sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O Associativismo na Terra do Limonete - 65


        Também cabe aqui uma notícia sobre a apresentação desta fantasia. Tavarede com o seu grupo cénico e um valor a orientá-lo com aquela garra e paixão próprias de quem conhece teatro, levou à cena uma luxuosa fantasia em 3 actos e 24 quadros – “Chá de Limonete”.
         E o que é este “chá” servido com as mais admiráveis porcelanas? Apenas um belíssimo espectáculo de histórias de Tavarede, concebido e realizado por um homem de elevada concepção, e desempenhada por um bloco sublime de amadores que, num esforço sem palavras soube valorizar numa interpretação sublime todas as cenas desse primoroso “chá” servido no próprio local da origem.
         Desde o “Sonho do Cavador” que a Sociedade Instrução Tavaredense tem feito teatro, sem fugir à arte e à escolha. Fieis a tudo quanto de bom tem sido representado, e escolhido para si esse bom para enriquecimento do seu vasto reportório, a Sociedade não se poupa nunca a esforços para igualar tanto quanto possível as melhores companhias de profissionais. E muitas vezes a sua interpretação suplanta-os. E a confirmá-lo está a peça de Ramada Curto “Recompensa”.
         Mas vamos ao “Chá de Limonete”, aliás a razão fundamental desta nossa crónica.
         Logo ao subir o pano fica-se com uma sensação do agradável com o primeiro quadro “Chá de Limonete”, onde não falta o chá e o açúcar, desempenho de graciosas raparigas, e coros das chávenas do chá, conjunto de beleza visual, prejudicada, como toda a peça, pelo restrito espaço destinado a representações de categoria desta.
         Segue-se o segundo quadro – O soneto de Frei Manuel de Santa Clara, quadro que serve de fio condutor durante toda a representação. João de Oliveira Júnior no Frei Manuel que desce à terra – a Tavarede – para matar saudades e saber se tudo é ainda como o havia deixado, - merece relevo especial assim como o Velho-Tavarede na figura de Fernando Reis de primoroso desempenho e firme dicção; senhor absoluto do seu papel, conserva durante todo o espectáculo a mesma calma e o mesmo sentido de responsabilidade que lhe foi confiada. Logo depois o 3º. quadro – “A cidade e o campo” – onde Violinda Medina – a jovem de sempre, alegre e folgazã e o belo e firme trabalho de João Cascão, fazem o duo desta partícula da peça. O 4º. quadro é preenchido pelo “Velho Tavarede” de que acima falamos, a figura do pequeno burgo que tudo sabe como um livro aberto. Está-lhe nos olhos e no coração toda a infância tavaredense e ele a explica e apresenta a Frei Manuel de Santa Clara. Segue o 5º. quadro “A doação de Tavarede à Sé de Coimbra”, bela imagem da história local com toda a sua pompa da época, onde o rei D. Sancho e a rainha D. Dulce, desempenhado por Manuel Nogueira e Lucídia Santos, ouvem da boca do notário do rei e perante fidalgos, bispos e arcebispos, condes, mordomos, a doação de Tavarede. De belo efeito este quadro, é um verdadeiro episódio, doloroso, ligado à vida dos tavaredenses. Outro quadro, o 6º., mostra-nos com um sentido bairrista de agradável efeito cénico as “Marinhas de Tavarede” com os seus marnoteiros e as raparigas do sal que vão recebendo os cestos apenhados, cantando com afan, enquanto a embarcação de velas abaixo, deixa apenas o nu dos seus mastros vigorosos. Bom e sugestivo quadro. O 7º. quadro é preenchido com um característico onde impera uma leve comicidade – “Bruxidades e laranjas da China”. A Isabel Peixinha, figura regional confiada ao saber e experiência de Maria Teresa de Oliveira, imprimiu valor e firmeza em toda a actuação. O coro das laranjas é cheio de beleza, valorizando-o as interessantes raparigas e as indumentárias de surpreendente efeito. O quadro seguinte, o 8º. – “In Vino Veritas” presta-se a comentários dos intérpretes, fixando-se o humor do David Seco, desempenhado com grande naturalidade e perfeição por António Jorge da Silva.
         A finalizar o primeiro acto, o 9º. quadro “O jantar do Deão” que nos apresenta toda a submissão do povo apresentando as suas oferendas para o lauto jantar do Deão. Muita gente, muitas dádivas, muitos comentários e coro misto do povo de Tavarede. Quadro muito bem urdido e imaginado, motiva o fecho do primeiro acto. 


