Ao dar uma volta por antigos apontamentos, gravados em antigas disquetes, tenho encontrado muita coisa sobre a minha antiga terra. Em 1997 fui, atendendo um pedido de pessoa amiga, conversar um pouco à escola do Senhor da Arieira. Como nunca fui capaz de falar de improviso, escrevi um bocado sobre o que sabia da história de Tavarede. Se não interessar, o que julgo mais provável, ignorem esta conversa...
Se fossem uns anitos mais
novos, começaria a nossa conversa sobre Tavarede da seguinte maneira:
“Era uma vez uma aldeia pequenina, muito linda e perfumada,
que ficava situada perto da costa do mar e que em tempos muito antigos, ainda
antes de haver reis em Portugal, já era uma terra muito importante...”
E, na verdade, a história de Tavarede presta-se bastante a
ser assemelhada a um daqueles contos de fadas de que tanto gostávamos de ouvir
quando eramos pequeninos. Bastará dizer que até tem uma lenda, uma linda lenda,
aliás, em que aparecem cavaleiros andantes e mouras encantadas, tendo uma
delas, depois de quebrado o encantamento, sido levada para uma “terra
aprazível, rica de plantas aromáticas, de cheiro rústico e agradável,
persistente e suave...” Era, nada mais nada menos, do que a nossa terra do
limonete. (Por várias vezes já referi que esta 'lenda' foi fantasiada por Mestre José Ribeiro na sua peça 'Terra do Limonete')
Mas isso seria para os mais pequeninos. Para vocês, a
verdade da história da nossa terra já terá de ser contada de uma forma
realista, tal qual ela aconteceu e como, pelo menos até agora, se conseguiu
apurar desde os tempos mais antigos.
A primeira vez que, em documento oficial, aparece o nome de
Tavarede, é numa doação feita, em 1092, a um poderoso fidalgo beirão, de nome
João Gondezendis, do lugar de S. Martinho de Tavarede.
Tem muita curiosidade o facto desta doação, feita por D.
Elvira e seu marido, então governador da cidade de Coimbra, falar na nossa
terra dizendo: “concedemos-te na mesma já mencionada vila de S. Martinho todos
os que outrora ali recebeu Cidel Paiz do Conde D. Sesnando, que Deus tenha, e
estão situados no território de Montemor para o lado da praia ocidental”.
Recordando, um pouco, a nossa história, lembremos que a
península Ibérica, no ano de 711, foi invadida pelos muçulmanos ou mouros. Os
cristãos refugiaram-se nas serranias do norte e do noroeste da península donde,
logo que reorganizados, iniciaram lentamente a reconquista do território
invadido, a qual, como sabemos, só foi totalmente conseguida já no século XIV.
A cidade de Coimbra, importantíssima pela vasta área que
dominava e pela relativa proximidade do mar, foi reconquistada aos mouros por
Fernando I, o Magno, rei de Leão e Castela, no ano de 1064.
À medida que os mouros iam recuando no terreno, iam
destruindo tudo quanto eram obrigados a deixar para trás. Não sendo cristãos,
as igrejas e os templos eram os principais alvos da sua fúria destruídora.
Assim aconteceu nesta nossa região, depois da tomada de
Coimbra. Nomeado governador da cidade D. Sisnando, que passou, então, a usar o
título de conde, terá de imediato este fidalgo iniciado o repovoamento e
reconstrução dos lugares e vilas nos territórios entretanto reconquistados.
Para Tavarede, ou melhor dizendo, para o lugar de S.
Martinho da vila de Tavarede, nomeou Cidel Paiz, de quem pouco se sabe, mas que
terá sido, com toda a certeza, o repovoador e reconstrutor da nossa terra.
Após a morte do Conde D.
Sisnando, toda esta região terá passado à posse de sua filha, a já referida D.
Elvira que, como vimos, a doou a João Gondezendis.
* * * * *
Antes de continuarmos com a
nossa história, vamos recuar um pouco no tempo.
Sabemos que antes da conquista muçulmana Tavarede era
habitado por um povo cristão, talvez lusitanos. Mas... e anteriormente?
