Pouco depois do seu regresso a Tavarede, dão uma
festa na Quinta do Peso, onde se haviam instalado. Eduardo Leirosa, o tal que
viera em busca da Lúcia-Lima, casou com Flor de Chá. O outro brasileiro, Tomás
Castanho, agradou-se de Capitolina, pediu a sua mão ao regedor e igualmente se
casaram, com grande desgosto do Pinga-Amor.
Na
referida festa, para que é convidada toda a população da aldeia, os noivos e
noivas são apresentados. Cheia de contentamento, Capitolina dá um beijo da face
de Flor de Chá, que fica muito surpreendida. Na China, diz ela, tal não é
permitido. Só os esposos se beijam, mas não em público. O marido, Eduardo
Leirosa, explica-lhe então: “Em Portugal há o beijo infantil que é puro; o
beijo maternal que é santo; o beijo conjugal que é postiço e da moda; o beijo
entre amigas que destila fel; o beijo furtivo entre namorados que sabe a licor
de mel; e finalmente o beijo entre amantes que é o rastilho para uma descarga
de... dinamite”.
Flor
de Chá
Um
beijo dar, na China toda,
É
uma excepção.
Só
noivo à noiva, ao fim da boda,
Lhe
beija a mão.
Leirosa
Um
beijo assim não tem agrado,
Não
tem sabor
Como
o que furta o namorado
Ébrio
d’amor.
Flor
de Chá
Então
o beijo
Em
Portugal,
Pelo
que vejo
Deve
ter sal...
Corar
o rosto
Que
o recebeu
Ter
tanto gosto
Que
eleve ao céu!
Capitolina
Beijo
d’encanto
Que
d’alma vem,
É
beijo santo,
Beijo
de mãe.
Um
dá loucura,
Outro
arrebata...
Se
muito dura
Quase
que mata.
Flor de Chá
Quando
em terno devaneio
E junto de quem se ama,
Qual
o modo, qual o meio,
D’acender
ardente chama?
Castanho
Se ela não é macambúzia
Ele
todo aberto em sorrisos,
De
beijos furta uma dúzia
Todos
Um
beijo em carinha cheia
Vagaroso
e bem cantado,
Sabe
a quem o saboreia
A
leite creme queimado...
Há
beijos muito apressados
E
beijos que não têm fim,
Mas os mais
saboreados
Cá
p’ra mim
São
assim!
Assim!
Finalmente
tudo se esclarece. Pinga-Amor acaba por ser desmascarado. Eduardo Leirosa e
Tomás Castanho, que haviam encontrado a felicidade, em parte devido à “tramóia”
urdida, perdoam-lhe. Mas... então e a tal Lúcia Lima? É o sacristão quem conta
toda a história. A tal Lúcia Lima era nada mais nada menos que o nosso
limonete. O senhor cura, que havia posto o anúncio, pelo Carnaval, para ver se
“engatava” um amigo do Casal dos Piratas, dera-lhe o seguinte bilhete: Lúcia
Lima, arbusto verbanáceo, de perfume agradável e intenso, vegetando bem nos
terrenos frescos. Foi importado do Malabar em 1502 pelo capitão-mor D. Sancho
Fagundes de Encerrabodes, que residiu em Tavarede há mais de três séculos.
Serve para dar cheiro aos baús de roupa e é usado para fazer ramos nas
burricadas de Buarcos. Há quem faça dele chá contra as prisões de ventre”.
Coro
Das
plantas que tem a aldeia
Outra
não há de mais gala;
E
em noites de lua cheia
Tem
um cheiro que regala.
Quem
fizer um ramalhete
Para
dar à sua amada,
Se
ele não tiver limonete
É
coisa desconsolada
Uma
Voz
Das
burricadas luzidas
Da
festa de S. João
Trazem
as moças garridas
Um grande ramo na mão.
Coro
O
limonete caseiro
É
talvez neto da lima...
Quem
quizer sentir-lhe o cheiro
Basta
pôr-lhe a mão por cima.
Se
uma donzela travessa
Quer-se
com ele enfeitar
Com
três folhas na cabeça
Fica bonita a
matar.
Uma
Voz
Eu
não sei de flor mais bela
De
quantas há no jardim.
Anda
sempre na lapela
De
quem suspira por mim.
Coro
Veio
das matas frondosas
Da costa do Malabar,
Para
as donzelas vaidosas
Cheirarem bem ao seu par.
E tudo
acabou em bem!
António Maria Oliveira Simões
(autor da partitura)
Da
mesma parceria, João Gaspar de Lemos Amorim e António Maria de Oliveira Simões,
é levada à cena, no dia 16 de Janeiro de 1926, integrada no espectáculo de gala
do 22º aniversário, uma nova e fantasiosa revista, “Pátria Livre”. Pequena, só
tem um acto e três quadros, narra a hipotética independência de Tavarede, que,
após uma revolução triunfante, se autoproclama como República do Limonete.
Duas notas: O meu querido amigo Maestro João Cascão alertou-me para o erro que cometi ao escrever que a estreia do 'Cantigas de Tavarede' referi 2006 quando foi em 2007. Lapso meu que espero me seja desculpado.
Também me informou que recentemente, aquele Coral deu a sua centésima exibição. Parabéns e... Tavarede marca!!!
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