sábado, 28 de dezembro de 2013

O Associativismo na Terra do Limonerte - 55

       Segundo está referido numa acta da Direcção do Grupo Musical de Fevereiro de 1941, pagaram a renda deste ano no montante de 740$00. O senhorio ofereceu a quantia de 50$00 e, na mesma acta, diz-se nesta altura não se deve nada a ninguém. Já estavam bem distantes os tempos difíceis. Em grande parte, esta situação era devida à colaboração do Lúcia-Lima-Jazz, que actuava gratuitamente em todas as festas realizadas na sede. Também a verba de 566$50, liquida da representação do Presépio, contribuiu para isso, pois foi uma iniciativa que nos deu muito trabalho é certo, mas que veio desafogar a situação em que nos encontrávamos e que hoje, felizmente, já conseguimos resolver.

         Nas nossas buscas na imprensa, encontrámos uma notícia que julgamos seja relativa à primeira deslocação da orquestra privativa do Grupo. O “Lucia Lima Jazz” deslocou-se a esta cidade, no passado domingo, afim de abrilhantar o Baile de Gala comemorativo do aniversario do Grupo Columbofilo Mondego. O homogeneo agrupamento musical, foi aplaudidissimo pela numerosa assistencia, que assistiu à referida diversão.
         É-nos grato constatar que, apesar da malévola propaganda que certos “musicos” andam tecendo à sua volta a rapaziada continua a marcar... dentro dos seus limitados conhecimentos. Ainda bem. O mesmo agrupamento acaba de receber um honroso convite, para se deslocar à visinha povoação de Lavos, em principios de Fevereiro proximo.

         O teatro da Sociedade continuava com a sua extraordinária carreira beneficente. Sucediam-se os espectáculos, com esta finalidade, na Figueira, Coimbra, Tomar, etc. A sua escola nocturna, que funcionou ininterruptamente até ao ano de 1941, foi encerrada, devido à impossibilidade de dar cumprimento a novas disposições legais, que obrigavam à contratação de professores profissionais para as suas aulas. A propósito da actividade desta escola nocturna, não podemos deixar de aqui copiar um apontamento inserido no livro editado pelas Bodas de Oiro da SIT, por Mestre José Ribeiro. Escrevemos estas notas e vemos surgir diante de nós a figura de António da Silva Broeiro. Estamos a ouvi-lo naquela sessão solene em que, pouco antes de morrer, a todos surpreendeu e comoveu com a sua expontânea e impressionante confissão. Apresentava-se como produto da Sociedade de Instrução Tavaredense: Eu sou, dizia ele, o que a Sociedade de Instrução Tavaredense de mim fez. Devo-lhe tudo. Comecei lá em baixo, na escola da noite, onde me ensinaram a ler, escrever e contar. Só à noite podia ir à escola: teria ficado analfabeto se não fosse a escola nocturna. Depois trouxeram-me para o teatro (e recordava o nome de João dos Santos), ensinaram-me a compreender o que lia, ensinaram-me a falar, a conversar, a ouvir. Aqui fui instruído e educado. Recebi lições, aprendi coisas, tive ensinamentos, fixei exemplos que me serviram pela vida fora. A acção da Sociedade de Instrução Tavaredense exemplifico-a em mim próprio.

                                   António da Silva Broeiro

         Já dissemos anteriormente que, por ocasião do Natal, os antigos amadores do Grupo apresentaram, novamente no palco da SIT, o Presépio. Neste ano o lucro foi ligeiramente superior, pois o mesmo teve o valor de 643$75. A propósito, comemorou-se o segundo aniversário do Lúcia-Lima-Jazz. No Grupo Musical, festejou-se no passado domingo, o 2º. aniversário do “Lúcia Lima Jazz”, agrupamento que se vai impondo dia a dia, mercê do esforço e dedicação dos seus componentes e da activa e inteligente direcção do seu ensaiador, sr. José Nunes Medina. Fundado há dois anos, embora com grandes sacrificios para que, com a sua desinteressada cooperação, minorar um pouco a sua situação precária em que se debatia o Grupo Musical, e para que, uma vez extinta a tuna tavaredense, de tão gratas recordações, se não extinguisse de vez a razão de ser da colectividade - a música -, esse punhado de tavaredenses bem mereceu a singela homenagem que a Direcção do Grupo Musical lhes prestou num dos intervalos da matinée, em reconhecimento aos inestimáveis serviços prestados à colectividade.
         Depois da sua actuação de domingo, em que executaram um programa completamente novo, ficou-nos esta consoladora certeza: - o “Lúcia Lima Jazz, já pode, sem desonra, enfileirar ao lado, não digamos, das melhores, mas das boas orquestras do concelho, com o que nos congratulamos. O salão de festas, lindamente decorado, apresentava um aspecto interessante, tendo a matinée registado elevada concorrência apesar da tarde invernosa que se fez sentir. Nesta festa foi descerrada a fotografia que inserimos na abertura deste capítulo.