Ainda se não sabe qual o origem da nossa terra. Há três ou
quatro séculos, foram encontrados no então edifício da Câmara de Tavarede, uns
pergaminhos que se não conseguiram ler, pelos seus caracteres estranhos e
bastante sumidos, e que se encontram na Torre do Tombo, em Lisboa. Talvez que,
quando decifrados, se faça finalmente luz sobre as origens da povoação de
Tavarede.
Também do seu nome não há a certeza de que derive.
Conhecem-se várias versões. Para nós, a mais convincente e que achamos mais
lógica, é a seguinte:
“... uma das características da região tavaredense são os
numerosos outeiros que, nos tempos antigos, eram os limites naturais da posse
dos terrenos, e que, em liguagem hebraica, se chamavam TAVAH. Por outro lado,
sabe-se que toda estava vasta zona por onde agora se estendem as várzeas, eram
regiões pantanosas e insalubres. Admitindo, como já se disse, que Tavarede
tivesse sido dominada pelos lusitanos e, após a derrota destes, pelos romanos,
é natural que para darem o nome a esta região tivessem conservado o radical semita
TAVAH e lhe acrescentassem a desinência latina ETUM que, combinadas, teriam
levado a TAVAREDE. Aquela desinência é um substantivo latino, comum, que
designa grande porção de seres ou objectos idênticos, como arvoredo, vinhedo,
mosquedo, etc.
No nosso caso diremos que a palavra TAVAREDE é composta pelo
radical TAVAH (outeiro ou limite) e pela desinência ETUM (mosquedo,
absolutamente natural em terreno pantanoso).
*****
Retomemos a nossa história.
Os bens doados a João Gondezendis, voltariam, pela sua morte,
a fazer parte integrante dos bens pertencentes ao entretanto fundado Condado
Portucalense, passando, depois, para a coroa portuguesa, logo que o nosso
primeiro rei, D. Afonso Henriques, conquistou a independência.
Seu filho e herdeiro, D. Sancho I, a quem a história deu o
nome de “Povoador”, procurou continuar a obra já anteriormente começada pelo
Conde D. Sisnando, repovoando e fixando as populações nos seus vastos domínios.
A igreja teve um papel importantíssimo nesta tarefa. As
várias ordens religiosas, a quem o rei fazia grandes concessões, instalavam-se
em vastas zonas e, pelos seus conhecimentos, desenvolveram variadíssimas
actividades próprias à fixação das populações.
Toda esta enorme zona do baixo Mondego foi doada à Sé de
Coimbra. No nosso caso, foi aquele rei D. Sancho I e sua mulher, a rainha D.
Dulce, quem fez a doação do lugar de S. Martinho de Tavarede à igreja de Santa
Maria de Coimbra, ao mesmo tempo que, coutando-a, lhe dava categoria para
estabalecer as suas justiças.
*****
Tudo correu bem durante muitos e muitos anos.
O Cabido da Sé de Coimbra, como donatário de Tavarede, foi
vendendo ou dando de arrendamento as várias parcelas de terreno dos seus
domínios, para serem cultivados e explorados.
A agricultura sempre foi a principal actividade em Tavarede.
Amanhando as suas terras, compradas e de que pagavam um fôro anual, ou
arrendadas, e a renda normal era o chamado dízimo (décima parte da colheita),
os lavradores tiravam das mesmas o seu sustento e de suas famílias, vendendo o
excedente, normalmente nas feiras que periodicamente se realizavam.
É claro que Tavarede sempre teve outras actividades
importantes, muitas ligadas à agricultura, como, por exemplo, a pastorícia,
para produção e venda de leite. A saliência, no entanto, e naqueles tempos
recuados, vai para uma outra: a extracção do sal. Havia, então, muitas marinhas
de sal na nossa terra.
Toda aquela zona da Várzea, que em tempos mais recuados foi
pantanosa, era banhada por um braço do rio Mondego que, em dimensão bastante superior,
tinha o curso que agora segue o nosso ribeiro, desde o largo da igreja até
perto da actual estação do caminho de ferro.
Nas suas margens, até perto da actual Vila do Robim, estavam
instaladas marinhas de sal. Como centro principal, os barcos (os chamados
batelões) vinham até Tavarede, pois era aqui que tinham que pagar as suas
licenças e tributos.
