sexta-feira, 16 de maio de 2014

O Associativismo na Terra do Limonete - 76

Sobre a ida ao espectáculo em Lisboa, escolhemos uma nota publicada num jornal figueirense e escrita por um dos amadores. Entrámos no Concurso de Arte Dramática organizado pelo Secretariado Nacional de Informação animados de grande esperança, se bem que de antemão soubéssemos que iam concorrer os melhores grupos de amadores do país.
         Foi, pois, com uma grande força de vontade e apoiados no saber e competência do nosso ensaiador que começámos os ensaios a ensaiar a sério.
         Mas se na verdade o Concurso exigia que fizéssemos boas provas, a verdade também manda que se diga que os amadores tiveram sempre o grande desejo de se apresentarem na capital. Nunca as circunstâncias o tinham proporcionado, apesar de conhecermos um grande número de palcos do país. Sintra tinha sido a localidade mais próxima...
         Foi, pois, com entusiasmo, que todos os amadores encararam as provas de selecção, dado que nos surgia a grande oportunidade de representarmos em Lisboa.
         A data foi marcada.
         O nosso ensaiador deu os últimos retoques nos “Velhos” e no “Frei Luís de Sousa”. E perante o juri nomeado para a nossa zona - a mais numerosa em concorrentes e com grupos de grande valor - fizemos duas esplêndidas representações.
         Aguardámos a decisão do Júri com muitas esperanças, pois os dois espectáculos tinham sido dos melhores que tinhamos feito durante a carreira das referidas peças.
         Veio a notícia.
         Iamos, finalmente, representar em Lisboa!
         Os amadores sentiram-se radiantes. Não era só o Concurso; não eram os prémios... era, sim, o facto de representarmos para o público da capital...
         A responsabilidade era grande. O nosso mestre fez-nos ver o tamanho dessas responsabilidades e o fracasso que seria se o espectáculo saísse mau.
         Talvez por isso mesmo fizemos dois ensaios péssimos. O último foi mesmo muito mau, não sabemos porquê, pois todos sabiam bem os papéis. Nervos com receio dum público exigente.
         O nosso ensaiador estava desapontado e receoso de uma exibição semelhante perante o júri; Chegou mesmo a lembrar que seria bom enviar um telegrama a desistir do Concurso...
         Antes dele sair para Lisboa (teve de ir na véspera por causa da montagem dos cenários) deixou-nos uma grande folha de papel com indicações - dos erros cometidos durante esse desastroso ensaio.
         Essas observações foram lidas com muita atenção; decoradas, até, como se fora um papel distribuido para uma peça, tal era a vontade de fazer um bom espectáculo perante um público desconhecido para nós.
         Como seria o palco? Era muito grande? E o teatro?
         Chegou, finalmente, o grande dia!
         Cada um sentia o peso das responsabilidades...
         ... E o combóio partiu para Lisboa levando dentro dele um modesto grupo de amadores que tinham agora medo do público alfacinha...
         O sonho tinha-se tornado em realidade, mas agora essa realidade pesava-nos como um fardo... Todos pensavam o mesmo mas ninguém se atrevia a dizê-lo...
         O combóio chega ao Rossio. Na estação esperavam-nos alguns amigos figueirenses que vivem na capital e que quizeram dar-nos o prazer de nos dar um abraço.
         Fez-nos bem, mesmo muito bem, pois sentimo-nos mais confiantes. Mas a nossa satisfação subiu mais alto, (que nos perdoem a franqueza) quando dentre essas pessoas que nos esperavam surgiu o nosso muito querido amigo pintor Alberto Lacerda. Em toda a parte o encontramos. Em toda a parte ele nos vai ver representar. E nem sequer nos tinhamos lembrado que afinal ele estava na sua terra...
         Fomos para o teatro na sua companhia e quase nos esquecemos das responsabilidades que nos preocupavam.
         Muito cedo comparecemos para nos vestirmos e caracterizarmos. Antes da hora estava tudo pronto para começar a representação.
         Espreitámos para ver a sala de espectáculos. Lá estava ela, já quase cheia, cheia dum público selecto, desejoso de apreciar mais um espectáculo do Concurso.
         Como iria sair a representação? Boa? Má?
         Quando sentíamos o coração oprimido por recearmos esse público - mais até do que o próprio Júri - poisou nos nossos ombros a mão amiga de Alberto Lacerda. A seu lado estava Alberto Anahory; mais além José Ribeiro com os nossos carpinteiros e o nosso contra-regra...
         Mas afinal, pensámos, estes amigos são os mesmos de Tavarede! O ambiente é o mesmo... Porque se não há-de fazer uma boa representação?
         E foi com este pensamento que encarámos o espectáculo.
         Subiu o pano...
         Grande silêncio na plateia, sinal de público que gosta de teatro.
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         A representação do primeiro acto saíu bem.
         O público aplaude calorosamente e ficámos muito animados. José Ribeiro está contente... e no intervalo aparecem as pessoas amigas a dizer que o acto tinha sido bom e que o público estava a gostar.
         Foi então com mais segurança que entrámos no segundo acto.
         Durante a representação observámos que o público não perdia uma palavra. Todas as falas eram seguidas com interesse e marcadas com gargalhadas as passagens mais cómicas.
         No final deste acto redobraram os aplausos e sentimos então que tinhamos conquistado a plateia.
         Reinava já grande alegria e satisfação entre os amadores...
         Iamos entrar no terceiro acto - o de maior responsabilidade e o de maior espectáculo. A cena da ceia era para nós a maior preocupação... Mas se ela saísse bem, então seria o triunfo...
         Sobe o pano. 
         A representação começa bem. Os amadores tornam-se senhores da situação. O público continua com uma atenção extraordinária - tão extraordinária que nos surpreende.


Os velhos

         Chega a cena capital - a da ceia - e sai como nunca o fizemos!!! O público, esse público que nós tanto temíamos, recompensa-nos com uma tremenda salva de palmas, a premiar essa cena admirável que D. João da Câmara magistralmente concebeu e que o nosso mestre magistralmente ensaiou...
         Recomeça a representação para, mais adiante, outra grandiosa salva de palmas interromper o espectáculo.
         Cai o pano...
         ... E cai sobre nós uma ovação como nunca tiveramos ouvido em toda a nossa carreira de amadores.
         O pano sobe, e desce para tornar a subir seis, sete, oito vezes... O nosso ensaiador é chamado ao palco... e os aplausos continuam com toda a plateia a aplaudir de pé.
         Foi um verdadeiro delírio.
         No palco o contentamento entre os amadores e as pessoas amigas não se podia descrever...
         Abraços... Lágrimas... Parabéns...
Obrigado, público de Lisboa. Foi este o melhor prémio que nos podias dar.


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