Não durou muito tempo a República do Limonete. O
êxito que estas peças tinham alcançado, o gosto do público por estes
espectáculos, vivos, alegres, cheios de cor e movimento e agradável música,
levaram ao surgimento, no dia 16 de Abril de 1927, de uma nova fantasia, no
seguimento da “Pátria Livre”.
A
independência de Tavarede não se perdeu. Mas, a república do presidente
Agostinho Pandorgas, foi derrubada por uma revolução palaciana. Em sua
substituição, a nossa terra recebeu um título nobiliárquico. Foi implantado “O
Grão-Ducado de Tavarede” e, desta vez, não tivemos um presidente mas, sim, uma
“Grã-Duquesa”.
A
partitura continuou a ser da responsabilidade de António Simões, mas o texto
foi escrito por Gaspar de Lemos e por José da Silva Ribeiro, que adoptaram o
pseudónimo de “João José”. É justo recordar, também, que foi nesta peça que se
iniciou a extraordinária colaboração de um outro grande artista e amigo da
Sociedade de Instrução Tavaredense, o professor Alberto de Lacerda.
José da Silva Ribeiro
(um dos autores do texto)
Prossigamos,
pois, na nossa narrativa.
Não
estava muito segura no seu trono a nossa Grã-Duquesa. Refugiado nos domínios de
Foja, o ex-presidente Pandorgas procurava reunir as suas tropas e, armado com
poderosa artilharia, estava disposto a vir à reconquista de Tavarede, com uma
enorme esquadra que, vindo por Maiorca, tentaria o desembarque no cais do Rio
Velho.
Mas a
Grã-Duquesa e o seu governo estavam confiantes, não só nas suas forças
defensivas, mas, também, nos socorros que solicitaram aos vizinhos e, até, a
alguns países aliados, como a Inglaterra. Enquanto decorriam estas medidas de
defesa, o governo local resolveu organizar um grande “Exposição
Internacional”. E quando se encontrava a
inaugurar esta exposição, a Grã-Duquesa acolheu um ilustre visitante, o
brasileiro Manuel Nespera Cajú, filho de um tavaredense que alcançara grande
fortuna no Brasil e que, antes de morrer, encarregou seu filho de aqui vir para
fazer um importante donativo.
É
convidado a visitar a exposição internacional de Tavarede. Acompanha-o o
Comissário Geral que lhe vai apresentando os produtos expostos.
Maçã
Depois
do mundo criado,
Nos
tempos do Paraíso,
O
papá Adão, coitado,
Um
dia perdeu o siso.
Vendo
a mãe Eva fagueira,
À
luz fresca da manhã,
Atirou-se
à macieira
E
zás! Comeu a maçã.
Nêspera
Sim
senhor, a fez bonita!
Não
era carne sem osso,
Porque
afinal a maldita,
Lhe
não passou do pescoço.
Maçã
Até
os velhos me comem
Porque
sou fruta estimada
Não
há rapaz nem há homem
Que
me não coma à dentada.
Nespera Cajú gostou da fruta
tavaredense. Tanto que logo pediu para ver a “pevide” da maçã, pois pretendia
ir semeá-la no Brasil. Não teve sorte. A maçã tavaredense não pegava de semente
nem de estaca. Só de enxertia...
Porém,
logo a seguir, o brasileiro fica surpreso. Então não é que a folhas 131, nº
1024 da prateleira H, no armário 52 da sala F, está indicado, no catálogo, o
café como sendo um produto de Tavarede, quando toda a gente sabe que o café vem
do estrangeiro, da África e do Brasil?
Não
vi a luz na Arábia,
Não
flori no Brasil,
Sou
o bom café
De
Portugal,
Laré
café,
Especial.
Quem
me chega aos beiços
E
me bebe a preceito
Outro
não quere mais;
Regalo
o peito
E
com efeito
Limpo
os canais.
Venho,
venho da pura
Venho
da pura mamã cevada
Que
me deu três pais
Duma
assentada (bis)
Bico,
bicudo grão
rigo
lirinho
E
o bom feijão.
Realmente
era verdade. O café que ali estava exposto era mesmo português, este, em
particular, era mesmo de Tavarede.
Café
– “Sou filho da cevada. A minha mãe fez mistura com o trigo, com o grão de bico
e até com o feijão! Mas cá o rapaz é bondoso, é amigo da pobreza. Quantas vezes
mato a fome aos desgraçados! Uma pinga de café e um bocado de broa, de manhã, e
aí vão os operários para os oficinas, os rapazitos, tiritando de frio, a
caminho das obras, onde os espera o côxo de cal. Ao meio dia uma sardinha
assada e à noite, em casa, a servir de ceia, outra vez o café, o nosso bom
café, a fumegar nas tigelas, a dar aos pobres uma impressão de abundância que
não têm e a levar-lhes ao estomago uma sensação de fingido conchego.
E, na verdade, conheço tanta miséria,
tanta desgraça, tanta fominha mais negra que a minha cor... (transição) Não vale a pena pensar em coisas tristes. A vida é assim mesmo. E eu
sei das vidas de toda a gente mais do que ninguém. A vizinha vai a casa da
vizinha, a comadre a casa da comadre e, então, zás, aí entra o café de função.
Sentam-se na cozinha, e enquanto eu aqueço ao lume, na chocolateira, falam dos
ganhos dos homens, dos gastos dos filhos, das bebedeiras duns e outros... Ah!
comadre, vocemecê não viu a Esdofina no baile? – Pois vi, ah! mulher! c’o
vestido novo, de 80 mil reis o metro! – Aquilo é um luxo que Deus te livre! O
pior é que ainda deve o xaile que comprou o ano passado pelo S. João. – Antão
não sabe que a Mari’Teza foi dizer à cunhada que eu não tinha dinheiro p’ra
pagar na venda mas tinha dinheiro p’randar pelos teatros? Aquela alma danada!
Ah! mulher! eu inté tinha ganas de trincar o fígado àquela esmiucada... (transição) E nunca mais acabam. Passam ali à fieira a vida de toda a gente!...”.
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