Mas tu, meu velho santinho, que te agasalhavas
com uma capa milagrosa e que em tempos idos nos davas sempre um verão
delicioso, de dias amenos, sol d’oiro, noites tranquillas de puro ceu azul,
illuminadas por estrellas que scintillavam lá no alto ou pela branca lua que
campeava muda no espaço, - quão ingrato foste este anno para connosco! Tens-nos
dado um tempo tristonho a que não faltam agrestes repellões de vento e frio,
acompanhados de grossas bategas d’agua que tem cahido quasi todos os dias e
noites, especialmente na passada. E se ella tem feito muito bem ás terras e ás
novidades, desenvolvendo as couves e os nabos, crê tu, meu bom santo, que elle
tem feito verter muita lagrima aos infelizes que vêem o lar sem pão e sem
calor, e que passam o tempo espreitando as abertas que lhe permittam ganhar uns
magros reaes. Intercede, pois, com o Senhor Supremo, solicitando-Lhe
carinhosamente que governe tudo pelo melhor e que a sua grande bondade nunca
esqueça tantas miserias que ahi vão por esse mundo fóra...”.
Comemorava-se,
então, mais o vinho novo que o santo, pois “... já nu último domingo, graças ao
‘briol’ eleitoral, foi grande a animação. De todos lados surgiam ‘camoécas’
expontaneas que vinham de ‘satisfazer’ o pedido do amigo”. Pelos vistos,
aproveitava-se o dia do Santo para distribuir uns bons copos em troca do voto
eleitoralista...
E foi no ano de 1915 que encontrámos esta nota. “Hontem foi
aqui muito festejado o S. Martinho, orago d’esta freguezia. Em todos os lares
houve lautas ceias, comendo-se castanhas e bebendo-se da nova pinga. Abriram-se
os pipos, sendo a prova de primeira ordem, como era de
esperar, em virtude da uva ser colhida sem que apanhasse chuva... Muitas
pessoas no final das ceias queimaram foguetes quando souberam que a confraria
de S. Martinho tinha reunido e fez a sua eleição, recahindo os cargos nos
seguintes senhores: Juiz, Manél das Eguas; secretario, Manél Leonor; vogaes,
Antonio Batina, Manél Geada e Zé Toquim; thesoureiro, Zé Cipriano; e andador,
Manél Escaldado. Aos membros da nova confraria de S. Martinho as nossas
felicitações”.
Um Irmão da Confraria - Em nome da numerosa confraria de S.
Martinho, vimos saudar Vossa Exa. e dar a nossa adesão à República. (fala com o Presidente)
Jornalista - Fala bem, este cidadão...
Governador - Ainda bebe melhor. Trazia o recado estudado.
Presidente - Agradeço-vos do coração as vossas saudações,
e tenho em alto apreço a vossa adesão à jovem República. Espero que ajudareis o
meu Governo a resolver a crise vinícola, tornando cada vez maior o consumo para
que se valorize a produção.
Os Irmãos - Apoiado! Muito bem! Viva o nosso Presidente!
Presidente - Obrigado, muito obrigado.
Um Irmão - (um pouco bêbado) Viva a República
vinhateira!
Todos os Outros - Viva. (cantam)
Um Grupo -
Nós somos da confraria
Do
adorado S. Martinho.
As
rezas de cada dia
São
sempre copos de vinho.
2º. Grupo -
Do bendito
S. Martinho
Somos
devotos fiéis.
Emborcamos
todo o vinho
Até
vazar os tonéis.
Todos -
Hoje à Pátria libertada
Vimos
dar o nosso apoio.
A
respeito de taxada
São
todos trigo sem joio.
Um Irmão - Excelência! Em nome da Confraria a que
pertencemos, entrego nas mãos de V.Exa. esta representação. O que aí se pede é
pouco, muito pouco, e esperamos que o Governo nos atenderá. Queremos que seja
revogada a lei das tabernas; queremos que elas estejam abertas a toda a hora,
de dia e de noite, como as boticas; queremos inteira liberdade de culto e que
cada um possa adorar o orago da freguesia a toda a hora que lhe dê na gana; e
pedimos também que o Governo dê um prémio por cada capela que de novo se abrir
no território da nossa República.
Presidente - O meu Governo estudará o assunto.
Todos - (os da Confraria saem
agradecendo)
Obrigado Exa.
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