Para comemorar o centenário do
nascimento do dramaturgo Marcelino Mesquita, o grupo tavaredense levou à cena a
comédia Peraltas e Sécias. Transcrevemos,
agora, uma nota que respigámos da imprensa e referente à actividade do teatro
de Tavarede. Já aqui tivemos oportunidade
de dizer que as associações recreativas exercem profunda influência na
Instrução e Educação do Povo.
A freguesia de Tavarede possui três
colectividades no género, pelas quais temos a maior simpatia e sentimos a mais
terna admiração: Sociedade de Instrução Tavaredense, Grupo Musical e de
Instrução Tavaredense e Grupo Musical Carritense. Existe, ainda no limite desta
freguesia com a das Alhadas, o Grupo Instrução e União Caceirense, cuja massa
associativa, na sua maior parte, pertence a Tavarede, e que nunca deixou de
estar presente, sempre que a sua colaboração lhe foi solicitada, o que nos
apraz registar.
É vasta a Obra levada a efeito pelas
referidas associações durante a sua já longa existência, devedo salientar-se,
sem contudo pretendermos ferir susceptibilidades a que, há mais de cincoenta
anos, vem sendo realizada pela SIT.
Citá-la, é tarefa que julgamos
desnecessário, pois que está bem patente aos olhos de todos os que, nestas
últimas décadas, têm tido o prazer de apreciar o bom Teatro e de observar o
ambiente de paz e tranquilidade que se respira nesta freguesia, mercê do seu
reflexo.
Cabe aqui, uma referência especial: o
produto dos espectáculos que a SIT tem dado em benefício dos cofres das mais
diversas Instituições, sem atender a credos políticos ou religiosos, apenas com
o objectivo de servir o BEM, anda à volta dos quinhentos contos. E se
acrescentarmos que tão importante soma tem sido obtida à custa do esforço
quotidiano dos humildes amadores do seu grupo dramático, considerado um dos
melhores do País, na opinião abalizada de alguns críticos, e que é constituído
por operários, empregados de escritório, cavadores, costureiras e raparigas que
se ocupam na agricultura, sacrifício que eles fazem da melhor boa vontade, como
nos tem sido dado verificar quando o edifício da sede da aludida colectividade
tanto necessita de ser beneficiado por virtude do precário estado de
conservação em que se encontra, temos de reconhecer que é simplesmente
admirável, digna de todos os louvores, a Obra de tão prestante e benemérita
colectividade, pois se abandona a si mesmo para cuidar do seu semelhante.
A Junta de Freguesia de Tavarede,
intérprete fiel dos desejos do Povo e conhecedora dos seus generosos
sentimentos, pensa fazer erguer, para a posteridade, no Largo da SIT, um
modesto monumento, a adquirir por subscrição pública, que simbolizando a
INSTRUÇÃO, traduza, nas suas linhas singelas, esse sentimento tão nobre e tão
elevado e que nos tempos materialistas, que se atravessam, tão afastado anda do
coração dos Homens – Gratidão -, como testemunho do muito apreço e
reconhecimento pela notável acção cultural e recreativa realizada pelas
referidas colectividades, em geral.
Cremos que a escolha do local está
plenamente justificada, visto que, além de tratar-se dum recinto a que a Junta,
oportunamente deu o nome da colectividade mais importante da freguesia – SIT -,
será como que a maior homenagem que os Tavaredenses poderiam prestar a quem tão
alto, lutando contra todas as contrariedades que se lhes apresentam, tem sabido
dignificar, através do Teatro, o nome da sua querida Terra.
Estamos convencidos de que a
iniciativa, há anos já no programa de realizações da nossa Junta de Freguesia,
vai ser bem acolhida pelas entidades oficiais e pelos numerosos admiradores das
colectividades tavaredenses, e ainda, por todos os que, como nós vêem nas
associações de recreio factor decisivo para o desenvolvimento cultural e
educativo do Povo.
