sábado, 19 de abril de 2014

Operetas em Tavarede - 13

         Tudo perde. Os dez contos de reis, que era toda a sua fortuna, perdeu-os ao jogo. Ficou mais pobre, sem nada. E agora? Chegou a pensar em ir atirar-se ao rio. Pois como é que agora havia de ir para o Brasil, sem dinheiro para a passagem? Como ir buscar a riqueza? Como encontrar a felicidade?

         É, então, que encontra três homens, que diziam ser homens felizes. Contam-lhe a sua história.

         Primeiro homem feliz – “Todos me chamam um homem feliz. Se a felicidade estivesse na riqueza, eu era o mais feliz dos homens. Sou riquíssimo. Tenho propriedades enormes que nem conheço; tenho palácios; tenho libras os milhões. Todos os caprichos, todos os prazeres que dependem do dinheiro, ninguém melhor do que eu pode satisfazê-los. E, todavia, sou um desgraçado. Ninguém é mais infeliz do que eu! A minha vida é feita de luto e lágrimas. Perdi a esposa que era toda a minha ventura. Ficou-me uma filha, linda como os amores, que era a minha consolação – e também essa ma levou a morte. Dava, para salvá-la, toda a minha riqueza. Quereria ser o mais pobre de todos os pobres, e seria, assim, feliz, tendo-a junto de mim. Mas a morte levou-ma! Sou rico, sim, mas sou um desgraçado”.

         Segundo homem feliz – “Também o mundo diz que eu sou feliz. Também assim o julguei eu. Fui pobre, e sentia-me infeliz com a pobreza. Julguei que não poderia ser feliz sem ser rico, e então, não pensei noutra coisa senão em enriquecer, fosse de que maneira fosse. E ao fim de algum tempo eu era rico. Tenho hoje uma fortuna grande; fundei asilos; mandei fazer escolas; sustento hospitais; vejo-me rodeado de considerações e homenagens, toda a gente me respeita. Mas, a felicidade? Oh! essa não a conheço! Alcancei a riqueza, mas a felicidade cada vez a vejo mais longe de mim. Porque – queres saber?... – a ambição do dinheiro fez de mim um criminoso; para ser rico, matei, roubei, falsifiquei. Em meio da minha grande riqueza, eu não tenho um momento de sossego. A todo o instante oiço dentro de mim uma voz que me acusa, que me lembra os meus crimes. Acompanha-me por toda a parte, seguindo-me os passos, uma sombra negra, implacável e ameaçadora: é o remorso. Lá está ela!... Lá está ela!... Não a queiras ver, cavador!”.

         Terceiro homem feliz – “Eu não digo que sou rico, digo que sou feliz. E os pobres também podem ser felizes. Tenho saúde, tenho alegria, tenho uma mulher que me enfeitiçou em solteiro e que me deu duas lindezas de dois filhos que até o sol lhe tem inveja. Que mais quero? E trabalho. De sol a sol, na labuta da enxada. A terra dá-me a fartura da minha casa. O pão até parece mais saboroso quando é a gente que o amanha. E rio, e canto, e se me deito à noite cansado da faina, ergo-me no dia seguinte com a alma cheia de alegria e os braços com novas forças para recomeçar a tarefa. Dizem que o trabalho é castigo. Engano!... O trabalho é a saúde do corpo e alegria da alma. Eu trabalho e sou feliz. É por isso que eu canto! É por isso que eu rio!”.
          Manuel da Fonte – “A riqueza! A felicidade! Onde está a riqueza? Sei lá... Como eu agora entendo as palavras do Ti João da Quinta na hora da despedida! Não seria rico lá na aldeia? Mas podia ser feliz! (com decisão) Ainda é tempo. Perdi no jogo a herança de meus pais! Deixá-lo. Voltarei à enxada, tornarei a cavar a terra, buscarei no trabalho a alegria da vida e darei a esta alma entristecida que sinto dentro de mim, arrefecida de saudades, o calor do sol que eu via a boiar nos olhos lindos da Rosa”.

 Manuel da Fonte
A minha louca ambição
De desmedida riqueza
Desfez-se como ilusão
Sonho mau, deslumbrador.
Serei feliz na pobreza
Torno a ser cavador.

Coro
Vida d’aldeia
Abençoada,
D’encantos cheia,
Sempre invejada.
Mal rompe a aurora
Trinam canções;
 E a dor não mora
 Nos corações.

 Manuel da Fonte
Ir em cata da ventura
Sozinho, por longes terras,
É rematada loucura.

 Mulheres
Nos nossos campos e serras
Não há vida d’amargura,
Não há contendas nem guerras.

Coro
Vi da aldeia,  etc. etc.

Manuel 
Quanto eu tinha está perdido...
Como eu andava iludido
Sonhando só com dinheiro!
Prende-me oculta cadeia
E é nela, na minha aldeia,
Meu destino verdadeiro.

Coro
Que valem sonhos
Ambiciosos,
Se aqui nós temos
Todos os gozos
No dia inteiro,
D’inverno ou v’rão
Reina a alegria
No coração.
Há nos valados
Moitas de flores
E em seios virgens
Castos amores.

Não há no mundo
Mais doce vida...
Em nós as mágoas

Não têm guarida.

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