segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Uma história de outros tempos - A Quinta do Robim


Já aqui publiquei a história do sr. João António da Luz Robim Borges, que herdara a quinta do seu familiar dr. Borges e hoje vou contar, melhor, transcrever, umas notícias das transformações que fez na referida quinta e de uma festa com que o brindaram no dia em que fez 39 anos de idade.
Foi em Maio de 1897. Eis as notícias:

"Completa amanhã 39 annos o sr. João Antonio da Luz Robim Borges.
N’esta occasião, em que os amigos d’este benquisto cavalheiro o felicitam com sincera cordealidade no seu aniversario, seja-nos permittido que a essas felicitações e às nossas juntemos algumas palavras que são d’inteira justiça pelas qualidades que enaltecem o caracter do sr. Robim Borges.
Descendente d’uma familia de negociantes, que pela sua actividade e honradez nunca desmentida alcançaram avultados bens e um logar preponderante na classe commercial de Lisboa, o sr. João Robim encontrou se ainda novo de posse d’uma fortuna importante e, pago o indeclinavel tributo que todo o homem digno d’este nome deve à juventude, principalmente quando esta é realçada pela riqueza e por uma irrequieta e vermelha saude, abandonou por completo a vida agitada e brilhante da capital pela remançosa tranquillidade provinciana, installando-se na Figueira, onde há annos vive, estimado por quantos com elle entreteem relações d’amizade.
Vivendo largo tempo no sport lisboeta, o seu genio de rapaz, acostumado a uma existencia agitada e um tanto febril, devia fatalmente ressentir-se da transplantação para um meio pacato e ordeiro, que obriga a solo na Assembleia e metter o corpo em valle de lençoes às 10 horas. Em vez de submetter-se a estes habitos caturras, preferiu rodear-se d’alguns amigos e levar uma existencia socegada, a seu modo, mas que não exclue a applicação da natural actividade.
Herdeiro da antiga Quinta do Borges, na Varzea, com dinheiro, com energia e com bom gosto, conseguiu transformar radicalmente o abandonado predio n’uma esplendida propriedade, n’uma magnifica vivenda, talvez sem egual no concelho da Figueira.
A Quinta do Borges, ainda há poucos annos quasi um pousio, quasi em absoluto abandono, é hoje a admiravel e deliciosa Villa Robim, onde o agricultor rotineiro tem que aprender e onde o visitante de bom gosto tem que apreciar e invejar. É uma propriedade rural à moderna, com todas as exigencias impostas pela sciencia da cultura e com todas as commodidades e elegancias que o confortavel não dispensa.
Isto, que já representa muito, pois que a realisação de todas estas cousas o actual possuidor da negligenciada propriedade teve de espalhar uma parte da sua valiosa fortuna, beneficiando principalmente as classes trabalhadoras, não é só titulo bastante para a nossa consideração e estima. O sr. João Robim, porém, tem feito muito mais.
É um philantropo sincero, sem vaidades, não dando ostentação à caridade. A classe operaria encontra n’elle um protector, um bemfeitor d’inexgotavel generosidade, e a porta da sua habitação nunca se fechou para aquelles a quem a miseria empolga e a desgraça salteia.
É um verdadeiro benemerito, é um coração do mais fino quilate. Por isso não é de mais a estima e a consideração que os figueirenses tributam àquelle a quem muitos com lagrimas de sincera commoção abençôam no dia do seu anniversario".

"... Foi elle que lhe modernizou a quinta e lhe deu o nome por que ficou conhecida.
Situada no fundo da bacia de Tavarede, a pouco mais d’um kilometro d’esta cidade para o nordeste, a perto de seiscentos metros ao sul daquella povoação, e a uns quatrocentos metros do Casal da Robala, que lhe fica a sueste, é rodeada por montes de pequena elevação que se multiplicam pelo nascente e poente, ao norte pelo prolongamento da Serra do Cabo Mondego, abrindo-se ao sul e em frente da villa uma extensa varzea, com disvello cultivada, que se termina no Rio Mondego.
Atravessando esta, existe um ribeiro dimanado da parte norte de traz de Tavarede que, atravessando-a toma o nome d’ella - ribeiro da Varzea, que vae desaguar no rio.
Ha duas fontes na mesma baixa ou varzea, tendo uma d’ellas este nome, e outra o de fonte da Lapa.
Ha uma estrada que liga directamente esta cidade com a villa e é a que segue pelo norte d’aquella indo pelo caminho da fonte da Varzea até lá.
Outra, que se dirige por junto da estação do caminho de ferro da Beira, e estrada de Mira.
Por Tavarede, e Casal da Robala, ha para ali tambem umas rasoaveis communicações viarias.
Quasi rodeada em circulo por pequenos montes, como dissemos, fica a Villa Robim emmoldurada por terras agricultadas, de cores variadas, fazendo pendant, o agradavel verde-escuro dos pinhaes que aqui e ali se vêem pelas encostas, em pequenos rectangulos, com as culturas de plantas de verde-claro, que se estendem em terrenos das baixas regadas pela abundancia d’agua que por ellas se ramifica. A longos tratos admira-se tambem, nos terrenos proprios, os vinhedos luxuriantes, aonde, por bem tratados, se distinguem os da Villa Robim.
Os pomares merecem tambem, na baixa e encostas de que falamos, de especial mensão, abundando as macieiras, ameixieiras, pereiras e figueiras, alem de uns raros pomares de larangeiras, que em uma ou outra parte existem.
A Villa Robim, inteiramente reformada, depois que o sr. Robim Borges tomou conta d’ella, como herdeiro de seu tio o sr. dr. José Joaquim Borges, é por assim dizer hoje uma quinta-escola agricola.
Graças a uma boa fortuna que possuia, e que adquiriu depois pelo fallecimento de seu honrado pae o sr. João Robim Borges, conceituadissimo negociante da praça de Lisboa, fez d’aquella pequena extensão de terreno, d’então, uma razoavel propriedade, tanto encarando-a pelo seu acrescentamento de terreno de que tem cuidado, como pela forma por que tem sido tratada agricolamente, segundo os novos processos da sciencia.
A propriedade acha-se dividida para as diferentes especies de culturas, em conformidade com o terreno, com as circumstancias climatericas e a necessidade de aguas correntes onde rega.
Havendo a difficuldade de levar a alguns pontos mais imminentes a agua da rega, ha bombas e lavatorios para isso, e uma boa disposição de canalisação attinente ao mesmo fim.
O pessoal de trabalhadores na villa, actualmente, regula, pelo que nos informam, entre cincoenta a sessenta jornaleiros, não contando n’este numero os que permanentemente lá residem.
E por ahi se pode avaliar a quantos o sr. Robim proporciona o pão quotidiano, embora remunerado em trabalho relativo.
N’este ponto, obrigam nos as nossas intensões a dizer que oxalá outros seguissem o mesmo caminho, fazendo valer para si e para os seus operarios o seu dinheiro, como faz o sr. Robim.
Que Deus lh’o amontoe para o poder distribuir...
Na actualidade, tem um lagar prompto, construido á moderna, já destinado a uma colheita vinicola, maior, quando tenha alargado a sua propriedade, como tenciona.
São inumeros os animaes contidos, systematicamente na Villa Robim: Bois, cavallos, carneiros, cabras, ovelhas, gansos, perús, gallinhas, patos mudos, patos triviaes, etc., e iria por ahi além a nossa narrativa se tivessemos de fazer uma completa resenha.
As porcheries, habitação de porcos, são pratica e scientificamente cuidadas, vivendo n’ellas animaes de differentes raças apuradas, não n’um immundo esterquilinio, como é corrente por ahi, mas em divisões appropriadas á higyene e em boa disposição ao desenvolvimento animal.
Das cavallariças não fallemos; é ir e ver.
Além d’outros, apresentam-se no logar cinco ou seis cavallos que, pela sua estampa, bem dizem dos que os escolheram e do bom tratamento que tem tido. Cavallos de tiro.
Para se ver quanto importante é o sustento d’estes animaes bastará repetir o que ouvimos dizer: seis mulheres andam diariamente no apanho de erva para elles.
Na cocheira, no dia dos annos do sr. Robim, estava, em alto, um tropheu de cousas allusivas á pecuária adornado de campainhas e guisos.
Era tambem objecto de admiração, a cabeça, rara, de um carneiro tricorne, dissecada e cheia de algodão.
Chegando até aqui, em uma resenha defeituosa, talvez porque melhor não podemos fazer, da Villa Robim, vamos falar das festas do anniversario do seu proprietario o sr. João Antonio da Luz Robim Borges.
Sobre a madrugada do dia 9 do corrente, quando a luz da manhã começava a espalhar a sua claridade sobre a Villa Robim, fazendo avultar no escuro ainda, a claridade das suas habitações, rompia no largo proximo á habitação do sr. Robim, o toque d’uma fanfarra ida d’aqui, a dar lhe a alvorada no seu dia d’annos.
Sem prevenção antecipada, ficou aquelle senhor surpreso, vindo á janella a recebel-os.
Era uma troupe de operarios que lá ia, em reconhecimento do que a favor da sua classe tem feito.
Bem recebidos, bem tratados, e tudo o mais que era de esperar do cavalheirismo do sr. Robim.
Durante o dia foi uma romaria á villa, não só de gente d’esta cidade, como das povoações proximas de Tavarede, Casal da Robala, etc.
Houve dansas, descantes, musica, e isto até altas horas. Pela 1 da noite, retirou a fanfarra dos operários, tendo antes agradecido ao sr. Robim todas as amabilidades de que foram alvo.
Á casa d’aquelle senhor haviam chegado de Lisboa n’aquelle dia mais de vinte pessoas de familias da sua amizade, que vieram congratular-se com elle no seu anniversario, tendo tambem reunido á sua mesa alguns amigos intimos d’esta cidade.
A festa acabou no dia 10, pela manhã.
Deixou a todos gratas e saudosas recordações, evidenciando-lhes que, aquella homenagem tributada ao sr. Robim Borges, era, não só pelo seu cavalheirismo, fino trato e posição, mas tambem um abraço fraternal do povo que o estima e venera, pelas suas excellentes qualidades humanitarias...".
Como está diferente a Quinta do Robim! Irreconhecível. Do que acima se fala só tenho fotografias da velha fonte da Várzea. Será que alguém (talvez o amigo Rogério) tenha uma ou duas fotografias antigas para aqui inserir? Era mais uma recordação.






