Ainda neste mesmo ano de 1956, uma
iniciativa houve que mereceu enorme apoio. A Sociedade carecia de obras na sua
sede. Para tal, e graças ao projecto graciosamente oferecido pelo arquitecto
José Isaias Cardoso, meteram ombros a uma trabalhosa campanha para a angariação
de fundos. A imprensa colaborou e a ‘Campanha do Tijolo’ recebeu o melhor
acolhimento. Acabaria por ser a Fundação Gulbenkian quem tornou as obras
possíveis.
Entretanto, e pelo aniversário de 1957, foi apresentada a
peça A conspiradora. A mencionada
‘Campanha do Tijolo’ começava a produzir os seus ferutos. Tavarede recebeu mais
uma embaixada, que aqui veio prestar homenagem à Sociedade de Instrução. Foi
uma embaixada sintrense. Como aqui foi
noticiado, nos passados dias 26 e 27 de Janeiro esteve em festa, comemorativa
dos seus gloriosos 53 anos de activa e generosa existência, a beneméria
Sociedade de Instrução Tavaredense, conceituada pioneira da educação e
instrução popular, desde sempre a espalhar o bem pelas instituições de
caridade, merecedoras de carinhoso auxilio, tanto no distrito de Coimbra, onde
o conceito do seu afamado grupo cénico atingiu o apogeu das coisas boas, como
no dos Porto, Aveiro, Viseu, Leiria, etc. etc.
Ao
saudar tão prestimosa colectividade de cultura e recreio, deslocaram-se à
risonha aldeia de Tavarede, que fica apenas a um pouco mais de um quilómetro da
Figueira da Foz, além do director deste jornal, António Medina Júnior, os srs.
Eduardo Frutuoso Gaio, vice-provedor da Santa Casa da Misericórdia de Sintra, e
tenente Manuel de Matos, grande proprietário e benemérito, que foram na missão
da simpatia, da solidariedade e da gratidão pela SIT, cujo conjunto teatral há
pouco aqui se exibiu – desinteressadamente – interpretando, com muito brilho,
“Frei Luís de Sousa” e “Peraltas e Sécias”, a favor do nosso hospital.
No
sábado, 26, no seu teatrinho, assas acanhado e deficiente, subiu à cena, em 1ª
representação, a excelente peça “A Conspiradora”, do dr. Vasco de Mendonça
Alves, recentemente interpretada, no Teatro Nacional, em Lisboa, por
categorizados artistas, entre eles sendo de justiça salientar a gigantesca e
brilhante personalidade de Palmira Bastos.
Rigorosamente
“vestida” e “calçada”, “A Conspiradora”, ensaiada competentemente por mestre
José Ribeiro, pode considerar-se mais um grande triunfo para os amadores
tavaredenses (cerca de 40 figurantes), que, contamos, deverão voltar em breve a
Sintra para mostrar, mais uma vez, as suas “milagrosas” habilidades…
No dia
seguinte, domingo, realizou-se uma brilhantíssima sesão solene, tendo os
tavaredenses distinguido para a presidência da mesma o delegado da Misericórdia
de Sintra, nosso dedicado colaborador e amigo sr. Eduardo Frutuoso Gaio, que
ofereceu ao glorioso estandarte da SIT um laço de fitas de seda com sentida
dedicatória do Hospital de Sintra – em testemunho de apreço e gratidão.
Manuel
de Matos, também em lugar de honra, ofereceu, por intermédio do “Jornal de
Sintra”, seis ampliações, encaixilhadas, vivos fotográficos da inesquecível
jornada dos tavaredenses a Sintra, em Setembro do ano transacto, bem como um
exemplar deste semanário, igualmente encaixilhado, contendo a reportagem que
então foi feita à brilhante actuação do Grupo Cénico Tavaredense.