Nos finais do século passado ainda existiam, perto do largo
de igreja, enormes argolas de ferro onde os barcos eram amarrados, para cargas
e descargas.
Também toda aquela baixa das encostas da Vergieira e do
Casal da Robala até Caceira era sede de muitas marinhas para produção de sal.
A propósito das marinhas em Tavarede, recordemos dois factos
reais. Nos princípios do século XIV era dona de vastas propriedades na nossa
terra, entre as quais algumas marinhas, uma fidalga de nome D. Maria Mendes
Petite. Esta senhora era mãe de Pero Coelho, um dos assassinos da célebre D.
Inês de Castro, ao qual, anos mais tarde, o rei D. Pedro mandou justiçar,
sendo-lhe arrancado o coração pelas costas, como castigo pelo seu crime.
Esta fidalga, talvez para fugir ao mundo, fez doação dos
seus bens em Tavarede a uma instituição religiosa estabelecida em Vila Nova de
Gaia, acabando por lá se recolher.
O outro facto foi o de que, na primeira metade do século
XVI, o fidalgo António Fernandes de Quadros, que havia estabelecido a sua casa
em Tavarede, tomou de arrendamento a ilha da Morraceira, então denominada Insua
da Oveirôa, e ali, e nas marinhas de Tavarede, activou enormemente a produção
de sal, que se tornou a principal fonte de receita desta casa fidalga.
Outra actividade que também deixou nomeada em Tavarede foi a
produção e exportação de laranja, especialmente para Roma, onde esta fruta foi
bastante apreciada conforme documentação existente.
Naturalmente que outras actividades eram desempenhadas pelos
tavaredenses para sua subsistência. De entre elas lembremos a pesca,
nomeadamente no rio Mondego.
Para regulamentar estas actividades teria que haver leis. E
se primeiramente elas tinham sido elaboradas pela Sé de Coimbra, foram
definitivamente fixadas no ano de 1516 pelo foral que el-rei D. Manuel I deu a
Tavarede.
*****
Referimos atrás que nos inícios do século XVI se estabeleceu
em Tavarede o fidalgo António Fernandes de Quadros. Amigo e protegido do rei,
possuidor de grande fortuna, casou com D. Genoveva da Fonseca, natural de
Montemor e que em Tavarede era proprietária de diversas casas e terras.
Deste casamento surgiu a chamada casa dos fidalgos de
Tavarede, os Quadros. Começou, então, uma terrível luta. Este fidalgo e os seus
descendentes iam adquirindo terras aos pequenos proprietários para aumentarem
os seus domínios, mas, contra o estabelecido legalmente, não pagavam o
respectivo tributo ao donatário, a Sé de Coimbra.
Por sua vez, sentindo-se, e com razão, prejudicada pela
perda destes valores, esta queixava-se continuamente à justiça real.
A luta travada foi longa e dura. Chegaram a estar presos e
condenados a multas e indemnizações, mas os fidalgos, considerando-se
superiores a tudo, insistiam em nada pagarem.
Acabou ingloriamente para a nossa terra esta luta. Cansado
de tantas quezílias, e para acabar de vez com a situação, o poder real
aproveitou a oportunidade. O célebre Marquês de Pombal, inimigo declarado do
clero e da nobreza, resolveu, dum só golpe, eliminar os dois adversários.
Elevou, em 1771, o lugar da Figueira da foz do Mondego a vila e para ali
transferiu a câmara e justiças até então existentes em Tavarede. Perdeu a nossa
terra, com esta transferência, todo o poder e grandeza que deteve durante
séculos.
Antes de concluirmos esta parte, digamos que os fidalgos de
Tavarede, os Quadros, não foram todos uns tiranos ou maus para o povo da nossa
terra. Alguns foram-no em demasia, é verdade. Mas, também, tiveram alguns
membros ilustres, até, ironicamente, figuras motáveis na igreja que combatiam,
notabilizando-se em obras e trabalhos religiosos.
E também tiveram alguns que, na India, em África e nas
nossas fronteiras da Beira, morreram em combate na defesa do nosso país. Como
em tudo, tiveram o bom e o mau. O que é difícil é avaliar se a sua vida em
Tavarede terá sido mais benéfica ou mais prejudicial para a nossa terra e suas
gentes.
