Aproximamo-nos
dos fins da década de 1940. E o final da mesma trouxe a Tavarede um novo e
brilhante espectáculo. Da autoria de Mestre José Ribeiro surgiu, no nosso
palco, Chá de Limonete.
Mas, antes de continuarmos com o
teatro, vamos recordar que, em Abril de 1950, o Grupo prestou homenagem ao seu
conjunto privativo, pelo seu décimo aniversário.
Lúcia-Lima-Jazz -
1950
E voltemos ao Chá de Limonete. Para
saber do que tratava a peça, um jornal figueirense foi entrevistar o seu autor.
O grupo cénico da Sociedade de Instrução
Tavaredense vai dar-nos em breve mais uma nova peça – e desta vez uma peça bem
sua. Os leitores do Notícias da Figueira já lhe conhecem o título, visto que em
tempos aqui noticiámos ir entrar em ensaios a fantasia Chá de Limonete.
Certos pormenores que por acaso ouvimos
referir aguçaram-nos a curiosidade de saber mais alguma coisa acerca da peça
tavaredense. O Chá de Limonete seria realmente o que ouvimos? Se assim fosse, o
grupo de Tavarede iria oferecer-nos uma autêntica novidade, merecedora da
atenção de quantos se interessam pelo teatro de amadores.
Facilmente nos esclarecemos indo à
vizinha terra do limonete, onde conversámos com o director do grupo da
Sociedade de Instrução Tavaredense, sr. José Ribeiro. Acolheu-nos prontamente e
francamente respondeu a quanto lhe perguntámos, sem reticências nem rodeios.
= É então certo que o Chá de Limonete
vai ser servido ao público brevemente?...
= Sim. A não surgir qualquer
contratempo, devemos representá-lo em Tavarede no dia 21 de Outubro próximo.
Contamos vencer, até lá, as dificuldades de vária ordem que se deparam na
montagem duma peça deste género.
= E nós esperamos vê-la na Figueira
pouco depois.
= Não. O Chá de Limonete não sai de
Tavarede. Será representado exclusivamente no teatrinho da Sociedade de
Instrução Tavaredense.
= Mas sempre o seu grupo tem levado à
Figueira as peças que ensaia...
= É certo, e sempre o público
figueirense tem sido amável e generoso com os amadores de Tavarede, ainda que
às vezes se não dê pela presença destes na Figueira, como poderá concluir-se do
silêncio dos jornais sobre as representações, certamente por ficarem desertas
as cadeiras dos críticos, as quais, aliás, nunca deixaram de lhes ser
reservadas... Mas, como iamos dizendo, desta vez não iremos à Figueira. A peça
foi escrita e está a ser montada para Tavarede, e daqui não sairá.
= É então uma peça bairrista,
tavaredense 100 por cento, apenas para tavaredenses...
= Nada disso! Chá de Limonete é
tavaredense de gema – 100 por cento, como Você disse – mas é uma peça para toda
a gente. Os casos referidos, os episódios, as figuras vêm da tradição, da
história e da crónica locais; mas as histórias que se contam e vivem (a peça
poderia chamar-se – História de Tavarede)
tão bem as entende o espectador tavaredense, como o figueirense, como o
de qualquer outra parte.
= Já agora, se quisesse levar ao fim a
sua amabilidade, podia dar-nos um resumido esquema da revista...
= Revista... Está bem, sim, pode
chamar-lhe revista, por comodidade de expressão: porque se trata de uma obra
teatral que é uma sucessão de quadros, agrupados em 3 actos. Mas não nos faça a
injustiça de supor que vamos, incoerentemente, oferecer ao nosso público uma
revista... revista!
= Se
quisesse esclarecer o seu pensamento... Parece que o género não tem a sua
simpatia...
= Referimo-nos à revista estilo Parque
Mayer, tão inferiorizada e contra a qual se insurgem os apreciadores do bom
teatro ao vê-la representada por profissionais. Ora, se são amadores que a
representam, o caso ainda é mais grave, porque estes só nos podem dar o que a
revista tem de mau, sendo-lhes inacessível o que nela ainda existe de bom no
aspecto artístico. Levaria tempo a desenvolver aqui o que sobre o assunto
pensamos.
= Podemos dar publicidade no Notícias
da Figueira às opiniões que lhe acabamos de ouvir?
O nosso entrevistado encara-nos com
expressão de grande franqueza, e muito singelamente diz:
= As minhas opiniões, sobre teatro ou
sobre seja o que for em que posso tê-las, costumo afirmá-las em voz alta.
Ponha-as em letra redonda se lhe apraz, embora eu não tenha nisso qualquer
interesse.
= Mas os nossos leitores gostariam de
conhecê-las...
= Dê-lhes, então, opiniões de críticos
abalisados. Sempre valerão mais do que as minhas. Estas, por exemplo.
E foi buscar-nos recortes de jornais,
donde copiamos:
Diário de Notícias: “O teatro de
amadores de Lisboa ou de algures foi, de há tempos a esta parte, contaminado
pelo vício da revista, não para exaltar o regionalismo através de quadros
típicos e figuras pitorescas, mas copiando servilmente os aspectos banais das
revistas em série, modelo P. M., com os mesmos defeitos e até com o mesmo
guarda-roupa já bastante usado. E isso é, realmente, perigoso para a finalidade
educativa das Sociedades de Instrução e Recreio.”.