                                Chá de Limonete - Lamentos da vila de Tavarede
  
         O segundo acto tem mais beleza, muito embora o primeiro tenha valor e grandeza cénica. Vem então o 10º. quadro – “Lamentos da vila de Tavarede”, onde Violinda Medina representando a Vila, lamenta a perda da sua câmara que passou para a Figueira da Foz. Bem observado, este quadro tem alta significação e as agruras do povo justificam-se. Depois o 11º. quadro – “Fornos da Poia e Língua de Vaca” quadro que representa um grande forno em actividade onde o forneiro, figura típica desempenhada por António Jorge da Silva, espera com fernesi e nervosismo as mulheres que vão levar o pão à cosedura. Descomposturas, ralhos, justificações e cantigas para amenizar todos os contratempos. O 12º. quadro – “A colher das papas” é preenchido por um galante coro feminino, ricamente vestido, emoldurando-o uma lindíssima música como toda, da inspirada composição do maestro António Simões. Segue o 13º. quadro – “No tempo dos franceses”. Este quadro recheado de valor patriótico e elevado sentido de amor à Pátria e à liberdade, tem garra, tem valor excepcional quando João Cascão, heróico, fervente, quase revolucionário incita o povo para marchar sem medo, juntando-se ao bravo Zagalo que marcha de Coimbra para expulsar os franceses do Forte de Santa Catarina. Belas imagens, boas máscaras, belo trabalho que entusiasma. O 14º. quadro – “Saia balão” serve apenas para passar em rápida análise essa época distante e que também teve o seu aquartelamento em Tavarede. Vão bem os seus figurantes Maria da Conceição Santos e António Paula Santos. E a terminar o 2º. acto é apresentado o 15º. quadro “Brazão de Tavarede”. Lá está a grande Violinda Medina com as suas vestes de camponeza, enxada ao ombro, exaltando o brazão da terra – o trabalho do campo, enquanto todos os companheiros dormem a sesta, uma sesta que parece real, dada a disposição dos personagens, o seu àvontade, a “certeza de que estão dormindo”. E eleva o trabalho do campo e da enxada, o valor dos camponeses, em frases vigorosas firmes... até que eles despertam, raparigas e rapazes para cantarem a glória da terra e dos campos.






                                    Chá de Limonete - A colher das papas
  
         O terceiro acto apresenta-nos “Tavarede de hoje em dia” com o 16º. quadro – “Manuel da Fonte”, que serve de motivo aos lamentos do Ribeiro de Tavarede (António Paula Santos) em que as suas águas beijavam com alegria as pernas das lavadeiras. O 17º. quadro intitula-se “Civilização”, onde aparecem o indireita, o futebol, o fado e o teatro. Deste quadro merece especial referência o Fado, por Maria Almira Ferrão, uma bela voz, personificando a nossa Amália Rodrigues e em lugar de fundo o Teatro, por Manuel Nogueira, que actua primorosamente mostrando poder convencional.
         A história do Teatro em decadência, demonstra bem quanto é perito José da Silva Ribeiro, autor exclusivo de todo o recheio de “Chá de Limonete”. E Manuel Nogueira soube interpretar o pensamento do autor. Seguiu-se o 18º. quadro – “A Dinastia dos Toquins”, figuras típicas de Tavarede, ganhões que no carro e nos bois tiveram sempre o seu maior espelho. Bom trabalho de José Vigário, valorizado por um conjunto de carreiros num coro de bonito efeito. O 19º. quadro – “Potes Floridos”, faz a história dos ranchos da vila quando surgia o 1º. de Maio. Bom poema dito com elegância e modelação por Violinda Medina e a marcha das raparigas com seus potes barrados de lindas flores dos jardins de Tavarede. Lá está a tuna e a pandeireta dando veracidade ao quadro.
         Vem então o 20º. quadro – “O Palácio de Tavarede”. Todo ele é sublime; sóbrio, como verdugo desafiando o tempo e os homens, surge o portão do Palácio. Batem. Abre-se o monstro e a figura do Palácio de Tavarede aparece, gasta alquebrada, mutilada. Voz fraca e cançada pelas injustiças dos homens. E a evocação surge – cheio de emoção e de mágua pelo mal feito. Fernando Reis foi bem escolhido para o papel, desempenhando-o com magnífico acerto.
         Segue o 21º. quadro – “Nunca diz mal de ninguém”, quadro de interessante efeito, servindo-se para exaltar a água da Fonte de Tavarede, o encontro das sopeiras da Figueira com os magalas enquanto os murmúrios correm como lebres... nunca diz mal de ninguém. E as moças de Tavarede que ali se juntam, não têm namoro mas têm língua para a intriga. Quadro curioso que muito enriquece o trabalho de José Ribeiro.
         Estamos quase no final do espectáculo. 22º. quadro – “Foguetes” preenchido por Tavarede-marca, desempenhado por José Maria Cordeiro e pelo fogueteiro interpretado por António Jorge da Silva.
         Enquanto o primeiro exalta as qualidades da sua terra dando lugar de relevo, o fogueteiro anima-se com as festas e arraiais porque para tudo são precisos foguetes. Lá surgem belos comentários ao nosso Porto e Barra e as festas e mais festas, foguetes e mais foguetes e a barra... (não se sabe nada). O penúltimo quadro. 23º. – “Ti João da Quinta” feito por António Graça, muito bem medido, porque serve de motivo à crítica às inumeras contribuições que o lavrador tem de pagar. Por isso ele tem um filho na Universidade, estudando leis para orientar o pai nos pagamentos à Fazenda desde Janeiro a Dezembro.
         E finalmente o 24º. quadro. Um belo coro de flores e jardineiros – “Jardins do Limonete” em que se encerra este belo e primoroso espectáculo.
         Deixamos para o fim o primor executivo de todos os cenários de Rogério Reynaud e Manuel de Oliveira, este do Teatro Nacional D. Maria II e a partitura originalíssima e admirável devida à competência comprovada do compositor António Simões.
         O guarda-roupa de admirável efeito e os coros muito iguais contribuiram para o grande êxito da representação. Uma cortina de Alberto Lacerda, original e a carácter.

         Casa cheia. Ovações consecutivas. Primoroso trabalho que merece deixar a casca e, sem receio, correr outras terras, para confirmação do que me foi dito por José Ribeiro. A verdadeira função do teatro de amadores, que está como um documento sagrado na sua maneira adentro dos muros da Sociedade de Instrução Tavaredense merece, com este seu “Chá de Limonete” mostrar a outras terras e outras gentes que é isto o teatro de amadores em Portugal e cujas directrizes foram traçadas em Tavarede, uma risonha vila da Beira Litoral, e que devem servir de exemplo a todos os nossos amadores.