         Uma das novas localidades visitadas pelo teatro figueirense foi Pampilhosa do Botão. A demora com que “A Ideia Livre” teve de sair, permitiu ao editor deste jornal traçar ainda umas ligeiras linhas de apreciação à récita que o Grupo Cénico da “Sociedade de Instrução Tavaredense” foi dar à Pampilhosa.
         O êxito não podia ser maior: casa cheia, à cunha, e uma representação que enlevou toda a assistência.
         O Grupo é homogénio, completo, perfeito. Há valores que sobressaiem, mas quási sem se dar por isso, tal o equilíbrio, o aprumo, a unidade do conjunto – em que o amadorismo se ultrapassa para nos apresentar verdadeiros artistas, sem exagero de expressão.
         A maneira correctíssima de representar, a dicção perfeita, com inflexões, que muitos profissionais invejariam, o desenho das figuras e os pormenores de expressão com que valorisam cada cena, são atributos, repita-se, de verdadeiros artistas – numa unidade de conjunto que o talento de José Ribeiro, ensaiando e dirigindo, eleva a invejável altura.
         A peça é linda, encantadora, com belos conceitos e sã doutrina. Apresenta-nos o conflito entre a vida triste, dogmática, íamos a dizer conventual, e a alegria moça, vibrante, de quem vê a Natureza com óculos de cristal e tira da vida, cheia de simplicidade e de candura, o partido mais saudável. Lá se diz: “Se a vida tem um lado bom e um lado mau, porque não havemos de aproveitar o bom?”.
         E é um hino à vida, que não há-de sempre ser má, porque nós tambem a podemos tornar agradável. “Alegremo-nos de ter nascido!” – conclui a peça.
         E, ao sair do Teatro, sente-se a gente feliz por viver – embora vivendo num mundo revolto, cujo aspecto mau também há-de passar…
         No intervalo do 2º acto, o Presidente da “Comissão de Assistência”, Firmino Brito da Costa, colocou no estandarte da “Sociedade de Instrução Tavaredense” umas fitas com a legenda: “Honra ao mérito e ao desinteresse”, oferta da mesma “Comissão de Assistência” como reconhecimento do beneficio que recebeu. Uma criança das que são alimentadas na casa daquela instituição, fez entrega dum ramo de flores ao director do Grupo, José Ribeiro.
         Firmino Brito da Costa, em breves mas expressivas palavras, agradeceu o beneficio e fez o elogio do Grupo Cénico, espelho do seu director – disse – homem duma só face, duma peça inteiriça…
         José Ribeiro agradeceu a lembrança das fitas e do ramo de flores. E, com eloquência admirável, como ele sabe ter, expraiou-se sobre o paradoxo que resulta do tema da peça e do momento actual, - peça que ergue um hino à alegria de viver quando pelo mundo vai um turbilhão de metralha e correm rios de sangue. Pois apesar de tudo – disse – “alegremo-nos de ter nascido!” – porque a convulsão há-de passar e a Humanidade caminhará melhorando a vida.
         A peça começou à hora certa e acabou também a boa hora. O público saiu satisfeito, desejoso de mais. E, como se tinha dito, a récita proporcionou a todos uma verdadeira noite de arte.

