Reparamos, agora, que tivemos uma
enorme falha. Não se pode, nem deve, esquecer a magnífica campanha que a SIT
levou a efeito, no ano de 1952, levando o seu teatro a diversas localidades do
nosso concelho. O programa constava, além de uma pequena palestra pelo director
cénico, da representação dos autos de Gil Vicente, Barca do Inferno e Mofina
Mendes, da peça As três gerações.
De notar que o produto líquido de cada representação reverteu a favor,
integralmente, para a colectividade visitada, sendo de admitir que numa ou noutra localidade a visitar, dada a sua
pequena população e a pobreza do meio, a receita não chegará para as despesas;
mas nem mesmo esta circunstância impedirá a visita dos tavaredenses, pois o
“déficit” que se verificar será coberto pela Sociedade de Instrução Tavaredense.
Ainda no mesmo ano, comemorou-se o
primeiro centenário da morte de Almeida Garrett. Estas comemorações, além da
sede em Tavarede, também tiveram lugar na Figueira, Condeixa, Alhadas, Quiaios,
Marinha Grande, Soure e Coimbra. Além do Frei Luís de Sousa, foi preparado um
espectáculo com programa especial. Seria
irrealizável se não contássemos com colaborações e dedicações valiosas. A
tragédia “Catão” decorre em Útica, no ano 46 AC ; “D. Filipa de Vilhena”, no século 17;
“Um auto de Gil “Vicente”, no século 16 e “O Tio Simplício”, no século 19, em
plena época do próprio Garrett. Veja a variedade e a riqueza do guarda-roupa,
cenários e cabeleiras de cada época. O acto de Um auto de Gil Vicente passa-se
a bordo da nau “Santa Catarina do Monte Sinai”, na antecâmara da que é já Duquesa de
Sabóia, onde se encontra o rei D. Manuel, a infanta sua filha D. Beatriz e
Bernardim Ribeiro, cujos amores lendários são o motivo da peça; o almirante da
esquadra Conde de Vila-Nova; o Bispo de Targa; o velho Garcia de Rezende, que
nos deixou descrição minuciosa daquele quadro da época manuelina; os
embaixadores do Duque de Sabóia; Paula Vicente, a filha de Gil Vicente,
apresentada por Garrett como grande intérprete na representação das obras
vicentinas, etc. São quatro obras diferentes, com acção em quatro épocas
diferentes, apresentadas num só programa, exigindo a presença de mais de 30
intérpretes, porque cada um deles não pode interferir em mais de uma peça. Isto
bastará para se avaliar da complexidade
Um auto de Gil Vicente
quantos
problemas a resolver! – e da grandeza do empreendimento a que a Sociedade de
Instrução Tavaredense se lançou, ensaiando um programa tão difícil e
dispendiosa montagem. Alberto Anahory, que é uma autoridade em guarda-roupa
histórico, está a tratar da indumentária com o seu belo gosto e sentido
artístico; e o professor Manuel de Oliveira, artista consagrado na cenografia,
estuda já os cenários a pintar, cujas “maquettes” em breve serão expostas.
Estes dois artistas dão-nos colaboração preciosa, com uma simpatia que excede
os limites de simples probidade profissional. Sem eles, e sem outras devoções
carinhosas, não chegaríamos ao fim.
E a nossa terra teve a honra de receber
uma embaixada coimbrã, que aqui se deslocou propositadamente para homenagear a
Sociedade de Instrução. Tavarede viveu no
passado domingo, com a visita da embaixada que de Coimbra se deslocou para
homenagear a Sociedade de Instrução Tavaredense, algumas horas de inefável
alegria.
Pouco antes das 4 horas, começou a
juntar-se muito povo no Largo do Paço, para receber os visitantes, vendo-se ali
os estandartes da Sociedade Filarmónica 10 de Agosto, Grupo Musical de Instrução
Tavaredense e da Sociedade de Instrução Tavaredense. Chegada a caravana,
constituída por mais de 20 automóveis conduzindo cerca de 100 pessoas,
organizou-se um cortejo em direcção da sede da S.I.T., levando na frente a
Filarmónica 10 de Agosto que, com a sua presença, muito contribuiu para o êxito
da brilhante recepção.
Ao longo do percurso, pendiam das
janelas vistosas colchas, e, à passagem do cortejo, caíam sobre os visitantes
pétalas de flores que sopradas pelo vento, em torvelinho, sugeriam a ideia duma
maravilhosa chuva multicor.