Usos e Costumes da Terra do Limonete - 9

Até que aconteceu o imprevisto. Foi no ano de 1927. O bispo de Coimbra entendeu proibir a junção das festas religiosas com as pagãs. Nada de cavalhadas e nada de danças. Os festeiros, contudo, resolveram não acatar a ordem. Já contei a história, pelo que me não vou repetir. Levaram a efeito cavalhadas e danças. E, para cúmulo, até contrataram uma filarmónica que havia sido excomungada! E foi a última vez que o S. João teve a sua festa na nossa terra. Um costume de mais de cem anos passou à história... Mas não deixo de transcrever a notícia destas últimas festas ao S. João de Tavarede.
         “Tiveram grande luzimento os festejos populares de S. João, que se realizaram nos dias 30 e 31 do mês findo, com os números tradicionais. Não houve desta vez função religiosa, porque, tendo o sr. Bispo de Coimbra imposto a supressão da tradicional cavalhada, que é, de há longos anos, a característica das festas de S. João em Tavarede, os organizadores dos festejos resolveram, e muito bem, fazer as cavalhadas e dispensar pura e simplesmente a parte religiosa. Para compensar esta falta, veio a excelente banda do Troviscal, que foi apreciadíssima, tanto no concêrto que realizou na noite de sábado para domingo, com programa de responsabilidade que teve primorosa execução e foi muito aplaudido, como no de domingo.
         Das 2 horas até à madrugada de domingo houve danças populares, que se repetiram no domingo à noite, e na segunda-feira realizou-se a rosquilhada.
         As cavalhadas foram muito concorridas, e visitaram a Figueira, onde os esperava a banda do Troviscal, e Buarcos.
         A Tavarede veio muita gente dessa cidade e dos lugares vizinhos.
         A banda do Troviscal foi aqui alvo de manifestações de simpatia. Cumprimentou as duas associações locais, onde se trocaram saudações calorosas e foi servido aos visitantes um copo-de-água. O regente da banda sr. Oliveira, afirmou-nos que ia penhoradíssimo com as amabilidades que êle e os executantes da sua banda foram alvo.
         A igreja esteve fechada em todo o dia, e os católicos ficaram privados da missa.
         A-pesar-das prédicas do pároco da freguesia para que ninguém se aproximasse da banda excomungada, não faltou uma enorme multidão a ouvi-la e a aplaudi-la.
         E tudo correu na melhor ordem”.
  




(a seguir) 


Do Natal até aos Reis...

  







Operetas em Tavarede - 6

         Não durou muito tempo a República do Limonete. O êxito que estas peças tinham alcançado, o gosto do público por estes espectáculos, vivos, alegres, cheios de cor e movimento e agradável música, levaram ao surgimento, no dia 16 de Abril de 1927, de uma nova fantasia, no seguimento da “Pátria Livre”.

         A independência de Tavarede não se perdeu. Mas, a república do presidente Agostinho Pandorgas, foi derrubada por uma revolução palaciana. Em sua substituição, a nossa terra recebeu um título nobiliárquico. Foi implantado “O Grão-Ducado de Tavarede” e, desta vez, não tivemos um presidente mas, sim, uma “Grã-Duquesa”.

         A partitura continuou a ser da responsabilidade de António Simões, mas o texto foi escrito por Gaspar de Lemos e por José da Silva Ribeiro, que adoptaram o pseudónimo de “João José”. É justo recordar, também, que foi nesta peça que se iniciou a extraordinária colaboração de um outro grande artista e amigo da Sociedade de Instrução Tavaredense, o professor Alberto de Lacerda.


                       José da Silva Ribeiro
                    (um dos autores do texto)

          Prossigamos, pois, na nossa narrativa.

         Não estava muito segura no seu trono a nossa Grã-Duquesa. Refugiado nos domínios de Foja, o ex-presidente Pandorgas procurava reunir as suas tropas e, armado com poderosa artilharia, estava disposto a vir à reconquista de Tavarede, com uma enorme esquadra que, vindo por Maiorca, tentaria o desembarque no cais do Rio Velho.

         Mas a Grã-Duquesa e o seu governo estavam confiantes, não só nas suas forças defensivas, mas, também, nos socorros que solicitaram aos vizinhos e, até, a alguns países aliados, como a Inglaterra. Enquanto decorriam estas medidas de defesa, o governo local resolveu organizar um grande “Exposição Internacional”.  E quando se encontrava a inaugurar esta exposição, a Grã-Duquesa acolheu um ilustre visitante, o brasileiro Manuel Nespera Cajú, filho de um tavaredense que alcançara grande fortuna no Brasil e que, antes de morrer, encarregou seu filho de aqui vir para fazer um importante donativo.

         É convidado a visitar a exposição internacional de Tavarede. Acompanha-o o Comissário Geral que lhe vai apresentando os produtos expostos.

  Maçã
Depois do mundo criado,
Nos tempos do Paraíso,
O papá Adão, coitado,
Um dia perdeu o siso.

Vendo a mãe Eva fagueira,
À luz fresca da manhã,
Atirou-se à macieira
 E zás! Comeu a maçã.

  Nêspera
Sim senhor, a fez bonita!
Não era carne sem osso,
Porque afinal a maldita,
Lhe não passou do pescoço.

Maçã 
Até os velhos me comem
Porque sou fruta estimada
Não há rapaz nem há homem
Que me não coma à dentada.

