Chamavam ‘santo casamenteiro’ ao S. João. Será que fazia
concorrência ao Santo António? Do que não há dúvida é que em Tavarede, por
costume bem antigo, fez festa rija em 1920. “Como estava annunciado, nos preteritos
dias 17, 18 e 19 do corrente, tiveram aqui logar os tradicionaes festejos ao Santo Casamenteiro, os quaes foram
revestidos de grande brilhantismo e luzimentos.
No sabbado, alem da recepção ao Zé Pereira, houve exposição da egreja, que estava ricamente armada
pelo habil armador d’essa cidade e nosso amigo Adelino Faria; concerto pela
acreditada banda Philarmonica Figueirense,
que executou com muita proficiencia um repertorio escolhido que muito agradou á
enorme assistencia de povo que da Figueira e logares limitrophes aqui affluiu.
O concerto, que teve logar n’um coreto expressamente armado
para esse fim no Largo do Rio, foi acompanhado com a queima de 4 peças de fogo
preso e d’algumas duzias do do ar, o que agradou em extremo, dando honras ao
afamado pyrotechnico que o manufacturou.
Em seguida, e ao som de parte da tuna do Grupo Musical
Tavaredense, deu-se inicio no Largo do Forno aos descantes populares, que se
prolongaram até á manhã de domingo, reinando sempre em todos os corações da
mocidade folgazã a mais franca e sincera alegria.
Ás 13 horas teve logar a missa solemne, tocando no côro
elementos da nossa terra e d’essa cidade.
Após a missa tiveram logar as cavalhadas, incontestavelmente
o numero mais synpathico dos festejos.
Depois da entrega aos mordomos das bandeiras e guias,
organizou-se na rua Direita o enormissimo cortejo, o qual se dirigiu para essa
cidade a percorrer o itinerario do costume.
Uma vez na Figueira, os sinos da Matriz annunciaram ao povo
figueirense, sempre ávido de curiosidade para apreciar as cavalhadas de
Tavarede, a chegada da Bandeira, que
ao som da Figueirense, que aguardava
a sua chegada ao quartel d’artilharia, deu as praxistas 3 voltas á Egreja, ás
Praças Nova e Velha, etc. etc.
Deixando a Figueira, dirigiram-se as cavalhadas a Buarcos,
onde deram tambem as voltas do Ritual, não faltando a vizita á capella da
Senhora da Encarnação.
N’aquella villa como na Figueira, gentis senhoras despejaram
sobre as bandeiras muitas bandejas de flores.
Houve em Buarcos um pouco de descanço e tudo se preparou
para regressar a Tavarede; e sempre na melhor ordem deslizaram as cavalhadas
para o ponto de partida, onde as esperava a Figueirense,
que as acompanhou até á Egreja, depois das voltas da praxe.
A commissão fez solemnemente a entrega das bandeiras, depois
do que fez a Pega para o proximo anno
outra commissão, que sahiu a pé, a percorrer as ruas da localidade, acompanhada
tambem pela Figueirense, que
executava um passo-dobrado.
Em seguida deu-se principio novamente
aos descantes populares, que tiveram fim muito depois da meia-noite.
Na segunda-feira foi o verdadeiro dia de festa para os
rapazes que trabalharam e cooperaram nos sympathicos festejos a S. João.
Á tarde houve a rosquilhada, á qual concorreram muitas
pessoas montadas em gericos.
Houve corridas de saccos, de três pernas,
de velocidade, resistencia, etc, tendo sido conferidos valiosos premios a todos
os vencedores.
Por fim, juntaram-se alguns elementos da tuna do Grupo
Musical Tavaredense e tocaram, na rua Direita, até altas horas da noite,
dançando se sempre com a maior animação.
E assim terminaram este anno as festas
a S. João Baptista, as quaes deixaram em nós e em todos que n’ellas tomaram
parte, as mais gratas saudades, pois ficaram bem vinculados no nosso espirito
aquelles dias de verdadeira felicidade e alegria em que tudo se esquece para
dar largas á folia...”.