As lavadeiras no ribeiro da Várzea

Cântaros com água fresquinha

O que restava da velha fonte, antes da sua destruição

António Medina Júnior


Nasceu a 21 de Abril de 1898, em Tavarede, filho de António Medina e de Otília Nunes do Espírito Santo.
Fez a instrução primária com a professora Maria Amália de Carvalho e continuou os estudos na Escola Industrial e Comercial da Figueira da Foz, frequentando o curso nocturno, empregando-se, como aprendiz de tipógrafo, na Tipografia Lusitana, na Figueira.
Fundou o semanário “Praia Elegante”, em 1915, de companhia com António Amargo e Mário Reis, seus companheiros de trabalho naquela tipografia. No ano de 1921, fundou em sociedade com João Fernandes Nascimento, a tipografia “Nascimento & Medina”, com instalações na Rua das Flores, mas que teve curta duração.
Muito novo, integrou-se no associativismo, primeiro na Sociedade de Instrução Tavaredense e depois no Grupo Musical e de Instrução, fundado por seu pai e por seu tio, José Medina, em 1911.
Executante musical de elevado nível, fez parte da Tuna e de um conjunto musical de que foi violinista, com António Cordeiro, tocando em bailes de gala e em celebrações religiosas, acompanhando, por vezes, um coral expressamente formado para estes actos solenes.
Amador dramático muito versátil, formou, com sua irmã Violinda, o par de principais protagonistas nas peças levadas à cena pelo grupo dramático do Grupo Musical, no período de 1920 a 1927.
Também foi ensaiador do mesmo grupo (ensaiou, entre outras peças, a opereta Amores no Campo) e dirigente, na direcção e na assembleia geral. Também exerceu o cargo de cobrador da Companhia do Gás e das Águas.
Começou, muito novo, a dedicar-se ao jornalismo. Além de fundar o jornal já referido, foi correspondente local do jornal “O Figueirense”, em cuja tipografia se empregou em 1923, chegando a travar acesas polémicas com correspondentes rivais a propósito de problemas da terra.
No ano de 1927, correspondendo a um convite que lhe foi dirigido, foi para Sintra trabalhar e dirigir uma tipografia onde era composto e impresso o jornal “Sintra Regional”. Com a morte do seu proprietário, adquiriu a tipografia para si e, no dia 7 de Janeiro de 1934, lançou o “Jornal de Sintra”, de que foi proprietário e director até à sua morte no ano de 1983.
Bairrista acérrimo, foi sempre o “embaixador da Figueira em terras saloias”, como ele próprio se intitulava com certo orgulho e satisfação. Organizou algumas excursões de Sintra à Figueira e a Tavarede, a última das quais, em 1958, com a vinda da conceituada banda de Pêro Pinheiro. Igualmente deu vida a deslocações de tavaredenses e figueirenses a Sintra, nomeadamente do grupo cénico da Sociedade de Instrução, que ali se apresentou, primeiro em 1945 em Colares, com as peças A Nossa Casa e Horizonte, e depois em 1957, com as peças Frei Luís de Sousa e Peraltas e Sécias, representadas no teatro-cine local.
Havia casado, em 1920, com Emília Pedrosa, também ela amadora dramática no Grupo Musical, e tiveram dois filhos: Maria Almira e António. Faleceu em Sintra, no dia 22 de Outubro de 1983.
“… aquele azougado e vivito rapazinho que nos apareceu um dia “à caixa”, a pôr as letras em pé na secção de cheio da oficina do saudoso mestre Augusto Veiga, - vindo da risonha e pitoresca aldeia, cuja gente é perfumada de limonete, - desde logo começou a ter faísca para a arte, como a teve também para coçar as tripas da sua rabeca em estudantinas da sua terra. Parece estar a vê-lo: risonho, trocista, bamboleante, com os seus ditos picantes e frescos, principalmente quando se proporcionava um bródio de alegria franca… Um dia, já homem, emigrou da sua aldeia. A trouxa era magra… A cabeça era um feixe de ilusões, o espírito um manancial de esperanças, - e a estrela que o iluminava e conduzia era como que a enviada pelo Destino a orientar a rota da sua jornada… Como caminheiro que sabe o que vê e o que sente, fixou seus olhares surpreendidos e maravilhados na deslumbrante serra de Sintra…
… Fixou-se. Desfez a trouxa. E começou a sua faina. O componedor na oficina e a rabeca nas horas vagas e caseiras vão entretendo o novo cidadão de Sintra… Fundou o “Jornal de Sintra”. Orientado pelo seu natural bairrismo e talvez por dedicações amigas e idóneas, teve a felicidade e a honra de lhe ser ligada aquela consideração que distingue as pessoas de bem!”.
A Câmara Municipal de Sintra prestou-lhe homenagem nomeando-o “Cidadão Honorário” e atribuindo-lhe a “Medalha de Ouro do Concelho”. Por sua expressa vontade, esta medalha e um livro, em pergaminho, com milhares de assinaturas em mensagem de apreço e gratidão, foram entregues à guarda do Museu Municipal Dr. Santos Rocha, da Figueira da Foz.
No almoço que uma representação da Figueira lhe ofereceu em Colares, disse: “… eu dei-me, há 43 anos, a Sintra. Dei-me todo. Todo. Desgastei a minha mocidade radiante ao serviço de Sintra, com muita pena de o não ter feito na minha terra. Mas o que Sintra não sabe, ou se sabe respeita o meu segredo, é que é aqui onde anda o corpo físico, porque o coração nunca saiu da Figueira. Está lá. O coração está sempre na Figueira!”.
Igualmente o seu nome faz parte da toponímia sintrense, o que também se verifica em Tavarede, onde, por proposta da Junta local aprovada pela Câmara Municipal, foi atribuído o seu nome a uma rua na Quinta da Esperança, em Outubro de 1996.

Numa das suas vindas a Tavarede, nos anos 50, participou, com a rapaziada, numa corrida de sacos

Defensor entusiasta das velhas tradições da terra do limonete, foi com o maior entusiasmo que, quando nos anos 50 do século passado, fizeram reviver o primeiro de Maio, com o seu rancho dos potes floridos, não resistiu. Com a sua “rabeca” debaixo do braço, gritou bem alto: presente! Eis um pequeno recorte duma noticia que escreveu contando esta aventura:
“… na grata intenção de reviver horas largas de felicidade já distantes, e experimentar o sabor dulcificante dos sorrisos e dos cantares da gente moça da minha amada Tavarede, soltados ao espaço nas horas matutinas e orvalhadas da próxima madrugada do primeiro de Maio, em que também quero incorporar-me no naipe dos tocadores…
… Não sei a que pontos o meu virtuosismo chegará. Uma coisa garanto desde já aos ‘rapazes’ do meu tempo que porventura queiram recordar felicidades distantes que se foram para sempre e se dignem comparecer, também, ao lado do sanguinho na guelra da nossa terra: é a certeza absoluta de que, se a gloriosa Marcha do Rancho de Tavarede não sair pelos dedos destreinados das mãos, ela será arrancada à “sanfona” pelos dedos fortes da alma…”.
Assim aconteceu. E as consequências? “… de violino nos queixos – espírito remoçado, tempos revividos, evocações e saudades presentes -, que me provocaram (porque não confessá-lo?) uma tremenda comoção -, acompanhei a garbosa embaixada do Maio florido na sua clássica peregrinação.
E, - coisa curiosa! – as notas da linda marcha “saíram” todas, como se entre elas e os largos anos que separaram os meus dedos do violino, nunca tivessem existido. O pior é que, quando cheguei ao fim da jornada, em que se calcorrearam bastantes quilómetros, quase foi necessária uma “padiola” para me transportarem para o ponto de partida. Estava que nem uma passa, constituindo tal facto um primoroso “pratinho” para a minha irmã Violinda e para a minha ditadora conjugal, as quais me “repassaram” de sarcasmos durante o resto do dia e o menos que me chamaram foi ‘velho-gaiteiro’!”.
Era sócio honorário do Grupo Musical Tavaredense.

