A viagem desta noite vai-nos levar até ao ano de 1931. No
dia 28 de Novembro, o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense levou
à cena “Os Fidalgos da Casa Mourisca”, uma adaptação de Carlos Borges, do
conhecido romance de Júlio Dinis. Como escrevemos no programa, este serão será
dedicado ao teatro de Júlio Dinis. É que, de 1931 a 1935, e sempre com o maior
agrado, foram aqui representadas as adaptações de quatro dos mais conhecidos e
apreciados romances daquele popular escritor. Não tinham a acção passada em
Tavarede, é certo, mas era o mesmo povo, rural e trabalhador.
A seguir aos “Fidalgos da Casa Mourisca”, em 1931, coube a
vez, em meados do ano seguinte, a “As pupilas do senhor Reitor”; em 1933, foi
“A Morgadinha dos Canaviais” e em 1935, por último, representou-se a peça
“Justiça de Sua Majestade”. Todas estas representações obtiveram grandes
triunfos para o nosso grupo. Muitos deles foram alcançados fora de portas, em
várias cidades e vilas aonde se deslocaram em récitas de carácter beneficente.
E, se a primeira saída do grupo fora do concelho da Figueira
havia ocorrido no ano anterior, em Julho de 1930, com a representação de “A
Cigarra e a Formiga” e “O Sonho do Cavador”, em Tomar, todas estas quatro peças
foram apresentadas naquela cidade, em Coimbra, a primeira visita à cidade
universitária foi com a “Morgadinha dos Canaviais”, no dia 26 de Junho de 1933,
e ao Porto, onde, em espectáculo a favor do Asilo de S. João, representaram
“Justiça de Sua Majestade”, no Teatro Sá da Bandeira, no dia 3 de Maio de 1935.
Isto, claro, além de diversas representações na Figueira, Buarcos e,
evidentemente, em Tavarede.
Foi, portanto, um período de grande actividade e
importância. Além disso, foi com o teatro de Júlio Dinis que iniciaram a sua
actividade, no grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, alguns amadores
que, com o correr dos anos, alcançaram enorme notoriedade e que provinham da
secção dramática do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense que, forçado a
vender a sua sede, ficou sem possibilidades de continuar com a actividade
teatral, na qual tinha alcançado grande fama. Entre eles, embora não recordemos
todos os nomes, pois foram vários, justo é, contudo, lembrar Violinda Medina e
Silva e Manuel Nogueira e Silva.
Mas, e dadas as
características que delineámos para estes serões, vamos recordar só duas
daquelas peças. E começamos pela popularíssima “As pupilas do senhor Reitor”.
Certamente que todos conhecem esta obra. Júlio Dinis, pelo menos nos tempos da
nossa já distante mocidade, em que ainda não havia televisão e o rádio era luxo
de poucos, lia-se bastante e os seus romances eram como que obrigatórios.
A adaptação teatral foi uma compilação e arranjo do escritor
Penha Garcia que, em três actos e quatro quadros, resumindo algumas das
principais passagens do romance, situou a acção de forma a que, na verdade,
abarcasse todo o enredo do livro. Conseguiu-o e, igualmente, conseguiu mostrar
uma lindíssima opereta. Musicada pelo conhecido e popular maestro e compositor
Filipe Duarte, que conseguiu uma inspiradíssima partitura, caíu completamente
no agrado do povo. E recordemos que, tanto o adaptador da peça como o
compositor musical (neste caso sua viúva), sabedores da actividade beneficente
da SIT, autorizaram a representação da sua obra sem cobrarem qualquer
importância pelos seus direitos de autor.
A cena abre representando um largo de aldeia. A um dos
lados, situa-se a tenda de João da Esquina, a tradicional loja de vende tudo,
onde também reside com sua mulher, Teresa, e a filha, a trigueira
Francisquinha, que começa a ver passar a idade dos namoros sem conseguir atrair
a atenção de qualquer dos rapazes da aldeia e das redondezas. No lado oposto
adivinha-se um ribeiro de águas límpidas, onde algumas mulheres lavam roupa e
outras a estendem a secar. Pelo meio do largo, observando o que se passa e
conversando, alguns homens da aldeia.
Do
rio as águas de prata
Correm
todas para o mar
Onde
a lua timorata
Pelas
noites vem brilhar
Ah!
Ai olé, ai
olá,
Batem
sem parar
Sem
nunca descansar.
São
como pérolas finas
Que
nós vemos deslizar
Por
entre as mãos pequeninas
Que
as deixam fugir p’ró mar.
Ah!
Ai
olé, ai olá,
Entre
as doces lavadeiras
Há
canções tão divinais,
Ai
olé, ai olá,
Que
se tornam feiticeiras
Com
seus cantos ideais.
Ai
olé, ai olá.
José das Dornas, lavrador abastado da aldeia, tinha dois
filhos. O mais velho, Pedro, seguira a vida agrícola e era ele o braço direito
de seu pai, nos trabalhos e amanhos das suas terras. Daniel, o mais novo,
seguira outro rumo. Demonstrando boa intuição para os estudos, e a conselho de
seu mestre, o velho Reitor, foi mandado estudar para o Porto. Ali passou os
últimos anos e agora, acabada a formatura em medicina, regressava à aldeia.
Pedro, entusiasmado com a chegada de seu irmão, prepara
grande festa. No grupo que se encontra no largo, está, também, João Semana, o
velho médico da aldeia. Satisfeito, aguardava pacientemente a vinda do seu
jovem colega, enquando dava dois dedos de conversa. “Os médicos não são grilos.
Podem meter-se aos pares na mesma gaiola”, respondia ele àqueles que lhes
mostravam recear a concorrência num meio tão pequeno. Chegava para os dois e,
além do mais, ele começava a sentir-se velho e a necessitar de descanço. Ainda
bem, ainda bem que iria ter um colega.
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