No
ano de 1919 as notícias são escassas. “Foram sempre, no nosso concelho, os melhores festejos para a mocidade
alegre os do S. João da visinha e pitoresca
freguezia de Tavarede.
O Santo da terra do limonete é talvez, o que
dá melhores dias de folia e que mais "milagres" tem feito à gente casamenteira.
Por isso é bastante querido e as suas festas são bastante concorridas.
Da cidade, ranchos familiares vão com merendas até àquela bonita
aldeia, onde sob frescas sombras passam horas de
alegria e conforto. Pelas estradas que se estendem como fitas brancas até
Tavarede, passam ranchos cantando, floridos de limonete e de dálias...
No pequeno largo da ermida e pelas ruas da
povoação raparigas trigueiras pelo sol de julho vendem aos forasteiros braçadas de flores. E no altar, todo cheio de luzes, de damascos e de
flores garridas, S. João é festejado com crença e fé pela gente
moça que regressou da guerra e por aquela que foi atendida nas suas
promessas...
Tudo
é alegre! - Tudo ri e tudo canta!
Garbosos rapazes, montando cavalos
enfeitados, percorrem as ruas da terra, da Figueira e de Buarcos com as bandeiras
de S. João, acompanhando-os as raparigas caprichosamente vestidas, a musica e o
gaiteiro!
A
tradição do S. João de Tavarede aponta-nos, pois, dias de franca alegria!...
Este
ano realizam-se os seus festejos nos próximos sábado, domingo e segunda-feira,
cujo programa é o seguinte:
Dia 26 - De manhã, chegada do tradicional
"Zé Pereira" e à noite concerto pela excelente filarmónica "Figueirense", iluminações, fogo de artifício, ranchos
populares, concerto pela apreciada tuna do Grupo Musical Tavaredense, etc, etc.
Dia 27 - Às 10 horas, imponente ceremonia religiosa na egreja
paroquial, assistindo uma orquestra da Figueira; às 15 horas, entrega das bandeiras pelo reverendo pároco de Tavarede aos
promotores dos festejos, que, em cavalhadas, percorrerão as ruas da
localidade, Figueira e Buarcos, às 20 horas, concerto pela
"Figueirense", corridas de cavalos, danças e descantes populares.
Dia 28 - Alvorada pelo "Zé Pereira"
e à tarde corridas de gericos, de sacos, de potes e pau "cognac".
A politiquice começou a interferir com as festas, especialmente com a
parte religiosa. “Os
fervorosos católicos que tiveram a
infeliz ideia da procissão do S. João trabalham afanosamente para levarem por
diante o seu intento. Até se chegou já a afirmar que a procissão se faria – desse por onde desse.
Nós continuamos a supôr o contrário, não só porque a
autoridade não dará, certamente, a necessária licença, visto que êsse acto
religioso assume o carácter duma especulação política que aqui tem causado
indignação, mas ainda porque as pessoas que de boa fé acompanham os promotores
da função acabarão por reconhecer os inconvenientes dum número que se não
justifica e que nem os verdadeiros católicos, nem mesmo os velhos organizadores
dos pomposos festejos de outros tempos, vêem com bons olhos.
Pois se se não trata duma questão religiosa mas sim dum acto
com que se pretende atingir determinado fim político!...
No dizer dêsses velhos, as festas de S. João tinham sempre
uma parte religiosa, mas nunca nela figurava uma procissão. Havia, sim, as
novenas, que sempre se realizavam, e que êles justificadamente estranham se não
realizem agora. E se bem que quanto a nós o caso seja indiferente, pois não
assistimos às novenas, êle merece registo, porque vem confirmar o que aqui
dissémos quanto aos intuitos dos promotores da procissão.
Onde está, então, o fervor religioso desta gente, levado até
ao excesso com a introdução dêste novo número na parte religiosa e pôsto de
parte na realização das novenas, que a tradição justifica? Não faz sentido.
Ouvimos que as novenas se não efectuam porque o sr. Padre
Vicente não tem vagar para isso, “porque as terras lhe dão muito trabalho”. Nós
não o censuramos por isso, outro tanto não fazendo várias pessoas que não
dispensam a prática de certos actos religiosos, mas achamos que há razão para
que os que não conhecem a hipocrisia de certos sujeitos estranhem que se não
façam novenas e se queira uma procissão.
Nós não estranhamos, porque conhecemos o jôgo. Se até
sabemos que os anjos que deviam
figurar na procissão que se não realizou na Figueira, figurarão na que se
procura realizar em Tavarede!...
Veremos e diremos”.
Mas,
na verdade, as festas ainda foram bastante animadas. “"O S. João a
todo o tempo tem vez!" - diz na sua o povo. Vai, em Tavarede, ainda
domingo se festejou com luzida festança o bom do casamenteiro. Estiveram ruas
enfeitadas. Zabumbou noite e dia um riquíssimo gaiteiro. Fêz-se festa de igreja
com repicares de sinos e missa trauteada por uns casais de senhores priores.
Subiram foguetes ao fino ar, que o bom sol
empoalhava de oiro. Toda a noite um vistoso fogo de artificio riscou o espaço
em fantamasgorias de lumes. Moças bailaram c'os cachopos, - "... E
agora viras tu! E agora viro eu..." Tremoceiras, mulheres das freirinhas
de milho, tascos em que o palhete correu em barda, não tiveram mãos a medir.
E até cá ao burgo chegou o rijo festejar da
linda aldeia aqui à ilharga, com a esperada passagem dum pomposo cortejo a
que soiam chamar cavalhadas, e que com muito mais propriedade se devia
denominar - burricadas...
Iam mais gericos, que os que aí andam à solta, zurrando à nossa
volta, - "que o fado é a canção nacional..." - com lágrima lamecha ao canto da pupila revirada.. Eram
tantos, tantos burros, que faziam sombra e inveja aos que afirmam e batem
fé, por barbeiros e poisos de má-lingua, - que os pobres rabiscadores destas
prosas lassas, só para irritar, por folice, por snobismo condenam e abominam o
trilo ignóbil que os contenta e maravilha.
E cá andou tudo aquilo em torno das praças,
pelas ruas costumadas - zus-que-truz! Zus-que-truz! - num chouto apressado e sacudido, as alimárias tagatadas com furia levando em riba,
içadas em ceirões, espalhadas por colchas vermelhas,
cada rapariga de deslumbrar! - moças tão lindas de tão apetecida brancura e
beleza tão grande, que o António Piedade,
artista como os que o são, ainda há bocado, ali à porta do Adelino, de mão no
peito e olhos no céu, ia rezando com entusiasmo a
sua admiração apaixonada pelo encantador grupo de raparigas, que seus olhos
miravam com adoração e ternura, nas brilhantes cavalhadas das terras do limonete...”.
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