sexta-feira, 25 de abril de 2014

O Associativismo na Terra do Limonete -73

         Ainda neste mesmo ano de 1956, uma iniciativa houve que mereceu enorme apoio. A Sociedade carecia de obras na sua sede. Para tal, e graças ao projecto graciosamente oferecido pelo arquitecto José Isaias Cardoso, meteram ombros a uma trabalhosa campanha para a angariação de fundos. A imprensa colaborou e a ‘Campanha do Tijolo’ recebeu o melhor acolhimento. Acabaria por ser a Fundação Gulbenkian quem tornou as obras possíveis.

         Entretanto, e pelo aniversário de 1957, foi apresentada a peça A conspiradora. A mencionada ‘Campanha do Tijolo’ começava a produzir os seus ferutos. Tavarede recebeu mais uma embaixada, que aqui veio prestar homenagem à Sociedade de Instrução. Foi uma embaixada sintrense. Como aqui foi noticiado, nos passados dias 26 e 27 de Janeiro esteve em festa, comemorativa dos seus gloriosos 53 anos de activa e generosa existência, a beneméria Sociedade de Instrução Tavaredense, conceituada pioneira da educação e instrução popular, desde sempre a espalhar o bem pelas instituições de caridade, merecedoras de carinhoso auxilio, tanto no distrito de Coimbra, onde o conceito do seu afamado grupo cénico atingiu o apogeu das coisas boas, como no dos Porto, Aveiro, Viseu, Leiria, etc. etc.
         Ao saudar tão prestimosa colectividade de cultura e recreio, deslocaram-se à risonha aldeia de Tavarede, que fica apenas a um pouco mais de um quilómetro da Figueira da Foz, além do director deste jornal, António Medina Júnior, os srs. Eduardo Frutuoso Gaio, vice-provedor da Santa Casa da Misericórdia de Sintra, e tenente Manuel de Matos, grande proprietário e benemérito, que foram na missão da simpatia, da solidariedade e da gratidão pela SIT, cujo conjunto teatral há pouco aqui se exibiu – desinteressadamente – interpretando, com muito brilho, “Frei Luís de Sousa” e “Peraltas e Sécias”, a favor do nosso hospital.
         No sábado, 26, no seu teatrinho, assas acanhado e deficiente, subiu à cena, em 1ª representação, a excelente peça “A Conspiradora”, do dr. Vasco de Mendonça Alves, recentemente interpretada, no Teatro Nacional, em Lisboa, por categorizados artistas, entre eles sendo de justiça salientar a gigantesca e brilhante personalidade de Palmira Bastos.
         Rigorosamente “vestida” e “calçada”, “A Conspiradora”, ensaiada competentemente por mestre José Ribeiro, pode considerar-se mais um grande triunfo para os amadores tavaredenses (cerca de 40 figurantes), que, contamos, deverão voltar em breve a Sintra para mostrar, mais uma vez, as suas “milagrosas” habilidades…
         No dia seguinte, domingo, realizou-se uma brilhantíssima sesão solene, tendo os tavaredenses distinguido para a presidência da mesma o delegado da Misericórdia de Sintra, nosso dedicado colaborador e amigo sr. Eduardo Frutuoso Gaio, que ofereceu ao glorioso estandarte da SIT um laço de fitas de seda com sentida dedicatória do Hospital de Sintra – em testemunho de apreço e gratidão.
         Manuel de Matos, também em lugar de honra, ofereceu, por intermédio do “Jornal de Sintra”, seis ampliações, encaixilhadas, vivos fotográficos da inesquecível jornada dos tavaredenses a Sintra, em Setembro do ano transacto, bem como um exemplar deste semanário, igualmente encaixilhado, contendo a reportagem que então foi feita à brilhante actuação do Grupo Cénico Tavaredense.
         Diversos e ilustres oradores se referiram à abnegada acção da SIT nos seus já longos 53 anos de existência, por isso mesmo que tão primoroso acto solene constituiu uma verdadeira apoteose à coragem, à perseverança, à dedicação, à paixão de bem-servir – e ao incontestado valor de tão bondosa e humilde gente, que sacrifica o seu sagrado descanso, nas curtas horas em que abandona os campos, as oficinas e os escritórios, para se dedicar, com amor e ternura, à prática do bom Teatro…
         … mais em proveito material das pias instituições de caridade, do que da associação, que está acanhada e demasiadamente pobre para conter almas tão grandes e tão generosas…
         Foi neste sentido que o autor destas linhas, como tavaredense, sugestionou a ideia de se apelar para os admiradores e amigos da SIT, a fim de que estes lhe dessem um pouco do seu carinho, destinado a urgentes e imprescindíveis obras de ampliação e arranjo na respectiva sede associativa. Foi dentro deste principio que, por intermédio de amigos seus e das colunas do “Noticias da Figueira”, agora se começou a merecida campanha do tijolo, a favor de uma benemérita instituição que se esqueceu sempre de si – para pensar apenas nos outros…
    
A Conspiradora (Violinda Medina e João de Oliveira Júnior)

