sexta-feira, 30 de maio de 2014

Usos e Costumes na Terra do Limonete - 22

         No ano de 1899 a festa terminou com um banquete oferecido pelo pároco local às diversas individualidades que estiveram presentes. “Como haviamos annunciado, realisou-se esta festa no domingo ultimo com toda a pompa e esplendor.
         O côro era composto dos melhores artistas vocaes e instrumentaes, tanto d’esta cidade como de Coimbra. A missa foi cantada pelo reverendo vigario da freguezia, sr. Joaquim da Costa e Silva, acolytado pelo reverendo parocho das Alhadas e coadjutor d’esta cidade. Ao Evangelho subiu ao pulpito o sr. Santos Pimenta, parocho de Verride, que mais uma vez mostrou os seus grandes dotes de oratoria sagrada.
         Pelas 4 horas da tarde, depois do solemne Te-Deum, realisou-se a procissão, sendo conduzida a umbella pelo sr. Antonio dos Santos Rocha, distinto advogado e conservador do museu municipal. A esta solemnidade presidiu a melhor ordem. Acompanhou a procissão a Philarmonica das Alhadas, que já na vespera estivera tocando em frente da egreja.
         O digno vigario sr. Costa e Silva aproveitou a occasião para reunir à sua meza os seus amigos, offerecendo-lhes um lauto jantar, ao qual assistiram os reverendos parochos das Alhadas, Villa Verde, Verride, o coadjutor d’esta cidade, o alumno do 3º anno de theologia sr. Gaudencio Netto, e ainda os seus particulares amigos, conselheiro Pereira dos Santos, dr. Luciano Monteiro, distinto advogado em Lisboa, e deputado da nação, dr. Antonio dos Santos Rocha, drs. José e Joaquim Jardim, Manuel Ramalho, de Condeixa, José Maria Casimiro, e outros cavalheiros das suas relações. Ao toast trocaram-se affectuosos brindes.
         Damos em seguida o menú:
Sopa 
Croquettes
Peixe com batata
Leitões
Costelletas - purée de batata
Cabrito com cebollinhas
Mayonaise
Roast-beef - saladas
Sobremesa
Creme - outros doces
Fructas, etc.
Vinhos differentes
Café - Cognacs – Licores”.
Recordemos que nunca eram esquecidas as danças populares, num arraial instalado no largo defronte da igreja, e o fogo de artifício, bem como o concerto pela banda convidada.  “... no sábado à noitequeimaram-se no largo da igreja dez peças de fogo preso, que produziram algum efeito, sendo também deitados muitos foguetes. Naquele local tocou durante muito tempo a filarmónica das Alhadas, e a igreja, vistosamente engalanada, esteve exposta à visita dos fiéis, os sinos repicaram am sinal de regozijo, etc.”.
Em 1902, as festas foram maiores, pois, a partir deste ano, também começaram a festejar a Senhora do Rosário. “Não há noticias para vos enviar, a não ser que brevemente teremos duas festas, qual d’ellas a mais apparatosa. A primeira, do Santissimo, no dia 7 de Setembro proximo, e a segunda a 21. Para Tavarede, a freguesia mais pobre do concelho, achamos demasiado duas festas, já mais em tão curto período de tempo, pelo facto de que se fazem por meio de obulos  que os promotores angariam pelos habitantes. Estes, coitados, para não criarem inimisades, ou alcunharem-nos de herejes, lá vão subscrevendo com os seus seis vintens, que às vezes bastante falta lhe fazem, mas, é para a festa, viva a festa!
         Os proprietarios dos estabelecimentos de viveres, olham, com a lágrima no olho, para o cadastro das dividas incobraveis, da maior parte dos seus amigos e freguezes, que se desculpam allegando não ter meios para satisfazer, esquivando-se assim ao pagamento, mas quando lhes toca pela porta a subscripção para a festa, já há meios. É costume percorrer a freguezia um individuo pedindo esmola para qualquer infeliz que lucta com a doença e a fome. No sacco não entram senão moedas de 5 e 10 réis, quando o dedicado e caritativo portador não apanha a sua piadinha insolente em logar de esmola. Para as festas o chulo inferior regula por 100 e 120 réis! Sobre este assunto, muito havia que dizer, mas ficamos hoje por aqui”
            A festa do Santíssimo decorreu com a habitual solenidade. “... o fogo preso queimado no sábado à noite agradou a muita gente, assim como a filartmónica das Alhadas que tocou várias peças. A igreja, que estava ornamentada com certo gosto, foi muito visitada. Pela noite fora dançaram muitas raparigas e rapazes ao som dos trombones alhadenses, não faltando também a atormentar-nos o tonante e popular Zé P’reira que este ano nos apareceu em duplicado!”.