         Abrilhantou o espectáculo um grupo da “Orquestra Pampilhosa”, que neste dia, e por gentileza para com os directores da “Comissão de Assistência”, e para com o habitual regente, Joaquim Pleno, foi regida por José d’Oliveira, do Troviscal, fazendo-se aplaudir em alguns números. 

sábado, 21 de dezembro de 2013

O Associativismo na Terra do Limonete - 54

       Entre Giestas

   O reportório seguiu com nova peça O grande industrial. “Casa completamente cheia, - e um ambiente de interêsse a retratar-se nos rostos que, nestas coisas de teatro, sabem separar o trigo do joio: interêsse muito justificado, por que do “Le Maitre de Lorges”, do consagrado e popularíssimo romancista Georges Ohnet, só se poderia extraír uma peça de grandes responsabilidades cénicas, passado num ambiente de aristocracia, e o grupo de amadores dramáticos da Sociedade de Instrução Tavaredense é constituído, na sua maior parte, por gente do campo, por gente do trabalho – dos campos e das oficinas.
         Como é que gente tão modesta e tão humilde poderia dar-nos uma Marquesa de Beaulieu, uma Baroneza de Préfont, um Duque de Bligny e um Barão de Préfont, sem essa “gaucherie” que é sempre ridícula?

         Pois deu – e deu-nos muito bem a interessante peça, cujos quatro actos foram belamente aproveitados por Ilda Stichini, e cuja interpretação, por parte de alguns dos amadores – num conjunto muito harmónico -, foi além da nossa espectativa: se bem que, pelo que temos visto fazer a tão distinto grupo cénico noutras peças de grande responsabilidade, fôssemos dos espectadores que mais convencidos estavam, dum bom êxito.
         Como se operarão milagres assim?, qual o segrêdo dessa alquimia que transforma, no palco, à luz da ribalta, um iletrado, um humilde operário ou um trabalhador da gleba, num artista da cena  que muitos artistas, consagrados profissionais, não deixarão de ter inveja?
         ...............
         Se é certo que tudo aquilo que nós temos visto fazer ao grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, na interpretação de “O Grande Industrial”, do “Sonho do Cavador”, etc., é o resultado das competências seleccionadas, para a obtenção dum tão brilhante conjunto……
         ................
         Lição, bem eloquente, do muitíssimo que pode conseguir-se, dispondo de boas vontades e de competências – é o que se aprende com êste muito distinto grupo de amadores dramáticos; e as boas-vontades criam-se subordinando os espíritos e disciplinando-os, e as competências, procurando-as, também, na massa anónima, como entre gangas lamacentas se procuram diamantes.
         Onde foram buscar António Pedro e muitos outros dos nossos maiores artistas de cena?

         Um apontamento, recolhido num jornal de Coimbra, em Maio de 1937, comentando a representação naquela cidade da peça Os fidalgos da Casa Mourisca, pela Companhia Berta Bivar – Alves da Cunha, não podia deixar-nos indiferentes. ... Mas sobre o desempenho, se nos sobrasse o espaço, teríamos de gastar soma larga de considerações, tanta tristeza nos produziu a figura genial de Alves da Cunha, encravada num conjunto que veio aumentar largamente, por todos os motivos, os créditos justos que entre nós disfruta o grupo de amadores de Tavarede. É bastante positivo para a categoria atingida pelos nossos amadores teatrais.
  
         Ainda vamos referir as peças Entre Giestas, Génio Alegre, Recompensa e Envelhecer, com as quais, durante os últimos anos desta década, realizaram diversas saídas e muitos espectáculos.
                                        

                                                                       Génio Alegre

         Pelo Grupo Musical, em Janeiro de 1939, pediu a demissão de regente da tuna José Francisco da Silva, tendo sido convidado para o substituir Carlos Rodrigues dos Santos. E em Maio daquele ano, reatando um velho costume, a tuna deslocou-se ao Buçaco, no dia de Ascenção, numa deslocação organizada pela Direcção e oferecida aos componentes da tuna. Colhemos a informação de que a despesa, com esta iniciativa, foi de 231$85 e a de que foi esta a última actuação deste agrupamento musical.