(Caderno: Tavaredenses com história)

Maria Almira Medina

A Câmara Municipal da Figueira da Foz, em conjunto com a Junta de Freguesia de Tavarede e Sociedade de Instrução Tavaredense, resolveram, no passado sábado 26 de Setembro, prestar pública homenagem à nossa conterrânea Maria Almira Medina, há cerca de 80 anos a residir em Sintra, onde a Câmara local lhe prestou idêntica homenagem há uns meses.
Primo e afilhado da homenageada, também devo aqui referir alguma coisa sobre a Maria Almira. Na sexta-feira passsada, telefonei-lhe a dizer os motivos da minha não comparência no Auditório do Museu Municipal, o que ela compreendeu e concordou comigo. No entanto, no domingo, cerca das 11 horas, ela teve a gentileza de me visitar, acompanhada do Jorge, seu marido, mostrando-se, ainda, imensamente comovida com a cerimónia realizada, tendo-se mostrado muito agradecida para com todos.
No ano passado, por ocasião do aniversário da SIT, a Maria Almira e um grupo de poetas e artistas sintrenses, estiveram em Tavarede, tendo-se realizado uma tarde cultural a que foi dado o nome de "JORNADAS POÉTICAS DE SINTRA EM TAVAREDE".
Directamente envolvido neste acto, permito-me recordar um pouco do que então disse:

Maria Almira:

Quando, em 1944, numa edição da Sintra Gráfica, fizeste a apresentação do teu primeiro livro de poesia, certamente que, no teu espírito, terás assumido um compromisso: aquela apresentação foi feita na tua terra adoptiva mas, mais ano, menos ano, terias de vir à tua terra natal para também fazeres uma apresentação dos teus muitos trabalhos de artista que, em terras distantes, muito honram Tavarede.
Fizeste, por aqueles já longínquos anos, uma exposição de caricaturas, de diversas personalidades figueirenses, no então chamado Grande Casino Peninsular; anos mais tarde, foi o Museu Dr. Santos Rocha que recebeu uma exposição de trabalhos teus, com especial incidência nos teus trabalhos de ceramista; recentemente, há cerca de dois meses, fizeste a apresentação dos teus últimos trabalhos literários na Livraria Sinédrio.
Mas a Figueira da Foz não era Tavarede e tu nasceste em Tavarede. Por isso, quando nos mostraste o interesse de aqui vires mostrar um pouco da tua tão grande obra, logo aceitámos a ideia com todo o interesse. A terra do limonete, onde viste a luz do dia, receber-te-ia, certamente, de braços abertos.
De imediato começámos a pensar no local conveniente. O Palácio dos Condes de Tavarede, recentemente beneficiado com obras de reconstrução e remodelação, certamente nos cederiam uma sala para o efeito. A Junta de Freguesia local também tem instalações condignas para o efeito. Pensámos nas colectividades. A tua família desde sempre que esteve intimamente ligada ao associativismo local.
O Grupo Musical foi fundado por teu avô paterno, por teu tio avô José Medina e pelo teu Pai. Era um bom local. Mas, pensando melhor, julgámos que as tuas raízes tavaredenses iam um pouco mais longe. Pensámos, então, na Sociedade de Instrução Tavaredense.
E porquê? Pois bem. Teu avô materno, António Gomes de Apolónia, foi um dos catorze homens bons de Tavarede que subscreveram a acta da fundação desta Colectividade. Subscreveu, não, pois era analfabeto, pelo que, a seu rogo, assinou João dos Santos Júnior. Mas o movimento que deu origem à fundação da Sociedade de Instrução Tavaredense, teve inicio em 1903. O Grupo de Instrução e a Estudantina Tavaredense haviam cessado a sua actividade. Mas os tavaredenses já sentiam que a velha tradição do associativismo local, iniciado cerca de cem anos antes, era absolutamente necessário para o seu desenvolvimento cultural. Um grupo iniciou os preparativos para a fundação de uma nova Colectividade que, devidamente organizada, tivesse condições para vingar. Teu avô paterno, António Medina, foi um dos cerca de cinquenta tavaredenses que aderiram de imediato à ideia. Talvez por imposição legal, somente os catorze primeiros elementos assinaram a acta da fundação, mas, na verdade, teus dois avós estão intimamente ligados à fundação desta Casa.
Eis a razão da nossa escolha. Julgamos que foi bem feita. E, a partir de então, a colaboração da Família Medinácea, como teu Pai dizia, com graça, teve logo início, com a participação do teu avô António Medina e seu irmão, teu tio-avô José Medina, no grupo dramático criado, para angariação de receitas para a manutenção da escola nocturna, a funcionar inteiramente gratuita, para crianças e adultos.
Teu Pai, António Medina Júnior, também pisou as tábuas do seu palco, nomeadamente nos saraus organizados pela professora D. Maria Amália de Carvalho, para comemorarem os dias festivos da Merenda Grande e da Árvore...".

Querem saber porque razão transcrevi o acima? É que tendo também sido homenageada a memória de seu Pai, o Tio António Medina Júnior, um dos fundadores, juntamente com seu Avô e Tio-Avô, do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, teria sido oportuno e justo terem, pelo menos, o estandarte desta colectividade na homenagem. E porque não o das outras colectividades tavaredenses?
Sei que estou a meter a "foice em seara alheia". Certamente terá havido esquecimento ou, até, desconhecimento do assunto. E que isto não seja entendido como uma crítica mas, sim, um comentário dum tavaredense admirador profundo da sua terra e das suas colectividades.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O S. João de Tavarede

Hoje vou recordar a primeira nota que encontrei sobre as festas que se realizavam em Tavarede, em honra do Santo casamenteiro. Foi no jornal 'O Figueirense', em Julho de 1864.
"Ora vejamos se no meio d'esta extraordinária escassez de noticias em que nos achamos, podemos dizer alguma cousa que entretenha o espirito dos nossos leitores. Há de ser difficil, mas experimentemos sempre.
Terminaram no domingo finalmente os festejos aqui pelas proximidades da villa ao milagroso S. João. É a antiga villa de Tavarede quem todos os annos, permitta-se-nos a expressão, cobre a rectaguarda neste famoso e nunca alterado systema de festejar o santo com mascarada, cavalhada, corridas de prémios, etc.
Como succede todos os annos, pela volta do meio dia appareceu a bandeira seguida de numerosos cavalleiros, uns mais bem, outros mais mal montados, mas todos fazendo-se conduzir por um quadrupere de qualquer especie, que é o que se pretende e contra o que não há disputa. Deram as competentes voltas em torno da egreja, desceram depois à praça do Commercio e em seguida à praça Nova, d’onde dadas também as competentes voltas, se encaminhou a cavalgada para o porto da saida, que subsequentemente se ia tornar o theatro de maior gloria.
Depois das 2 começou então a Figueira a despovoar-se, encaminhando-se toda a gente para o local da festa, aonde se reuniram pelo meio da tarde extraordinário numero de pessoas de todas as classes. É que nestas occasíões não há fidalgos nem plebeus: a mascara e os mascaras confundem tudo.
Alli o que principalmente se viam eram numerosos ranchos de rapazes e raparigas da Figueira. Buarcos, e da própria localidade, que todos, ou dentro das casas ou na rua, tocavam, cantavam, berravam e dançavam á porfia, como quem queria para si maior gloria. De resto também se encontrava um bom numero de mirones, que não faltam nunca nestas occasiões, uns para se divertirem, vendo; outros, para darem fé do que se passa.
Quando o sol já era menos e permirtia ás cabeças naturalmente esquentadas o exporem-se aos seus vivificantes raios, começou então um simulacro de corridas de prémios, que se não era cousa para admirar como bom, era contudo excellente cousa para fazer rir e fez rir muito.
Acabada a corrida veio-se aproximando o frio da noite, que não deixara de chegar muito a propósito, começando o povo a retirar; e nós, que também éramos povo, viemos vindo com a multidão, protestando desde logo escrever uma larga notícia sobre o S. João de Tavarede, em virtude d'um cavaco que nos deu um nosso amigo, por fallarmos no numero passado do Ftgueirense tão resumidamente do S. João que ha de vir".

