Muitas
vezes temos referido o facto de Tavarede, em tempos que já lá vão, ser uma
pequena aldeia cujos habitantes viviam e trabalhavam, na sua maioria, na
agricultura. Por conta própria, nas suas terras, ou por conta alheia, eram
muitos os cavadores que tiravam, do seu trabalho agrícola, o sustento de sua
família.
Era uma vida bastante dura, muitas
vezes trabalhando sob um sol abrasador, enquanto noutras tinham que suportar um
frio que enregelava. Além disso, e isto ainda durante a primeira metade do
século vinte, não tinham horário, trabalhando de sol a sol, cujo relógio era o
sino da torre da igreja, tocando as trindades para o início do trabalho ainda o
sol estava a despertar, bem como para anunciar o fim do trabalho, quando o sol
já desaparecia no poente.
No mês de Abril os dias começavam a ser
maiores, pelo que foi necessário estabelecer um período de descanso a meio da
tarde, para recuperarem um pouco das forças dispendidas. Terá sido esta a
necessidade de estabelecer este costume e, assim, surgiu o uso de festejar a tarde
estabelecida para a chamada ‘merenda grande’. A nossa terra, seguindo o exemplo
geral, também celebrava esta tarde.
Foi
um costume que perdurou durante muitos anos, pois ainda nos recorda, e com
saudade, confessamos, quando íamos em ‘ranchada’ merendar fora, normalmente no
pinhal sito aos Quatro Caminhos do Senhor do Arieiro, bem perto da velha escola
primária.
A primeira nota que encontrámos
respeitante a esta celebração, foi em Abril de 1899. “A srª D.
Maria Amália de Carvalho, digna professora da povoação de Tavarede, offereceu
na passada segunda feira – dia da merenda
grande – uma soirée familiar, que
decorreu animadíssima entre despretencioso convívio, até perto da uma hora da
madrugada.
O sr. A. Rodrigues recitou o monologo
em verso “O Terrível”, entre francas gargalhadas, sendo também bastante
palmeado o sr. A. Proa nas suas cartas de
magia. Durante o baile esteve tocando, sob a direcção do sr. João Proa, um quintetto que muito agradou.
De tarde estivera alli executando
algumas musicas a “Troupe Gounod”, sendo-lhe offerecido um abundante copo d’agua. Muito mais tínhamos que
dizer, mas o espaço de que dispomos n’este jornal não nos deixa alongar mais”.
O costume já seria antigo pois, no ano
seguinte, mereceu uma nota um pouco maior, num periódico figueirense. “Hontem,
ao inicio da tarde, quiz-nos parecer que os nossos visinhos figueirenses tinham
julgado ser dia de S. João cá na parvonia. Por essas estradas além viam-se
ranchos e ranchos de pessoas, e aqui na povoação passavam igualmente muitos
outros com cestos enfeitados de verdura e flôres e recheiados de saborosos
petiscos, que iam manducar á sombra d’árvores dispersas por ahi fóra.
Não era porém dia de S. João, mas sim o
da festejada merenda grande, tão
suspirado por todos os operarios que até Setembro gosam 2 horas de sesta. Tavarede
offerecia-nos mais um tom de quem estava em festa, do que a sua apparencia
habitual de monotona pacatez.
Um grande cortejo de meninas e meninos,
alumnos da nossa escola elementar, conduzindo cestos caprichosamente
engrinaldados de flôres, percorreram muitas ruas da localidade. Á noite a exma.
srª. D. Maria Amalia de Carvalho, sua intelligente professora, reuniu em sua
casa muitas meninas suas discipulas e outras das suas relações, e ali estiveram
em animado convivio até perto da meia noite. Festas e mais festas”.
Um
outro periódico refere “... houve a costumada romaria, dando a Figueira o seu
‘contigente’ avantajado. Muita alegria; muita festa”. Os figueirenses, como se
depreende, aproveitavam aquela tarde para recuperarem forças e procuravam os
sítios mais aprazíveis da nossa terra, para saborearem as fartas merendas à
sombra das árvores ramalhudas. “Foi grande a
concorrência de figueirenses que na segunda feira vieram aqui passar a tarde e
festejar a merenda grande.
Locandas cheias de freguezes,
homens de banza á cinta, mulheres sobraçando cestos recheados de acepipes, danças, vozes argentinas soltando cantigas
alegres, um movimento desusado nas ruas, emfim, um bocado de tudo se viu aqui
n’aquella tarde. As meninas da escola
andaram com cestos enfeitados a percorrer as ruas, depois de terem merendado
com alegria E era bonito admirar aquelle grupo de gentis
creanças, todo coberto de flores, risonho, cheio de candura, a offerecer-nos um
quadro simplesmente bello!. Finalmente,
uma tarde bem passada para os felizões que vêem com razão que esta vida
são dois dias”.
A professora
D. Maria Amália de Carvalho, a quem já atrás aludimos, havia estabelecido o
costume de, pelas crianças da sua escola, se festejar este dia. Pelos
apontamentos transcritos, percebe-se que o cortejo infantil, com os seus cestos
cheios de flores, espalhavam alegria pela rua principal da aldeia até ao local
escolhido para a confraternização.
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