Merece ser aqui recordado, um novo
apontamento inserido no jornal ‘República’, em Janeiro de 1960, desta vez a
propósito da representação, no palco tavaredense, da peça As árvores morrem de pé. Durante
a já nossa longa vida temos visto muito teatro. Temos presenciado os mais
variados géneros de espectáculo. Desde a alta comédia (género de que mais
gostamos) à comédia burlesca, drama, revista, fantasias musicadas, etc., de
tudo temos visto e pelos maiores artistas. Sabemos avaliar, pois, sem vaidade o
dizemos, o bom e o mau teatro.
Sempre que vemos no palco um artista de
valor a desempenhar com agrado o papel, sentimo-nos satisfeitos; mas quando
acontece o contrário partilhamos da mágoa que inferioriza o actor.
Estas palavras servem como de
explicação à notícia que vamos desenvolver
pelo que vimos em Tavarede interpretado pelo extraordinário grupo de
amadores dramáticos da prestimosa Sociedade de Instrução Tavaredense.
Com uma só palavra traduziremos a nossa
admiração pelo que nos foi dado observar, “colossal”.
Nunca vimos amadores a produzirem
teatro de tanta categoria! Diremos mais: companhias de profissionais temos
visto fazer teatro muitas vezes inferior ao que nos foi dado presenciar agora
em Tavarede.
Com a peça em 3 actos “As árvores
morrem de pé” que havíamos já visto no Nacional, e em que a grande Palmira
Bastos desempenhava o papel de avó, festejou o seu 56º aniversário esta
Sociedade de tão alto valor educativo.
Para se fazer uma ideia de quanto vale
numa pequena povoação rural esta incomparável colectividade basta dizer que
logo à entrada do edifício onde tem a sede se encontra afixada uma lápida com a
seguinte legenda: “Instruir é construir”.
Mas não é só ao teatro que esta
prestimosa colectividade se dedica. Mantém de igual modo, um grupo musical de
agrado certo e uma biblioteca assaz frequentada.
“As árvores morrem de pé” de Alexandre
Casona, na tradução de Acúrcio Pereira, encontrou no grupo dramático que a representou
agora, uma exibição de grande classe, ultrapassando todas as nossas previsões.
As árvores morrem de pé
A srª D. Violinda Medina, na “Avó”,
podemos afirmá-lo, se a própria Palmira Bastos a visse neste papel a
felicitaria pela maneira como o encarnou e o soube desempenhar. Em que grande
artista dramática esta simples amadora se transformaria se seguisse o teatro
como profissão!
Com um à vontade inalterável, dicção
perfeita, jogo fisionómico sempre adequado às frases, pisando e gesticulando
como se uma avó velhinha propriamente já fosse, fez-nos pensar que estávamos à
frente de uma avó que não era desempenhada por uma simples amadora mas sim por
uma profissional categorizada.
Bravo srª D. Violinda Medina da Silva,
os nossos parabéns.
D. Maria Isabel Reis, nos papéis de
Marta-Isabel, é inconfundível. Disseram-nos que esta amadora tem apenas 15 anos
de idade, o que mais nos surpreende, ainda, dada a forma como desempenhou este
duplo papel de fases bem difíceis e que ela venceu perfeitamente.
Quem habituado a ver teatro não ficará
surpreendido pela forma como Isabel Reis venceu os transes difíceis da
“Isabel”? Teve intensidade dramática suficiente, sem exageros nem quebras
naquelas cenas em que interpretava quer com a avó quer com o pseudo-marido.
Estamos convencidos de que se Maria
Isabel Reis seguisse a vida de teatro, enfileiraria dentro em breve no número
das ingénuas dramáticas de grande valor artístico.
O desempenho foi tão certo e tão
harmónico que eleva o conjunto a um tal plano que muitas vezes se não verifica
em muitos elencos profissionais.
Do elenco masculino os que mais nos
impressionram, certamente porque a responsabilidade dos papéis a isso os
forçou, foram Fernndo Reis, no “Maurício” e António Jorge da Silva no avô
“Fernando Balboa”. Principalmente o primeiro em alguns transes difíceis em que
o papel o obrigava, houve-se com o mérito de um verdadeiro profissional.
Maria Dias Pereira, na “Helena”, e
Maria Teresa de Oliveira em “Genoveva”, foram perfeitas, absolutamente
correctas na missão de que se incumbiram.
Os demais intérpretes desta peça ainda
no número de sete, saíram-se todos admiravelmente.
Resta-nos fazer a nós próprios as
seguintes perguntas: - Como é possível em Tavarede fazer-se teatro desta
categoria? É isto devido à elevada instrução dos componentes do grupo? Será
porque os seus componentes, não tendo outros afazeres, se dedicam
exclusivamente ao teatro para entreter as horas de ócio? Não, não é nenhuma
destas razões que transformam o grupo de amadores dramáticos de Tavarede no
mais completo, no mais homogéneo, no mais artístico grupo de amadores que temos
visto representar.
A razão máxima porque saímos daquela
pequeníssima sala de espectáculos encantados, assombrados, consiste no facto do
mestre deste excelente grupo de amadores dramáticos ser José Ribeiro.
Quem conhece o seu valor como nos foi
descrito por pessoas que com ele desde há muito tratam; a sua paixão pelas
lides do palco; o seu espírito de sacrifício e carolice, compreende então que o
grupo dramático desta prestimosa, tão prestimosa como educadora colectividade,
pode fazer o que faz e como faz, devido ao grande valor pedagógico do seu
mestre que, além de tudo o mais, sabe muito de teatro.
Transformar camponeses, trabalhadores
de oficinas, costureiras ou domésticas num grupo de tão grande valor cénico, só
o pode conseguir um homem superior que, como este, vem desde há algumas dezenas
de anos dando o melhor do seu esforço, com o maior sacrifício da sua vida e
interesses em prol da educação popular, o que lhe deveria dar juz a ser
compensado e recompensado pelo triunfo da causa a que se dedicou e pela qual
vem desde há muito batalhando com extraordinário êxito.
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