Poeta e pintor Alberto de Lacerda
Antes de avançarmos na nossa narração, queremos recordar um acontecimento, com esta peça, que, sobremaneira, honrou o nosso grupo. No dia 18 de Julho de 1931, a Sociedade de Instrução Tavaredense foi ao Casino Peninsular, na Figueira, representá-la, em espectáculo de benefício ao Jardim-Escola João de Deus. Honrosamente, quis colaborar neste espectáculo a famosa actriz Ilda Stichini. Era uma grande admiradora do nosso teatro e, por mais de uma vez, esteve aqui, em Tavarede, visitando-nos. Vamos ler um pedacinho que extraímos duma crítica.
“No primeiro acto houve a nota culminante daquela noite de
festa: Ilda Stichini disse primorosamente, com o seu formoso talento e as suas
poderosas faculdades de interpretação, A
Fantasia e O Riso, belos versos
dum artista de pintura que é também um distinto poeta – Alberto de Lacerda.
Quando Ilda Stichini apareceu em cena, a assistência irrompeu numa
extraordinária, prolongada e calorosa ovação, que bem lhe deve ter mostrado
como é querida da plateia figueirense. Os versos da Fantasia, disse-os a Artista ilustre com a vibração da sua delicada
sensibilidade e a magia da sua voz. A assistência aplaudiu demoradamente, com
sincero entusiasmo. Mas o número do Riso,
que Alberto de Lacerda escrevera expressamente para Ilda Stichini, deixou
verdadeiramente encantados os que o ouviram e se manifestaram com uma das mais
vibrantes e expontâneas e demoradas ovações que naquele teatro se têm ouvido”.
Vamos, então, à história de “A Cigarra e a Formiga”. A
primeira personagem a surgir em cena é o “Prólogo”. Ouçamo-lo.
Ora
então...
Santas
noites nos dê Deus!
Sabeis
porque estou contente?
=Porque
estou co’a minha gente,
Porque
me vejo entre os meus,
No
meu torrão!
O
que venho cá fazer?
Na
aldeia como na aldeia:
Vim
aqui, depois da ceia,
Ao
cavaco, p’ra entreter...
Se
havia de ir à taberna
E
sair em pura perda
A
dar a direita à esquerda,
Trocando
perna com perna,
Vim
ao teatro. E então?!...
Cada
um faz o que pode...
Como
o povinho está junto
E
eu tirei cá do bestunto
Uma
formosa invenção
P’ra
divertir o pagode,
Vou
contar-lhes uma história,
=
Coisa tão nova e tão linda
Que
ninguém ouviu ainda
E
doutra não há memória.
Eu
até aposto a cabeça
(De
qualquer dentre vocês...)
Se
houver alguém que a conheça
E a ouvisse alguma vez.
P’lo
nome parece antiga.
Mas
é novinha, palavra!
Pensei-a
ontem, na cama,
E
é toda da minha lavra.
E
se querem que lhes diga
Como
se chama,
=
Isso é p’ra já:
“A
Cigarra e a Formiga”,
Ora
aí está.
A
Cigarra, velha amiga
De
jovial
Cantoria.
Para
que o mundo conheça,
Representa
nesta peça
O ideal,
A
fantasia.
E
esta cara de fuínha,
“A
opulenta
Vizinha
Dona
Formiga de tal”,
Vereis
o que representa,
E
cotejai os valores
=
Que cada qual tem o seu =
Enquanto
eu
Me
recolho aos bastidores.
Cigarras e Formigas, figuras simbólicas, na presença umas
das outras, tentam fazer valer os seus predicados e mostrar os defeitos das
rivais.
Coro
Cigarras
e formigas
Não
têm o mesmo ideal:
Os
cantos e as fadigas
Ligam
mal.
Porém,
talvez um dia,
A
alguém que tenha jeito,
A
sua companhia
Dê
proveito.
As
qualidades boas
Que
cada uma tem,
Talvez
que nas pessoas
Liguem
bem.
Cigarra,
formiga,
Afinal
Talvez
façam liga
Menos
mal.
Cigarra
Assim,
Com
minha alegria...
Formiga
Assim,
Formiga
Assim,
Com
minha porfia,
Coro
Talvez um dia,
Talvez um dia,
Em
liga bizarra,
Formiga
e cigarra
Façam
companhia.
Em casa da Cigarra e da Formiga começam, então, a passar
algumas figuras simbólicas que, cantando ou recitando, se apresentam ao
público. Não vamos recordar todas essas figuras. Quase que aleatoriamente,
fizemos uma pequena escolha. A primeira a apresentar-se foi a “Alegria de
Viver”
Em
tudo pôs a mão do Criador
Um
filtro singular!
A
essência da ventura e do Amor
Respira-se
no ar!
O
Eden, afinal,
É
este ambiente
Que
o homem consciente,
Para
obter,
Dispende
unicamente
O
esforço de nascer.
Para
quem fôr
Da
alheia dor
A
caridade,
É
sempre o amor
O
mor factor
Da
f’licidade.
Pois
cada dia
Que
se porfia
Nessa
virtude,
É,
por magia,
Só
de alegria
E
plenitude.
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