         Como os conjuntos para abrilhantar as festas dançantes já eram algo onerosos, tentou o Grupo organizar um conjunto privativo. Teve o título de Os Refinados, mas não vingou. E no dia 13 de Abril de 1940, fez a sua estreia um novo conjunto, o Lúcia – Lima – Jazz. Desta vez obtiveram sucesso. Durante várias décadas, este grupo musical alcançou excelente reputação. E a década acabou com o recordar de uma velhissima tradição. O Grupo Musical, uma vez mais pediu a sede da Sociedade e ali fez representar, com a participação de alguns dos seus antigos amadores, o Presépio. Foi um triunfo, que acabou por ser repetido no ano seguinte.
  







 A última saída da tuna do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense







Lúcia Lima Jazz - 1941

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

O Associativismo na Terra do Limonete - 53

     Como se previa há bastante tempo, o padre Cruz Dinis acabou por solicitar a sua transferência, em Setembro de 1935, e, com a sua saída, acabou toda a actividade do Grémio Educativo que, como se refere, teve uma existência bastante efémera. E a sua sede acabou, três anos depois, a um estado ruinoso, acabando a Diocese de Coimbra por vender o imóvel, onde acabou por ser instalado um estabelecimento de mercearia e vinhos. Foi este o fim que teve a casa do velho Joaquim Águas, do Bijou Tavaredense e reconstruída pelo Grupo Musical com tantos sacrifícios. Esta venda deu origem a mais uma violenta polémica, pois pretendia-se que, naquele edifício, fosse instalada uma Casa do Povo. Também já contámos esta história, pelo que nos não vamos repetir.

         A partir de então, Tavarede passou a dispôr de teatro, na Sociedade, e de música, no Grupo. Claro que nos referimos à pequena aldeia, pois o Grupo Musical Carritense continuava activo e, dentro das suas possibilidades, a desenvolver a instrução pelos habitantes locais.

         O grupo cénico da SIT passou a melhorar, cada vez mais, o seu já vasto reportório. Referiremos algumas das peças representadas. A Morgadinha de Valflor, entre  muitos outros, teve este apontamento sobre uma apresentação em Coimbra. A última récita da Sociedade de Instrução Tavaredense em Coimbra, no Teatro Avenida, ficou ali assinalada com um brilhante êxito dos amadores tavaredenses. Os aplausos e as chamadas calorosas com que a exigente plateia coimbrã se manifestou consagraram a representação da Morgadinha de Valflor como um honroso triunfo artístico.
         É esta mesma peça – célebre na história do teatro romântico em Portugal – com o mesmo excelente desempenho, que o público figueirense vai ter ensejo de apreciar no domingo, no Teatro Peninsular.
         A Sociedade de Instrução Tavaredense, abalançando-se a pôr em cena a obra-prima de Pinheiro Chagas, fê-lo com a sua habitual probidade e conhecido critério artístico, com o respeito e carinho devidos à peça e à memória do autor.. A montagem cénica é cuidada em todos os pormenores, e em Coimbra foi especialmente elogiado o esplêndido guarda-roupa, executado primorosamente sôbre figurinos da época (fins do século XVIII).



 A Morgadinha de Valflor

         Nota curiosa: muitas pessoas que aqui têm visto a Morgadinha de Valflor representada por várias companhias, encontrarão agora alguma coisa de novo: o grupo tavaredense apresenta o 3º acto como Pinheiro Chagas o escreveu, com as cenas da romaria, de ambiente pitoresco, com as danças, os descantes, a musicata com rabeca e violas, o estrondo com o característico gaiteiro, etc.
         Será, sem dúvida nenhuma, um belo espectáculo a récita de domingo no Peninsular, para a qual está aberta a inscrição na Tabacaria Africana.
         Continuam os jornais de Coimbra a referir-se nos mais elogiosos têrmos à representação da Morgadinha de Valflor, pelo grupo tavaredense. O Notícias de Coimbra e Ecos dos Olivais exprimem a sua admiração pelo primoroso desempenho que tiveram ensejo de apreciar.