Diversas foram as deslocações
realizadas, especialmente com a comédia Peraltas
e Sécias. Mas, como em Setembro de 1956 houve uma nova ida a Sintra,
escolhemos, para estas recordações, a reportagem dessa visita. Para se falar neste jornal – insuspeitamente
– da memorável jornada dos amadores-artistas de Tavarede a Sintra, era preciso
que o jornal fosse alheio à iniciativa e organização dos espectáculos no
“Carlos Manuel” – e não tivesse, a dirigi-lo, um tavaredense de alma e coração
que se chama António Medina Júnior.
Como, porém, o “Jornal de Sintra” tinha
o dever – íamos a escrever obrigação – de se referir a tão simpático movimento
de Arte e de Humanidade, ouçamos a abalizada opinião de um ilustre jornalista,
escritor e experimentado crítico teatral de Lisboa, que aqui veio, de boa
mente, atraído pela fama e valor artístico do grupo cénico de Tavarede,
superiormente dirigido por Mestre José Ribeiro, e que, gentilissimamente, se
dignou honrar-nos com a apreciação que, sob pseudónimo, aqui se publica e
agradece reconhecidamente.
“AS RÉCITAS DO GRUPO CÉNICO DE TAVAREDE
FORAM DUAS BELAS LIÇÕES DE TEATRO – Impressões de um sessentão.
Sr. Director: Dá-me licença? Não será
demasiado abuso pedir-lhe um pouco de espaço para dizer duas palavras acerca
das duas récitas que o Grupo Cénico de Amadores da Sociedade de Instrução
Tavaredense veio dar a Sintra? Se for abuso, há um remédio: o cesto dos papéis.
Se o meu desejo merecer a aceitação, desde já o meu reconhecido agradecimento.
E começo...
Duas peças de responsabilidade, duas
peças daquelas que exigem qualidades: “Frei Luís de Sousa” e “Peraltas e
Sécias”. Duas realizações bem merecedoras dos quentes aplausos com que o
público justamente as premiou. Porque, mesmo abstraindo da ideia de que se
trata de amadores, o que houve nesses aplausos não foi apenas simpatia por
eles, foi também admiração sincera pelo que valem.
Na verdade, o Grupo conta com elementos
geralmente valiosos, intuições, valores, que uma inteligente, uma
competentíssima direcção artística coloca num plano a que, pelo menos no
conjunto, não chegam, às vezes, honestos elencos profissionais, e dispõe de
primeiras figuras capazes de vencer, como se viu, escolhos de respeito.
João Cascão fez um Manuel de Sousa
Coutinho correcto e escorreito enquanto o poema para mais não deu; brilhante
aquele passo em que a emoção atinge o máximo e o seu temperamento pôde
afirmar-se, caíndo aos pés da cruz, perfeitamente integrado na personalidade de
Manuel, sentindo a sua tragédia, dando absolutamente o que se lhe pedia. Foi
pena que o chapéu, porventura muito certo em matéria de indumentária, mas
consideravelmente inestético, o chapéu que lhe puseram, quebrasse à figura a
linha de imponência que devia ter.
Violinda Medina e Silva foi uma
distintíssima Madalena de Vilhena. Compreensão perfeita da psicologia da
personagem, máscara cheia de expressão, um à-vontade de actriz consumda, um
saber servir-se dos magníficos trajos que lhe vestiram, uma naturalidade em
tudo, que não se pode manifestar quando não há verdadeiro talento de
comediante. Menos exigente, o seu papel em “Peraltas e Sécias” foi igualmente
perfeito.
Fernando
Reis deu um Romeiro de que nada há dizer
que não seja um merecido elogio. Não podia pedir-se mais. E, como em “Peraltas
e Sécias” lhe coube um papel de feição completamente diversa, igualmente
desempenhado com impecável correcção, teve ensejo, pelo contraste, de revelar o
seu real merecimento.
Peraltas e Sécias
Coisa parecida poderá dizer-se de
António Jorge da Silva, que nos deu um Telmo Pais do melhor quilate, excelente
retrato da personagem, a contrastar com a caricatura que é o Fr. Tomás dos
“Peraltas”, desenhada pelo intérprete com perfeita correcção.
