Aquando do espectáculo na Figueira,
comemorativo do referido centenário de Almeida Garrett, um peródico figueirense
publicou o seguinte: Em 9 de Dezembro
completam-se 100 anos sobre a morte de Almeida Garrett. Estão decorrendo em
Lisboa, Porto, Coimbra e Santarém e nalgumas outras localidades, as
comemorações deste centenário, nas quais têm sido evocadas a vida e a obra do
glorioso escritor.
A Sociedade de Instrução Tavaredense –
cuja actividade nas comemorações garrettianas tem sido notável, através de
palestras e da representação do “Frei Luiz de Sousa” em Tavarede, Figueira,
Condeixa, Alhadas, Quiaios, Marinha Grande, Soure e Coimbra – tem já marcado o
seu próximo espectáculo de homenagem ao genial fundador, depois de Gil Vicente,
do teatro português.
Trata-se dum programa grandioso,
verdadeiramente excepcional, para o qual se conjugaram dedicações corajosas e a
colaboração valiosíssima de alguns distintos artistas.
Na 1ª. parte – trechos de teatro
garrettiano – figuram as seguintes peças: a tragédia clássica “Catão” (ano 46 AC ), a comédia romântica
“Dona Filipa de Vilhena” (século 17) e “Um Auto de Gil Vicente” (século 16). A
representação será ligada por comentários pelo director do grupo cénico sr.
José Ribeiro. Preenchendo a 2ª. parte, será representada a comédia “Tio
Simplício”, que decorre no século passado, em plena época de Garrett.
Este programa – desempenhado por um
conjunto de mais de 30 intérpretes, entre os quais alguns estreantes com que
foram agora renovados os elencos feminino e masculino do grupo tavaredense –
vai ser apresentado numa grande montagem cénica, que honrará a Sociedade de
Instrução Tavaredense e será demonstração do respeito e admiração votados à
memória e à obra teatral de Almeida Garrett. O
professor do Conservatório e consagrado mestre de cenografia, Manuel de Oliveira,
estudou e pintou os cenários – de belo efeito os de “Catão” e os apontamentos
cenográficos de “Dona Filipa de Vilhena” e particularmente notável o da nau
Santa Catarina, em que decorre “Um Auto de Gil Vicente”. Todo o guarda-roupa é
de Alberto Anahory, que nele se esmerou e pôs o seu apurado gosto artístico.
Poucas vezes se terá apresentado num só espectáculo guarda-roupa histórico tão
rico, especialmente nas figuras dos séquitos do rei D. Manuel e da Infanta Dona
Beatriz, que se reunem a bordo da nau “Santa Catarina” num conjunto de beleza,
luxo e riqueza deslumbrantes. A indumentária de Alberto Anahory, com seus
brocados, sedas, veludos, damascos e brilhantes pedrarias, faz reviver ante os
olhos do espectador a crónica de Garcia de Resende. Manuel de Oliveira
encontrou, na opulência das suas tintas e nos segredos da sua técnica, a
moldura própria deste quadro encantador.
A estreia, aguardada já com viva
curiosidade, realiza-se em Tavarede no sábado, 4 de Dezembro e a apresentação
na Figueira será na quinta-feira, dia 9, em que se completa o centenário da
morte de Garrett e se encerram as comemorações.
A nossa terra honrar-se-á com esta bela
manifestação de arte que é, ao mesmo tempo, afirmação de puro patriotismo.
Em Abril de 1955, e numa organização da
Câmara Municipal da Figueira, o grupo de Tavarede integrou uma embaixada
cultural figueirense à Guarda. Cabe agora
à Sociedade de Instrução Tavaredense dar testemunho de si – como ela
eloquentemente e onde quer que se apresente, o sabe dar.O seu director cénico,
José Ribeiro, vem ao proscénio explicar aos espectadores, suspensos do seu
verbo fácil e elegante, as razões porque acedeu a vir à Guarda representar o
3º. acto da obra prima de Garrett – “Frei Luis de Sousa”.
Para os poucos espectadores que por
ventura desconhecessem aquela obra monumental da dramatologia nacional,
descreve o entrecho do 1º. e 2º. actos, retirando para logo subir o pano. O
equilibrio com que todos os intérpretes se houveram no desempenho do referido
acto foi, na verdade, notável. João Cascão, Violinda Medina, Maria Isabel de
Oliveira Reis, Fernando Reis, João de Oliveira, António Jorge da Silva, nos
papeis de primeiro plano, proporcionaram um desempenho homogéneo, dando às
cenas todo o seu dramatismo.
