sexta-feira, 2 de maio de 2014

Usos e Costumes da Terra do Limonete - 18



s. Martinho – padroeiro de Tavarede
  
         Há mais de mil e vinte anos que o nome de São Martinho é parte integrante de Tavarede, pois, segundo o documento mais antigo conhecido, é numa doação, que a filha do conde D. Sisnando fez, no ano de 1092, do então chamado lugar de S. Martinho de Tavarede.
  Mas, na verdade, foi só na década de sessenta do século vinte, que a nossa terra começou a comemorar, condignamente, o dia do seu santo padroeiro.” Como haviamos anunciado, realizou-se no último domingo a festa em honra de S. Martinho, padroeiro da nossa freguesia, cujo programa inserimos. Dada a sua finalidade - honrar S. Martinho e adquirir, com o saldo que fosse obtido, mobiliário para a Igreja, - a festa trouxe muita gente a Tavarede, dos lugares da freguesia, especialmente, que marcaram presença com os seus andores ornamentados transportando os mais variados produtos para serem leiloados. A Filarmónica Figueirense emprestou brilho à solene procissão, que percorreu as ruas do costume, dentro do maior respeito”.
  Realmente, é verdade que desde o século dezanove, pelo menos, o dia deste Santo não era esquecido pelos nossos antepassados, pois era ocasião de recordar o velho ditado de “no dia de S. Martinho vai à adega e prova o vinho”. E, em Tavarede, eram muitos aqueles que fabricavam o seu barrilzito de vinho, mais água-pé que vinho, e poucos aqueles de amanhavam vinhas suficientes para algumas pipas de bom tinto.
“Deixai-nos, velho santo, que vos apresentemos aqui reverentemente os nossos respeitosos cumprimentos, pela chegada do dia 11, dia em que o Borda d’Agua regista a vossa passagem pela galeria dos santos.
         Grande data, para as gentes da freguezia de Tavarede, por ser a do dia do seu querido orago! Não lhes passa ella desapercebida, e por isso n’aquelle dia à noite se costuma ouvir aqui o festivo estralejar de grande foguetorio, lançado em honra do celebre protector dos amigos do divino Bacho...
         Vê se muita alegria, fazem se importantes magustos, dá-se cresta às roliças farinheiras feitas pelas mais recentes matanças de nutridos cevados, e quasi todos espicham os vinhos da sua ultima colheita.
         Aqui tinhamos nós agora uma bella occasião para attrahir a esta localidade milhares e milhares de pessoas, se soubessemos celebrar ruidosamente o dia de S. Martinho, estabelecendo-se para esse fim um programma deslumbrante que annunciasse grandes procissões, Te Deuns, missas acompanhadas por grandes córos e orchestras, espaventoso arraial, admiraveis fógos d’artificio, musicatas, exposição do Deus Bacho em capellas appropriadas, magustos offerecidos ao publico, etc., etc., etc. Fizesse-se depois constar por toda a parte esta festança e veriamos se accorriam ou não aqui forasteiros dos cantos mais reconditos do mundo!...
         Porém, nunca ninguem se lembrou para isso d’este pobre santo, que no seu tempo foi tão milagroso, e que hoje tem a sua imagem desprezada e esquecida a um canto da sacristia da egreja de que elle é patrono, como se tivesse sido um personagem sem importancia que não legasse à posteridade, como elle fez, tamanha nomeada.
         Bem se vê que estamos nos tempos da ingratidão...
         = É pena dizer-se que muitos dos vinhos novos estão por aqui um tanto deteriorados, em resultado, segundo o que ouvimos, da alta temperatura que attingiram alguns dias por occasião das ultimas trovoadas d’outubro.
         =Estamos em pleno verão de S. Martinho. Depois d’uns dias muito chuvosos succederam outros de verdadeira primavera, vindo o astro-rei, com os seus raios quentes e vivificantes, dar viço às sementeiras.
         A manhã de hontem é que se nos apresentou um pouco fria, vendo se luzir além, nos pastos, uma leve pontinha de geada cahida durante a noite, e que o sol depois bem depressa dissipou.
  O caso é que o tempo corre excellentemente para a agricultura e é bonito admirar a faina em que andam os lavradores cá pelos nossos sitios”.
A partir desta, são muitas as notas encontradas recordando o S. Martinho. Deixai-nos, então, recordar esta nota encontrada no ano de 1902. “Creio bem que muito poucos leitores ignorarão que é hoje dia do bemaventurado S. Martinho, o orago querido cá da minha terra natal. Eu sei que há de haver muita gente com inveja de o não ter egualmente por patrono, mas deixem-me dizer-lhes tambem que elle era digno de exercer as suas funcções n’uma freguezia onde melhor soubessem admirar os seus milagres e virtudes... Porque aqui, agora ás 9 horas da noite, por exemplo, deitam-se foguetes, fazem-se lautos magustos, espicha-se o vinho novo, e, enfim, quasi todos se alegram, mas a verdade é que não há um único devoto que vá festejar o santinho á egreja, onde jaz esquecido, não obstante as capellas terem sempre quem as visite. E isto porque lá entendem que o S. Martinho a que o calendario consagra o dia de hoje ficará mais satisfeito por ali lhe prestarem respeitoso culto. E é por isso que em muitos templos do celebre Deus Bacho se commemora ruidosamente a passagem do nosso adorado orago, não faltando cantochão acompanhado por estes versos caracteristicos há muito soltados por uns inspirados devotos:
                            ... Viva S. Martinho...
                            Reine a santa frescata... e chova vinho...
                            Ajoelhemos, tirando a barretina,
                            Ante o santo que a todos nós domina.
                            Juremos, pondo a mão sobre o barril,
                            De fazer das guelas um funil
                            Quando o vinho corra... Viva! Viva
                            S. Martinho qu’os bebedores captiva!...

         Pois aqui mesmo, vá lá tambem um viva! E juntamente um rogo benemerito: que S. Martinho se compadeça dos seus admiradores que por ahi andam aos trambolhões e que tantas vezes dão causa a funestas desgraças.

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