Maria Isabel Reis, a Maria de Noronha
do “Frei Luís”, é outro valioso elemento do Grupo de Tavarede. Graciosíssima no
seu papel de Carlota nos “Peraltas”, suportou com brio as dificuldades do seu
papel no “Frei Luís”, talvez martelando demais as sílabas, e brilhou, brilhou
intensamente, no final do drama, revelando, então, com perfeita naturalidade, a
angústia da situação, provando assim o seu merecimento.
João de Oliveira Júnior, correcto no
seu Frei Jorge do drama de Garrett, papel que, salvo melhor opinião, não é bem
para o seu temperamento, foi excelentemente no Miguel de Sande dos “Peraltas”,
mesmo a cantar o Fado, que Mestre Marcelino meteu na peça sem se lembrar de que
o Fado só apareceu meio século depois...
Carlos Conde defendeu bem o seu papel
de Padre Teodoro nos “Peraltas”, apesar de deslocado na interpretação de uma
figura que não nos parece poder adaptar-se-lhe; José Maria Cordeiro no
Intendente Diogo; Manuel Lontro no Desembargador Silvério; Francisco Carvalho
no Pinto, ministro, devem citar-se, como João Rodrigues Medina no Marquês de
Sande, pela perfeita correcção com que se houveram. Muito bem Vitor Manuel
Medina e José Rodrigues Medina nos papéis de Benjamim e Narciso, que
conseguiram distinguir no conjunto duma peça em que, pode dizer-se, nenhum papel
dá ensejo a grandes voos.
Com
diligente a acertada colaboração dos mais; com cenários apropriados, não
falando em um outro pormenor menos feliz, que não chega a prejudicar; com
excelentes adereços em que é justo destacar os quadros pintados por Alberto de
Lacerda; com guarda-roupa de Alberto Anahory, bom apenas quanto aos trajos
femininos no “Frei Luís”, muito bom de um modo geral, quanto aos “Peraltas”, em
que só a cor do vestido da Marquesa de Sande, pela semelhança com a da sotaina
de Frei Tomás, merecia ter sido substituida; com o trabalho atento e seguro de
Adriano Silva como contra-regra, os espectáculos não podiam deixar de ser o que
foram: duas belas afirmações de merecimento artístico.
Mas foram, acima de tudo, duas belas
lições de teatro, graças à direcção competentíssima de José da Silva Ribeiro,
que ensina, explica, esclarece, resolve, com a infinita paciência de um
apaixonado pela arte teatral, e que realiza com o brilho que se viu, assim
provando a absoluta necessidade de uma orientação superior que descubra
intuições ou vocações, que as eduque e as eleve ao máximo.
Há por aí leitores que se lembrem das
peças “Entre Giestas”, dirigida por António Pinheiro; “A Conspiradora”,
dirigida por Lucinda Simões; “A Garra”, dirigida por Araújo Pereira?
Dizer que os espectáculos do Grupo de
Tavarede nos fizeram lembrar essas excepcionais realizações é dizer tudo quanto
ao sincero agrado com que os vimos. Bem haja, José Ribeiro pela sua obra
magnífica!”
Assim, falou uma autoridade no assunto.
Somos-lhe, pois, infinitamente gratos por tão penhorante atenção.
CERIMÓNIA DE APRESENTAÇÃO
O director do “Jornal de Sintra”, antes
do início da representação da peça com que abria o espectáculo, surgiu no
proscénio, de cortinas fechadas, saudou, na pessoa do ilustre presidente da
Câmara Municipal, sr. dr. Moreira Baptista, o público de Sintra, e proferiu as
seguintes palavras:
“Por intermédio do “Jornal de Sintra”,
que fundei e dirijo há 23 anos, tenho procurado constituir, desde início, um
traço de união entre Sintra e a Figueira da Foz.