Associativismo - Os princípios - (6)

Vamos, então, continuar com o teatro na velha casa de Joaquim Águas.
Em Janeiro de 1896, a Gazeta da Figueira publicava a seguinte nota: "Assistimos, no sabbado ultimo, no pequeno theatro “Bijou Feminino”, á representação dos Reis.
O desempenho, feito por pessoas que não teem a educação própria para o theatro, não nos pareceu mau, ainda que houvesse varias incorrecções e exageros, devidos certamente á maneira como a peça se acha escripta. Distinguiu-se entre todas, no papel de Rachel, mãe d’um dos innocentes mandados immolar por Herodes, a esposa do nosso amigo Proa. Tanto os fatos como as caracterizações, feitas pos Abel dos Santos, não deixaram nada a desejar.
Cremos que foi o melhor dos presepios que este anno se representou na Figueira e arredores
".
Mas, claro, as opiniões divergem. Em O Povo da Figueira, como resposta ao comentário acima, escreve-se, dias depois: "Temos gosado os differentes espectáculos que ultimamente se têm representado no theatro “Bijou Feminino”, cujo desempenho tem sido na verdade surprehendente
O desempenho d’alguns papeis na representação dos Reis, por pessoas mal educadas… queremos dizer, por pessoas que não têm educação própria para o theatro, não nos pareceu… nem bom nem mau – antes pelo contrario, ainda que houve varias incorrecções exaggeradas, devidas com certeza à maneira como a peça s’acha escripta.
Em todo o caso estas incorrecções foram resalvadas, devido à intelligencia dos desempenhantes, sobresahindo especialmente o papel de Rachel que foi distribuído a um desempenhante que conseguiu arrincar da plateia os mais avaporados applausos que reduplicaram com muito mais enthusiasmo quando arrincou um dos innocentes dos braços mortiféros de Luciféro que… ficou atrapalhado ao fazer d’aquella…
Foi o melhor espectáculo de Reis que este anno se representeou na Figueira, Carritos e Cova da Serpe".
Como se depreende, já se tinham realizado, naquele teatrinho, diversos espectáculos anteriormente. Não encontrámos quaisquer notícias sobre os mesmos. Mas, quanto a este espectáculo, as coisas não ficaram por aqui. Vejamos o que respondeu o jornalista crítico da Gazeta:
"Acabamos de ler uma correspondencia d’esta povoação para o “Povo da Figueira”, datada de 24 do corrente, que nos surpreendeu... por sabermos que n’esta pequena terra ha um rival do tão festejado Caracoles da Folha do Povo, tal é o chiste da graça avaporada com que o tal correspondente critica o espectaculo dos Reis no theatro Bijou Feminino
Com .certeza certa que os desempenhantes eram mal educados... para o theatro; mas isso não é razão para critica, porque tambem o sr. correspondente está mal educado... para escrevinhador de correspondencias, em que a nossa lingua é torpemente assassinada, sem haver uma alma caridosa que a livre de tal verdugo, mandando-o para a Cova da Serpe, onde, com o seu fino espirito, póde representar algum papel de grande effeito, na peça de sensação - Judas... no deserto; ou então s’achar batatas para os Carritos.
Em todo o caso, não me lembra que nenhum desempenhante arrincase coisa alguma, pois que a peça era desempenhada por pessoas do sexo feminino, que, se disseram mortiféros, conseguiram tambem justos applausos, mas não avaporados (que não sabemos o que seja, a não ser alguma subida de vapores que fazem ver as coisas d’este mundo em duplicado ou reduplicado, conforme a quantidade).
Assim o sr. Pum (que pseudonymo tão avaporado!) com a sua intelligencia, não contente em criticar, o que certamente não viu (temos a certeza d’isso) e o que não percebe, não satisfeito em escavacar a pobre grammatica, que não tem culpa alguma da pouca intelligencia de qualquer quidem, que se arvora em critico... de si mesmo, ainda (naturalmente por estar avaporado) confunda Lucifér ou Luciféro, com o executor das ordens de Herodes, que, em vez de mandar degollar os innocentes, devia mandar cortar o pescoço a certos criticos... que nós conhecemos. Diz elle (correspondente) que viu (pelo telephone?) um desempenhante (que por sinal não estava avaporado) arrincar os mais avaporados (?) applausos que reduplicaram (por causa da avaporação) quando elle, aliás ella, arrincou um dos innocentes dos braços do capitão da guarda de Herodes a quem o sr. Pum, certamente por ignorancia, chama Lucifer! Oh! homem de Deus, olhasse-lhe para a cabeça e para os pés... a ver se assim o não confundia!
Ora... abobora, sr. Pum.; trate d’outro officio por que esse não lhe serve; metta-se com a sua vida e deixe divertir os outros, muito embora digam calinadas; olhe para si antes de criticar os outros; ponha a mão na consciência (caso não esteja avaporada) e... durma, que isso é somno, e olhe que de pobres de espirito está cheio o reino dos ceus... e tambem Tavarede.
Fique-se em paz
".
Embora me torne aborrecido, julgo que não devo deixar de transcrever a resposta do correspondente sr. Pum:
"Por mero acaso, e não porque esperasse emproadas replicas à minha inocente carta de 24 do mês último, é que vi, depois de decorridos alguns dias, referências abespinhadas de um quidam que entende na sua, e lá isso entende muito bem, não merecer sequer uma simples designação, embora ela seja tão estapafúrdia como a sua figura picaresca do pingurrio que veio de reforço… ao mestre.
De resto, cá na minha também opino porque o interessantíssimo anónimo, heróico defensor das prendas e mais partes que concorrem na pessoa das desempenhantes do Bijou, se alaparde o mais possível por detrás do mais bem vedado tapume. Quem me diz a mim que não poderia eu tomar a nuvem por Juno e o mestre António pelo mestre João? Nada mais fácil do que querer filar um farçola emproado e pimpão e, em vez disso, deitar os gatazios a um pândego que conheça a gramática… parda (?) tão bem como o Mandarim The-chin-pó sabia de cor as máximas do moralista Confúcio. Isso nunca! O mais prudente é uma pessoa não se arriscar da zona da certeza e não avaporar a imaginação pelas regiões mortiféras onde brilham sideralmente as pedras finas do decantado Bijou, parte das quais têm sido lavradas pela mão (?) do primeiro mestre – o que tem pouca gramática – e não pela do segundo, - que tem a gramática toda! – e que afinal, bem se vê, segundo afirmam testemunhas oculares e guturais, costuma escrever de um borco e com rara perfeição.
Eu, se neste momento, ou em qualquer outro, me achasse com tendências para responder à carta-dueto do ninguém, ver-me-ia, declaro-o com toda a franquelidade, seriamente atrapalhado, porque por mais que se faça suar o topete, por mais agudeza que um cérebro possua, é verdadeiramente impossível ajudar o que haja de fino espírito no remelgueiro mistifório do púfio. Chega até uma pessoa a pensar que quem aponta à execração pública os crimes (isso é o que nós havemos de ver?) gramáticos dos outros, não deve declinar a obrigação de perpetrar correspondências com algum bom senso.
Terminando por agora: Tavarede não está tão cheia de pobres de espírito que não comporte de vez em quando mais alguns, os quais em tardes amenas costumam, para refrescar a amizade, ir libar do divino licor… arranjando assim forças para bem desempenhar o papel de Cireneu nas estrambólicas epístolas fabricadas nesta aldeia e exportadas para a Gazeta.
E adeusinho até breve. (Pum)".
Ora isto merece, da minha parte, um comentário e um esclarecimento.
Como comentário pergunto: Nos tempos presentes, com muito maior instrução e educação, quantos espectáculos se fazem em Tavarede, nomeadamente na Sociedade de Instrução Tavaredense? Vários, não é verdade? Mas onde estão as críticas aos mesmos? Já não haverá correspondentes dos jornais na nossa terra que saibam criticar um espectáculo ou, pelo menos, dar a sua opinião? E os amadores, que praticam o Teatro devotadamente, mereciam algumas palavras de louvor, que os animassem a prosseguir a sua abnegada missão.
Quanto ao esclarecimento, informo que, naquela época, havia enorme rivalidade política, que chegava mesmo à ofensa. A pessoa visada, António da Silva Proa, foi um grande artista canteiro e foi um grande animador das festas em Tavarede. Era um conservador declarado. O correspondente de O Povo da Figueira era, com toda a certeza, um republicano progressista.
Há vários episódios baseados nesta luta política. Contarei alguma coisa, assim como alguns elementos sobre António Proa e seus descententes, que muito se dedicaram ao Associativismo.