         Um caso interessante ocorreu com a realização de mais um espectáculo na Figueira, em benefício da Misericórdia. A peça “Canção do Berço”, admirável obra-prima da literatura teatral espanhola que o distinto poeta Carlos Amaro primorosamente traduziu para português, está posta em cena com o esmêro e o proverbial cuidado do grupo tavaredense; e o desempenho é excelente, revelando um conjunto que vence brilhantemente as dificuldades da obra. Mas, valorizando o espectáculo, tornando-o particularmente curioso, dando-lhe característica até hoje inédita na Figueira e cremos que em Portugal, há o facto de, depois da peça teatral, ser exibida a versão cinematográfica americana da mesma obra – um filme Paramount, magistralmente realizado – “Filha de Maria”.
         Eis um programa de arte, absolutamente recomendável. É certo que o fim do espectáculo – ajudar a Santa Casa da Misericórdia a manter o seu hospital – é altamente simpático, e só por isso o público figueirense acorrerá no sábado ao Peninsular; mas o espectáculo, só por si, tem uma feição artística e um valor que o impõem.

         O Grupo Musical, com a anuência do proprietário do edifício, fez obras para aumentar o seu salão de festas, que passou a ter dimensões óptimas para as festas dançantes ali realizadas e que atraíam sempre muita assistência.  Foi em Dezembro de 1936 que teve lugar mais uma reposição, na Sociedade. Da fantasia O sonho do cavador. E foram, uma vez mais, à Figueira com esta peça. O Sonho do Cavador levou ao teatro do Casino Peninsular, no domingo, uma enchente, o que era de prever, pois alguns dias antes estavam já esgotados os bilhetes de 2ª plateia e cadeiras.
         Ao êxito da bilheteira correspondeu, em tôda a linha, o êxito artístico, proclamado na expontânea afirmação do público, que retirou do teatro agradavelmente impressionado.
         Precisamente à hora marcada, com a pontualidade que é característica das récitas do grupo tavaredense, o espectáculo começou; e logo no 1º quadro, ao terminar a linda valsa do Sonho, a assistência manifestou-se com uma grande salva de palmas; manifestação que amiúde se ouvia sublinhando muitos números de música ou cenas declamadas, como O Sulfato e Enxôfre, diálogos dos Dois homens honrados e das Comadres, a cena, no 1º acto, de Manuel da Fonte com os dois camponeses que João Cascão fêz magistralmente, Concurso Hípico, Batota, Bolinha de Marfim, côro dos Moinhos, canção da Fonte, dueto do 3º acto, o côro de cavadores e ceifeiras, etc.
         Tôda a interpretação é brilhante e mostra a homogeneidade do grupo, não havendo citações especiais a fazer. Devemos, todavia, acrescentar que para a esplêndida impressão de conjunto contribuíu poderosamente a linda partitura, que evidencia a competência e o bom gôsto do distinto amador António Simões, o primoroso guarda-roupa e os belos cenários, nos quais há trabalhos valiosos de Rogério Reynaud.

         Nos finais de acto a assistência aplaudiu mais demoradamente, atingindo as ovações grande entusiasmo, com repetidas chamadas, no fim da peça

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

O Associativismo na Terra do Limonete - 52

          E, como se previa, a representação da peça Justiça de Sua Majestade redundou em novo êxito. A estreia, no sábado, levou ao teatro uma enchente. Os sócios e famílias acorreram em grande número e aplaudiram com entusiasmo. E no dia seguinte, em matinée, a opereta firmou-se definitivamente no agrado do público. O entusiasmo foi invulgar. Todos os números de música aplaudidos e muitos dêles bisados. E o agrado do público exteriorizou-se mais calorosamente nos finais de acto, fazendo-se chamadas ao palco e obrigando o pano a subir repetidamente.
         A música é lindíssima. Dois números são do maestro Raúl Portela e cinco do maestro Raúl Ferrão, e confirmam os méritos já consagrados dos seus autores; mas o distinto amador nosso patrício sr. António Simões, que é o autor de todos os restantes números da partitura, bem mereceu as grandes manifestações de aplauso com que o público o distinguiu, porque compôs, para os formosos versos de Alberto de Lacerda, música admirável, encantadora na melodia, rica de expressão e sempre conjugando-se harmonicamente com a ideia do poeta e a situação teatral. Muito bem! António Simões tem direito a parabéns.
         “Justiça de Sua Majestade” é um espectáculo agradável. Bem posta em cena, com cenários lindos, bom guarda-roupa e harmoniosa interpretação é um belo êxito do grupo tavaredense.