Nespera Cajú gostou da fruta tavaredense. Tanto que logo pediu para ver a “pevide” da maçã, pois pretendia ir semeá-la no Brasil. Não teve sorte. A maçã tavaredense não pegava de semente nem de estaca. Só de enxertia...

         Porém, logo a seguir, o brasileiro fica surpreso. Então não é que a folhas 131, nº 1024 da prateleira H, no armário 52 da sala F, está indicado, no catálogo, o café como sendo um produto de Tavarede, quando toda a gente sabe que o café vem do estrangeiro, da África e do Brasil?

Não vi a luz na Arábia,
Não flori no Brasil,
Sou o bom café
De Portugal,
Laré café,
Especial.

Quem me chega aos beiços
E me bebe a preceito
Outro não quere mais;
Regalo o peito
E com efeito
Limpo os canais.

Venho, venho da pura
Venho da pura mamã cevada
Que me deu três pais
Duma assentada (bis)
Bico, bicudo grão
rigo lirinho
E o bom feijão.

         Realmente era verdade. O café que ali estava exposto era mesmo português, este, em particular, era mesmo de Tavarede.

         Café – “Sou filho da cevada. A minha mãe fez mistura com o trigo, com o grão de bico e até com o feijão! Mas cá o rapaz é bondoso, é amigo da pobreza. Quantas vezes mato a fome aos desgraçados! Uma pinga de café e um bocado de broa, de manhã, e aí vão os operários para os oficinas, os rapazitos, tiritando de frio, a caminho das obras, onde os espera o côxo de cal. Ao meio dia uma sardinha assada e à noite, em casa, a servir de ceia, outra vez o café, o nosso bom café, a fumegar nas tigelas, a dar aos pobres uma impressão de abundância que não têm e a levar-lhes ao estomago uma sensação de fingido conchego.

         E, na verdade, conheço tanta miséria, tanta desgraça, tanta fominha mais negra que a minha cor... (transição) Não vale a pena pensar em coisas tristes. A vida é assim mesmo. E eu sei das vidas de toda a gente mais do que ninguém. A vizinha vai a casa da vizinha, a comadre a casa da comadre e, então, zás, aí entra o café de função. Sentam-se na cozinha, e enquanto eu aqueço ao lume, na chocolateira, falam dos ganhos dos homens, dos gastos dos filhos, das bebedeiras duns e outros... Ah! comadre, vocemecê não viu a Esdofina no baile? – Pois vi, ah! mulher! c’o vestido novo, de 80 mil reis o metro! – Aquilo é um luxo que Deus te livre! O pior é que ainda deve o xaile que comprou o ano passado pelo S. João. – Antão não sabe que a Mari’Teza foi dizer à cunhada que eu não tinha dinheiro p’ra pagar na venda mas tinha dinheiro p’randar pelos teatros? Aquela alma danada! Ah! mulher! eu inté tinha ganas de trincar o fígado àquela esmiucada... (transição) E nunca mais acabam. Passam ali à fieira a vida de toda a gente!...”.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Operetas na Terra do Limonete - 5

Podemos dizer, desde já, que esta revista é um autêntico marco na história do teatro musicado tavaredense. Adiante sabereis a razão desta nossa afirmação.

         O espectáculo começa nos Paços da República, onde se encontram reunidas as figuras mais importantes da aldeia e muito povo. O entusiasmo é enorme. Para presidente é escolhido “pelos seus merecimentos e mais partes”, o cidadão Agostinho Pandorgas. Aceita a nomeação e as suas primeiras palavras são de agradecimento ao comandante das tropas libertadoras.

         Presidente – “Obrigado! Muito obrigado! Bravo, comandante: agora que estamos libertos do jugo odioso, consinta que em nome deste povo lhe agradeça o heroísmo com que levou do rabo a cabo esta façanha imortal”.

         Comovido com as palavras do presidente e orgulhoso do seu heróico feito, o bravo comandante das tropas tavaredenses responde:

         Comandante – “Este povo não podia por mais tempo gramar a tirania que pesava sobre ele. Acabaram os vexames, as contribuições, as licenças do carro e da caça, o serviço braçal! Quebraram-se os grilhões que nos prendiam à maldita Figueira. Já era tempo de dar liberdade a este povo, que andava pelas azinhagas a gemer as suas dores...”.

         Bem, tal feito tinha que dar brado no país. De Lisboa, mal houve conhecimento do triunfo da revolução, o jornal “A Bomba Social” enviou a Tavarede o seu jornalista Delfim Pirolito. Pretendia ele fazer uma reportagem bem desenvolvida, para dar a conhecer a todos os seus imensos leitores, as razões da revolução e quais os projectos futuros e prossibilidades da sobrevivência e consolidação da independência agora adquirida.

         Presidente – “Da Figueira não precisamos nada, nem sequer a ponta dum chavelho. Aqui temos tudo o que é preciso, e para dar e vender. A boa couve tronchuda, o bom nabo, o rico pepino, o belo tomate... Temos tudo: a estação do caminho de ferro, o matadouro, o hospital militar, a central eléctrica, o cemitério...”

         E é que era verdade. Naqueles tempos, todas aquelas instalações estavam situadas em terrenos pertencentes à freguesia de Tavarede. Os figueirenses nem sequer tinham “onde cair mortos”! E a explicação continua, ao mesmo tempo que lhe iam dando a conhecer tudo o que de bom tem a freguesia. Claro que já é de longa data conhecida e famosa a água de Tavarede, “fina, pura, saborosa, aveludada, um verdadeiro regalo”.