Figueirense por nascimento, sintrense
por adopção, dediquei-me com prazer à peregrina missão de estabelecer a ponte
de passagem entre os dois maiores cartazes turísticos do nosso País, quer
organizando excursões à linda cidade-canção da foz do Mondego, que Ramalho
Ortigão classificou de “Rainha das Praias de Portugal”, quer provocando
estímulo, coragem e decisão nos figueirenses, no sentido de que estes, através
dos seus maravilhosos ranchos folclóricos, das suas excelentes bandas de
música, dos seus acreditados grupos culturais e artísticos, etc., viessem de
abalada até à ridente Sintra, encantadora “Sala de Visitas de Portugal”, não só
por espírito de deliciarem a vista na ubérrima catedral do verde eterno, mas
também – e principalmente – na mira de nos aproximarmos mais estreita e
cordealmente; no desejo, profundo e sentimental, de nos conhecermos melhor uns
aos outros, tornando-nos desta forma irmãos espirituais mais dedicados, mais
íntimos e mais compreensivos. Com efeito, a “Sala de Visitas de Portugal” e a
“Rainha das Praias Portuguesas” são, bairristicamente, os dois amores mais
apaixonantes das meninas dos meus olhos… Ora, se bairrismo é sinónimo de
patriotismo, eu, neste capítulo, sinto-me orgulhoso de ser patriota – e dos
mais fortes e mais ferrenhos…
Ainda dentro deste principio de
intercâmbio de amizades, eu encontrei motivo para uma jornada de
confraternização cordeal entre figueirenses e sintrenses, cônscio como estou de
que estas aproximações regionalistas contribuem, no mais alto grau, para atear
nos nossos corações a abençoada labareda do nobre ideal da paz e da união
familiar na pequena mas honrada “casa lusitana”.
Para felicidade da minha alma, temos
hoje em Sintra o grupo de amadores teatrais de Tavarede – a querida e linda
aldeia que me viu nascer e por onde andam, dispersos, pedaços saudosos da minha
mocidade radiante. Nenhum exagero sentimental explica a sua presença hoje aqui:
é, sim, a sua justificada categoria moral e artística, amplamente reconhecida e
proclamada, desde há muito, por quem sabe ou pode julgar com mais objectividade
e autoridade o adorável esforço de um punhado de raparigas e rapazes da minha
aldeia, romântica e amorosamente posto, depois do trabalho, em sucessivas
gerações, de há 50 anos a esta parte, ao serviço da cultura e da instrução
popular – pelas salutares vias do teatro, da música e das letras. A categoria
artística do grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense – minhas
senhoras e meus senhores – aliada a uma reconhecida e dignificante índole do
mais perfeito e abençoado sentimento cristão é que justifica a sua comparência,
hoje, no tablado do Cine-Teatro “Carlos Manuel”. Olhos postos em Tavarede,
pensamento entregue à elevada e nobre missão do Hospital de Sintra, tecto abençoado
da caridade humana, resolvi estender as minhas mãos – e pedir para ele. Os meus
queridos conterrâneos, por intermédio do grupo cénico da benemérita instituição
de que fazem parte os meus irmãos, os meus sobrinhos, os meus primos e outros
parentes, todos constituindo uma familia amorosa e disciplinada, dignaram-se
ouvir a minha súplica, acorreram a ela e quizeram vir até cá, prontos,
solícitos, alegres, contentes, dentro de um desinteresse material completo e
absoluto, na grata missão da solidariedade e do bem-fazer. E o certo é que,
pelo seu trabalho – e pelo contributo de VV.Exas., que aqui vieram para os ver,
apreciar e julgar – os meus conterrâneos cometeram mais um acto de bondade na
sua já longa e abnegada vida, posta ao serviço do Bem, e aqui estão, na bendita
missão de dar – desta vez a favor dos pobres de Sintra.
Bem hajam eles, que me ouviram e tão
generosos quiseram ser, vindo até junto de mim. E bem hajam VV.Exas por se
solidarizarem a esta intenção – que me parece não caracterizar mal os homens
que a pensaram, acarinharam e puzeram em prática, os quais, investidos de outro
poder, aqui hão-de vir praticar, no momento oportuno, a sagrada missão do
reconhecimento e da gratidão dos sintrenses aos tavaredenses.
Vem este prestigioso grupo equacionar a
vossos olhos o problema de teatro de amadores em face do teatro profissional.
