sexta-feira, 30 de maio de 2014

O Associativismo na Terra do Limonete - 78

Merece ser aqui recordado, um novo apontamento inserido no jornal ‘República’, em Janeiro de 1960, desta vez a propósito da representação, no palco tavaredense, da peça As árvores morrem de pé. Durante a já nossa longa vida temos visto muito teatro. Temos presenciado os mais variados géneros de espectáculo. Desde a alta comédia (género de que mais gostamos) à comédia burlesca, drama, revista, fantasias musicadas, etc., de tudo temos visto e pelos maiores artistas. Sabemos avaliar, pois, sem vaidade o dizemos, o bom e o mau teatro.
         Sempre que vemos no palco um artista de valor a desempenhar com agrado o papel, sentimo-nos satisfeitos; mas quando acontece o contrário partilhamos da mágoa que inferioriza o actor.
         Estas palavras servem como de explicação à notícia que vamos desenvolver  pelo que vimos em Tavarede interpretado pelo extraordinário grupo de amadores dramáticos da prestimosa Sociedade de Instrução Tavaredense.
         Com uma só palavra traduziremos a nossa admiração pelo que nos foi dado observar, “colossal”.
         Nunca vimos amadores a produzirem teatro de tanta categoria! Diremos mais: companhias de profissionais temos visto fazer teatro muitas vezes inferior ao que nos foi dado presenciar agora em Tavarede.
         Com a peça em 3 actos “As árvores morrem de pé” que havíamos já visto no Nacional, e em que a grande Palmira Bastos desempenhava o papel de avó, festejou o seu 56º aniversário esta Sociedade de tão alto valor educativo.
         Para se fazer uma ideia de quanto vale numa pequena povoação rural esta incomparável colectividade basta dizer que logo à entrada do edifício onde tem a sede se encontra afixada uma lápida com a seguinte legenda: “Instruir é construir”.
         Mas não é só ao teatro que esta prestimosa colectividade se dedica. Mantém de igual modo, um grupo musical de agrado certo e uma biblioteca assaz frequentada.
         “As árvores morrem de pé” de Alexandre Casona, na tradução de Acúrcio Pereira, encontrou no grupo dramático que a representou agora, uma exibição de grande classe, ultrapassando todas as nossas previsões. 


                                              As árvores morrem de pé
          A srª D. Violinda Medina, na “Avó”, podemos afirmá-lo, se a própria Palmira Bastos a visse neste papel a felicitaria pela maneira como o encarnou e o soube desempenhar. Em que grande artista dramática esta simples amadora se transformaria se seguisse o teatro como profissão!
         Com um à vontade inalterável, dicção perfeita, jogo fisionómico sempre adequado às frases, pisando e gesticulando como se uma avó velhinha propriamente já fosse, fez-nos pensar que estávamos à frente de uma avó que não era desempenhada por uma simples amadora mas sim por uma profissional categorizada.
         Bravo srª D. Violinda Medina da Silva, os nossos parabéns.
         D. Maria Isabel Reis, nos papéis de Marta-Isabel, é inconfundível. Disseram-nos que esta amadora tem apenas 15 anos de idade, o que mais nos surpreende, ainda, dada a forma como desempenhou este duplo papel de fases bem difíceis e que ela venceu perfeitamente.
         Quem habituado a ver teatro não ficará surpreendido pela forma como Isabel Reis venceu os transes difíceis da “Isabel”? Teve intensidade dramática suficiente, sem exageros nem quebras naquelas cenas em que interpretava quer com a avó quer com o pseudo-marido.
         Estamos convencidos de que se Maria Isabel Reis seguisse a vida de teatro, enfileiraria dentro em breve no número das ingénuas dramáticas de grande valor artístico.
         O desempenho foi tão certo e tão harmónico que eleva o conjunto a um tal plano que muitas vezes se não verifica em muitos elencos profissionais.
         Do elenco masculino os que mais nos impressionram, certamente porque a responsabilidade dos papéis a isso os forçou, foram Fernndo Reis, no “Maurício” e António Jorge da Silva no avô “Fernando Balboa”. Principalmente o primeiro em alguns transes difíceis em que o papel o obrigava, houve-se com o mérito de um verdadeiro profissional.
         Maria Dias Pereira, na “Helena”, e Maria Teresa de Oliveira em “Genoveva”, foram perfeitas, absolutamente correctas na missão de que se incumbiram.
         Os demais intérpretes desta peça ainda no número de sete, saíram-se todos admiravelmente.
         Resta-nos fazer a nós próprios as seguintes perguntas: - Como é possível em Tavarede fazer-se teatro desta categoria? É isto devido à elevada instrução dos componentes do grupo? Será porque os seus componentes, não tendo outros afazeres, se dedicam exclusivamente ao teatro para entreter as horas de ócio? Não, não é nenhuma destas razões que transformam o grupo de amadores dramáticos de Tavarede no mais completo, no mais homogéneo, no mais artístico grupo de amadores que temos visto representar.
         A razão máxima porque saímos daquela pequeníssima sala de espectáculos encantados, assombrados, consiste no facto do mestre deste excelente grupo de amadores dramáticos ser José Ribeiro.
         Quem conhece o seu valor como nos foi descrito por pessoas que com ele desde há muito tratam; a sua paixão pelas lides do palco; o seu espírito de sacrifício e carolice, compreende então que o grupo dramático desta prestimosa, tão prestimosa como educadora colectividade, pode fazer o que faz e como faz, devido ao grande valor pedagógico do seu mestre que, além de tudo o mais, sabe muito de teatro.

         Transformar camponeses, trabalhadores de oficinas, costureiras ou domésticas num grupo de tão grande valor cénico, só o pode conseguir um homem superior que, como este, vem desde há algumas dezenas de anos dando o melhor do seu esforço, com o maior sacrifício da sua vida e interesses em prol da educação popular, o que lhe deveria dar juz a ser compensado e recompensado pelo triunfo da causa a que se dedicou e pela qual vem desde há muito batalhando com extraordinário êxito.

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