         Coube, depois, a vez à festa em honra da Senhora do Rosário.Na ultima carta noticiámos que se faziam novenas á Senhora festejada. A mais concorrida, porém, e a que teve mais realce, foi a que se celebrou no sabbado á noite. O templo trasbordava de fieis e houve de anormal a execução de duas peças que a philarmonica Alhadense fez ouvir. A cerimonia effectuou-se pelas 10 horas da noite, e n’essa occasião era na verdade attrahente o bello effeito da ornamentação da egreja, toda caprichosamente engalanada pelo conhecido e distincto armador de Maiorca, sr. José Horta.
         As funcções de domingo decorreram na melhor ordem possivel, caracterisando-as o muito respeito que n’ellas sempre se notou. O côro que tomou parte na missa era dos mais bem organisados que tem vindo á nossa egreja, e não é favor dizer isto, desde que d’elle faziam parte musicos distinctos e de méritos sobejamente conhecidos. O sermão do sr. padre Bruno foi mais uma d’essas oracções d’estylo finamente burilado que algumas vezes já nos teem prendido e cujo thema se baseava na fé pela Virgem. O primor da sua palavra eloquente, espertando-nos a attenção em cada phrase que facilmente desprende, foi mais uma vez objecto do elogio de todos os que o escutaram com agrado e que, como eu, teem por elle bastante sympathia.
         Á tarde, antes da sahida da procissão – uma das mais numerosas que aqui se tem visto – houve ladainha, Te Deum e sermão pelo revdº Arthur Barreira, que já se fez tambem ouvir pela festa do SS e que, como por essa occasião, deixou o auditorio bem impressionado, continuando assim a garantir os seus bons créditos de excellente orador. Além da parte religiosa que vimos de mencionar, tivémos ainda a musica Alhadense, o Zé P’reira, a dansa na noite de sabbado e os muitos foguetes que animaram e alegraram a povoação n’aquelles dois dias, não faltando tambem a concorrencia de bastante gente”.
         Mantiveram-se estas festas, em conjunto, durante mais alguns anos, até que, deduzimos das notas encontradas, passaram a ser realizadas em anos alternados, E ainda recolhemos a notícia das festas no ano de 1924. “... Constaram esses festejos de danças populares, fôgo do ar, missa cantada, procissão, etc, tendo tudo decorrido na melhor ordem.
No largo do Forno parte da tuna do Grupo Musical Tavaredense executou, num vistoso pavilhão, iluminado a electricidade, um magnifico programa ao som do qual uma numerosíssima massa de forasteiros rodopiou alegremente toda a noite de sábado, e no domingo, das 19 horas até à meia noite. Dessa cidade veiu abrilhantar a procissão — apenas abrilhantar a procissão, pois não houve o praxista concerto!... - a simpática Filarmónica Figueirense, que cumprimentou as colectividades locais, com quem aliás permuta uma amizade antiga e inabalável.
Se não fosse a tuna do G.M.T. e esta distinta banda, quasi se poderia dizer que era uma festa que este ano passaria desapercebida. Tanta compressão de despezas também parece mal... A festa mais interessante foi sem duvida a segunda-feira à tarde. Houve rosquilhada sem trambolhões - no que é fértil -, corridas de velocidade, de três pernas, de agulhas, etc. Aos vencedores das provas foram distribuídos prémios em dinheiro.
Depois de recolher a procissão, que decorreu com aquela pacatez, com aquele respeito próprios de um povo que se presa de ser educado, saiu à rua uma comissão de rapazes que fez a Pega da Bandeira para a realisação dos festejos a S. João no próximo ano de 1925. Acompanhou-os, a percorrer as ruas a Filarmónica Figueirense. Consta-nos que esses rapazes estão animados da melhor boa-vontade para levarem a efeito uma festa rija e pomposa. Oxalá não venham a desanimar, como sucedeu a outras que iniciaram com musica e foguetes e... ficaram-se nas tintas…”.
         Cumprindo uma promessa, um devoto promoveu, em Outubro de 1925, novas festas na nossa terra. “... promove nos dias 17 e 18 do corrente uma festividade em Tavarede, a qual constitue o cumprimento duma promessa feita ao Mártir S. Sebastião. Segundo nos informam, essa festa constará, na noite de sábado para domingo, de concerto por uma excelente banda musical, fogo preso e do ar e danças populares abrilhantadas pela Tuna de Tavarede. E no domingo, missa solene e coro, sermão, procissão e descantes populares, até à meia noite”.

A partir desta data não encontrámos notícias a darem grande relevo a estas festas. Com regularidade, tem-se cumprido o costume, realizando, normalmente em Setembro, a chamada ‘festa do Senhor’. Mas, com o brilhantismo e animação das festas referidas primeiramente, nunca mais se realizaram na nossa aldeia.

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