Mas o que é muito importante é não esquecer que se a
Figueira se desenvolveu e cresceu o fez à custa de Tavarede.
*****
Mas não nos esqueçamos de, embora resumidamente, falar da
tal lenda da moura encantada.
O castelo de Montemor, importante praça forte em toda a zona
centro, foi conquistado aos mouros no ano de 848, pelas forças do rei de Leão,
Ramiro I, que depois entregou o seu governo ao abade D. João de Montemor.
Os mouros, no entanto, não se conformaram com a perda desta
praça de guerra e puzeram novo cêrco ao castelo. Quando julgavam que a vitória
seria certa, obrigando os sitiados a renderem-se vencidos pela fome, eis que
aquele abade, juntando as suas forças e pedindo-lhes um último esforço, saiu do
castelo, rompeu o cêrco e travando batalha, derrotou os sitiantes,
perseguindo-os até Seiça. Este feito é histórico, mas deu ocasião a uma outra
lenda que tamb~em estamos certos de que irão gostar.
Os cristãos de Montemor estavam absolutamente convencidos de
que iriam ser derrotados pelos mouros. Não querendo deixar refens nas mãos de
tais inimigos, resolveram sacrificar todas as crianças e mulheres que viviam no
castelo e mataram-nas, degolando-as.
Qual não foi o seu espanto quando, após a vitória e
regressando ao castelo chorando as vítimas inocentes que haviam imolado, viram
vir ao seu encontro todas aquelas mulheres e criamças não mortas mas cheias de
vida.
Um dos chefes mouros tinha consigo as suas oito filhas.
Antes da batalha, com receio de que o matassem e elas caissem nas mãos do
inimigo, os cristãos, lançou-lhes um feitiço.
A uma delas, Katija, que seria a sua preferida, disse que o
seu encanto somente seria quebrado quando um cavaleiro cristão se aproximasse
dela e lhe dissesse, por três vezes, “sois bela como o sol”. Mais lhe disse,
que quando fosse libertada, seria levada para a tal terra perfumada por uma
planta rústica e delicada.
Já sabemos que o conde D. Sisnando enviou Cidel Pais para
repovoar e reconstruir Tavarede. Um dos cavaleiros que resolveu acompanhar
Cidel Pais, ao passar perto de Montemor, viu á entrada duma gruta, no monte de
Santa Olaia, um grupo de mouras que fugiram quando o viram aproximar-se. Ficou
uma para trás, Katija. Chegado junto dela, o cavaleiro, maravilhado com sua
beleza, não se conteve e disse; “sois bela como o sol”, não uma nem três, mas
sete vezes. Assim se desfez o encanto e a moura encantada seguiu o seu
cavaleiro andante para a nossa terra, perfumada com o cheiroso limonete.
Sabe-se que esta planta é originária da América do Sul ou da
Ásia. Certamente terá sido trazida por qualquer navegante ou soldado de uma das
viagens áquelas paragens e que gostou do seu perfume.
Numa peça de teatro, representada em Tavarede nos primeiros
anos deste século, e que foi escrita pelo poeta e jornalista João Gaspar de
Lemos, que aqui viver grande parte da sua vida, na sua Quinta da Mentana, agora
em urbanização sob o nome de Vale do Pereiro, e a que deu o nome de “Em busca
da lúcia-lima”, diz que o limonete foi trazido do Malabar, nas costas da Ásia,
no ano de 1502, pelo capitão-mor D. Sancho Fagundes de Encerrabodes, que
residiu em Tavarede na primeira metade do século XVI e que era aparentado com
os Quadros.
A grande verdade é que, vinda da América ou de qualquer
outro ponto de mundo, o limonete, ou lúcia-lima, bela-luísa, doce-lima,
verbena, etc., conquistou o coração dos tavaredenses, pois, desde sempre, em
quasi todos os quintais ou terrenos ajardinados, há um ou mais pés de limonete,
que, além do seu delicado perfume, também é utilizado para fazer um chá que, se
não faz bem também não faz mal.
