sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Operetas em Tavarede - 6

         Não durou muito tempo a República do Limonete. O êxito que estas peças tinham alcançado, o gosto do público por estes espectáculos, vivos, alegres, cheios de cor e movimento e agradável música, levaram ao surgimento, no dia 16 de Abril de 1927, de uma nova fantasia, no seguimento da “Pátria Livre”.

         A independência de Tavarede não se perdeu. Mas, a república do presidente Agostinho Pandorgas, foi derrubada por uma revolução palaciana. Em sua substituição, a nossa terra recebeu um título nobiliárquico. Foi implantado “O Grão-Ducado de Tavarede” e, desta vez, não tivemos um presidente mas, sim, uma “Grã-Duquesa”.

         A partitura continuou a ser da responsabilidade de António Simões, mas o texto foi escrito por Gaspar de Lemos e por José da Silva Ribeiro, que adoptaram o pseudónimo de “João José”. É justo recordar, também, que foi nesta peça que se iniciou a extraordinária colaboração de um outro grande artista e amigo da Sociedade de Instrução Tavaredense, o professor Alberto de Lacerda.


                       José da Silva Ribeiro
                    (um dos autores do texto)

          Prossigamos, pois, na nossa narrativa.

         Não estava muito segura no seu trono a nossa Grã-Duquesa. Refugiado nos domínios de Foja, o ex-presidente Pandorgas procurava reunir as suas tropas e, armado com poderosa artilharia, estava disposto a vir à reconquista de Tavarede, com uma enorme esquadra que, vindo por Maiorca, tentaria o desembarque no cais do Rio Velho.

         Mas a Grã-Duquesa e o seu governo estavam confiantes, não só nas suas forças defensivas, mas, também, nos socorros que solicitaram aos vizinhos e, até, a alguns países aliados, como a Inglaterra. Enquanto decorriam estas medidas de defesa, o governo local resolveu organizar um grande “Exposição Internacional”.  E quando se encontrava a inaugurar esta exposição, a Grã-Duquesa acolheu um ilustre visitante, o brasileiro Manuel Nespera Cajú, filho de um tavaredense que alcançara grande fortuna no Brasil e que, antes de morrer, encarregou seu filho de aqui vir para fazer um importante donativo.

         É convidado a visitar a exposição internacional de Tavarede. Acompanha-o o Comissário Geral que lhe vai apresentando os produtos expostos.

  Maçã
Depois do mundo criado,
Nos tempos do Paraíso,
O papá Adão, coitado,
Um dia perdeu o siso.

Vendo a mãe Eva fagueira,
À luz fresca da manhã,
Atirou-se à macieira
 E zás! Comeu a maçã.

  Nêspera
Sim senhor, a fez bonita!
Não era carne sem osso,
Porque afinal a maldita,
Lhe não passou do pescoço.

Maçã 
Até os velhos me comem
Porque sou fruta estimada
Não há rapaz nem há homem
Que me não coma à dentada.

Nespera Cajú gostou da fruta tavaredense. Tanto que logo pediu para ver a “pevide” da maçã, pois pretendia ir semeá-la no Brasil. Não teve sorte. A maçã tavaredense não pegava de semente nem de estaca. Só de enxertia...

         Porém, logo a seguir, o brasileiro fica surpreso. Então não é que a folhas 131, nº 1024 da prateleira H, no armário 52 da sala F, está indicado, no catálogo, o café como sendo um produto de Tavarede, quando toda a gente sabe que o café vem do estrangeiro, da África e do Brasil?

Não vi a luz na Arábia,
Não flori no Brasil,
Sou o bom café
De Portugal,
Laré café,
Especial.

Quem me chega aos beiços
E me bebe a preceito
Outro não quere mais;
Regalo o peito
E com efeito
Limpo os canais.

Venho, venho da pura
Venho da pura mamã cevada
Que me deu três pais
Duma assentada (bis)
Bico, bicudo grão
rigo lirinho
E o bom feijão.

         Realmente era verdade. O café que ali estava exposto era mesmo português, este, em particular, era mesmo de Tavarede.

         Café – “Sou filho da cevada. A minha mãe fez mistura com o trigo, com o grão de bico e até com o feijão! Mas cá o rapaz é bondoso, é amigo da pobreza. Quantas vezes mato a fome aos desgraçados! Uma pinga de café e um bocado de broa, de manhã, e aí vão os operários para os oficinas, os rapazitos, tiritando de frio, a caminho das obras, onde os espera o côxo de cal. Ao meio dia uma sardinha assada e à noite, em casa, a servir de ceia, outra vez o café, o nosso bom café, a fumegar nas tigelas, a dar aos pobres uma impressão de abundância que não têm e a levar-lhes ao estomago uma sensação de fingido conchego.

         E, na verdade, conheço tanta miséria, tanta desgraça, tanta fominha mais negra que a minha cor... (transição) Não vale a pena pensar em coisas tristes. A vida é assim mesmo. E eu sei das vidas de toda a gente mais do que ninguém. A vizinha vai a casa da vizinha, a comadre a casa da comadre e, então, zás, aí entra o café de função. Sentam-se na cozinha, e enquanto eu aqueço ao lume, na chocolateira, falam dos ganhos dos homens, dos gastos dos filhos, das bebedeiras duns e outros... Ah! comadre, vocemecê não viu a Esdofina no baile? – Pois vi, ah! mulher! c’o vestido novo, de 80 mil reis o metro! – Aquilo é um luxo que Deus te livre! O pior é que ainda deve o xaile que comprou o ano passado pelo S. João. – Antão não sabe que a Mari’Teza foi dizer à cunhada que eu não tinha dinheiro p’ra pagar na venda mas tinha dinheiro p’randar pelos teatros? Aquela alma danada! Ah! mulher! eu inté tinha ganas de trincar o fígado àquela esmiucada... (transição) E nunca mais acabam. Passam ali à fieira a vida de toda a gente!...”.

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