         Depois de corresponder a mais um convite para representar em Coimbra, desta vez em benefício da Obra do Prof. Dr. Elísio de Moura, onde deu dois espectáculos com Justiça de Sua Majestade e A cigarra e a formiga, a Sociedade de Instrução aceitou um novo convite. Desta vez para ir ao Porto. Na sexta-feira foi ao Pôrto realizar um espectáculo em benefício do Asilo de S. João, daquela cidade, o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense que representou no Teatro de Sá da Bandeira a opereta Justiça de Sua Majestade.
         Temos prazer em registar que os nossos patrícios alcançaram um belo êxito, que os enche de natural satisfação e muito honra o festejado grupo tavaredense.
         O teatro encheu-se. Esgotou-se completamente a lotação da plateia e camarotes. E a assistência manifestou o seu agrado de maneira bem expressiva. A representação foi frequentemente cortada de aplausos. Logo no 1º acto, uma calorosa ovação sublinhou a linda Canção dos Beijos; e foram sucessivamente aplaudidas a Canção do Tabaco, o número de Roberta, e o côro final do 1º acto; o belo dueto dos dois criados rústicos no 2º acto, o terceto Açorda do Major, a formosa canção de D. Joana, que a assistência obrigou a bisar, o côro Boas-noites, o dueto de amor e o terceto do 3º acto, etc. No final as aclamações foram calorosas e prolongadas, fazendo-se chamadas que provocaram novas ovações.
         E assim, a linda opereta, que no teatro da Sociedade de Instrução Tavaredense alcançou extraordinário agrado, obteve um êxito enorme com os aplausos expontâneos, sinceros, da culta plateia portuense.
         Dirigimos ao grupo tavaredense as nossas felicitações cordiais, por êste seu novo triunfo, abrangendo nelas o distinto compositor amador, nosso patrício, sr. António Simões, autor da maior parte dos números de música da opereta e que no Pôrto apresentou e dirigiu uma excelente orquestra.
         No jornal do Pôrto Povo do Norte, de segunda-feira, o seu crítico teatral refere-se à récita dos tavaredenses com palavras de muito elogio. Transcrevemos:
         “ Há, no meio jornalístico profissional do Pôrto, a monomania de ligar pouca importância aos grupos de amadores teatrais da província.
         Ainda na última sexta-feira, num espectáculo que se realizou, no Teatro Sá da Bandeira, em benefício do Asilo S. João, tivemos o ensejo de verificar esta lastimável verdade. Talvez porque se exibia ali um grupo de amadores de Tavarede, interessante aldeia vizinha da Figueira da Foz, não compareceu, naquele teatro, um único redactor dos diários portuenses a cumprir o dever de apreciar aquela tão simpática festa para, sôbre ela, bem informar depois a curiosidade do público. E foi pena que assim acontecesse porque o espectáculo marcou, sem dúvida, uma nota artística digna de registo.
         Devemos confessar que nos surpreendeu o conjunto, que é mais harmónico que muitas companhias de profissionais que algumas vezes nos têm visitado”.
         Depois de se referir à adaptação ao teatro da Justiça de Sua Majestade e ao modo como a opereta foi posta em cena, o crítico do Povo do Norte acrescenta:
         “ Não faltou o mais insignificante detalhe de observação nos cenários e guarda-roupa, confeccionados de acôrdo com as exigências da época. Notou-se nas mais pequeninas coisas que andou ali dedo de quem percebia de teatro... E só assim se compreende o êxito alcançado por um conjunto de amadores, filhos do povo e do trabalho, que nas horas vagas se dedicam àquele modo de se instruírem e civilizarem, em vez de fugirem para os centros maléficos do vício e do crime.