      O tenente Manuel de Matos (velho admirador e amigo da Figueira e de Tavarede), em Sintra secundou imediatamente a ideia, iniciando a campanha com mil escudos. E em Tavarede, na festa da SIT, no uso da palavra, não só entusiasmou e encorajou os outros, com ainda contribuiu com mais dois mil escudos para os fins em vista – prometendo mais e mais “tijolos” assim. “Andem, andem para a frente – e contem comigo. Agora e sempre. Uma obra tão elevadamente humanitária e cristã como esta bem merece ser acarinhada e ajudada por todos aqueles que, como eu, possuem olhos para ver, coração para sentir e cérebro para pensar. O José Ribeiro bem merece de todos os peitos bem-formados a especial admiração e respeito só devidos a homens possuidores de excelsas qualidades e virtudes como ele. Eu aqui estou, na qualidade de seu velho amigo e admirador, para lhe garantir presença e colaboração. Mão à obra, pois, e para o próximo aniversário desejo cá voltar, com o Frutuoso Gaio e o Medina, para festejarmos mais um aniversário da Sociedade, mas já na sua casa nova”.
         Assim falou, em síntese, o tenente Matos, a quem agradecemos todas as penhorantes provas de compreensão e de carinho com que se dignou interpretar a obra e as necessidades da SIT.
         À embaixada sintrense – tão penhorantemente distinguida e cumulada com as maiores e mais honrosdas atenções – foi por José Ribeiro oferecido, em sua casa, um primoroso jantar “familiar”, a que também esteve presente o ilustre professor Alberto de Lacerda, que desenhou e pintou os adereços de cena e que é um apaixonado amigo dos tavaredenses, em geral, e da SIT e de José Ribeiro, em particular.
         A senhora de Manuel de Matgos ofereceu à veneranda mãe de José Ribeiro, infelizmente privada dos órgãos visuais, a quantia de 400$00, destinada aos seus pobres, acto esse que provocou grande alegria ao coração da virtuosa senhora, que sente prazer em fazer bem sem olhar a quem…
         Na segunda-feira, o considerado industrial da Fontela, nosso velho amigo José Joaquim Guedes, impôs que a embaixada sintrense não partiria da Figueira, de regresso “à base”, sem que, primeiramente, almoçasse em sua casa. E que linda casa ela é!” Ou por outra: que primoroso “chalé” que a muito querida familia Guedes construiu na Fontela, rodeada de pinheiros, eucaliptos, pomares e vinhedos, num magnifico planalto sobranceiro ao ubérrimo e remançoso Mondego!...
         Não sabemos descrever a maneira verdadeiramente anfitriónica e cativante como o José Guedes, a sua distinta esposa e demais família nos receberam e trataram!... Não sabemos!... Por último – que tocante surpresa! -, o nosso velho amigo, que o é também do tenente Matos e do José Ribeiro, deu-nos uma carta, que ia dirigida ao presidente da SIT, na qual lhe afirmava a sua pronta solidariedade à nossa iniciativa, generosamente iniciada e fortificada pelo Matos, e, como tal, ia mandar para Tavarede, imediatamente, duas toneladas de tijolos e punha à sua ordem tonelada e meia de cal.
         Foi dentro de satisfações e alegrias como estas – que tanto sensibilizaram a nossa alma profundamente bairrista – que a embaixada retirou da Figueira para Sintra, onde chegou bem (o Matos e senhora, o E. Gaio e senhora e nós), no cómodo e amplo “De Soto” do amigo tenente Matos – aliás um “volante” cauteloso e prudente, daqueles que sabem praticar o proclamado preceito que diz: “devagar, que tenho pressa”…
         Sabemos que em Tavarede já vai engrossando o volume da campanha do tijolo para as obras da SIT. E que na Figueira e concelho o reflexo há-de ser acarinhado e secundado. E quem diz no concelho, diz nas muitas outras terras por onde os simpáticos rapazes da SIT têm andado, há 53 anos, a repartir abnegados esforços em proveito dos pobres…
         … absolutamente esquecidos de si, pois também não são ricos…
         Não nos atrevemos a pedir em Sintra, um tijolo para as obras da benemérita associação de recreio e cultura onde nascemos. Todavia, se houver alguém que queira ter essa generosidade – desde já se regista e agradece reconhecidamente.

         A peça A conspiradora continuava a sua carreira. E em Março de 1957, depois de um espectáculo no Casino da Figueira, encontrámos a seguinte nota: Aludimos no último número deste periódico, à actual pobreza do nosso meio, quanto à prática de actividades de ordem cultural, o que merecem a inteira concordância de algumas pessoas amigas, as quais, na intenção de documentarem com factos a manifesta decadência da Figueira a tal respeito, em comparação com o que nela se verificou em tempos passados, nos forneceram curiosos pormenores sobre a vida e actuação de alguns agrupamentos artísticos locais de outrora, embora então tanto o número de habitantes como o grau de instrução destes fosse bem mais reduzidos e modestos.
         Causas e razões que motivam a presente situação, constituem sem dúvida alguma problema complexo de tentar explanar e discutir. E nem é essa agora a nossa finalidade.
         Levou-nos hoje a falar do assunto apenas a circunstância de termos assistido há dias, no Teatro do Peninsular, à representação de “A Conspiradora”, pelo grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, espectáculo a que se dignou assistir o próprio autor da peça, dr. Vasco de Mendonça Alves.
         Por ser evidente que o tempo não corre propício a cometimentos do género, e que mais profundamente nos impressionou o alto nível artístico de tal espectáculo, desde a montagem à interpretação.
         Se só as excepcionais faculdades de José Ribeiro, o seu espírito de sacrifício, a sua dedicação sem limites, o seu grande talento, tornam possível transformar modesta gente de trabalho em amadores daquela categoria e mérito, não podemos no entanto deixar também de admirar nestes, a força de vontade, a persistência, o desejo de acertar, o tenaz afinco posto em aprender a lição, embora para tanto haja que, sem desfalecimentos nem desânimos, não olhar a canseiras nem a dificuldades, numa voluntária renúncia a horas de lazer e até de merecido descanso, tendo apenas em mente e como compensação, fazer sempre melhor e mais perfeito e elevar cada vez mais alto o nome da sua terra e da sua colectividade.















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