(continua)

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Grupo "Os Inseparáveis"



No dia 1 de Maio de 1971, em “reunião de saudade”, na sede da Sociedade de Instrução Tavaredense, juntaram-se, para recordar tempos idos, os componentes do Grupo Os Inseparáveis ainda vivos e alguns convidados.
Do programa, distribuido aos presentes, constava uma romagem ao cemitério para deposição de flores nas campas de “Os Inseparáveis” já falecidos, seguindo-se o tradicional almoço de “raia de pitáu com batatas cozidas”.
Como introdução ao programa, escrevi, então, a seguinte “Evocação”:

“... já a música afinou os instrumentos. Potes floridos riem e bailam nas cabeças das raparigas. O ar está cheio de cor e de perfumes. Formou-se o cortejo. Tudo pronto!... Vamos! Vamos! Siga o rancho até à fonte, a cantar e a dançar e a dar a volta à Figueira!... Lá vai! Lá vai o Rancho do 1º. de Maio, lá vão os potes floridos da terra do limonete!...
(De “O Chá de Limonete”)


Um grupo dos primeiros Inseparáveis

Esta era uma das tradições do 1º. de Maio da nossa terra. Outra. também este dia, era o da reunião de “Os Inseparáveis”. Também tínhamos foguetes!... Também tínhamos música!... Mas, sobretudo, tínhamos a alegria, filha de uma sã e indesmentível amizade.
Sempre desejado por todos, ainda o sol não era nascido já nós acorríamos ao local da reunião, na esperança de mais um dia feliz. E essa esperança, ano após ano, sempre se tornou uma realidade.
Acabou o grupo! Porquê?... “Os Inseparáveis”, desmentindo o seu nome, separaram-se porque foram vencidos pela morte. Partiram alguns para a grande viagem sem fim. Era impossível a continuação sem eles.
Hoje, resta-nos a saudade. E foi essa saudade que deu origem a esta reunião. Vamos visitar, à sua eterna morada, os nossos queridos companheiros já falecidos. As flores da nossa terra, desta Tavarede que eles tanto amaram como nós amamos, serviam neste dia para enfeitar os “potes floridos”. Servem-nos agora para testemunhar a nossa saudade. Depondo-as sobre as campas dos que já partiram e evocando a sua memória, confirmamos que a amizade, tal como a saudade, ainda existe porque é eterna.”

Deixo aqui, e antes de resumir a história do grupo, o nome de todos aqueles que, por mais ou menos tempo, fizeram parte de “Os Inseparáveis”:

“Adriano Augusto Silva, Alexandre Simões, Alberto Ferrão, António Augusto de Figueiredo, António Migueis Fadigas, Augusto Marques Pereira, Augusto da Silva Jesus, César Fernandes, Elói Domingues, Fernando Machado, Fernando Severino dos Reis, Fernando da Silva Ribeiro, Francisco de Carvalho, Isolino da Silva Proa, João Medina, João Nogueira e Silva, João Renato Gaspar de Lemos Amorim, João da Silva Cascão, Jorge Medina, José Fernandes Mota, José Francisco da Silva, José Nunes Medina, José Russo, Manuel Duarte Gomes, Manuel Fernandes Pinto, Manuel Nogueira e Silva, Manuel de Oliveira Cordeiro, Olívio Domingues, Pedro Nunes Medina, Ricardo Nunes Medina e Virgílio Ramos”.

Destes, restam ainda vivos, felizmente, cinco: Fernando Machado, Manuel de Oliveira Cordeiro, Olívio Domingues, Ricardo Nunes Medina e Virgílio Ramos.
Como começou?
Em meados dos anos vinte, meu pai, Pedro, e seus primos Jorge e João Medina, resolveram criar o costume de fazerem uma almoçarada no dia 1º. de Maio. Almoçar e confraternizar nesse dia festivo. Logo no primeiro ano chamaram para junto de si o irmão e primo Ricardo, ainda sem idade para trabalhar e, portanto, como convidado.


À sombra do pinheiro manso, na eira da quinta de José Duarte

Estabeleceram desde logo a tradição do principal prato do almoço ser “raia cozida com molho de pitáu”. Vendo o prazer e satisfação daqueles familiares ao combinarem todos os pormenores, a irmã e prima Violinda, um pouco mais velha, logo se dispôs a lhes proporcionar uma singela sobremesa do tradicional arroz doce.
Mas eram poucos e, tendo tantos e tantos amigos seus conterrâneos, familiares ou não, logo nos anos seguintes, uns por convite e outros por iniciativa própria natural foi o aumento do grupo.
Não há elementos que permitam estabelecer a composição do grupo nas diversas reuniões. Para esta compilação, socorri-me do meu tio Ricardo (um dos cinco sobreviventes) e das fotografias, bem velhinhas, que existem.
Tomaram o nome de “Os Inseparáveis” e, efectivamente, formavam um grupo em que a amisade era nobre e verdadeira. Como exemplo, anota-se que, houve dois casos de conterrâneos inscritos mas que só lá estiveram um ou dois anos. Os seus feitios não se coadunavam com o espírito de “Os Inseparáveis” e, antes que houvesse problemas indesejados, foram convidados a abandonar o grupo.
Quando começaram a ser sete ou oito, houve que fazer algumas alterações ao sistema anterior. A raia de pitáu e o arroz doce já era pouco. Contrataram uma cozinheira: a Alice Fernandes, irmã do César. Consigo, e como ajudante, levou o Fernando, ainda muito novo e que, como paga do seu trabalho, participava nos “comes e bebes” gratuitamente, isto até se tornar sócio efectivo.
O “menú” foi reforçado. Além da raia, que sempre foi o prato forte, passou a haver ao almoço um prato de carne, normalmente bifes de cebolada.
Para o financiamento das despesas cada sócio comparticipava com uma quota semanal de um escudo (dez tostões!), o que dava cinquenta e dois escudos por ano e por sócio. Pois com este valor compravam o necessário para o pequeno almoço, almoço e jantar. E como compravam sempre os géneros em abundância, ainda iam jantar no dia seguinte. Era sempre uma fartura!
E como passavam o dia?
Manhã cedo, a alvorada. Foguetes e fanfarra na rua, acordando alegremente a aldeia com o acorde das violas, flauta, bandolim e outros instrumentos.

Alvorada, pelas ruas de Tavarede

Seguia-se o pequeno almoço. Pão acabado de sair do forno, manteiga, café com leite...
Eram, então, distribuidas as tarefas: uns iam ao mercado, à Figueira, fazer as compras, outros preparavam as instalações. Nos últimos anos era em casa do Zé Duarte, pai do sócio Manuel, que a cedia de boa vontade. E nos dias de sol, o almoço era na eira, da parte de cima da casa, onde, perto, havia um enorme pinheiro manso, que dava uma sombra mesmo convidativa.
Depois do almoço havia que fazer a digestão: “bem digerir o que bem comeram e melhor beberam...”. Jogos de futebol, jogos de malha, sestas, cartas tudo servia para passar a tarde alegremente. Várias fotografias recordam estas tardes!

Depois do futebol. Choram os vencidos, riem os vemcedores...

Chegada a hora do jantar, eis que se sentavam à mesa, prontos para o ataque. O almoço já lá ia. Arroz de ervilhas com galinha, coelho à caçador, era o costume. Mais sobremesa. Mais uns copitos. E, claro, para enfrentar a noite que ia caindo, nada melhor que uma “garujada”. E voltavam as violas, guitarras e bandolins a serem dedilhados. Não demorava muito para que meu tio José, músico de alta craveira, levantasse os braços para reger o orfeão. Bem afinadinho que, nessas coisas, ele não era para brincadeiras...
Lá vinha o “alecrim do monte”, a “menina Luísa” e outras tantas que faziam parte da tradição musical de Tavarede, terra de músicos como agora, infelizmente, não há

Não faltavam as velhas cantigas...

Era já noite alta, madrugada adentro, quando tocava a dispersar. Um último copo e, até amanhã ao jantar, para acabar com as sobras e fazer as contas. Os cinquenta e dois escudos, que cada um pagava de quota, davam e sobravam.
E ao despedirem-se, na sua maioria visinhos de todos os dias, fazia-se a habitual promessa: “P’ró ano cá estaremos!...”


(Caderno: Tavarede - A Terra de meus Avós - 1º.)

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Manuel Gaspar Lontro


Hoje resolvi voltar ao presente para vos falar de um TAVAREDENSE (isso mesmo, com letra maiscula), dois ou três anos mais velhote do que eu, mas que, desde que nos conhecemos em crianças, sempre fomos amigos, com aquela verdadeira amizade que está para lá de todas ou quaisquer vicissitudes que surgem na vida quotidiana.

