Tudo
perde. Os dez contos de reis, que era toda a sua fortuna, perdeu-os ao jogo.
Ficou mais pobre, sem nada. E agora? Chegou a pensar em ir atirar-se ao rio.
Pois como é que agora havia de ir para o Brasil, sem dinheiro para a passagem?
Como ir buscar a riqueza? Como encontrar a felicidade?
É,
então, que encontra três homens, que diziam ser homens felizes. Contam-lhe a
sua história.
Primeiro homem feliz – “Todos me chamam
um homem feliz. Se a felicidade estivesse na riqueza, eu era o mais feliz dos
homens. Sou riquíssimo. Tenho propriedades enormes que nem conheço; tenho
palácios; tenho libras os milhões. Todos os caprichos, todos os prazeres que
dependem do dinheiro, ninguém melhor do que eu pode satisfazê-los. E, todavia,
sou um desgraçado. Ninguém é mais infeliz do que eu! A minha vida é feita de
luto e lágrimas. Perdi a esposa que era toda a minha ventura. Ficou-me uma
filha, linda como os amores, que era a minha consolação – e também essa ma
levou a morte. Dava, para salvá-la, toda a minha riqueza. Quereria ser o mais
pobre de todos os pobres, e seria, assim, feliz, tendo-a junto de mim. Mas a
morte levou-ma! Sou rico, sim, mas sou um desgraçado”.
Segundo
homem feliz – “Também o mundo diz que eu sou feliz. Também assim o julguei
eu. Fui pobre, e sentia-me infeliz com a pobreza. Julguei que não poderia ser
feliz sem ser rico, e então, não pensei noutra coisa senão em enriquecer, fosse
de que maneira fosse. E ao fim de algum tempo eu era rico. Tenho hoje uma
fortuna grande; fundei asilos; mandei fazer escolas; sustento hospitais;
vejo-me rodeado de considerações e homenagens, toda a gente me respeita. Mas, a
felicidade? Oh! essa não a conheço! Alcancei a riqueza, mas a felicidade cada
vez a vejo mais longe de mim. Porque – queres saber?... – a ambição do dinheiro
fez de mim um criminoso; para ser rico, matei, roubei, falsifiquei. Em meio da
minha grande riqueza, eu não tenho um momento de sossego. A todo o instante
oiço dentro de mim uma voz que me acusa, que me lembra os meus crimes. Acompanha-me
por toda a parte, seguindo-me os passos, uma sombra negra, implacável e
ameaçadora: é o remorso. Lá está ela!... Lá está ela!... Não a queiras ver,
cavador!”.
Terceiro homem feliz – “Eu não digo que
sou rico, digo que sou feliz. E os pobres também podem ser felizes. Tenho
saúde, tenho alegria, tenho uma mulher que me enfeitiçou em solteiro e que me
deu duas lindezas de dois filhos que até o sol lhe tem inveja. Que mais quero?
E trabalho. De sol a sol, na labuta da enxada. A terra dá-me a fartura da minha
casa. O pão até parece mais saboroso quando é a gente que o amanha. E rio, e
canto, e se me deito à noite cansado da faina, ergo-me no dia seguinte com a
alma cheia de alegria e os braços com novas forças para recomeçar a tarefa.
Dizem que o trabalho é castigo. Engano!... O trabalho é a saúde do corpo e
alegria da alma. Eu trabalho e sou feliz. É por isso que eu canto! É por isso
que eu rio!”.
Manuel da Fonte – “A riqueza! A
felicidade! Onde está a riqueza? Sei lá... Como eu agora entendo as palavras do
Ti João da Quinta na hora da despedida! Não seria rico lá na aldeia? Mas podia
ser feliz! (com decisão) Ainda é tempo. Perdi no jogo a herança de meus
pais! Deixá-lo. Voltarei à enxada, tornarei a cavar a terra, buscarei no
trabalho a alegria da vida e darei a esta alma entristecida que sinto dentro de
mim, arrefecida de saudades, o calor do sol que eu via a boiar nos olhos lindos
da Rosa”.
Manuel
da Fonte
A
minha louca ambição
De
desmedida riqueza
Desfez-se
como ilusão
Sonho
mau, deslumbrador.
Serei
feliz na pobreza
Torno
a ser cavador.
Coro
Vida
d’aldeia
Abençoada,
D’encantos
cheia,
Sempre
invejada.
Mal
rompe a aurora
Trinam
canções;
E
a dor não mora
Nos
corações.
Manuel
da Fonte
Ir
em cata da ventura
Sozinho,
por longes terras,
É
rematada loucura.
Mulheres
Nos
nossos campos e serras
Não
há vida d’amargura,
Não
há contendas nem guerras.
Coro
Vi da aldeia, etc. etc.
Manuel
Quanto
eu tinha está perdido...
Como
eu andava iludido
Sonhando
só com dinheiro!
Prende-me
oculta cadeia
E
é nela, na minha aldeia,
Meu
destino verdadeiro.
Coro
Que
valem sonhos
Ambiciosos,
Se
aqui nós temos
Todos
os gozos
No
dia inteiro,
D’inverno
ou v’rão
Reina
a alegria
No
coração.
Há
nos valados
Moitas
de flores
E
em seios virgens
Castos amores.
Não
há no mundo
Mais
doce vida...
Em
nós as mágoas
Não
têm guarida.
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