E não resistimos a copiar esta nota,
publicada na imprensa figueirense, referindo a actividade do grupo cénico: No mês de Maio: dia 6, na Figueira, sarau
dedicado à Conferência Rotária – O episódio vicentino da Mofina Mendes, 3º.
acto do Entre Giestas e Potes Floridos, do Chá de Limonete: dia 21, em Tavarede
– estreia da peça Israel; no dia 27, na Figueira – Israel.
No mês de Junho: dias 4 e 5, em Tomar –
Frei Luís de Sousa e Serão Homens Amanhã; dia 13, em Coimbra – Israel; dia 25,
em Soure – Serão Homens Amanhã.
No mês de Julho: dia 3, em Alfarelos –
Serão Homens Amanhã.
No
dia 19 do corrente, no Teatro do Casino Peninsular, o grupo tavaredense
representará Israel.
Se
esta invulgar actividade da Sociedade de Instrução Tavaredense representa muito
no capítulo da educação e cultura populares através do teatro, não representa
menos como beneficência. Bastará lembrar que todas as vezes que o grupo de
Tavarede representa fora da Figueira, o faz com o mais completo desinteresse
material e sempre a favor de instituições de beneficência ou de utilidade
social, nada cobrando para o seu cofre. O facto regista-se, não apenas como
louvor à benemérita SIT, mas com o desejo de que o seu exemplo frutifique.
Mas, e como é absolutamente natural, nem todas as peças
agradaram ou tiveram boa aceitação da crítica. Isso aconteceu, por exemplo, com
a peça Ana Maria. A função da crítica em presença duma obra é
da sua análise profunda baseada numa observação sistemática. Para toda e
qualquer manifestação de arte o crítico tem de se situar nesse plano e só a
partir dele deve actuar. Qual será então o motivo porque nas críticas teatrais
feitas neste jornal a primeira coisa que se escreve é: Teatro de Amadores ou
Teatro de Profissionais?
Se vivessemos num país onde o Teatro
constituísse uma séria e portanto basilar manifestação artística ter-se-ia de
estabelecer a mesma separação?
Evidentemente que sim. O profissional
de teatro é o trabalhador de teatro como o cavador é o profissional da enxada e
o intelectual o do livro. Já viram como o homem da cidade pega numa enxada? e a
dificuldade com que o nosso trabalhador do campo lê um jornal?
Há portanto que destrinçar. Em países
de fraca tradição teatral, com raras excepções, tem sido sempre o teatro de
amadores que cria as grandes renovações. Desde há uns trinta anos a esta parte
que o arrojo, principalmente da juventude, tem lançado esta arte na conquista
de novas posições. Teatros experimentais ou de vanguarda – teatros de amadores
– (a comercialização vem depois), foram trampolins para muitos êxitos, êxitos
devido à estagnação de processos, o fraco nível moral e intelectual, os
iletrados arrivistas dirigindo a mais complexa das artes, às sujeições de toda
a espécie sem excluir a censura, etc., etc., etc. O Fundo de Teatro
recentemente criado no nosso país o que visa a defender? O teatro? Qual teatro?
Com t ou T? Onde ir buscar os alicerces que faltam para se criar um verdadeiro
teatro? As respostas a estas perguntas deu-as aquele Fundo concedendo subsídios
a Companhias Teatrais lisboetas que pelo que me foi dado observar até hoje não
merecem de forma alguma esse subsídio. Qual o critério utilizado pelo Fundo
para essa concessão? Que garantias recebeu das Companhias que subsidiou? Quais
as pessoas capazes onde garantiu as centenas de contos concedidos em dois anos
de trabalhos ineficazes e circunscritos à Capital? (Acaso a Província não terá
categoria para apreciar esses espectáculos ou os espectáculos não terão
categoria para vir à Província?).
Ana Maria
Coimbra há quatro anos que não vê
teatro declamado por uma companhia portuguesa ou pelo menos por um conjunto que
mereça esse nome. O Fundo de Teatro não terá nada que ver com isso? Não falamos
é claro no Teatro dos Estudantes que apesar dos seus dezoito anos de trabalho
incessante em prol do Teatro Português aquém e além fronteiras, onde actuou de
molde a envaidecer o Mestre que o dirige e os estudantes que o compõem e que
representando este podre teatro português conseguiu que as gazetas o
distinguissem sem ter que levar as notícias às agências telegráficas nem pagar
aos críticos dos jornais. E qual a razão por que este grupo não foi subsidiado?