Fonte
Mato a sede a toda a gente
E às avesinhas do céu;
À minha água transparente
Ninguém fez cara de réu.

 Todo o dia ao lusco-fusco
 Oiço as alegres cantigas
 E os segredos que os rapazes
 Cochicham às raparigas.

 Bilhas
Airosas, catitas,
De barro encarnado,
À fonte nos levam
Com todo o cuidado;
E às vezes trazemos
Raminho entrouxado.
A moça que chega
C’o seu namorado
Comigo à cabeça
Conversa um bocado
E apanha à sucapa
Seu beijo furtado.

         Sabem, agora, uma das razões de considerarmos esta revista como um marco no nosso teatro musicado. A cantiga da “Fonte e suas Bilhas”, pela primeira vez ouvida nesta revista, é uma das que mais agradaram ao nosso povo e que, ainda hoje, é frequentemente recordada e cantada. Mais adiante conhecerão uma outra.

         Naqueles tempos, os tavaredenses, na sua grande maioria trabalhadores do campo, trabalhavam de sol a sol. Mas, na verdade, sentia-se a falta de um relógio que, colocado na torre da Igreja, anunciasse as horas do dia. Abriram-se subscrições, houve algumas dádivas, como do João do Ricardo, que deu um pataco novo; do João Caceira, que declarou que dava os pesos; do Francisco Maltês, que prometeu uma pêndula que tinha, mas com pouco uso, etc. Refira-se que tudo isto aconteceu na realidade, pois vem publicado em várias locais da imprensa figueirense.

         Mas como não se conseguia o relógio e como ninguém sabia às quantas andava, alguém se lembrou de apanhar um cuco e ensiná-lo a cantar as horas. Bem lembrado, melhor executado. Poucos tempos depois, lá estava o cuco no seu posto cantando as horas. Para as horas pares cantava “cu-cu” e para as ímpares um ‘cu’, por exemplo, para as cinco horas, cantava “duas vezes cu-cu” e só mais “um cu” para fazer a conta certa.

         Mesmo assim, ainda fazia falta o toque das Trindades. Pagavam pouco e “por pouco dinheiro, ninguém quer dar ao badalo”... Também o caso estava resolvido: os tavaredenses saltavam da cama mal luzia o dia; com o sol a pino, iam “à trincadeira” e à “hora dos morcegos, que é ao lusco-fusco, ovelhas ao curral”. O cuco também só dava as horas até às 11 horas da noite, o que era mais do que suficiente: “cá na aldeia, esta gentinha deita-se sempre entre as dez e as onze”...

         Mais coisas mostraram ao jornalista. Quando regressaram aos Paços da República para fazer as despedidas e quando estava a agradecer ao presidente as facilidades que lhe dera para a reportagem, que estava certo, iria causar sensação no país, ouvem uma enorme vozearia na rua. Alguém que foi à janela conta: “É a malta dos cavadores e o rancho das ceifeiras, que vão pegar no trabalho depois do jantar”...

 Coro
Desde manhã ao sol posto,
Arado ou foice na mão,
Seja Inverno ou seja Agosto,
Ceifamos a loira espiga
Ou pomos à terra o grão.

Cavadores
Vamos todos sem cansaço
Na terra dura
Cavar, cavar.
A força do nosso braço
Traz a fartura
Do nosso lar.

Ceifeiras
Somos as ledas ceifeiras
Que vão as messes trigueiras
Segar, ceifar,
Sempre ligeiras,
Sempre a cantar,
A cantar.

Coro
Cavar, Ceifar,
Ceifar, cavar,
Sem descansar.

         Perante o entusiasmo geral, mal acaba o coro, ouve-se o presidente dizer ao jornalista:


         Presidente – “o trabalho consola, o trabalho dignifica, quando é honesto e orientado para bom fim. Veja esta gente. Após horas de labutação e canseira, ainda canta e sente-se feliz. Gente admirável, os trabalhadores das nossas aldeias!... Ainda brilha no céu a estrela de alva, saltam eles da cama, lestos e bem dispostos como quem vai para uma festa. E de enxada ao ombro, uma broa no bornal, um trauteio de cantiga na boca, tão contentes como pardais em Julho, lá vão para a faina de cada dia, a revolver a terra maternal, donde há-de sair a mantença de todos, a abastança, a conservação da vida. São eles, os tisnados e rudes cavadores, de riso claro e bom, alma lavada e braço forte, o amparo, o sustentáculo duma Pátria Livre!”. (A primeira parte termina, ouvindo-se a música do coro dos cavadores e das ceifeiras que, durante a fala do presidente, tinha continuado a tocar em tom baixo).