*****
Vamos agora fazer um pequenino comentário à família Quadros,
que já referimos e que dominou em Tavarede durante três séculos.
O primeiro foi António Fernandes de Quadros. Foi ele que
mandou construir a casa do paço, embora não lhe tivesse dado aquele aspecto
gracioso dos torriões que, apesar das ruínas, se apercebem ainda. Tinha, então,
uma torre de ameias, o que denota a importância desta família, pois que só era
autorizada a fidalgos muito poderosos.
Foi ele quem estabeleceu o morgadio de Tavarede. Morgadio é
o conjunto de bens vinculados que se não podiam dividir nem alienar, e que por
morte do titular passariam ao filho primogénito que, com os bens, também
herdava o título de morgado.
Como era preciso autorização real para o estabelecimento dos
morgadios, pediu ela concessão a el-rei, D. João III. No entanto, quando a
autorização chegou já tinha falecido aquele fidalgo, pelo que, em nossa
opinião, a primeiro morgado de Tavarede terá sido o seu filho primogénito e
herdeiro.
O morgadio existiu até ao ano de 1804, data em que foi
nomeado barão de Tavarede João d’Almada Quadros Sousa de Lencastre que, no ano
de 1848, viu o seu baronato elevado a condado.
O último conde de Tavarede faleceu em 1903 e, com ele,
extinguiu-se o título, embora tenha deixado descendentes directos.
Como curiosidade, lembremos apenas um, dos imensos
privilégios de que a casa de Tavarede foi senhora. Este, além de bastante
gravoso, era mesmo vexatório para o povo de Tavarede e da Figueira, pois
continuou durante bastante tempo depois da elevação a vila. Era o chamado
“forno da poia”.
Em que consistia: Simplesmente nisto. Ninguém podia ter em
casa um forno. Para coser pão ou broa, assar galinhas, coelhos ou qualquer
carne, até para assar fruta, teriam de ir fazê-lo ao forno da poia, onde teriam
que pagar o tributo estabelecido.
*****
É claro que a história de Tavarede não é só isto. Mas não é
ocasião de ser demasiado minucioso. Tentamos fazer um resumo e dar uma ideia do
que foi e aconteceu de mais significativo na nossa terra, ao longo dos seus dez
séculos conhecidos.
Antes de descrever alguns dos principais costumes e
tradições de Tavarede, vamos contar-lhes uma breve história de cada um dos três
mais conhecidos santos venerados na nossa terra: S. Martinho, Santo Aleixo e S.
Paio.
Todos nós sabemos que o S. Martinho está ligado ao vinho.
Diz-se: em dia de S. Martinho vai á adega e prova o vinho. Porquê? É esta a
história: um dia apareceu ao santo um mendigo, cheio de fome e andrajoso,
pedindo-lhe esmola. S. Martinho que nada mais tinha que a sua capa, rasgou-a ao
meio e deu metade ao mendigo.
Este entrou numa taberna e pediu de comer dando como paga a
metade da capa. O taberneiro, tavez com pena do mendigo, deu-lhe de comer e
agarrando na capa, atirou-a desdenhosamente para cima duma pipa. Passado tempo
verificou que o vinho daquela pipa nunca acabava. Tirou-lhe de cima a capa e
imediatamente o vinho parou de correr. Recolocando-a em cima, novamente op
vinho voltou a jorrar pela torneira.
Há outras histórias sobre este santo, mas esta é a que o
deixou ligado ao vinho.
O santo Aleixo terá vivido em Roma, como pedinte e com
grande santidade. A sua capela, edifício bastante antigo, terá servido de
hospício e acolhimento aos peregrinos.
O terceiro santo também tem uma história curiosa na nossa
terra.
A sua pequena capela, lá em cima no prazo, na encosta da
serra, foi mandada construir pelos frades de Santa Cruz, os crúzios. Com o
correr do tempo caíu em ruínas. Quando, no século passado, a Igreja de Santa
Cruz vendeu toda aquela propriedade impôs como condição a reconstrução da
capela. Assim aconteceu. Quanto á imagem do santo ela foi encontrada na adega
da casa ali existente, onde algumas vezes servia para calçar as pipas. Foi
mandada restaurar e lá está na capela. Como facto intrigante, pelo menos para mim,
é que S. Paio era um menino quando foi sacrificado pelos mouros e a imagem
existente na capela é a figura de um homem com uma barba bem cerrada, nada
condizente com os doze anos de S. Paio.