         A música da peça deve-se aos profissionais Ferrão e Portela e ao maestro-amador do grupo, António Simões, que dirigiu com segurança a orquestra, durante o espectáculo, sendo tôda inspirada em motivos populares, cheios de ingenuidade, que soam bem aos ouvidos daqueles que estão habituados a escutar as canções simples mas harmoniosas e sentimentais do povo aldeão.
         No desempenho salientaram-se a característica Maria Tereza de Oliveira que, no papel de Roberta, nos deu a impressão de uma autêntica artista. D. Violinda Medina que, com um fiozinho de voz agradável, cantou bem e declamou sempre com muita naturalidade e acêrto, dum modo a, por diversas vezes, justamente conquistar aplausos; e Guilhermina de Oliveira, num ingénuo papel de criada, que desempenhou com vivacidade. Muito graciosa, mereceu também as palmas com que os espectadores a distinguiram.
         Guardamos para o final o trabalho de Emília Monteiro, a triste apaixonada, que soube imprimir sentimento ao decorrer do desempenho do papel que lhe foi confiado.
         Do elemento masculino, devemos salientar Jaime Broeiro que, no papel de José Urbano, revelou qualidades artísticas; e os restantes não desmancharam o conjunto.
         A apresentação do grupo foi feita pelo nosso prezado amigo dr. João Correia Guimarães, a quem José Ribeiro agradeceu num belo improviso as palavras com que a sua gente foi distinguida.
         Um pequenino educando agradeceu também o benefício que o seu asilo acabava de receber.
         Foi comovente o modo como o director do grupo respondeu ao pequenino, dizendo-lhe que nada tinha que lhes agradecer porque estavam todos ali cumprindo um dever de solidariedade humana.
         A assistência que enchia o teatro sublinhou com uma estrondosa salva de palmas as palavras do nosso colega.
         Foi uma simpática festa que o Asilo de S. João organizou e que deve repetir-se logo que tenha oportunidade para isso”.
         Também o Primeiro de Janeiro se refere elogiosamente à representação da Justiça de Sua Majestade:
         “ A récita em benefício da simpática Associação Protectora do Asilo S. João realizada,, sexta-feira passada, no Sá da Bandeira, decorreu com entusiasmo e, por vezes, até com brilho mercê, principalmente, da peça representada e da segurança que mostraram no desempenho dos seus “papéis” os bons elementos que constituem o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense, da Figueira da Foz”.
         Alude em seguida à adaptação da Justiça de Sua Majestade, e termina:
         “ A música traz as assinaturas dos maestros Raúl Ferrão e Raúl Portela e do amador figueirense António Simões, sendo, tôda ela, de suave inspiração e melodia.
         O desempenho foi correcto e homogéneo, procurando todos os amadores concorrer – o que conseguiram – para o sucesso da representação a que o público não regateou aplausos.
         O grupo coral compartilhou, também, com justiça, dêsses aplausos, assim como a orquestra, sob a direcção do sr. António Simões.
         O interessante Grupo apresentou um bom guarda-roupa, à época (1852) e cenários apropriados do cenógrafo Rogério Reynaud e do artista Alberto Lacerda.
         Pode dizer-se que a récita da Associação Protectora do Asilo de S. João, instituição de beneficência que tantas simpatias conta nesta cidade marcou, êste ano, como espectáculo de interêsse”.
         A Direcção da Sociedade de Instrução Tavaredense está reconhecidíssima ao Asilo de S. João pelo acolhimento gentil que foi dispensado ao seu grupo cénico, e particularmente ao sr. Rogério Bettencourt, director daquela benemérita instituição, cujas atenções e gentilezas não serão esquecidas.