Chegados à S.I..T., realizou-se uma
sessão solene, que aberta pelo sr. Rui Fernandes Martins, Presidente da
Assembleia Geral da Sociedade homenageada, constituiu a mesa, à qual convidou a
presidir o sr. dr. Elísio de Moura, nela tomando parte os srs. dr. Fernandes
Martins, dr. Manuel dos Santos Duarte, dr. Celestino Maia, dr. Armando
Boaventura, do Teatro dos Estudantes; Abílio dos Santos Júnior, José Castilho,
do “Diário de Coimbra”; e António de Sousa, do “Despertar”. Depois de saudar os
visitantes, o sr. Prof. Rui Martins prestou homenagem ao sr. dr. Elísio de
Moura, afirmando que a Sociedade de Instrução Tavaredense se sentia altamente
honrada com a sua presença.
Falou em seguida o sr. dr. Fernandes
Martins que pronunciou um discurso cheio de lirismo, focando vários aspectos do
problema da assistência, tendo no final do seu discurso convidado o sr. dr.
Elísio de Moura a descerrar uma lápide de que a embaixada coimbrã era portadora
e que é uma réplica daquela com que a S.I.T. foi homenageada em Coimbra e se
encontra colocada no salão nobre do Teatro Avenida, contendo a inscrição:
“À
Sociedade de Instrução Tavaredense nas suas Bodas de Ouro. Homenagem de: Asilo
da Infância Desvalida; O Enxoval do Recém-Nascido; Associação de Socorros
Mútuos dos Artistas, Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários;
Delegação dos Inválidos do Comércio; Associação Protectora dos Diabéticos
Pobres; Os empregados do Teatro Avenida”.
Falou depois o advogado sr. dr. Roque
Paim acerca do papel desempenhado pela S.I.T. em prole da beneficência e da
cultura, sendo o seu discurso muito apreciado pela sua forma elegante e
burilada.
Seguiu-se no uso da palavra o sr. dr.
Elísio de Moura, que se espraiou em considerações acerca da S.I.T. e da sua
acção, dirigindo palavras de muito apreço ao sr. José Ribeiro, alma da
Sociedade que se estava homenageando.
Antes de encerrar a sessão o sr. Rui
Fernandes Martins convidou o sr. José Ribeiro a dizer algumas palavras, tendo
este traçado o perfil do sr. dr. Elísio de Moura e da sua obra, e afirmando a
grande honra que constituía para Tavarede a presença de tão ilustre sábio na
modesta sede da S.I.T.. E, assim, terminou esta brilhante e memorável sessão
solene.
Antes de se retirarem para Coimbra,
foram os visitantes obsequiados com um “copo de água”, que serviu de pretexto
para se trocarem amistosas saudações.
E é chegada uma nova deslocação do
grupo cénico. Há muitíssimo tempo que a
Marinha Grande não recebia uma lição de bom teatro, e, caso curioso mas não
único, essa lição foi-lhe dada magistralmente pelo nosso já conhecido,
simpático e valoroso grupo cénico de Tavarede!
No mais curto espaço que nos é
possível, resumiremos:
Festejou-se na noite de 30 de Outubro
último, no Teatro Stephens, o centenário da morte de Almeida Garrett com a
representação do seu drama imortal “Frei Luís de Sousa”, e, desse
empreendimento difícil e assustador para muitos profissionais, encarregou-se
corajosamente o “Grupo Cénico de Instrução Tavaredense”. Ele tomou conta do teatro,
da peça Garrettiana e... do público!
Abriu o espectáculo o exmo. sr. dr.
Acácio de Calazans Duarte, Director do Teatro Stephens, que em breves palavras
apresentou o grupo, fazendo a sua história desde a fundação até nossos dias.
Depois o exmo. sr. José da Silva Ribeiro, Director do Grupo Cénico de Tavarede,
numa brilhantíssima alocução, quase uma oração de sapiência, fez o elogio de
Almeida Garrett, como homem, como político e como escritor, terminando por se
referir à peça que se iria representar e ao modesto grupo disso encarregado,
que, quanto a nós, será modesto nas suas figuras, mas grande na sua arte,
disciplina e força de vontade! As suas palavras prenderam a assistência que as
ouviu gostosamente e nós, que com prazer o ouviríamos largo tempo, gostaríamos
até de saborear uma conferência sua sobre qualquer tema histórico e instrutivo.
Depois, pelo nosso conterrâneo dr. José Henriques Vareda foi-lhe oferecido um
artístico jarrão em vidro e pela menina Maria Madalena Monteiro Medina um lindo
ramo de flores.
Seguiu-se a representação de “Frei Luís
de Sousa”.
Sobre a peça não nos atrevemos tocar,
pois é sobejamente conhecida e já nos foi apresentada em cinema. Só podemos
acrescentar que é um mimo de literatura e construção.
