sexta-feira, 23 de maio de 2014

Operetas em Tavarede - 18

         Foi sem vontade que Luísa acompanhou seu noivo e seu pai ao arraial. João Viúvo queria mostrar a todos a sua conquista. Algumas raparigas, sabendo que tanto a alegria de José Cigarra, como a resignação de Luísa, eram aparentes, entendem, por bem, desafiá-los para cantarem uma desgarrada.

            Luísa    
Benze as terras, S. João,
Benze as terras, meu santinho,
Que a riqueza do aldeão
Sai da terra em pão e vinho.

            José 
Ser rico é ser escorreito,
Ser grande é ter coração.
Mais vale um amor no peito
Que vinte leiras de pão!

            Luísa 
Quem tem de morrer donzela
Não queira mudar os fados.
Fui bochechar à janela
Ouvi dobrar a finados!...

            José 
Queres que o mundo te aponte
Por modelo de inocência...
Lavaste a cara na fonte,
Faze o mesmo à consciência.

Este quadro da festa, diz-nos o crítico a que já nos temos referido, “é um quadro cheio de realidade, felicíssimo sob todos os pontos de vista, que inclui uma desgarrada cantada pelos dois noivos, ela porque a isso a constrangeram, ele para lhe responder, que é um verdadeiro achado teatral e um primor de poesia no género”.

         O terceiro acto é o culminar da vitória do amor sobre a ambição. “José Cigarra vai a casa da Formiga e, enquanto espera, adormece e sonha. No seu sonho aparecem-lhe, nas suas verdadeiras proporções, as figuras reais da peça. João Viúvo é a Formiga com todos os seus defeitos e sem nenhuma das suas qualidades. Ele próprio, é a Cigarra estouvada demais e com pouco amor ao trabalho. Pesando prós e contras, ele mesmo tira as conclusões e é já abraçado a Luísa, que nunca deixara de lhe querer, que responde à Cigarra e à Formiga e às suas censuras, a uma porque se inclina para as teorias da outra. Ambas têm qualidades e ambas têm defeitos. José Cigarra aprendeu com ambas e concluíu que é preciso trabalhar, lutar, ser bom e honrado, sem deixar de ser alegre e de divertir-se. De toda esta lição, acaba por sair a inevitável e eterna vitória do Amor.

 Co’um raio! Eu sou muito rude,
 Nasci na aldeia, não sei
 Com que palavras o diga.
 Não sei, mas haja saúde!
Não dirão que me calei
À Cigarra e à Formiga!

Uma coisa, assim a modos
Um laço entre os homens todos,
Sejam moiros ou de Cristo
Ou de qualquer outra fé...
Então o amor não é isto?
Se não é isto, o que é?

Aquela coisa que faz
Com que um miúdo, um rapaz,
Que mal pode co’uma flor.
Vendo a mãe desamparada,
Troque o pião pela enxada...
Então, não é isto o amor!?

E a cachopa, com carinho
Guiando um pobre ceguinho
E consolando-o na dor,
Na idade em que as outras todas
Só vêem festas e bodas...
Então, não é isto o amor!?

Moços deixando os casais
 As conversadas e os pais
 Velhinhos, quase em estertor,
 Para remirem na guerra
 Com seu sangue a sua terra...
 Então, não é isto o amor!?

 E as mulheres cujo ofício
 É o eterno sacrifício
 De limpar sangue e suor,
 Viver nas enfermarias
 E assistir às agonias...
 Então, não é isto o amor!?

 Outras então, cuja esmola
 É dada às almas, na escola,
 Aos cachopitos em flor,
 Em geral estéreis seios
 A formar... filhos alheios...
 Então, não é isto o amor!?

 E eu próprio, à face de Deus
 Escolhendo a mãe dos meus
 E abraçando-a com fervor,
 Eu próprio, neste momento,
 Sabeis o que represento?
 Curvar-vos que é isto o amor!

            (durante o recitativo, vai-se ouvindo, a música tocando o número final da peça e que, ao acabar, sobe de volume, acabando, assim, o segundo serão sobre as historietas do teatro antigo da Sociedade de InstruçãoTavaredense)

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