – podem qualificar-se, sem exagero, de todas boas, dentro das
diferenças que a palavra possa permitir, bem pequenas, afinal.
Tanto as caracterizações, como os
cenários, de Reynaud, merecem os nossos aplausos. Aquelas, perfeitas; estes,
sugestivos e belos.
Se se tratasse da exibição dum grupo de
profissionais, não caberiam aqui referências além daquelas que nos fossem pelo
espectáculo, e só no espectáculo, recebidas na cadeira em que estivéssemos
comodamente sentados. Mas no caso presente, a figura muda de roupagem…
Foi muito agradável ver “Horizonte”.
Muito grata, e muito louvada, a bela exibição. Foi agradável à vista e grato ao
espírito. Mas importa que vejamos um pouco mais por trás, para lá do palco, nos
bastidores. Que vamos mesmo até à base do agrupamento.
Porque se encontra uma tal unidade? Ela
não foi espontânea. Formou-se em anos de trabalho, em noites de canseira. Foi
comentada. Deve ter tido os seus divulgadores. E hoje é uma agregação social,
que tende para uma comunhão de recreio e cultura, ainda mais firme.
Num lugar pequeno. Mas onde há uma
escola de formação estética, que é o teatro.
Entre pequena população. Mas onde a
boa-vontade, a persistência, a continuidade, permitiram que se construísse um
monumento para legar aos vindouros.
Gente unida, que compreende o valor do
teatro como cultura e como escola moral.
E que tem a felicidade da direcção
motora e incansável de – José Ribeiro.
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