Foi sem vontade que Luísa acompanhou seu noivo e seu pai ao
arraial. João Viúvo queria mostrar a todos a sua conquista. Algumas raparigas,
sabendo que tanto a alegria de José Cigarra, como a resignação de Luísa, eram
aparentes, entendem, por bem, desafiá-los para cantarem uma desgarrada.
Luísa
Benze
as terras, S. João,
Benze
as terras, meu santinho,
Que
a riqueza do aldeão
Sai da terra em pão e
vinho.
José
Ser
rico é ser escorreito,
Ser
grande é ter coração.
Mais
vale um amor no peito
Que
vinte leiras de pão!
Luísa
Quem
tem de morrer donzela
Não
queira mudar os fados.
Fui
bochechar à janela
Ouvi
dobrar a finados!...
José
Queres
que o mundo te aponte
Por
modelo de inocência...
Lavaste
a cara na fonte,
Faze
o mesmo à consciência.
Este quadro da festa,
diz-nos o crítico a que já nos temos referido, “é um quadro cheio de realidade,
felicíssimo sob todos os pontos de vista, que inclui uma desgarrada cantada
pelos dois noivos, ela porque a isso a constrangeram, ele para lhe responder,
que é um verdadeiro achado teatral e um primor de poesia no género”.
O terceiro acto é o culminar da vitória do amor sobre a
ambição. “José Cigarra vai a casa da Formiga e, enquanto espera, adormece e
sonha. No seu sonho aparecem-lhe, nas suas verdadeiras proporções, as figuras
reais da peça. João Viúvo é a Formiga com todos os seus defeitos e sem nenhuma
das suas qualidades. Ele próprio, é a Cigarra estouvada demais e com pouco amor
ao trabalho. Pesando prós e contras, ele mesmo tira as conclusões e é já
abraçado a Luísa, que nunca deixara de lhe querer, que responde à Cigarra e à
Formiga e às suas censuras, a uma porque se inclina para as teorias da outra.
Ambas têm qualidades e ambas têm defeitos. José Cigarra aprendeu com ambas e
concluíu que é preciso trabalhar, lutar, ser bom e honrado, sem deixar de ser
alegre e de divertir-se. De toda esta lição, acaba por sair a inevitável e
eterna vitória do Amor.
Co’um
raio! Eu sou muito rude,
Nasci
na aldeia, não sei
Com
que palavras o diga.
Não
sei, mas haja saúde!
Não
dirão que me calei
À Cigarra e à Formiga!
Uma
coisa, assim a modos
Um
laço entre os homens todos,
Sejam
moiros ou de Cristo
Ou
de qualquer outra fé...
Então
o amor não é isto?
Se
não é isto, o que é?
Aquela
coisa que faz
Com
que um miúdo, um rapaz,
Que
mal pode co’uma flor.
Vendo
a mãe desamparada,
Troque
o pião pela enxada...
Então,
não é isto o amor!?
E
a cachopa, com carinho
Guiando
um pobre ceguinho
E
consolando-o na dor,
Na
idade em que as outras todas
Só
vêem festas e bodas...
Então,
não é isto o amor!?
Moços
deixando os casais
As
conversadas e os pais
Velhinhos,
quase em estertor,
Para
remirem na guerra
Com
seu sangue a sua terra...
Então,
não é isto o amor!?
E
as mulheres cujo ofício
É
o eterno sacrifício
De
limpar sangue e suor,
Viver
nas enfermarias
E
assistir às agonias...
Então,
não é isto o amor!?
Outras
então, cuja esmola
É
dada às almas, na escola,
Aos
cachopitos em flor,
Em
geral estéreis seios
A
formar... filhos alheios...
Então,
não é isto o amor!?
E
eu próprio, à face de Deus
Escolhendo
a mãe dos meus
E
abraçando-a com fervor,
Eu
próprio, neste momento,
Sabeis
o que represento?
Curvar-vos
que é isto o amor!
(durante o
recitativo, vai-se ouvindo, a música tocando o número final da peça e que, ao
acabar, sobe de volume, acabando, assim, o segundo serão sobre as historietas
do teatro antigo da Sociedade de InstruçãoTavaredense)
Sem comentários:
Enviar um comentário