A Voz: “... o mesmo compadre, as mesmas
chefes de quadros, as mesmas rábulas e as mesmas canções... Seria prudente
mudar de rumo e fazer alguma coisa de original...”.
Diário de Lisboa: “... De modo que é
difícil deixar de ter duas maneiras de ver – uma para o Parque Mayer (mesmo
quando ele mora algures), outra para a louvável e generosa iniciativa dos
amadores. Mas se estes, arrastados por um poder de entusiasmo mal orientado, se
deixam levar para propósitos de fazer tão bem (ou tão mal?...) como a produção
terrivelmente comercializada contra qual todos se costumam insurgir e da qual
todos se dizem fartos, arriscar-se-iam a que o público em geral e o
comentarista em especial passassem a olhar o caso sem o benefício da benévola
simpatia que irresistivelmente se usa atribuir-lhes.”.
O Século: “... A revista segue a traça
comum, entremeando quadros de comédia com quadros de rua e utilizando os moldes
habituais. Há o indispensável microfone, o infalível fado...”.
República: “... É pena que algumas
(revistas de amadores) não mantenham mais puras características locais e sejam
demasiadamente “Parque Mayer”, circunstância que, em vez de as valorizar, as
desvaloriza. Com um pouco mais de orientação e de critério artístico, estas revistas
seriam, além dum passatempo para os seus intérpretes, um excelente meio de
divulgação de costumes, de tradições e de belezas bairristas.”.
= Aí tem. Eu entendo que revistas de
amadores devem ser isso mesmo: além de saudável passatempo. “um excelente meio
de divulgação de costumes, de tradições e belezas bairristas”.
Aqui objectámos:
= Mas é inegável que o público acorre
precisamente a essa “produção terrivelmente comercializada”, o que significa
que é disso que ele gosta.
= E... acha que não deve tentar-se nada
para melhorar o gosto do público? Será então função dos grupos de amadores
manter e explorar o mau gosto do público? Parece-lhe que é assim que as
Sociedades de Educação e Recreio cumprem a sua missão, como se em vez de
sociedades de educação e recreio fossem apenas... empresários a farejar
negócio?
E, sem nos dar tempo a responder, o
nosso entrevistado continuou:
= Não responda, que não é preciso.
Fechemos o parêntesis e voltemos ao Chá de Limonete. Que quer saber então,
concretamente?
= Diga-nos qual o assunto da peça, o
esquema sobre que foi construída.
= Como lhe disse, são histórias de
Tavarede. Está claro que sendo de Tavarede, o são também da Figueira, de
Buarcos... Numa sucessão cronológica de 24 quadros agrupados em 3 actos, passa
a história da terra do limonete. No 1º. acto – “Tavarede de Outros Tempos” – o
Velho-Tavarede mostra a Frei Manuel de Santa Clara vários episódios: a doação
de Tavarede à Sé de Coimbra, com o Rei D. Sancho I, a Rainha D. Dulce, os
Bispos de Braga, de Viseu, do Porto e de Lisboa, o Alcaide-Mor de Coimbra, o
Mordomo-Mor da Cúria, o célebre notário Julião, etc. (ano de 1191); as marinhas
de Tavarede (século XVI), pois era então aqui bastante numerosa a classe dos
marnoteiros; a bruxa de Buarcos Isabel Peixinha e as laranjas da China... de
Tavarede (século XVII); um aspecto da luta entre o Fidalgo Fernão Lopes de
Quadros e o Cabido de Coimbra (século XVIII), terminando o acto com o celebrado
jantar do Deão de Coimbra na sua visita anual a Tavarede. O 2º. acto – “Couto
sem Cabeça” – abre com a mudança da Câmara de Tavarede para a Figueira e
mostra-nos ainda costumes dos séculos XVIII e XIX como os fornos da poia, os
lombos e a língua de vaca, a colher das papas, a saia-balão e um episódio
relacionado com a tomada do Forte de Santa Catarina aos franceses em 1808. No
3º. acto – “Tavarede de Hoje em Dia” – surgem números de carácter folclórico,
rememoram-se tradições, põem-se a falar – e a cantar... – figuras como o velho
ribeiro de Tavarede, o palácio dos Condes, a fonte, os potes enfeitados do 1º.
de Maio... E a concluir, como lição moral da peça, a glorificação do trabalho.
Chá
de Limonete
Jardins
de Tavarede - final
= Mas, pela resenha que lhe ouvimos, o
Chá de Limonete exige montagem dispendiosa!
= Sem dúvida. Veja a variedade e a
quantidade de indumentária e cabeleiras para as várias épocas... E cenários...
Para todos os quadros estão a ser pintados cenários próprios por dois grandes
artistas: o nosso Reynaud e o cenógrafo do Teatro D. Maria II, Manuel de
Oliveira. E oiça isto, que é curioso: os rapazes da direcção da Sociedade de
Instrução Tavaredense dispuseram-se a pôr em cena o Chá de Limonete sem nenhuma
esperança de que as receitas cubram as despesas! Todos os louvores lhes são
devidos. Para proceder assim é preciso ter coragem e não ser dominado por
estreito critério comercial de empresário. E fiquemos por aqui. Dentro de pouco
estão lá em cima, no teatro, os rapazes e as raparigas à espera, para o
ensaio...
= Podemos assistir?
= Se o desejar... Mas olhe que estamos
apenas a ensaiar a música. A propósito: posso dizer-lhe que a música é
lindíssima, toda original de António Simões. Chá de Limonete ficará sendo um
dos melhores trabalhos deste distinto artista-amador.
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