Sobre
a ida ao espectáculo em Lisboa, escolhemos uma nota publicada num jornal
figueirense e escrita por um dos amadores.
Entrámos no Concurso de Arte Dramática organizado pelo Secretariado Nacional de
Informação animados de grande esperança, se bem que de antemão soubéssemos que
iam concorrer os melhores grupos de amadores do país.
Foi, pois, com uma grande força de
vontade e apoiados no saber e competência do nosso ensaiador que começámos os
ensaios a ensaiar a sério.
Mas se na verdade o Concurso exigia que
fizéssemos boas provas, a verdade também manda que se diga que os amadores
tiveram sempre o grande desejo de se apresentarem na capital. Nunca as
circunstâncias o tinham proporcionado, apesar de conhecermos um grande número
de palcos do país. Sintra tinha sido a localidade mais próxima...
Foi, pois, com entusiasmo, que todos os
amadores encararam as provas de selecção, dado que nos surgia a grande
oportunidade de representarmos em Lisboa.
A data foi marcada.
O nosso ensaiador deu os últimos
retoques nos “Velhos” e no “Frei Luís de Sousa”. E perante o juri nomeado para
a nossa zona - a mais numerosa em concorrentes e com grupos de grande valor -
fizemos duas esplêndidas representações.
Aguardámos a decisão do Júri com muitas
esperanças, pois os dois espectáculos tinham sido dos melhores que tinhamos
feito durante a carreira das referidas peças.
Veio a notícia.
Iamos, finalmente, representar em
Lisboa!
Os amadores sentiram-se radiantes. Não
era só o Concurso; não eram os prémios... era, sim, o facto de representarmos
para o público da capital...
A responsabilidade era grande. O nosso
mestre fez-nos ver o tamanho dessas responsabilidades e o fracasso que seria se
o espectáculo saísse mau.
Talvez por isso mesmo fizemos dois
ensaios péssimos. O último foi mesmo muito mau, não sabemos porquê, pois todos
sabiam bem os papéis. Nervos com receio dum público exigente.
O nosso ensaiador estava desapontado e
receoso de uma exibição semelhante perante o júri; Chegou mesmo a lembrar que
seria bom enviar um telegrama a desistir do Concurso...
Antes dele sair para Lisboa (teve de ir
na véspera por causa da montagem dos cenários) deixou-nos uma grande folha de
papel com indicações - dos erros cometidos durante esse desastroso ensaio.
Essas observações foram lidas com muita
atenção; decoradas, até, como se fora um papel distribuido para uma peça, tal
era a vontade de fazer um bom espectáculo perante um público desconhecido para
nós.
Como seria o palco? Era muito grande? E
o teatro?
Chegou, finalmente, o grande dia!
Cada um sentia o peso das
responsabilidades...
... E o combóio partiu para Lisboa
levando dentro dele um modesto grupo de amadores que tinham agora medo do
público alfacinha...
O sonho tinha-se tornado em realidade,
mas agora essa realidade pesava-nos como um fardo... Todos pensavam o mesmo mas
ninguém se atrevia a dizê-lo...
O combóio chega ao Rossio. Na estação
esperavam-nos alguns amigos figueirenses que vivem na capital e que quizeram
dar-nos o prazer de nos dar um abraço.
Fez-nos bem, mesmo muito bem, pois
sentimo-nos mais confiantes. Mas a nossa satisfação subiu mais alto, (que nos
perdoem a franqueza) quando dentre essas pessoas que nos esperavam surgiu o
nosso muito querido amigo pintor Alberto Lacerda. Em toda a parte o
encontramos. Em toda a parte ele nos vai ver representar. E nem sequer nos
tinhamos lembrado que afinal ele estava na sua terra...
Fomos para o teatro na sua companhia e
quase nos esquecemos das responsabilidades que nos preocupavam.
Muito cedo comparecemos para nos
vestirmos e caracterizarmos. Antes da hora estava tudo pronto para começar a
representação.
Espreitámos para ver a sala de
espectáculos. Lá estava ela, já quase cheia, cheia dum público selecto,
desejoso de apreciar mais um espectáculo do Concurso.
Como iria sair a representação? Boa?
Má?
Quando sentíamos o coração oprimido por
recearmos esse público - mais até do que o próprio Júri - poisou nos nossos
ombros a mão amiga de Alberto Lacerda. A seu lado estava Alberto Anahory; mais
além José Ribeiro com os nossos carpinteiros e o nosso contra-regra...
Mas afinal, pensámos, estes amigos são
os mesmos de Tavarede! O ambiente é o mesmo... Porque se não há-de fazer uma
boa representação?
E foi com este pensamento que encarámos
o espectáculo.
Subiu o pano...
Grande silêncio na plateia, sinal de
público que gosta de teatro.
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A representação do primeiro acto saíu
bem.
O público aplaude calorosamente e
ficámos muito animados. José Ribeiro está contente... e no intervalo aparecem
as pessoas amigas a dizer que o acto tinha sido bom e que o público estava a
gostar.
Foi então com mais segurança que
entrámos no segundo acto.
Durante a representação observámos que
o público não perdia uma palavra. Todas as falas eram seguidas com interesse e
marcadas com gargalhadas as passagens mais cómicas.
No final deste acto redobraram os
aplausos e sentimos então que tinhamos conquistado a plateia.
Reinava já grande alegria e satisfação
entre os amadores...
Iamos entrar no terceiro acto - o de
maior responsabilidade e o de maior espectáculo. A cena da ceia era para nós a
maior preocupação... Mas se ela saísse bem, então seria o triunfo...
Sobe o pano.
A
representação começa bem. Os amadores tornam-se senhores da situação. O público
continua com uma atenção extraordinária - tão extraordinária que nos
surpreende.
Os velhos
Chega a cena capital - a da ceia - e
sai como nunca o fizemos!!! O público, esse público que nós tanto temíamos,
recompensa-nos com uma tremenda salva de palmas, a premiar essa cena admirável
que D. João da Câmara magistralmente concebeu e que o nosso mestre
magistralmente ensaiou...
Recomeça a representação para, mais
adiante, outra grandiosa salva de palmas interromper o espectáculo.
Cai o pano...
... E cai sobre nós uma ovação como
nunca tiveramos ouvido em toda a nossa carreira de amadores.
O pano sobe, e desce para tornar a
subir seis, sete, oito vezes... O nosso ensaiador é chamado ao palco... e os
aplausos continuam com toda a plateia a aplaudir de pé.
Foi um verdadeiro delírio.
No palco o contentamento entre os
amadores e as pessoas amigas não se podia descrever...
Abraços... Lágrimas... Parabéns...
Obrigado,
público de Lisboa. Foi este o melhor prémio que nos podias dar.
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