Se só este é susceptível de realizar a perfeição cénica, o próprio absoluto que
visa o compromete, a maior parte das vezes, num automatismo burocrático a que o
teatro de amadores se mantém forçosamente alheio. Amador vem de amor e só o
amor desinteressado ao teatro explica milagres como o do cinquentenário Grupo
Dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense. E a prova de exame vai
fazer-se, mais uma vez, nada mais nada menos que com o “Frei Luís de Sousa”, de
Almeida Garrett, hoje; e amanhã com os “Peraltas e Sécias”, de Marcelino
Mesquita, cujo centenário ocorreu ontem, dia 1, e em Sintra, desta maneira, se
regista e comemora – merecidamente.
Do valor dos amadores que ides apreciar
e que, neste momento, está provocando uma natural e humana espectativa em todos VV.Exas , podia
eu falar – autorizadamente. Do barro de que eles são moldados; da forma como
são trabalhados e postos sobre as tábuas de um palco, na encarnação dos mais
diversos tipos sociais; do sacrifício dispendido e nergias consumidas na
manutenção e crédito de uma obra de educação popular tão elevada, que seria
impossível se não houvesse um idealista impoluto e competente que o soubesse
animar e orientar com a continuidade e persistência da sua inteira dedicação à
causa popular, com o seu fulgurante talento de encenador e com o fogo sagrado
do seu entusiasmo pelo teatro: de todos estes pormenores podia eu também
ocupar-me com inteiro conhecimento de causa.
Porém, neste aspecto, desejo dar homem
por mim, para que esse homem, a quem se deve, há mais de 30 anos consecutivos,
o milagre do conjunto, valor, conceito e prestigio do grupo cénico de Tavarede,
pela sua palavra fluente, vos fale da obra da Sociedade de Instrução
Tavaredense, benemérito conservatório do povo da minha terra natal, aqui tão
dignamente representada.
Quero referir-me ao meu querido amigo e
conterrâneo, antigo camarada dos caixotins tipográficos, autodidacta
cultíssimo, jormalista primoroso, inspirado escritor, orador brilhante – José
da Silva Ribeiro -, a quem peço mil perdões pela ousadia e consciente traição
das minhas palavras, que sei perfeitamente quanto significam de impiedosos
punhais a ferirem profundamente a reconhecida modéstia que o caracteriza e
impõe mais ainda, mas que, em boa consciência, lhe são devidas – por sinceras,
oportunas e justas. José Ribeiro é, de facto, a alma do “milagre” artístico que
ides apreciar e julgar dentro de pouco.
Peço-te, querido Mestre, que venhas
junto de mim – para te apresentar ao povo de Sintra, aqui tão distintamente
representado, afim de receberes dele – desde já solicitadas por mim -, as
palmas quentes, simbolizando pétalas de flores mimosas desta enfeitiçante
vila-jardim, lançadas carinhosamente sobre os garbosos pupilos que a tua sábia
competência e orientação transformou num adorável cartaz do maior conceito para
a nossa linda aldeia de Tavarede e para a benemérita Sociedade de Instrução
Tavaredense, cuja gigantesca obra, traduzindo cultura, humanidade, disciplina,
beleza e amor, reflecte e justifica o mais alto apreço e prestigio em que é
tida a nossa terra, e para nós todos, que nela nascemos e a amamos até às
profundezas da alma, representa dulcificante prazer e consubstancia legítimo e
compreensível orgulho”.
José da Silva Ribeiro, visivelmente
contrariado – não por falsa modéstia, mas por temperamento e índole – surgiu ao
público de Sintra, que o recebeu com uma quente e prolongada salva de palmas.
E com a sua palavra fluente, falou – e
de que maneira! – à distinta plateia que dentro em pouco iria apreciar os seus
pupilos…
Na facilidade de expressão que lhe é
característica, brilhantemente, José Ribeiro fez uma análise dos misteres dos
amadores de Tavarede, a sua dedicação à causa, à missão da benemérita Sociedade
de Instrução Tavaredense, ao teatro português, etc., tecendo, por fim, um hino
a Sintra e ao seu povo.
A sua oração, constituindo um improviso
felicíssimo – como sempre – calou profundamente no coração do público que
enchia quase literalmente o majestoso “Carlos Manuel”, consciente de que iria
de facto apreciar, em seguida, um grupo de amadores – e não de profissionais.
