vós, ó belas,
sabeis cantar!
Vossas gargantas trinando enfim
Ao longe, ao longe vão imitar
As lindas notas do bandolim...
Alegres vossas canções,
Enquanto a orquestra entoa o canto
Para alegrar os nossos corações.
Viva o Maio! Viva o Maio!
Viva o Maio, trema o chão.
Vivam os quatro rapazes
Na manhã de S. João.
Viva a bela mocidade
Que festeja este dia!
Sede unidos p'ró futuro
P'ra gozar com alegria!
“Sim, minha amiga, póde chamar-lh’o, é um costume feliz da
minha terra. Sempre assim foi acolhido aqui o primeiro dia de Maio, entre risos
e cantares, na folga d’umas danças vermelhas, junto á fonte d’agua clara da
varzea de Tavarede.
...Este
uso lindo que tanto a maravilhou e tanto a seduziu, é um velho uso que vem de
muito longe. Teria, a minha deliciosa amiga, de volver os olhos para os
luminosos tempos do paganismo, se a sua curiosidade irrequieta e nervosa lhe
quizesse conhecer a origem. Era-lhe preciso evocar um quieto e calmo canto do socegado Lacio. Seria n’uma azulada
paysagem d’ecloga. D’entre arvoredos longos, ver-se-ia surgir a cabeça velha de
Pan, seguida da montada madraça de Silêno. Rondas de Nimphas, ligeiras como
azas, bailariam dançares de belleza e graça n’algum tranquillo valle. Por
bosques de loureiros, em florestas de platanos, por rentes de araucarias e
romanzeiras em flôr, olhos vivos de Satyros espreitariam cubiçosos, carnes
perfeitas de Deusas confiadas. Faunos, caprinos, hirsutos, cornicabros,
pulariam pela macieza dôce dos pomares. E Venus, coroada de rosas, á frente
d’uma procissão lasciva e devota da sua côrte suprema viria, ao som lento de
citharas d’oiro, proclamar a chegada do Amor e da Primavera...
...Deve ter sido assim o inicial começo d’este costume feliz
da minha terra...
E pela conta dos annos, sempre que
chegado é o feliz dia d’hontem, se formam n’aquella estrada calma, junto á
fonte d’agua clara da varzea, por entre os campos ferteis e humidos de
Tavarede, as rodas largas de namorados que a minha excellente amiga
encantadamente viu...
N’uma
viola, em violões floridos e afestoados de fitas, alguem faz vibrar, zangarrear
as notas vermelhas e fortes do Vira. Vozes limpidas de raparigas, atiram ao
alto, ao vasto ar perfumado a cravos, limpidas cantigas de Amor e Desvario. E
no sacudido, no lesto farandoral da dança rubra, enquanto no ar volteiam petalas
de rosas e tilintam sonoras risadas de crystal, corpos juntam-se, mãos
enclavinham-se, boccas approximam-se, e é assim, - como os seus lindos olhos
deslumbrados viram, - que a gente moça da minha terra festeja e acolhe a
primeira alvorada de Maio florido, o mez das Rosas e do Amor!”.
Teve
muita fama o rancho dos potes floridos de Tavarede, que na manhã do dia
primeiro de Maio, ia em alegre desfile, à fonte da Várzea, após o que seguia
até à Figueira levar a alegria, as cantigas e o perfume das nossas flores, que
artisticamente enfeitavam os potes levados à cabeça pelas raparigas,
acompanhadas pelos seus pares.
“É amanhã o 1º. de Maio.
E então as raparigas correm os quintais, vão às leiras ajardinadas, e de
toda a parte trazem flores!
Deixando o seu pote enfeitado, a cachopinha foi deitar-se;
mas passou a noite em claro, a pensar na alegria da manhã que vai nascer...
Ainda escuro, salta da cama, veste a saia ramalhuda e a blusa de rendas, põe na
cabeça o cachené lavrado, e pega no cântaro florido, que cheira que consola!