Pois o meu amigo Manuel Lontro (desde sempre conhecido por 'Balé'), andou comigo na Escola Primária, com o velho professor Coelho (julgo que já não apanhou o professor Constantino Tomé), depois seguimos para a Escola Comercial, eu de dia e ele de noite. De noite, porque durante o dia começou a trabalhar como marçano, na conhecida Casa Salgueiro.

Ele seguiu, posteriormente a carreira bancária e, por volta de 1958, foi meu 'protector' em Lisboa, quando comecei a trabalhar nos escritórios da firma Abel Pereira da Fonseca (grande produtor e armazenista de vinhos). Digo protector pois foi ele quem me arranjou um lugar na celebérrima pensão onde ele ja se havia aboletado ha mais tempo, e que se situava na Rua Luz Soriano, em pleno Bairro Alto. O quarto onde estávamos instalados tinha somente seis camas. O comer era muito variado, entre peixe espada frito ou grelhado e bife de cavalo. Mas, também, o que queriamos mais! Cama, mesa e roupa lavada por 500$00!!!
Depois o Manuel Lontro seguiu a sua carreira, com diversas transferências por esse país fora, até que, merecidamente, atingiu a sua reforma quando já estava colocado da Figueira da Foz havia vários anos.

Mas, na verdade, eu queira escrever alguma coisa sobre o Manuel Lontro porque, fora da sua vida profissional, ele sempre foi uma pessoa com uma dedicação e um amor à sua terra e ao associativismo, com especial destaque na Sociedade de Instrução Tavaredense, mas colaborando, sempre que solicitado, com todas as colectividades locais e não só.


Na SIT, por ocasião das Bodas de Ouro, éramos os secretários da Direcção. Claro que ele, mais antigo e mais conhecedor, sempre de destacou na actividade associativa. Uma curiosidade: No Grupo Musical aprendemos música ao mesmo tempo. Eu ainda arranhei qualquer coisa num velho saxe soprano que meu Pai tinha. Ele é que, se bem me recordo, nunca conseguiu arranjar lábio para a trompete, apesar dos esforços dos seu mestre Manuel Loureiro (Pataias).

Não vou alongar a sua acção nas colectividades, tanto em cargos directivos como no grupo cénico, onde ainda representa, não me esquecendo a sua extraordinária aptidão para tocar viola na Tuna de Tavarede e reco-reco no rancho Cavadores do Saltadouro.

Se alguém há em Tavarede que se possa considerar um verdadeiro exemplo de amor às colectividades, sem dúvida que esse alguém é o Manuel Lontro. Tavarede e a Sociedade de Instrução Tavaredense hão-de ser-lhe sempre gratos. A sua obra pela Terra do Limonete e pelo Associativismo ficará registada na história de Tavarede. Bem merece a nossa gratidão. Ele é continuará a ser, por muitos anos, ainda, o verdadeiro símbolo de dedicação e amor à sua terra natal e às suas colectividades.

Obrigado, Manuel Lontro, pela tua amizade sincera.
-Recomendo a leitura do seu depoimento inserido no livro do Centenário da SIT.
(Fotos: preparando-se para entrar em cena e recebendo o prédio da Companhia de Seguros O Trabalho, na sua qualidade de presidente da Direcção da SIT)

António Maria de Oliveira Simões


“Esse a quem a morte cerrou as pálpebras há dias, era um figueirense de gema. Boa têmpera, num ambiente familiar que não ia além de si. Bairrismo de boa cepa, apego ao seu torrão, zelo e dedicação por tudo quanto concorresse para o seu prestígio e maioridade – tudo isso reunia-se fervorosamente nele, no quadro de apagada discrição e modéstia, que talvez fosse o seu maior crime se não a sua maior virtude.
Dado às artes e à música, cultivou-as com enlevo quase místico, numa paixão reacendida de fé, que desafiava o tempo e as épocas. Era talvez um espírito fora do seu século, a quem não convenciam atitudes truculentas, as violências dos futebóis e outras que tais maravilhas pró-elasticidade dos bíceps, por não senti-las e não terem entrado na formação social da sua juventude. Nessa altura, pontificava serenamente a experiência de um romantismo espiritual, dando aos homens uma consciência do seu valor como potência mental e dando à emoção o sentido exacto de uma vida superior…
… no plano da Arte, foi a música o seu enlevo e o violoncelo conheceu os segredos recatados do seu coração sensível…
… na sua paleta, punha notas de ternura e intimismo e um recolhimento introvertido que eram a expressão da sua atraente e honesta maneira de ser. Os seus trabalhos de caligrafia, em que era mestre, inculcavam-no um artista de eleição no domínio completo das dificuldades dessa arte tão pessoal e rica de efeitos espectaculares…”.


Relativamente à nossa terra, António Simões foi um dedicado colaborador do grupo cénico da Sociedade de Instrução.
Compositor musical de elevada sensibilidade artística, são de sua autoria as partituras das seguintes operetas e fantasias aqui levadas à cena: Em busca da Lúcia-Lima (1925), Pátria Livre (1926), Grão-Ducado de Tavarede (1927), Retalhos e Fitas (1928), O Sonho do Cavador (1928), A Cigarra e a Formiga (1929), O Casamento da Vasca (1930), Justiça de Sua Majestade (1935) e Chá de Limonete (1950). Além destas, compôs também a música para outras peças representadas pelo nosso grupo cénico.
Começou a dirigir a orquestra da SIT em 1924, na opereta Noite de S. João e desempenhou esta tarefa até ao final da primeira série das representações de Chá de Limonete. A partir de então, sempre as suas músicas têm continuado a fazer parte do teatro musicado tavaredense.
Em 1928, a Sociedade de Instrução prestou-lhe homenagem nomeando-o seu sócio honorário e descerrando o seu retrato, que se encontra exposto no salão nobre da colectividade.
É autor, igualmente, do desenho do “ex-libris” e do actual estandarte da Sociedade de Instrução, assim como de um quadro com a partitura do hino da associação e o retrato do seu compositor, Gentil da Silva Ribeiro. Nasceu no ano de 1886 e faleceu em 1960.

(Caderno: Tavaredenses com história)

Associativismo - Os princípios (5)

Não sabemos em qual das velhas "associações dramáticas" se instalou a "Estudantina Tavaredense". Inclinamo-nos para a casa de Romana Cruz, ao Paço, mas não afirmamos que assim fosse. A certeza é que, em Julho de 1894, a "Gazeta da Figueira" dá a seguinte notícia:
"Existe ha tempos n’esta visinha aldeia do nosso concelho, que é, por assim dizer, um arrabalde d’esta cidade, tão proxima fica d’aqui, uma sociedade musical composta de rapazes operarios, que, nas horas disponiveis do seu labor, ali vão divertir-se. Essa mesma sociedade acaba de alugar um theatrinho que existe no palacio do sr. conde de Tavarede, a que poz o nome de um dos ascendentes d’aquelle titular -”Duque de Saldanha”- onde vae dar alguns espectaculos, sendo o primeiro no proximo sabbado, com as comedias em 1 acto “Por um triz”, “Creado distrahido”, “Dois curiosos como ha poucos”, e a scena comica “José Gallo na cidade”.
Não temos senão que applaudir a iniciativa dos arrojados rapazes, pois que o theatro é uma escola onde podem instruir-se e desenvolver-se
."
Aproveitando-se das condições que o novo teatro lhes oferecia, de imediato começaram a ensaiar diversas peças, assim como a Tuna, entretanto formada. Em Outubro daquele ano levaram à cena 'mais' um espectáculo, no sábado 6, "pelo grupo de curiosos que ali tem representado", levando à cena as comédias 'Choro ou rio?', 'O criado distraído', 'Um filho para três pais', completando o serão a cena cómica 'O Zé Galo na cidade'.
A propósito deste espectáculo temos a informação de que o ensaiador foi Manuel Gomes Cruz, então estudante na Universidade de Coimbra, e a orquestra foi dirigida pelo seu irmão, José Gomes Cruz, também estudante na mesma Universidade. Esta notícia diz-nos que nos intervalos este senhor (José) tocou alguns trechos musicais no bandolim, acompanhado a violão por Gentil Ribeiro. Ainda sobre este espectáculo, refere que as comédias foram razoavelmente interpretadas, tendo-se distinguido, contudo, José Medina, 'que mostra ter uma decidida vocação para a cena'. Voltaremos à Estudantina, para contar o espectáculo do final do ano e as comemorações do seu 2º. aniversário, em 22 de Março de 1895.
Vamos dar um pequeno salto à reportagem de Ernesto Tomás sobre a nossa terra. Quando ele visitou a nossa terra em finais de 1895 e princípios de 1896, pediu a um amigo que lhes indicasse a morada de António da Silva Proa, pois desejava falar-lhe. Sendo informado que este se encontrava atarefado na construção dum teatrinho, no centro da povoação, ali o foram procurar.
"Encontrámol-o com dois carpinteiros que trabalhavam no tecido do palco, e no meio de admirações de me ver n’aquella povoação foi me dando o braço arrastando-me a sua casa, aonde fomos dar.
A sua esposa, a Emilia do Cura, d’outros tempos, apresentava-se ainda com a sua natural bonhomia, affavel, boa moça como então era.
Enleiamos uns cumprimentos rapidos cheios de alegria mutua, e o Antonio Proa, arrastando-nos sempre, e sempre prazenteiro, ferrou comnosco na sua adega...
Pouco tempo nos detivemos n’aquella mansão, porque, afinal, o Antonio tinha o theatrito a fervilhar lhe na cabeça. Era preciso lá ir. Palco, panno da bocca, bastidores, etc., absorviam-no.
Se não conhecem o Antonio a que nos referimos, dir-lhe-emos que é o genio mais typico do genero fervilha. Não pára, não descansa, e em tendo que levar por deante um emprehendimento é capaz de não dormir seis dias ou mais.
Generoso como o pae, que a fortuna ainda lhe conserva, é como elle intelligente, e um operario esculptor digno de menção no nosso acanhado meio
".
Este teatrinho situava-se na casa de Joaquim Águas, e deram-lhe o nome de "Bijou Tavaredense". Brevemente lhes contaremos o que foi o primeiro espectáculo dado neste teatrinho. Foi a célebre peça "Os Reis Magos".
(continua)