Outras histórias sobre outros santos de que veneraram em
Tavarede também seriam interessantes de contar. Ficará para outra oportunidade.
*****
No século passado e princípios deste, Tavarede festejava com
grandiosidade o S. João. Não deixa de ser interessante que sendo S. Martinho o
orago da terra e havendo outras capelas, as únicas festas profanas e religiosas
eram as de S. João.
Nunca se realizavam no dia deste Santo, a 24 de Junho.
Normalmente, tinham lugar no segundo fim de semana de Julho. Eram grandiosas,
com ruas ornamentadas, ranchos, muita música e a missa religiosa. Não havia
procissão. Mas faziam as chamadas cavalhadas. Arranjavam um enorme número de
cavalos e burros e, com a bandeira de S. João á frente, acompanhados de muita
gente a pé, iam em cortejo até á Figueira da Foz com regresso por Buarcos. Como
nota curiosa diremos que nestas cavalhadas se juntavam bastantes máscaras, pois
na altura, o carnaval não era festejado nas ruas.
As ruas eram vistosamente engalanadas e cheias de balões que
à noite se acendiam. Sabemos que havia danças nos largos da Paço, do Forno
(actual jardim) e da Igreja.
Mas a festa popular que mais saudades deixou a todos os
tavaredenses foi a da manhã do primeiro de Maio.
Diz a tradição que a fonte da Várzea era um local
verdadeiramente aprazível, onde a água fresca e pura corria das suas bicas. A
fonte agora já não existe e o local está coberto de silvas e ervas.
Manhã muito cedo, os músicos formavam a tuna e os pares,
levando as raparigas à cabeça os potes cobertos de flores, que na véspera
haviam cuidadosamente enfeitado, dirigiam-se a cantar até àquela fonte. Ali, o
rancho de Tavarede juntava-se a outros: da Chã, da Vila do Robim, do Casal da
Robala. Dançavam, bebiam a fresca água, descançavam e prosseguiam a viagem até
à Figueira onde percorriam as ruas, sempre cantando e dançando.
Esta última parte seria, mais ou menos, como agora, em que
se tenta reatar a tradição do rancho do primeiro de Maio e dos potes floridos
de Tavarede.
Não vamos ser mais maçadores. Queremos, no entanto, ainda
lembrar que, verdadeiramente, havia e ainda há duas grandes tradições em
Tavarede: o teatro e a música.
Para lhes contar a história do teatro e da música em
Tavarede seria preciso outro tanto tempo. Bastará dizer-vos que há notícia de
teatro na nossa terra desde há cerca de duzentos anos. Antes dos colectividades
agora existentes outras houveram. E, dedicando-se a estas duas artes, muito
fizeram pela divulgação da cultura na terra do limonete. A título de exemplo,
sempre diremos que, muitos anos antes de haver escola primária em Tavarede, já as
colectividades de então mantinham escolas nocturnas, para crianças e adultos, e
que foi nelas que muitos tavaredenses aprenderam a ler e a escrever.
Muito, mas mesmo muito, haveria a contar sobre a história de
Tavarede.Uma grande parte dessa história encontra-se contada nas peças de
teatro , escritas pelo sr. José da Silva Ribeiro, e que foram representadas na
Sociedade. Aos que quizerem saber um pouco mais sobre a nossa terra podem ler
os livros “Chá de Limonete” e “Terra do Limonete” que encontram na biblioteca
daquela colevctividade. Também o livro que em Março passado foi editado pela
Junta e a que dei o título de “Tavarede - a terra de meus avós” se encontra
bastante desenvolvida a história que resumidamente agora lhes contei.
Se quizerem, e não estiveram muito saturados, podemos
conversar um pouco mais sobre qualquer assunto. Ou guardar para outra ocasião.
Se a isso estiveram dispostos digo-lhes que, pela minha parte, gosto imenso de
conversar sobre a história da minha e da vossa terra.
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