1921 não
esqueceu tal costume, mas as cavalhadas... “A minha terra, que outr’ora como no
presente foi uma das freguezias que no concelho da Figueira da Foz sempre
caprichou em promover as festas annuaes em honra do popular S. João, parece que
este anno as deixa ficar no olvido.
Parece, digo eu! É certo. Certissimo. É com imensa mágua que
tal noticio. Os affamados ranchos, os praxistas concertos de musica pelas
bandas civis d’essa cidade, a festa religiosa, a queima de fogos e, sobretudo,
as tradicionaes Cavalhadas, que
indubitavelmente eram o clou da
festa; as corridas de saccos, de tres pernas, de potes, etc., e a célebre Rosquilhada, em que grande numero de
pessoas passava horas e horas envolvido na mais franca e sincera alegria, tudo
isto passa despercebido aqui, este anno!
Depois os descantes populares, que attrahiam a Tavarede
algumas centenas de forasteiros que jámais se cançavam de dar largas á folia...
Emfim, tudo o que na minha terra se fazia n’aquelles dias
para divertimento da mocidade indigena como da que aqui affluia de todos os
logares limitrophes, este anno fica, como usa dizer-se, em aguas de bacalhau...
Eu, na minha qualidade de moço, com sanguinho na guelra, podia, conjunctamente com outros, constituir
uma commissão e fazermos os alludidos festejos; mas, como a minha, as opiniões
partem de todos: - não devemos fazel-os.
E o motivo é explicavel: É que o anno passado, a quando da
entrega da Bandeira pela commissão
respectiva ao parocho de Tavarede, meu prezado amigo sr. Manuel Vicente, após,
claro está, as Cavalhadas terem
percorrido pomposa e galhardamente o costumado itinerario, uns cavalheiros d’aqui e d’essa cidade
apressaram-se a formar commissão, depois do que foram á egreja, pegaram na Bandeira, na qualidade, bem entendido,
de festeiros prematuros d’este anno, e sahiram a percorrer as ruas da
localidade acompanhados pela Philarmonica
Figueirense, ao mesmo tempo que estoiravam no ar algumas boas duzias de
foguetorio rijo.
Precisamente n’aquella altura estava a minha pessoa com uns
poucos de rapazes amigos, cá do burgo, a resolver se iriamos novamente fazer a
festa, se cederiamos a Bandeira a
outros que a quizessem conduzir, mas os corajosos
mordomos nem tempo nos deram para reflectir no assumpto, pois, como digo,
apressaram-se a ir de vespera fazer a péga da Bandeira.
Ao vêr tal disparate garanti logo que aquelles cavalheiros,
a mór parte dos quaes em magnifico
estado comatoso, outros illudidinhos com musica e foguetes, não levavam ávante
o seu proposito, o que infelizmente succedeu.
E com franqueza, em que cabeça cabe que uns rapazes
figueirenses como os em questão, lá por terem muitos conhecimentos na cidade,
onde aliás se arranja uma boa verba, fossem capazes de fazer como nós, os tavaredenses
– que conhecemos bem a freguezia -, uma relação de todos os fogos respectivos e
ir percorrel-os por varias vezes na acquisição dos dinheiros indispensaveis
para a festa? Sim, porque não é só com o dinheiro que se aufere no commercio
figueirense, que aliás é um optimo auxiliar, que em Tavarede se faz uma festa
de S. João. São indispensaveis as voltas á freguezia, na pedincha, porisso que é d’ahi que sahe a maior quota. É d’ella que
a gente ouve muitos sins e
muitissimos nãos. É d’ella que nós, os
tavaredenses e consequentemente os mais relacionados, formulamos e ouvimos
muitas exigencias. Com que cara ficariam os rapazes figueirenses ao ouvirem
d’um fulano – rico que nem um suino... – na occasião em que lhe pedissem
qualquer obulo para a festa de S. João, - “que se se quizessem embebedar fossem primeiro cavar por
conta d’elle...”, ou então – “que não estava p‘ra sustentar... animaes á argola”!!
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