sexta-feira, 30 de maio de 2014

As Operetas em Tavarede - 19


         A viagem desta noite vai-nos levar até ao ano de 1931. No dia 28 de Novembro, o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense levou à cena “Os Fidalgos da Casa Mourisca”, uma adaptação de Carlos Borges, do conhecido romance de Júlio Dinis. Como escrevemos no programa, este serão será dedicado ao teatro de Júlio Dinis. É que, de 1931 a 1935, e sempre com o maior agrado, foram aqui representadas as adaptações de quatro dos mais conhecidos e apreciados romances daquele popular escritor. Não tinham a acção passada em Tavarede, é certo, mas era o mesmo povo, rural e trabalhador.

         A seguir aos “Fidalgos da Casa Mourisca”, em 1931, coube a vez, em meados do ano seguinte, a “As pupilas do senhor Reitor”; em 1933, foi “A Morgadinha dos Canaviais” e em 1935, por último, representou-se a peça “Justiça de Sua Majestade”. Todas estas representações obtiveram grandes triunfos para o nosso grupo. Muitos deles foram alcançados fora de portas, em várias cidades e vilas aonde se deslocaram em récitas de carácter beneficente.
        E, se a primeira saída do grupo fora do concelho da Figueira havia ocorrido no ano anterior, em Julho de 1930, com a representação de “A Cigarra e a Formiga” e “O Sonho do Cavador”, em Tomar, todas estas quatro peças foram apresentadas naquela cidade, em Coimbra, a primeira visita à cidade universitária foi com a “Morgadinha dos Canaviais”, no dia 26 de Junho de 1933, e ao Porto, onde, em espectáculo a favor do Asilo de S. João, representaram “Justiça de Sua Majestade”, no Teatro Sá da Bandeira, no dia 3 de Maio de 1935. Isto, claro, além de diversas representações na Figueira, Buarcos e, evidentemente, em Tavarede.

         Foi, portanto, um período de grande actividade e importância. Além disso, foi com o teatro de Júlio Dinis que iniciaram a sua actividade, no grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, alguns amadores que, com o correr dos anos, alcançaram enorme notoriedade e que provinham da secção dramática do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense que, forçado a vender a sua sede, ficou sem possibilidades de continuar com a actividade teatral, na qual tinha alcançado grande fama. Entre eles, embora não recordemos todos os nomes, pois foram vários, justo é, contudo, lembrar Violinda Medina e Silva e Manuel Nogueira e Silva.
      Mas, e dadas as características que delineámos para estes serões, vamos recordar só duas daquelas peças. E começamos pela popularíssima “As pupilas do senhor Reitor”. Certamente que todos conhecem esta obra. Júlio Dinis, pelo menos nos tempos da nossa já distante mocidade, em que ainda não havia televisão e o rádio era luxo de poucos, lia-se bastante e os seus romances eram como que obrigatórios.

         A adaptação teatral foi uma compilação e arranjo do escritor Penha Garcia que, em três actos e quatro quadros, resumindo algumas das principais passagens do romance, situou a acção de forma a que, na verdade, abarcasse todo o enredo do livro. Conseguiu-o e, igualmente, conseguiu mostrar uma lindíssima opereta. Musicada pelo conhecido e popular maestro e compositor Filipe Duarte, que conseguiu uma inspiradíssima partitura, caíu completamente no agrado do povo. E recordemos que, tanto o adaptador da peça como o compositor musical (neste caso sua viúva), sabedores da actividade beneficente da SIT, autorizaram a representação da sua obra sem cobrarem qualquer importância pelos seus direitos de autor.

         A cena abre representando um largo de aldeia. A um dos lados, situa-se a tenda de João da Esquina, a tradicional loja de vende tudo, onde também reside com sua mulher, Teresa, e a filha, a trigueira Francisquinha, que começa a ver passar a idade dos namoros sem conseguir atrair a atenção de qualquer dos rapazes da aldeia e das redondezas. No lado oposto adivinha-se um ribeiro de águas límpidas, onde algumas mulheres lavam roupa e outras a estendem a secar. Pelo meio do largo, observando o que se passa e conversando, alguns homens da aldeia.

        Do rio as águas de prata
        Correm todas para o mar
       Onde a lua timorata
       Pelas noites vem brilhar
             Ah!
       Ai olé, ai olá,
       Batem sem parar
       Sem nunca descansar.
       São como pérolas finas
       Que nós vemos deslizar
       Por entre as mãos pequeninas
       Que as deixam fugir p’ró mar.
              Ah!
       Ai olé, ai olá,
       Entre as doces lavadeiras
       Há canções tão divinais,
       Ai olé, ai olá,
       Que se tornam feiticeiras
       Com seus cantos ideais.
       Ai olé, ai olá.

         José das Dornas, lavrador abastado da aldeia, tinha dois filhos. O mais velho, Pedro, seguira a vida agrícola e era ele o braço direito de seu pai, nos trabalhos e amanhos das suas terras. Daniel, o mais novo, seguira outro rumo. Demonstrando boa intuição para os estudos, e a conselho de seu mestre, o velho Reitor, foi mandado estudar para o Porto. Ali passou os últimos anos e agora, acabada a formatura em medicina, regressava à aldeia.


         Pedro, entusiasmado com a chegada de seu irmão, prepara grande festa. No grupo que se encontra no largo, está, também, João Semana, o velho médico da aldeia. Satisfeito, aguardava pacientemente a vinda do seu jovem colega, enquando dava dois dedos de conversa. “Os médicos não são grilos. Podem meter-se aos pares na mesma gaiola”, respondia ele àqueles que lhes mostravam recear a concorrência num meio tão pequeno. Chegava para os dois e, além do mais, ele começava a sentir-se velho e a necessitar de descanço. Ainda bem, ainda bem que iria ter um colega.

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