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Maria Teresa de Oliveira


Natural de Tavarede, onde nasceu no dia 16 de Junho de 1907, era filha de Gentil da Silva Ribeiro e de Emília de Oliveira.
Foi uma das mais distintas amadoras do grupo dramático da SIT. Pisou o palco, pela primeira vez, num sarau organizado pela professora da escola primária, comemorativo do “Dia da Árvore”, no qual recitou a poesia As Árvores.
Em Janeiro de 1921, tem o seu primeiro papel numa representação, daquele grupo cénico, da peça A Espadelada, uma opereta então representada exclusivamente por crianças e ensaiado por seu irmão, José Ribeiro. “… uma garota ainda dos seus 12 anos, encarnou à maravilha um papel de velha mãe, com seus falares pausados, o passo cansado, o gesto lasso”.
A partir de então foram cerca de setenta as personagens a que deu vida. Será difícil referir quais as suas melhores interpretações. Mas, de todas elas, ficou célebre a sua figuração de Isabel Peixinha, em Chá de Limonete, que, no dizer de um crítico, conseguiu “ser mais bruxa do que a própria bruxa de Buarcos”.
Em Fevereiro de 1969, a Sociedade de Instrução promoveu-lhe uma festa de homenagem. “Bonita festa a que homenageou Maria Teresa de Oliveira, que há meio século se devota ao Teatro e à Benemerência. Muitos dos seus admiradores foram a Tavarede, numa noite de Inverno impiedoso, dizer-lhe, com a sua presença e seus aplausos, que não olvidam o que ela representa no mundo de hoje. O que vale a sua devoção, o seu exemplo, a sua entrega, total e desinteressada, a uma obra de Arte e de Bem Fazer. Cuidar dia a dia dos mil pormenores que exigem a actividade permanente dum teatro e dum grupo de teatro. E tudo desinteressadamente. E tudo tão naturalmente, como se respira…”.
“…Foi um exemplo de rara dedicação à Sociedade de Instrução Tavaredense, onde a sua actividade se desdobrou em múltiplos aspectos, quer como amadora distinta do seu grupo cénico, quer como colaboradora permanente de seu irmão, José da Silva Ribeiro, na execução de várias tarefas que a montagem das peças exigia”.
Da festa de homenagem que lhe promoveu a sua colectividade de sempre, transcrevemos o retalho seguinte: “… cuidar da sua vida, dos seus problemas próprios, duma família tão experimentada por tantas vicissitudes, e ainda devotar-se profundamente, dia a dia, ao longo de meio século, a uma tarefa de valorização da Grei. E sem se pôr nos bicos dos pés, sem afrontar ninguém com os seus méritos reais e invulgares…
… ajudou a pôr em cena muitas dezenas de peças; estudou muitos papéis; percorreu o País, quase sempre desconfortavelmente, para que a maior receita possível fosse beneficiar o maior número de necessitados; nunca recusou, nunca voltou as costas, nunca esperou que lhe batessem encarecidamente à porta. Com a Maria Teresa todos, em toda a parte, podiam contar. Todos, sem excepção, num diálogo de 50 anos”.
“Maria Teresa era o exemplo vivo do que é capaz uma pessoa desprovida de bens materiais: capaz de construir uma obra de bondade devotada aos que precisam, aos que carecem de tanta coisa, e que encontram em Maria Teresa e nos amadores de Tavarede um auxilio desinteressado e pronto”.
Era sócia honorária da Sociedade de Instrução e morreu no dia 7 de Dezembro de 1981.
“Quem esquecerá, jamais, a figura da Isabel Peixinha, a bruxa de Buarcos, que Maria Teresa tão magistralmente soube criar, e a Genoveva, de As Árvores Morrem de Pé, ou ainda a Ana de Os Velhos, a Mamette de A Nossa Casa, a D. Constança de A Conspiradora e tantos, tantos êxitos que esta exemplar amadora de teatro tão bem soube criar? Anónima, como sempre pretendeu que fosse a sua vida, assim faleceu”.
Foram cerca de 80 personagens que ela encarnou, até 1971, em História e histórias de Tavarede. “A extinta foi, desde muito jovem e até há poucos anos ainda, uma destacada amadora do grupo da SIT, desempenhando em inúmeras peças de grande valor literário, personagens difíceis, mas sempre bem conseguidas”.
(Na foto: Peça "Os Velhos)
(Caderno: Tavaredenses com história)

Maria de Lurdes Gaspar da Silva Lontro

Nasceu em Tavarede a 16 de Junho de 1934, filha de António da Silva Júnior e de Alice Gaspar. Casou com Manuel Gaspar Lontro, tendo dois filhos, José Miguel e Teresa Marina. Faleceu no dia 17 de Junho de 1999.
Começou a representar no grupo dramático da Sociedade de Instrução no ano de 1959, entrando nas peças A Inês do Castro, As árvores morrem de pé e As três gerações. A sua colaboração estendeu-se ao longo de 40 anos, acabando na peça Na presença de Garrett. Terra do Limonete, O festim de Baltazar, Mesa Redonda, Monserrate, Cântico da Aldeia, Tudo está bem quando acaba bem, Ontem, Hoje e Amanhã, O Processo de Jesus, Tartufo, Viagem na nossa terra, Chá de Limonete, As artimanhas de Scapino, O Sonho do Cavador, Alguém terá de morrer, Tá Mar, Palavras de uma vida, e muitas outras, foram peças que tiveram a sua participação.
Tinha especial predilecção por fazer papéis de característica, alcançando grande sucesso no desempenho de Isabel Peixinha (criação de Maria Teresa Oliveira), Ti Escolástica (uma das duas Comadres de diversas fantasias), a velha casamenteira Eufrosina, etc.

Sócia honorária da colectividade em 1994, foi prestada homenagem à sua memória no ano de 2000.

(Caderno: Tavaredenses com história)

Maria do Saltadouro

Nasceu em Tavarede, no dia 24 de Fevereiro de 1911, filha de Tomás Mendes da Rocha e de Maria Matias. Casou, em Julho de 1940, com António Monteiro de Sousa, e morreu a 15 de Março de 1943.
“À memória da que foi amadora do grupo cénico tavaredense ‘Maria do Saltadouro’, a inteligente e humilde rapariga que amanhava as suas terras, fazia o seu vinho e costurava as suas roupas”.
Mestre José Ribeiro dedicou o seu livro “Chá de Limonete” à memória desta amadora. E, no final do segundo acto, recorda-a nestes versos:

Maria do Saltadouro, ao meio,
entre Elisa Marques e Carolina Oliveira





Maria do Saltadoiro,
- Maria da desventura,
Mãos de fada e alma de oiro! –
A sesta vai acabada…
Arruma a tua costura,
Troca o dedal p’la enxada…


De 1936 a 1942 colaborou no grupo da S.I.T. nas peças Canção do Berço, O Sonho do Cavador, A Morgadinha de Valflor, Entre Giestas e Recompensa.
“… a nossa Maria do Saltadouro, de quem guardo muitas saudades, não teve tempo para se aperfeiçoar. Tinha intuição e era apaixonada pelo teatro. Pouco menos que analfabeta, mas que inteligência! Guardo as cartas que ela me escreveu para a cadeia da Pide, no Porto…”, escreveu, um dia, Mestre José Ribeiro.
A Junta de Freguesia de Tavarede deu o seu nome de “Maria do Saltadouro”, pelo qual era geralmente conhecida, a uma rua que da Rua António Graça desce pela encosta do Vale de Sampaio, onde ela tinha a sua casa e terras que cultivava.