Diversos
e ilustres oradores se referiram à abnegada acção da SIT nos seus já longos 53
anos de existência, por isso mesmo que tão primoroso acto solene constituiu uma
verdadeira apoteose à coragem, à perseverança, à dedicação, à paixão de
bem-servir – e ao incontestado valor de tão bondosa e humilde gente, que
sacrifica o seu sagrado descanso, nas curtas horas em que abandona os campos,
as oficinas e os escritórios, para se dedicar, com amor e ternura, à prática do
bom Teatro…
… mais
em proveito material das pias instituições de caridade, do que da associação,
que está acanhada e demasiadamente pobre para conter almas tão grandes e tão
generosas…
Foi
neste sentido que o autor destas linhas, como tavaredense, sugestionou a ideia
de se apelar para os admiradores e amigos da SIT, a fim de que estes lhe dessem
um pouco do seu carinho, destinado a urgentes e imprescindíveis obras de
ampliação e arranjo na respectiva sede associativa. Foi dentro deste principio
que, por intermédio de amigos seus e das colunas do “Noticias da Figueira”,
agora se começou a merecida campanha do tijolo, a favor de uma benemérita
instituição que se esqueceu sempre de si – para pensar apenas nos outros…
A Conspiradora (Violinda Medina e João de Oliveira Júnior)
O tenente
Manuel de Matos (velho admirador e amigo da Figueira e de Tavarede), em Sintra
secundou imediatamente a ideia, iniciando a campanha com mil escudos. E em
Tavarede, na festa da SIT, no uso da palavra, não só entusiasmou e encorajou os
outros, com ainda contribuiu com mais dois mil escudos para os fins em vista –
prometendo mais e mais “tijolos” assim. “Andem, andem para a frente – e contem
comigo. Agora e sempre. Uma obra tão elevadamente humanitária e cristã como
esta bem merece ser acarinhada e ajudada por todos aqueles que, como eu,
possuem olhos para ver, coração para sentir e cérebro para pensar. O José
Ribeiro bem merece de todos os peitos bem-formados a especial admiração e
respeito só devidos a homens possuidores de excelsas qualidades e virtudes como
ele. Eu aqui estou, na qualidade de seu velho amigo e admirador, para lhe
garantir presença e colaboração. Mão à obra, pois, e para o próximo aniversário
desejo cá voltar, com o Frutuoso Gaio e o Medina, para festejarmos mais um
aniversário da Sociedade, mas já na sua casa nova”.
Assim
falou, em síntese, o tenente Matos, a quem agradecemos todas as penhorantes
provas de compreensão e de carinho com que se dignou interpretar a obra e as
necessidades da SIT.
À
embaixada sintrense – tão penhorantemente distinguida e cumulada com as maiores
e mais honrosdas atenções – foi por José Ribeiro oferecido, em sua casa, um
primoroso jantar “familiar”, a que também esteve presente o ilustre professor
Alberto de Lacerda, que desenhou e pintou os adereços de cena e que é um
apaixonado amigo dos tavaredenses, em geral, e da SIT e de José Ribeiro, em
particular.
A
senhora de Manuel de Matgos ofereceu à veneranda mãe de José Ribeiro,
infelizmente privada dos órgãos visuais, a quantia de 400$00, destinada aos
seus pobres, acto esse que provocou grande alegria ao coração da virtuosa
senhora, que sente prazer em fazer bem sem olhar a quem…
Na
segunda-feira, o considerado industrial da Fontela, nosso velho amigo José
Joaquim Guedes, impôs que a embaixada sintrense não partiria da Figueira, de
regresso “à base”, sem que, primeiramente, almoçasse em sua casa. E que linda
casa ela é!” Ou por outra: que primoroso “chalé” que a muito querida familia
Guedes construiu na Fontela, rodeada de pinheiros, eucaliptos, pomares e
vinhedos, num magnifico planalto sobranceiro ao ubérrimo e remançoso
Mondego!...