Dará menos garantias artístico-culturais que os beneficiados ou a sua obra
estará para além da compreensão daqueles a quem compete zelar pela valorização
do teatro português?
E como pode o Fundo de Teatro alhear-se
do que se passa com o Conservatório?
Para uma verdadeira ressurreição do
teatro em Portugal não seria necessário uma valente vassourada, naquela casa?
Quando é que o Conservatório se lembrará de apresentar espectáculos teatrais
com os seus alunos, de forma a poderem apreciar-se os métodos e observar-se as
revelações?
E não seria uma obra de largo alcance
social e de profunda projecção nessa mesma valorização do teatro português que
o Fundo de Teatro providenciasse a criação da Casa do Actor Profissional para
onde fossem levados aqueles actores que todos reconhecem estarem já
incapacitados de representar mas que as condições de vida obrigam a trabalhar e
os críticos (?) a aplaudir devido ao seu passado?
E basta de considerações que não
caberiam num jornal inteiro quanto mais num artigo.
Por tudo isto se vê que aos
profissionais há que exigir a apresentação de espectáculos impecáveis e
incentivar e aplaudir todas as manifestações honestas que dentro do campo do
amadorismo (e bem poucas são) existem no nosso país. São estas que ainda
constituem a pedra de toque (ainda que fraca) que nos permite verificar a
pobreza do que os profissionais mostram sobre as tábuas.
Fomos à Figueira ver o “Grupo Cénico da
Sociedade de Instrução Tavaredense”. José Ribeiro com uma persistência todos os títulos notabilíssima tem mostrado à
gente da sua terra quase todos os aspectos por que o teatro se desdobra. Não pára.
Agora foi uma opereta. Diga-se desde já – para além das restrições que se façam
– que no estado actual do teatro português poucas terras do nosso país com a
matéria prima de que podem dispôr, apresentariam um espectáculo como o que
vimos. Quero com isto dizer que o espectáculo é uma perfeição? De maneira
nenhuma; até porque não é este o género de teatro a que José Ribeiro se tem
dedicado e uma opereta necessita antes de tudo o mais de vozes. José Ribeiro
sabe-o bem e por isso mesmo procurou compensar esta falta que os ouvidos acusam
com um guarda-roupa e caracterizações que os olhos apreciam. Quanto ao original
surge-nos desiquilibrado. Há cantores a mais no 1º acto e muitas palavras no 1º
quadro do 2º, equilíbrio dos segundos quadros do 2º e 3º actos.
A música de Joel de Mascarenhas é fraca
e não ajuda em nada a criar o ambiente em que a peça se situa. Os cenários
agradáveis. A orquestra à parte um ou outro descontrole dos instrumentos de
sôpro teve nos violinas e no flauta o seu melhor.
A movimentação de cena esteve de uma
maneira geral certa faltando às raparigas do coro naturalidade de salão em
certas marcações musicais; aliás é a música que convida o “passo de rancho” em
alguns momentos.
Na interpretação António Jorge da
Silva, Vitalina Gaspar Lontro, Violinda Medina e Silva, Maria Isabel Reis e
José Maria Cordeiro notabilizaram-se; a Manuel Gaspar Lontro faltou a convicção
que caracteriza todos os malabaristas de feira; quando a arranjar fará um papel
à altura dos primeiros.
É mais um espectáculo do Grupo de
Tavarede que merece ser visto e aplaudido, um espectáculo escrito, musicado e
representado por portugueses e que por isso mesmo não interessa ao Fundo do
Teatro.
Quando manifestações como esta e como
poucas mais merecerem o amparo e carinho dos que têm por obrigação defender o
teatro em Portugal então pode ser que começando-se pelo princípio se faça obra
de projecção. De outra maneira é tempo e feitio perdidos. Crie-se público em
todo o país; criem-se actores dignos desse nome; mandem-se aprender ao
estrangeiro os poucos que podem ser directores de cena no nosso país;
expulsem-se os vendilhões do templo e só então se poderá começar a marchar rumo
a um teatro – representado, escrito ou representado e escrito – em Portugal.
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