Usos e Costumes da Terra do Limonete - 8

         Outro então fez-nos ir bater á porta por vezes varias, e um dia sahe-se com esta:
         = Olhem lá, meninos, vocês tambem fazem festa d’egreja?
         Depois de resposta affirmativa:
         = E de que consta? Quem canta ao côro? De onde é o armador? Quem... – e fez-nos uma série de perguntas que só a paciencia de Job retorquiria. Mas como contavamos com verba taluda, gramámos bem uma bem puchada hora de massada... E sabem quanto assignou? Foram 30 reis, por signal em cobre, porque, dizia elle, agora não tinha mais trocado! Para a outra vez daria mais qualquer coisinha...
         É verdade! E foi-nos exigindo um foguete, que então já custava creio que uns seis vintens, e que fossem no dia da festa com o gaiteiro tocar-lhe á porta, como era habito no seu tempo!!
         E por estes e outros motivos, eu tenho a firme, a certeza plena de que os rapazes da Figueira perdiam o moral e desistiam por completo, no caso que prosseguissem – como era do seu dever – no que se propuzeram.
         Antes que te cases... – e é bem certo.
         Soffrem-se muitas decepções, meus caros, acreditem. As luzidas festas que vós todos os annos haveis apreciado custa muito aos que a emprehendem. Sua-se muito e dão-se milhares e milhares de passadas.
         Eu, com os meus 23 annos, já sei muito bem o que ellas custam. No emtanto inda lá ia outra vez, inda estava no firme proposito de trabalhar com a mesma boa vontade, com o mesmo amor proprio, conjunctamente com rapazes da minha terra, para a realisação de tão sympathicos festejos, se vocemecês, na qualidade de inexperientes no assumpto, me não alliviassem d’esse pesado fardo.
         E para quê? Para agora um dos commissionados – talvez com o criterio espicaçado pelo arrependimento – me vir offerecer vinte mil reis para eu ficar por elle!
         Pobre d’espirito!
         E aqui teem explicado o motivo por que os rapazes de Tavarede capricharam em não levar a effeito este anno os tradicionaes festejos ao Santo Casamenteiro.
         Oxalá semelhante facto se não repita, pois, que diabo, cá na terra ainda há gente competente para fazer os festejos ao S. Joãosinho – os festejos que dão honra á Tradição e sobretudo ao perfumado Canteiro de Limonete...
         No emtanto, para aquelles dias este anno aqui não passarem despercebidos, e instados pelas moçoilas, um grupo de rapazes, possuido da melhor boa-vontade, realisará nos proximos sabbado, domingo e segunda-feira uma modesta festa, uma festa de um cunho accentuadamente familiar, a qual constará do seguinte:
         = De sabbado para domingo, no Largo do Forno, rancho de descantes populares, abrilhantando parte da tuna do Grupo Musical Tavaredense;
         = Domingo, á tarde, continuação do mesmo rancho, destinando-se um premio para o par que se apresentar em rigoroso ponto em branco;
         = Na segunda-feira, de manhã, desafio de malha entre oito dos melhores batedores do burgo, no pittoresco quintal do estabelecimento commercial dos successores de F. Cordeiro, sendo disputado um leitão, o qual será pago pelos vencidos e papado pela assistencia;
         = No mesmo dia, á tarde, corridas varias e a indispensavel Rosquilhada – um dos numeros que chama a Tavarede dezenas e dezenas de pessoas, principalmente d’essa cidade.
         = Á noite, danças populares.
         E d’esta fórma tenho a certeza que não deixará de divertir-se toda a gente de Tavarede e a que cá affluir n’aquelles dias”.
No ano de 1926 ainda se manteve o costume. “Como aqui noticiámos, realisaram-se nos dias 31 do passado mês de Julho, 1 e 2 do corrente, as festas ao S. João, que um grupo de homens levaram a efeito e que decorreram sempre com grande pompa e brilhantismo.
         No sábado à noite houve concerto pela filarmónica “Figueirense”, queimando-se ao mesmo tempo um lindo e vistoso fogo do ar e ranchos populares até de manhã, abrilhantados pela tuna do Grupo Musical I. Tavaredense.
         Domingo, às 12 horas, começaram novamente os festejos com uma missa soléne, assistindo a esta, a parte coral da mesma tuna Tavaredense.
         Seguiu-se-lhe as cavalhadas, que ao contrário dos anos anteriores, percorreram primeiro essa cidade.
         Estas despertaram grande entusiásmo, pois já há muitos anos que assim se não realisavam cavalhadas tão concorridas, e por este motivo, nas praças e ruas déssa cidade, onde elas passáram, estava uma enorme multidão de povo que gosta sempre de apreciar estes divertimentos.
         Depois caminharam para Buarcos, onde tambem aguardavam a chegada dos tavaredenses, muitas dezenas de pessoas.
         De novo voltaram para esta povoação onde terminaram já tarde. Às 9 horas, pouco mais ou menos, a “Figueirense” de novo começou o seu concerto, exibindo neste dia algumas das melhores peças do seu vasto reportório, seguindo-se tambem ranchos populares, que terminaram perto das 2 horas da madrugada de segunda-feira.
         Tudo retirou fatigado de tantos divertimentos realisados nos dias anteriores.
         Dia 2, segunda-feira – Às 4 horas da tarde já na nossa terra se encontravam algumas dezenas de pessoas que vinham assistir ao melhor da festa.
         Às 6 horas, começaram as rosquilhadas, que correram animadas. Este numero atrazou bastante os outros, que eram as corridas de velocidade, de sácos, de 2 pérnas, de pótes, etc.; este número, um dos que mais interesse despertava, não se realisou, por motivo de já ser muito tarde quando se estava para efétuar, realisando-se os seguintes e que tivéram o resultado que a seguir publicamos:
         Corridas de velocidade, calculadas em 350 metros: 1º prémio, António Cardoso, 2º, Manuel Nogueira e Silva, 3º, Carlos Custódio.
         Corridas de 100 metros, rapazes até 12 anos: 1º, prémio, Joaquim Medina, 2º, Antonio Fadigas Cordeiro, 3º, Gentil Ribeiro.
         Corridas de Agulhas: 1º prémio, Joaquim Broeiro, 2º Armando Amorim, 3º, Izelino Prôa.
         Corridas de 3 pérnas: 1º prémio, João e Jorge Medina, 2º, Polidoro Fernandes e Constantino Migueis Fadigas, 3º, Rui Gaspar de Lemos e José Gomes.
         Durante as corridas, que decorreram sempre no meio da maior animação, fez ouvir brilhantemente, um reportório escolhido, uma filarmónica... composta de três pontos...
         E terminou na segunda-feira, já tarde, as festas realisadas nesta risonha povoação, em honra de S. João.