Não
sabemos descrever a maneira verdadeiramente anfitriónica e cativante como o
José Guedes, a sua distinta esposa e demais família nos receberam e
trataram!... Não sabemos!... Por último – que tocante surpresa! -, o nosso
velho amigo, que o é também do tenente Matos e do José Ribeiro, deu-nos uma
carta, que ia dirigida ao presidente da SIT, na qual lhe afirmava a sua pronta
solidariedade à nossa iniciativa, generosamente iniciada e fortificada pelo
Matos, e, como tal, ia mandar para Tavarede, imediatamente, duas toneladas de
tijolos e punha à sua ordem tonelada e meia de cal.
Foi
dentro de satisfações e alegrias como estas – que tanto sensibilizaram a nossa
alma profundamente bairrista – que a embaixada retirou da Figueira para Sintra,
onde chegou bem (o Matos e senhora, o E. Gaio e senhora e nós), no cómodo e
amplo “De Soto” do amigo tenente Matos – aliás um “volante” cauteloso e
prudente, daqueles que sabem praticar o proclamado preceito que diz: “devagar,
que tenho pressa”…
Sabemos que em Tavarede já vai
engrossando o volume da campanha do tijolo para as obras da SIT. E que na
Figueira e concelho o reflexo há-de ser acarinhado e secundado. E quem diz no
concelho, diz nas muitas outras terras por onde os simpáticos rapazes da SIT
têm andado, há 53 anos, a repartir abnegados esforços em proveito dos pobres…
…
absolutamente esquecidos de si, pois também não são ricos…
Não nos atrevemos a pedir em Sintra, um
tijolo para as obras da benemérita associação de recreio e cultura onde
nascemos. Todavia, se houver alguém que queira ter essa generosidade – desde já
se regista e agradece reconhecidamente.
A peça A conspiradora continuava a sua carreira. E em Março de 1957,
depois de um espectáculo no Casino da Figueira, encontrámos a seguinte nota: Aludimos no último número deste periódico, à
actual pobreza do nosso meio, quanto à prática de actividades de ordem
cultural, o que merecem a inteira concordância de algumas pessoas amigas, as
quais, na intenção de documentarem com factos a manifesta decadência da
Figueira a tal respeito, em comparação com o que nela se verificou em tempos
passados, nos forneceram curiosos pormenores sobre a vida e actuação de alguns
agrupamentos artísticos locais de outrora, embora então tanto o número de
habitantes como o grau de instrução destes fosse bem mais reduzidos e modestos.
Causas e razões que motivam a presente
situação, constituem sem dúvida alguma problema complexo de tentar explanar e
discutir. E nem é essa agora a nossa finalidade.
Levou-nos hoje a falar do assunto
apenas a circunstância de termos assistido há dias, no Teatro do Peninsular, à
representação de “A Conspiradora”, pelo grupo cénico da Sociedade de Instrução
Tavaredense, espectáculo a que se dignou assistir o próprio autor da peça, dr.
Vasco de Mendonça Alves.
Por ser evidente que o tempo não corre
propício a cometimentos do género, e que mais profundamente nos impressionou o
alto nível artístico de tal espectáculo, desde a montagem à interpretação.
Se só as excepcionais faculdades de
José Ribeiro, o seu espírito de sacrifício, a sua dedicação sem limites, o seu
grande talento, tornam possível transformar modesta gente de trabalho em
amadores daquela categoria e mérito, não podemos no entanto deixar também de
admirar nestes, a força de vontade, a persistência, o desejo de acertar, o
tenaz afinco posto em aprender a lição, embora para tanto haja que, sem
desfalecimentos nem desânimos, não olhar a canseiras nem a dificuldades, numa
voluntária renúncia a horas de lazer e até de merecido descanso, tendo apenas
em mente e como compensação, fazer sempre melhor e mais perfeito e elevar cada
vez mais alto o nome da sua terra e da sua colectividade.
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