O pano subiu. E o 1º acto de “Frei Luís
de Sousa” decorreu…
… logo deixando tranquilizar um pouco a
natural e compreensível expectativa dos apreciadores de teatro a sério, que
aplaudiram os intérpretes com frenesi, sinal de que estavam, realmente, na
presença de um conjunto incapaz de envergonhar os autores das peças, a aldeia
onde nasceu, a colectividade de recreio que representava – e as pessoas que se
encorajaram a promover tão consoladora e feliz digressão – a bem dos pobres de
Sintra.
O decorrer da interpretação da peça
provou, claramente, o valor e categoria dos amadores de Tavarede. Foi o público
– selecto, de qualidade – que o classificou, não só através das suas palmas
quentes, vibrantes, obrigando os amadores a vir duas e três vezes ao proscénio,
como nas clamorosas chamadas a José Ribeiro, ensaiador compedtente e
consciencioso, que, em vibrante apoteose de aclamações, recebeu, para si e para
os seus “rapazes”, o prémio justo do povo de Sintra ali tão distintamente
representado.
No 2º dia, com “Peraltas e Sécias”,
também os amadores tavaredenses lograram conquistar a simpatia geral dos seus
espectadores, entre os quais se contando o escritor dr. Vasco de Mendonça
Alves, autor da peça “A Conspiradora” (a representar brevemente pelos amadores
de Tavarede); actor José Júlio Costa Pereira; escritor e poeta dr. José
Rodrigues Tocha; prof. Alberto de Lacerda; dr. Leopoldo de Araújo, escritor
teatral; engº Fontes Lima, inspector do Ensino Técnico; os actores Brunilde
Júdice e Alves da Costa, que não esconderam o seu entusiasmo ante a actuação
dos intérpretes da peça de Garrett, em que alguém surpreendeu aqueles artistas,
em determinada passagem, a levar discretamente aos olhos o seu lenço de assoar
– sinal evidente de que estavam a acompanhar e a “sentir” o trabalho dos
personagens…
No final do 2º acto, em cena aberta,
Eduardo Frutuoso Gaio, activo e persistente delegado da mesa da Santa Casa da
Misericórdia, de que é vice-provedor, junto da comissão organizadora dos
espectáculos, surgiu no palco.
“Venho na nobre missão da gratidão” –
disse. E falando pelas vias do coração, Eduardo Gaio esplanou-se em
considerações acerca do objectivo que presidiu aos instintos das pessoas que
promoveram tão lindo momento espiritual e artístico, na sua terra natal,
considerando de elevado e tocante exemplo a desinteressada colaboração, em
beneficio do Hospital da Misericórdia, do simpático e valoroso grupo cénico da
Sociedade de Instrução Tavaredense.
Referiu-se aos amadores dramáticos de
Tavarede – que classificou de admiráveis artistas – e bordou elogios, aliás
merecidíssimos, ao respectivo director, José da Silva Ribeiro, a cuja inteligência
e profundos conhecimentos e rara vocação para o teatro, se deve tão maravilhoso
“milagre” de conjunto.
Convidou a subir ao palco o provedor da
Santa Casa, sr. capitão Américo dos Santos, e seus colegas de mesa. E este, por
sua vez, convidou a subir ali, também, o presidente da Câmara Municipal, sr.
dr. César Henrique Moreira Baptista. Todas estas entidades foram recebidas com
uma prolongada e carinhosa salva de palmas.
Então, Eduardo Gaio, escondendo uma
natural e humana comoção (quem desconhece o seu virtuoso coração de homem bom e
de alma abnegada, sempre pronta a colaborar nas boas iniciativas locais?),
pediu, em nome da Misericórdia, que o mesmo é dizer, dos pobres de Sintra, a
todas estas entidades, que se dignassem colocar sobre o peito dos amadores de
Tavarede uma medalha, em “vermeil”, significando reconhecimento e gratidão.
Tal insígnia, magnificamente cunhada,
contendo, sobre o escudo de D. João V, uma lindíssima imagem de Nossa Senhora
da Misericórdia de Sintra, instituída pela excelsa Rainha D. Leonor, fundadora
em Portugal de tão adoráveis instituições de caridade pública, foi realmente
colocada sobre o peito de todos os tavaredenses; de todos, inclusive dos que
actuavam sem ser vistos pelos espectadores.
