Depois
de novas idas a Coimbra e a Tomar, coube à Sociedade Filarmónica Gualdim Pais
atribuir à colectividade do Terreiro o diploma de sócio honorário. ....... atitudes como a vossa, deslumbram-nos;
servindo de Exemplo do melhor e bem dignos de seguir, porquanto se nos depara
surpreendente, pelo trabalho árduo e vivificador, cheio de beleza e sentimento
de Arte Humana pela Vida, e de Vida pela Arte. Maravilhosa concepção esta, dum
forte espírito disciplinado e criador, nas pessoas de todos os componentes do
Grupo, e do eloquente e incontestados mérito e inteligência do nosso querido
Amigo, José da Silva Ribeiro, que tão proficientemente sabe cimentar, mesmo no
mais rude elemento, os melhores e salutares princípios de Solidariedade.
Por ocasião das comemorações do 40º
aniversário, um jornal de Coimbra, relatando os festejos, insere esta nota. A Sociedade de Instrução Tavaredense, com
sede na vizinha freguesia de Tavarede, cuja acção beneficente é bem conhecida,
acaba de solenizar festivamente o seu 40º aniversário de fundação, facto a que
deu lugar a referir-nos, ainda que ligeiramente, a tão prestante colectividade,
muito da nossa simpatia.
Ao relatarmos o que foram as suas
festas comemorativas, não podíamos deixar de focar nesta pequena e simples
crónica um pouco da sua benemérita obra.
Dos muitos serviços prestados durante a
sua longa existência aos respectivos associados, justo se torna destacarmos a
sua acção filantrópica espalhada com o seu bem organizado grupo cénico, - sem
contestação, - um dos melhores da província, - arte que devotadamente vem
cultivando, - e com a qual vem espalhando, de há anos a esta parte, por terras
de norte e sul do país, uma vasta obra beneficente a favor de tantas
instituições de caridade.
Não falando nos anos anteriores, o ano
que findou, não foi dos de maior actividade, isto por circunstâncias alheias à
vontade do seu incansável ensaiador. Todavia, durante o ano de 1943, além das
representações na Figueira e Buarcos, o seu grupo cénico conseguiu deslocar-se
a Tomar, onde realizou duas récitas. A Pombal, tempo, deslocou-se por duas
vezes, dando, de cada vez, duas récitas de beneficência.
Assim, pois, de cada vez que batem à
porta desta benemérita sociedade, solicitando a sua cooperação em actos de
benemerência, a resposta do ensaiador do grupo cénico, desse teimoso e
infatigável amigo dos desprotegidos da sorte – José Ribeiro – a sua resposta é
sempre a mesma: - Podem contar connosco. Verdadeiro fanático pela sua
colectividade e pela sua terra, nunca perde o ensejo de lutar e trabalhar pelo
bom nome do seu grupo, pondo nisso o seu entusiasmo, todo o seu esforço e
carinho, num labor pertinaz e constante, e de uma maneira que nada o desalenta
ou esmorece; sempre pronto para todos os sacrifícios, José Ribeiro, tem sido um
verdadeiro obreiro desinteressado e dedicado desta prestante Sociedade
Tavaredense, que possui um conjunto artístico a todos os títulos valoroso -
hoje bastante conhecido e considerado, pela colaboração desinteressada que vem
prestando a obras de grande solidariedade humana, contando, por isso, na sua
história, uma acção brilhantíssima.
É grande a lista dos que têm sido
socorridos, mas muito pequena ainda para o coração dos que teimam em continuar,
com dedicação, na luta, trabalhando pelo bom nome da Sociedade de Instrução
Tavaredense, orgulho de todos quantos por ela se esforçam no sentido de lhe dar
ainda um maior desenvolvimento.
Todos ali trabalham irmanados por um
tocante espírito de solidariedade, resultando que, à custa de sacrifícios, a
simpática colectividade constitua uma organização modelar no meio associativo.
Quando
o grupo cénico fez uma nova deslocação a Pombal, sofreram um enorme susto, pois
no regresso e por interrupção de luz nos farois do veículo, este saíu fora do leitop da estrada, a pouca
distância daquela vila, e tombou-se sobre uma das árvores das margens, a qual
evitou uma queda de alguns metros de altura. Felizmente foi apenas o susto.
Ao anunciar mais uma deslocação a
Tomar, um jornal tomarense publicou uma notícia curiosa. Noutro dia ia eu na rua, preocupadíssimo com o facto de não me
estampar nalguns dos numerosos montes de pedra ou nas covas que apresentam as
ruas há uns tempos para cá, quando ouvi atrás de mim uma voz gritar:
- Eh pá! Sabes quem vem cá?
Eu voltei-me logo, na intensão ingénua
de dizer que não sabia quem vinha cá. Mas logo ouvi outra voz que plagiava a
minha resposta e, como sou um tipo esperto, deduzi como qualquer polícia amador
que a conversa não era comigo.
Disfarçadamente voltei-me para ver quem
falava. Eram dois garotitos farrapões. Um estava a tirar rendimento dum banco
da praça, cabeça tronco e membros a ocupar a apertada taboinha onde as pessoas
sentam. O outro estava sentado ao pé do monumento do Gualdim e ocupava-se
asseiadamente a limpar o nariz. Estava já disposto a seguir o meu caminho e
teria sido bem bom para não estar agora a maçar os leitores, quando ouvi a
mesma voz gritar:
- São aqueles tipos, os de Tavarede. Eh
pá, aquilo é que são actores. Vêm cá trabalhar para a gente. Quem me dera ir!
O outro encolheu os ombros e começando
a limpar com esmero o outro lado do nariz, berrou de cá, na linguagem de
qualquer menina moderna:
- Eu cá, não posso ir, estou teso. Ouvi
dizer que são uns gajos bestiais. Lá a’nha avó diz que eles são muito bons, que
vêm ganhar dinheiro para dar depois aos pobres. Aquilo é gente bem boa!
Nesta altura da conversa, resolvi
continuar o meu caminho. Mas as frases dos garotos tinham-se-me metido na cabeça. Vêm cá
trabalhar para a gente! Dissera o garoto. E realmente era verdade. Aquele grupo
de artistas que à força de arte têm conquistado simpatia, admiração, por muita
terra de Portugal, vêm cá de vez em quando a Tomar, salvar a crítica situação
da Casa dos Pobres. E os pobres conhecem-nos, e estão-lhes agradecidos.
Poderão dizer que “são uns tipos
bestiais”, que a ideia da frase se eleva acima da rudeza da expressão.
Bemvindos sejam por isso os
tavaredenses.
Os pobres são gratos para quem os
acarinha. E até me dá vontade de chegar ao pé deles e dizer também como o farrapão:
Apertem esses ossos. Vocês são uns tipos bestiais!
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