Cumpre-nos dirigir, mais uma vez, aos componentes da Comissão Organisadora dos festejos, os nossos parabens pelo bom êxito que alcançaram”.

O Associativismo na Terra do Limonete - 64

      Aproximamo-nos dos fins da década de 1940. E o final da mesma trouxe a Tavarede um novo e brilhante espectáculo. Da autoria de Mestre José Ribeiro surgiu, no nosso palco, Chá de Limonete.

         Mas, antes de continuarmos com o teatro, vamos recordar que, em Abril de 1950, o Grupo prestou homenagem ao seu conjunto privativo, pelo seu décimo aniversário.


Lúcia-Lima-Jazz - 1950

         E voltemos ao Chá de Limonete. Para saber do que tratava a peça, um jornal figueirense foi entrevistar o seu autor. O grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense vai dar-nos em breve mais uma nova peça – e desta vez uma peça bem sua. Os leitores do Notícias da Figueira já lhe conhecem o título, visto que em tempos aqui noticiámos ir entrar em ensaios a fantasia Chá de Limonete.
         Certos pormenores que por acaso ouvimos referir aguçaram-nos a curiosidade de saber mais alguma coisa acerca da peça tavaredense. O Chá de Limonete seria realmente o que ouvimos? Se assim fosse, o grupo de Tavarede iria oferecer-nos uma autêntica novidade, merecedora da atenção de quantos se interessam pelo teatro de amadores.
         Facilmente nos esclarecemos indo à vizinha terra do limonete, onde conversámos com o director do grupo da Sociedade de Instrução Tavaredense, sr. José Ribeiro. Acolheu-nos prontamente e francamente respondeu a quanto lhe perguntámos, sem reticências nem rodeios.
         = É então certo que o Chá de Limonete vai ser servido ao público brevemente?...
         = Sim. A não surgir qualquer contratempo, devemos representá-lo em Tavarede no dia 21 de Outubro próximo. Contamos vencer, até lá, as dificuldades de vária ordem que se deparam na montagem duma peça deste género.
         = E nós esperamos vê-la na Figueira pouco depois.
         = Não. O Chá de Limonete não sai de Tavarede. Será representado exclusivamente no teatrinho da Sociedade de Instrução Tavaredense.
         = Mas sempre o seu grupo tem levado à Figueira as peças que ensaia...
         = É certo, e sempre o público figueirense tem sido amável e generoso com os amadores de Tavarede, ainda que às vezes se não dê pela presença destes na Figueira, como poderá concluir-se do silêncio dos jornais sobre as representações, certamente por ficarem desertas as cadeiras dos críticos, as quais, aliás, nunca deixaram de lhes ser reservadas... Mas, como iamos dizendo, desta vez não iremos à Figueira. A peça foi escrita e está a ser montada para Tavarede, e daqui não sairá.
         = É então uma peça bairrista, tavaredense 100 por cento, apenas para tavaredenses...
         = Nada disso! Chá de Limonete é tavaredense de gema – 100 por cento, como Você disse – mas é uma peça para toda a gente. Os casos referidos, os episódios, as figuras vêm da tradição, da história e da crónica locais; mas as histórias que se contam e vivem (a peça poderia chamar-se – História de Tavarede)  tão bem as entende o espectador tavaredense, como o figueirense, como o de qualquer outra parte.
         = Já agora, se quisesse levar ao fim a sua amabilidade, podia dar-nos um resumido esquema da revista...
         = Revista... Está bem, sim, pode chamar-lhe revista, por comodidade de expressão: porque se trata de uma obra teatral que é uma sucessão de quadros, agrupados em 3 actos. Mas não nos faça a injustiça de supor que vamos, incoerentemente, oferecer ao nosso público uma revista... revista!
         = Se quisesse esclarecer o seu pensamento... Parece que o género não tem a sua simpatia...
         = Referimo-nos à revista estilo Parque Mayer, tão inferiorizada e contra a qual se insurgem os apreciadores do bom teatro ao vê-la representada por profissionais. Ora, se são amadores que a representam, o caso ainda é mais grave, porque estes só nos podem dar o que a revista tem de mau, sendo-lhes inacessível o que nela ainda existe de bom no aspecto artístico. Levaria tempo a desenvolver aqui o que sobre o assunto pensamos.
         = Podemos dar publicidade no Notícias da Figueira às opiniões que lhe acabamos de ouvir?
         O nosso entrevistado encara-nos com expressão de grande franqueza, e muito singelamente diz:
         = As minhas opiniões, sobre teatro ou sobre seja o que for em que posso tê-las, costumo afirmá-las em voz alta. Ponha-as em letra redonda se lhe apraz, embora eu não tenha nisso qualquer interesse.
         = Mas os nossos leitores gostariam de conhecê-las...
         = Dê-lhes, então, opiniões de críticos abalisados. Sempre valerão mais do que as minhas. Estas, por exemplo.
         E foi buscar-nos recortes de jornais, donde copiamos:
         Diário de Notícias: “O teatro de amadores de Lisboa ou de algures foi, de há tempos a esta parte, contaminado pelo vício da revista, não para exaltar o regionalismo através de quadros típicos e figuras pitorescas, mas copiando servilmente os aspectos banais das revistas em série, modelo P. M., com os mesmos defeitos e até com o mesmo guarda-roupa já bastante usado. E isso é, realmente, perigoso para a finalidade educativa das Sociedades de Instrução e Recreio.”.