Para a bandeira da gloriosa SIT foi
oferecido um lindo laço de fitas de seda, com as cores heráldicas da vila de
Sintra, e respectiva medalha de gratidão.
Flores de Sintra, em profusão, para as
raparigas do grupo. Abraços sinceros para todos os rapazes. E uma chamada
especial para a filha do ilustre e saudoso dramaturgo Marcelino Mesquita, srª
D. Inês Mesquita Ressano Garcia, presente ao espectáculo, que no palco recebeu
merecido destaque através de boas palavras, de consagração ao ilustre autor de
seus dias, e de flores e medalha da Misericórdia.
Ao nosso director, promotor do
movimento, e a seu filho António Pedrosa Medina, secretário da redacção e
administrador do “Jornal de Sintra”, também foram feitas referências amáveis e
entregues medalhas e público preito de gratidão.
José Ribeiro, no uso da palavra, num
rasgo de oratória brilhante (a enriquecer e a completar, ainda mais
profundamente, a adorável “surpresa” do bom e do belo que os tavaredenses, em
tão feliz hora, aqui vieram trazer), quis estabelecer ao contrário as contas do
“deve” e “haver”…
… afirmando que quem estava ali em
dívida – eral eles, os tavaredenses…
Como é natural, o “júri” dos
“contabilistas”, mais sensatos e justos, não apoiaram José Ribeiro, que deve
acabar por se convencer de que a verdade dos factos, no capítulo da gratidão,
estava – e continua a estar – do lado dos sintrenses.
Referindo-se às várias épocas do teatro
– e a Marcelino Mesquita, em particular, cujo centenário ali se comemorava – o
Mestre acabou por dar-nos uma proveitosa lição, facto que lhe valeu, no remate
da sua brilhante oratória, uma quente e vibrante salva de palmas.
D. Inês Ressano Garcia, entre carinhos,
flores e lágrimas – lágrimas provocadas pela evocação devida à memória de seu
ilustre e saudoso pai, ali lembrado e consagrado com a maior ternura –
agradeceu a espontânea manifestação dos sintrenses e dos tavaredenses,
confessando-se a todos infinitamente reconhecida.
A menina Maria Manuela Silveira Dias,
natural desta vila, por que deve particular simpatia e gratidão a D. Violinda Medina
e Silva, quis oferecer-lhe um ramo de frescos gladíolos brancos. Assim, por
intermédio do nosso director, irmão da distintíssima amadora, subiu ao palco e
entregou-lhe essa graciosa lembrança, que foi correspondida com beijos de
sentimento verdadeiramente maternal.
E seguiu-se o espectáculo – que agradou
em absoluto a todos que o presenciaram e se confessaram “vencidos” com a
encantadora lição de “querer” de um humilde punhado de amadores que de tão
longe desinteressadamente vieram, na missão da solidariedade, os quais, guiados
pelos “dedos mágicos” de José Ribeiro, mais uma vez deram provas, “fora de
casa”, do seu real valor artístico…
… impuseram à consideração alheia a sua
linda aldeia – e elevaram e prestigiaram o nome honrado da Sociedade de Instrução
Tavaredense, que continua a esquecer-se completamente de si e das suas mais
prementes necessidades, para se preocupar, apaixonadamente, com as necessidades
e dores alheias, tão alevantados e nobres sentimentos constituindo, quanto a
nós, o melhor e maior tesouro da sua razão de existência, há 50 anos devotada,
amorosa e cristãmente, ao serviço da abençoada causa da cultura popular e da
humanidade sofredora.
Bem haja por isso. E bem haja por se
dignar corresponder ao apelo do “Jornal de Sintra”, vindo até nós, em 2 e 3 do
corrente, trabalhar – e muito bem – em proveito da pia e secular instituição de
caridade pública que se chama Hospital da Misericórdia de Sintra.
Estamos-lhe todos infinitamente
reconhecidos e gratos. Todos!
Podem gabar-se de que conquistaram o
coração de Sintra!
E nós – que lho entregámos de boa
mente…
… porque o sabemos em muito bons e
dignos escrínios…
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