Ainda vem longe o dia, mas são horas de ir chamar as mais: - Ó Rosa! Ó Maria
José! Ó Joaquina! Vá depressa, raparigas! Daqui a pouco nasce o Maio, e se ele
dá com vocês na cama, já sabeis o que vos faz: deixa-vos amarelas todo o ano!
Olha, ali vai o Manuel c’o violão... Avia-te, rapaz, que já lá estão os
outros... Eia! Aí vem a Laura, mais a Anita, e a Augusta e a Teresa...
Já
a música afinou os instrumentos. Potes floridos riem e bailam nas cabeças das
raparigas. O ar está cheio de cor e de perfumes. Formou-se o cortejo. Tudo
pronto!... Vamos! Vamos! Siga o rancho até à fonte, a cantar e a dançar e a dar
a volta à Figueira!... Lá vai! Lá vai o rancho do 1º. de Maio, lá vão os potes
floridos da terra do limonete!...”.
Era com uma alegria contagiante quando
o cortejo, com a tuna na frente, passava pela rua da aldeia a caminho da
Várzea. Ali chegados, depois de beberem da fresquinha água da fonte, reuniam-se
aos outros ranchos, que iam chegando. E enquanto uns descansavam sentados nos
valados circundantes do vasto largo, então ali existente, com muitos a
procurarem a sombra do enorme pinheiro manso, outros dançavam animadamente,
soltando aos ares as canções alusivas ao dia, sempre acompanhados pela tuna
afinada.
Depois
era a partida para a cidade vizinha. Sempre cantando, aplaudidos pelas gentes
que acorriam à sua passagem, iam ao mercado, onde eram sempre ansiosamente
aguardados. E ali dançavam e cantavam a sua linda marcha, entoada pela tuna. O
ar ficava perfumado pelas flores que enfeitavam artisticamente os potes, onde se
destacava sempre o delicado limonete.
Nem todos os anos os potes floridos festejaram a data, como
aconteceu em 1917, certamente devido às ida de diversos tavaredenses para a
guerra. “O primeiro dia dos mez de maio não foi festejado pela nossa mocidade como
o tem sido nos annos anteriores. Aquella visita á fonte pelos ranchos de
raparigas que, conduzindo cantaros ornamentados de flôres e verdura, não
appareceram este anno com as suas cantigas a accordar a povoação e a chamal-a
para a poesia e para a alegria. Qualquer coisa de triste teem as nossas
irrequietas moças: - “lá longe o namorado se sacrifica...”.
É certo... Tavarede não recebeu a visita do mez dos poetas e
dos passarinhos com aquelle enthusiasmo como tradiccionalmente o tem feito,
porque a sua alma, o seu coração sente a dôr de vêr os seus filhos queridos na
lucta dos barbaros e dos maus. Apenas grupos de pessoas d’essa cidade,
aproveitando o dia alegre de maio, devoraram sob a sombra fresca das arvores
appetitosos farneis e ali, n’uma pittoresca vivenda d’um amigo nosso, se reuniu
uma colecção de caras unhacas, para
solemnisar com uma santa pandega, que
foi obrigada a dois cozinheiros milicianos e a um ajudante reformado, e ao
melhor champagne do sifão... E assim
entrámos na quadra do aroma e da belleza”.
Mas, normalmente, era um dia de alegria e felicidade para
toda a gente tavaredense. Encontrámos diversas notas alusivas, que poeticamente
cantavam o dia. “Quem não conhece, na madrugada de amanhã, a Fonte da Várzea da
Figueira? Ranchos alegres que apregoam, nas cantigas repassadas de côr, a
alegria salutar do amor, da vida, da felicidade!... Cântaros à cabeça,
transformados em maciços de flôres, elas lá vão em busca da água fresquinha que
hão de trazer no regresso, depois de bailarem a alegria que lhes vai nas almas
e de folgarem tôda a mocidade que vive nos seus corações amorosos.
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