         A Voz: “... o mesmo compadre, as mesmas chefes de quadros, as mesmas rábulas e as mesmas canções... Seria prudente mudar de rumo e fazer alguma coisa de original...”.
         Diário de Lisboa: “... De modo que é difícil deixar de ter duas maneiras de ver – uma para o Parque Mayer (mesmo quando ele mora algures), outra para a louvável e generosa iniciativa dos amadores. Mas se estes, arrastados por um poder de entusiasmo mal orientado, se deixam levar para propósitos de fazer tão bem (ou tão mal?...) como a produção terrivelmente comercializada contra qual todos se costumam insurgir e da qual todos se dizem fartos, arriscar-se-iam a que o público em geral e o comentarista em especial passassem a olhar o caso sem o benefício da benévola simpatia que irresistivelmente se usa atribuir-lhes.”.
         O Século: “... A revista segue a traça comum, entremeando quadros de comédia com quadros de rua e utilizando os moldes habituais. Há o indispensável microfone, o infalível fado...”.
         República: “... É pena que algumas (revistas de amadores) não mantenham mais puras características locais e sejam demasiadamente “Parque Mayer”, circunstância que, em vez de as valorizar, as desvaloriza. Com um pouco mais de orientação e de critério artístico, estas revistas seriam, além dum passatempo para os seus intérpretes, um excelente meio de divulgação de costumes, de tradições e de belezas bairristas.”.
         = Aí tem. Eu entendo que revistas de amadores devem ser isso mesmo: além de saudável passatempo. “um excelente meio de divulgação de costumes, de tradições e belezas bairristas”.
         Aqui objectámos:
         = Mas é inegável que o público acorre precisamente a essa “produção terrivelmente comercializada”, o que significa que é disso que ele gosta.
         = E... acha que não deve tentar-se nada para melhorar o gosto do público? Será então função dos grupos de amadores manter e explorar o mau gosto do público? Parece-lhe que é assim que as Sociedades de Educação e Recreio cumprem a sua missão, como se em vez de sociedades de educação e recreio fossem apenas... empresários a farejar negócio?
         E, sem nos dar tempo a responder, o nosso entrevistado continuou:
         = Não responda, que não é preciso. Fechemos o parêntesis e voltemos ao Chá de Limonete. Que quer saber então, concretamente?
         = Diga-nos qual o assunto da peça, o esquema sobre que foi construída.
         = Como lhe disse, são histórias de Tavarede. Está claro que sendo de Tavarede, o são também da Figueira, de Buarcos... Numa sucessão cronológica de 24 quadros agrupados em 3 actos, passa a história da terra do limonete. No 1º. acto – “Tavarede de Outros Tempos” – o Velho-Tavarede mostra a Frei Manuel de Santa Clara vários episódios: a doação de Tavarede à Sé de Coimbra, com o Rei D. Sancho I, a Rainha D. Dulce, os Bispos de Braga, de Viseu, do Porto e de Lisboa, o Alcaide-Mor de Coimbra, o Mordomo-Mor da Cúria, o célebre notário Julião, etc. (ano de 1191); as marinhas de Tavarede (século XVI), pois era então aqui bastante numerosa a classe dos marnoteiros; a bruxa de Buarcos Isabel Peixinha e as laranjas da China... de Tavarede (século XVII); um aspecto da luta entre o Fidalgo Fernão Lopes de Quadros e o Cabido de Coimbra (século XVIII), terminando o acto com o celebrado jantar do Deão de Coimbra na sua visita anual a Tavarede. O 2º. acto – “Couto sem Cabeça” – abre com a mudança da Câmara de Tavarede para a Figueira e mostra-nos ainda costumes dos séculos XVIII e XIX como os fornos da poia, os lombos e a língua de vaca, a colher das papas, a saia-balão e um episódio relacionado com a tomada do Forte de Santa Catarina aos franceses em 1808. No 3º. acto – “Tavarede de Hoje em Dia” – surgem números de carácter folclórico, rememoram-se tradições, põem-se a falar – e a cantar... – figuras como o velho ribeiro de Tavarede, o palácio dos Condes, a fonte, os potes enfeitados do 1º. de Maio... E a concluir, como lição moral da peça, a glorificação do trabalho.




 Chá de Limonete
Jardins de Tavarede - final

         = Mas, pela resenha que lhe ouvimos, o Chá de Limonete exige montagem dispendiosa!
         = Sem dúvida. Veja a variedade e a quantidade de indumentária e cabeleiras para as várias épocas... E cenários... Para todos os quadros estão a ser pintados cenários próprios por dois grandes artistas: o nosso Reynaud e o cenógrafo do Teatro D. Maria II, Manuel de Oliveira. E oiça isto, que é curioso: os rapazes da direcção da Sociedade de Instrução Tavaredense dispuseram-se a pôr em cena o Chá de Limonete sem nenhuma esperança de que as receitas cubram as despesas! Todos os louvores lhes são devidos. Para proceder assim é preciso ter coragem e não ser dominado por estreito critério comercial de empresário. E fiquemos por aqui. Dentro de pouco estão lá em cima, no teatro, os rapazes e as raparigas à espera, para o ensaio...
         = Podemos assistir?

         = Se o desejar... Mas olhe que estamos apenas a ensaiar a música. A propósito: posso dizer-lhe que a música é lindíssima, toda original de António Simões. Chá de Limonete ficará sendo um dos melhores trabalhos deste distinto artista-amador.