É puro Garrett e avisadamente andou a
Direcção do SOM em trazer até nós esta agrupamento e esta deliciosa peça, e se
alguém não foi vê-los não podendo ou não querendo, perdeu uma boa oportunidade
para a vista e para o espírito, pois o saber não ocupa lugar...
Frei Luís de Sousa
– 1º acto
A peça está rica e luxuosamente posta
em cena, rigorosamente à época, tanto nos cenários belíssimos do mestre
cenógrafo do Teatro D. Maria II, Manuel de Oliveira, como a indumentária de
Alberto Anahory, rica e vistosa. Os vestidos de D. Madalena de Vilhena são
alguma coisa de belo e de raro em teatro de amadores. O desempenho atingiu uma
alta craveira artística, principalmente por parte da exma. srª D. Violinda
Medina e Silva. Esta senhora que já conhecíamos de outras vezes que nos visitou,
bem como seu marido(?) o sr. António Jorge da Silva, é uma artista na
verdadeira acepção da palavra e que representa, sem exagero, como uma Amélia
Rei Colaço ou como uma Palmira Bastos! É preciso vê-la para acreditar! A sua D.
Madalena de Vilhena arrebatou o público, fazendo-o chorar e sofrer, nos lances
mais dramáticos e trágicos da peça, e não sabemos se qualquer das artistas que
mencionámos, o fariam melhor!
No final do 2º acto e todos os 3º e 4º,
até o pano descer, arrancou-nos os nervos, torceu-os, obrigou-nos a chorar e a
viver consigo toda a imensa tragédia que Garrett escreveu! Parabéns, minha
senhora!
O sr. António Jorge da Silva em “Telmo
Pais” deu-lhe réplica condigna e foi também um “grande actor”. Tudo nele esteve
certo, venceu e convenceu. O sr. João Cascão em “Frei Luis de Sousa”, com um
timbre de voz mais grave e mais cheia, seria um impecável Manuel de Sousa, mas,
mesmo assim, foi subindo gradualmente até ao fim da peça em que nos deu o
dramatismo requerido que nos comoveu e também convenceu! Óptimo!
A jovem Maria Isabel Reis “Dona Maria
de Noronha” evidenciou bastantes qualidades e poderá, de futuro, vir a ser uma
bela “artista”. Um pouco indecisa a princípio, talvez uma questão de nervos,
foi também subindo até ao trágido desfecho da peça, sendo na cena da morte uma
digna discípula de seus mestres, imprimindo a essa cena lancinante a patética
dor do desabar estrondoso de quatro vidas despedaçadas pela força do Destino!
Muito bem, Maria Isabel! O “romeiro”, sr. Fernando Reis, também bastante bem. A
sua frase “Ninguém!” a clássica frase que amedronta os artistas, foi bem
pronunciada. A sua voz é a requerida. Só o achámos por vezes, ainda muito
vigoroso, após tantas vicissitudes e trabalhos. Frei Jorge Coutinho – sr. João
de Oliveira Júnior, foi um frade que atravessou a peça como se fosse um frade
autêntico e nisso está o nosso melhor elogio e todo o mérito que poderia ter.
Os restantes intérpretes srs. José Maria Cordeiro – Prior de Benfica -, António
Paula Santos – um irmão converso -, António da Silva Coelho – Miranda -, José
Vigário – Arcebispo de Lisboa -, Maria Teresa de Oliveira – Doroteia -, todos
acertadamente nos seus papéis secundários, concorrendo muito para o bom êxito
de “Frei Luís de Sousa”.
Todas as cenas foram admiravelmente
planeadas e executadas. Até aquelas em que seria fácil cair no ridículo, pela
diferença da época em que vivemos, foram de forma a passar com naturalidade. O
incêndio do 1º acto, muito bem, e principalmente a cena final da tragédia,
passada no altar do Convento de S. Domingos, é uma chave de ouro no fim do
espectáculo!
Teve a grandiosidade religiosa
requerida, a que não faltou o coro dos frades, acompanhado a orgão pela nossa
conterrânea e também distinta amadora srª D. Maria Hermínia Roldão.
O público marinhense, este nosso
público por vezes tão frio e reservado, aplaudiu de pé e quando um público
aplaude de pé é porque está salva a reputação dos intérpretes, das peças e a
honra e o prestígio do Teatro Português!
Ao “Grupo Cénico da Sociedade de Instrução
Tavaredense” um abraço de parabéns do público marinhense e o sincero desejo de
em breve o podermos aplaudir novamente, porque serão sempre benvindos a esta
laboriosa terra!
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