         Não cabem neste trabalho as imensas notícias, publicadas na imprensa, relativas aos espectáculos que o grupo tavaredense, sempre em benefício dos mais necessitados, realizava por esse país fora. Embora com algumas falhas, tais notícias já foram por nós transcritas nos dois cadernos Cem anos de teatro. Mas é interessante uma nota escrita pelo figueirense Raimundo Esteves, a propósito de Justiça de Sua Majestade. 


                                                                                             Raimundo Esteves

Meu caro José Ribeiro
         Saiba você, - são cinco e vários da madrugada. Já luz o buraco. Escrevo-lhe do Entroncamento. A uma mesa do restaurante. Oloresce e fumega diante de mim, uma chávena de café loiro. Venho de ver e ouvir a sua peça. E como tenho que aguardar neste poiso, uma vasta hora (- sem ter mais que fazer! -) podemos palrar como velhos amigos que somos. Suponha você, José Ribeiro, que se sentou aqui em face. Você engulipa o seu praxista café. Eu palro...
         Oiça, José Ribeiro. Eu não sou crítico de coisa nenhuma. Muito menos de teatro. Sou avesso, por índole, a escovar adjectivos. Mas apetece-me hoje, neste dealbar nevoento duma manhã fria, conversar consigo.
         Lá fora, rugem combóios. Apitam cornetas estrídulas. E já apagadas as derradeiras estrêlas, lucilam os lumes vários da Estação. Porque ainda não é dia claro. Você sabe o tom de violeta esmaecido das manhãs. É a luz que há. Imprecisa. E vaga...
         Você conhece melhor que eu o teatro moderno. Nomeadamente o teatro nórdico. Esse assombroso teatro russo. O teatro da Suécia, da Noruega, da Dinamarca, - que fugindo velho ídolo, do velho Ibsen, e tem novas características e novos rumos.
         Teatro dinâmico. Breve. Sintético. Conciso. Claro que a análise psicológica. Mas rútila. Fulgurando como um clarão.
         E eu bem compreendo que você, José Ribeiro, não podia (nem devia!) fazer teatro assim para as galantes raparigas e para os rapazes firmes, da sua Tavarede, - viçosa e fresca, sussurante de águas, tôda engalanada de verduras, idílica, perfumada do doce aroma das lúcias-limas!
         Depois é preciso haver um Procópio Ferreira, para um “Deus lhe pague”.
         A aproximação do teatro ao cinema – tem de fazer-se!
         Nós hoje falamos e escrevemos com um poder de síntese, (aqueles que o sabem fazer, que nanja eu!) que faria corar as longas orações do Padre António Vieira!
         E temos de pôr a verdade no teatro!
         Aquilo dum major ter enxertado uma menina, como quem esfrega um ôlho, - nem no tempo em que o Afonso Henriques caçava moiros!
         As mulheres defendem-se como feras!
         E tudo na sua peça é suave e doce. É uma história contada a crianças, no tempo apartado em que havia lareiras e ao borralho se contava que – “era uma vez uma fada...”.
         Isto de palrar a uma mesa de restaurante, emquanto se espera um combóio, e a manhã se define, - leva-nos a perder o fio à conversa...
         O que eu queria era felicitá-lo. Perdi-me em bambalarachas.
         ..................
         Bem! Beba um golo de café. Eu mais um de chá. E tenha paciência. Mas falta meia hora para o combóio. Já é quási dia claro. Anda o sol a arranhar a névoa. Cantam galos. E ali no arvoredo, deve trilar a passarada.
         Vamos falar a sério.
         A adaptação é uma maravilha. Um achado. Certo.
         Formosa música. Esse António Simões (que está pançudo como eu!) teve sempre um atilado gôsto. Dê por mim novo braço ao António Simões.
         ..................
         D. Violinda é uma artista. Assim mesmo. E sem favor.
         Muito galante a Emília Monteiro. Muito galante e muito bem!
         Gostei profundamente da Maria Tereza, na “Roberta”. Profundamente! Aquilo chama-se – representar!
         A Guilhermina, fresca como as suas cerejas. E tão linda!
         Os Broeiros, são dois excelentes amadores.
         Um rico major.
         ... E não posso continuar. Vamos acabar. Eu com o meu chá. Você com o seu café! Está o combóio a abalar para longes terras. O sol já abriu a sua asa de oiro. As silharias da estação resplendem! Gloriosa manhã de Maio. Adeus, José Ribeiro. Perdoe a maçada. Isto foi uma conversa ligeira e despretenciosa. E só para nós dois...
         Estreita-o ao coração num largo abraço de muita sincera admiração o seu amigo firme Raym.
         N.R. – esta crónica, justamente elogiosa para os amadores tavaredenses, sai mutilada. Não deve o amigo Raym estranhar o facto: bem o avisámos...

         Com as linhas de reticências a que recorremos nós prestamos, a final, um bom serviço ao cronista: suprimimos a razão que possivelmente ficaria ao leitor para acusá-lo de injustiça... por excessivo louvor.