(Caderno: Tavaredenses com história)

Tavarede - Terra violenta?

A nossa querida Terra do Limonete também tem tido várias cenas de violência. E não só nos tempos mais próximos. Os jornais antigos relatam casos verdadeiramente deploráveis. Mas, na verdade, também esses casos fazem parte da nossa história, pelo que me atrevo a recordar alguns desses tristes acontecimentos.
O jornal 'Correio da Figueira, de 17 de Dezembro de 1890, relata dois casos.
" Eram 9 da noute, pouco mais ou menos, e ao som de plangente guitarra Manuel d’Oliveira batia o fado airosa e enthusiasticamente na mercearia e loja de bebidas de António de Lavos, na pacata povoação de Tavarede, domingo passado, sendo parceiro seu enteado Paulino de Figueiredo, ambos casados e trabalhadores do mesmo logar. Entre os circumstantes achava-se Joaquim Gaspar, tanoeiro, contra o qual um dos dansadores foi impellido, e que, por ter conhecimento de certas intenções do Paulino = arranjar passagem gratuita para Africa, visto não o deixarem ir para o Brazil... sahiu em direitura para sua casa.
No seu encalce partiram os dois, e encontrando-o a pequena distancia, enquanto o padrasto agarrava Gaspar, o enteado dava-lhe quatro facadas – na parte posterior do pescoço, no hombro esquerdo, nas costas, e em a nadega direita – não lhe rasgando a cara em differentes direcções por ter o agredido aparado alguns golpes que ficaram todos a superficie da pelle.
Acudindo gente, deixaram o pobre rapaz que veiu a esta cidade curar-se ao hospital da Misericordia, continuando os dois em plena liberdade – da qual usaram briosamente atacando Augusto Rodrigues Alves, do mesmo logar, que ia passando socegado, e a quem o Paulino jogou uma facada que apenas lhe roçou pela face esquerda.
Afinal appareceu o regedor que, ajudado por alguns cabos de policia, conseguiu pôr cobro àquella patuscada que ameaçava deixar os rapazes de Tavarede lardeados de facadas, mettendo na cadeia da Figueira os dois sugeitos, um dos quaes tanto quer ir de graça para a Africa.
Pena será se lhe não fazem a vontade!"
O outro caso terá tido piores consequências.
"A visinha povoação de Tavarede, que passava por ser uma das mais pacatas e ordeiras de todo o nosso concelho, ultimamente parece querer negar o bom credito em que era considerada.
No domingo, dia 14, por volta das nove horas da noite, Antonio Fadigas, morador no Saltadoiro, que seguia muito tranquillo da sua vida em direcção a casa, foi aggredido à entrada de Tavarede, junto ao paço dos Condes, por um tal Estevão, cujo nome por completo ignoramos, que lhe vibrou uma paulada com tal força que o pobre rapaz cahiu redondamente no chão. Em seguida, que figados!, depois de o ver por terra, pizou-o brutalmente, ficando o desgraçado em tão misero estado que teve de ser conduzido n’uma padiola para sua casa.
A pancada feriu-o gravemente na cabeça e o infeliz moço, que se acha em perigo de vida, apresenta tambem muitas contusões por todo o corpo, especialmente na região thoraxica.
Parece que a causa da brutal aggressão foram rixas antigas entre os dois.
Até esta hora não sabemos que se tenha dado communicação official do attentado".
Na edição seguinte o mesmo jornal noticiava:

"Verificou-se, infelizmente, o que previamos na noticia que démos em o numero anterior, sobre a brutal aggressão de que em Tavarede foi alvo o pobre Joaquim Migueis Fadigas. O misero, poucas horas depois de ferido, perdeu a falla e todos os sentidos, que não mais recuperou, até que falleceu ante-hontem à noute.
Parece-nos que, regressando à sua casa de Cabanas, no domingo à tarde, fôra por uns amigos convidado em Tavarede a arranchar n’uma pequena patuscada. Ao ajustar das contas, alguem pareceu exigir-lhe 70 reis – quota parte em que ficou aos convivas o quinhão da despeza. Allegou elle que, tendo sido convidado, não devia pagar – e com isso pareceu accommodarem-se todos.
Foi um pouco depois d’esta scena que, sem provocação, Estevam deu uma forte pancada sobre a cabeça de Fadigas, que o prostou desde logo, sendo em seguida pisado brutalmente aos pés por aquelle scelerado.
Prepararam uma padiola para levar o infeliz para casa da mãe que mora um pouco acima de Tavarede, na Ferrugenta; mas elle dispensou-a, e com uma energia extraordinaria, depois de perder grande quantidade de sangue, partiu ajudado por algumas pessoas. Apenas lá chegou cahiu em côma, de que não tornou a sahir, até fallecer à hora que apontámos.
Estevam da Silva Soares, que é morador no Valle de Sampaio, n’aquella freguezia, anda a monte, e a auctoridade constitue o processo d’este crime deploravel.
O infeliz Fadigas deixa na penuria viuva e cinco creancinhas".
Embora conheçamos diversas pessoas com alguns dos apelidos acima, não temos possibilidade de fazer qualquer relacionamento com os intervenientes nestes dois casos.

Associativismo - Os princípios (4)




Vamos, então, continuar com as nossas histórias.
Em Outubro de 1878, noticiava-se num jornal figueirense: "Em Tavarede houve ontem uma récita dada por alguns curiosos da localidade. Subiu à cena o 'Último Acto' do sr. Camilo Castelo Branco, e uma comédia". Não nos diz mais nada, pelo que desconhecemos o local da representação.
Já referimos os espectáculos com dramas e comédias na 'sociedade antiga' e na 'sociedade nova'. E em Janeiro de 1879 surge a notícia de que "a sociedade recreativa que este ano já tem dado algumas representações em Tavarede, leva no próximo sábado, dia 10, à cena o 'Auto dos Reis Magos', e termina o espectáculo com o desempenho de algumas comédias"
Faltam, depois, notícias sobre teatro até ao Natal de 1884, quando aparece a tal notícia do abatimento do soalho por ocasião da representação do "Presépio", informando a imprensa que "a população, não querendo esquecer de vez as 'tradições' dos seus 'maiores' organizou festejos celebrando o nascimento de 'Menino Deus'".
Em Fevereiro de 1895, uma 'troupe' de artistas dramáticos que apresentaram diversos espectáculos em Montemor, vieram a Tavarede dar uma récita. Representaram as comédias, num acto, 'Não ha fumo sem fogo', 'Criada impagável', 'Triste fado' e 'Descasca Milho'. Não informa de onde eram os artistas.
Nesse mesmo mês, uma outra notícia informa que "Amanhã vão à cena de novo no teatro de Tavarede as comédias 'A cerração do mar', 'Uma experiência', 'União ibérica' e será recitada uma poesia dramática". Nada mais nos diz. Teria sido no teatro do Terreiro ou no teatro do Paço, provavelmente no primeiro, mas não informa se os artistas seriam os mesmos acima citados ou se seriam amadorezs tavaredenses. Ainda nesse mesmo mês, uma outra notícia informa que "no sábado, 28, vai à cena pela primeira vez no novo teatro de Tavarede (Terreiro ou Paço?) o drama em 3 actos 'O coração dum bandido'".
Logo a seguir, o mesmo jornal informa que o espectáculo terá repetição do domingo seguinte e que, além daquele drama, será apresentada a cena cómiva 'O meu nariz' e uma farsa. "Tomam parte nos espectáculos alguns curiosos da localidade.
No mês seguinte, e no mesmo novo teatro, subiu à cena o drama 'Justiça de Deus' e a comédia 'O cego avarento'.
Finalmente, a partir de Abril daquele ano (1885), começamos a ter mais certezas. "Hoje à noite dá uma troupe de curiosos uma récita particular no theatro de Tavarede, levando à scena o drama em 2 actos - A associação na família - e a comédia num acto - Malifício na família.
É de crer que o desempenho seja correcto, devido aos esforços do nosso respeitável amigo o exmo. sr. João José da Costa, que da melhor vontade acedeu ao pedido que lhe fizeram para tomar a direcção dos ensaios. Folgamos em ver a dedicação d’aquelles filhos do trabalho, que tão bem empregam as horas que lhes restam do seu labor associativo, colhendo assim bastante instrucção
". Foi no teatro do Terreiro e os amadores eram de Tavarede.

Novamente deixamos de ter notícias sobre este tema. Até que, em Abril de 1893, o jornal figueirense 'Operário' informa:" O progresso, na sua marcha constante, vae invadindo tudo. Da cidade à villa e d’esta à mais remota aldeia vão-se observando vestígios da sua passagem.
Vêem a pello estas palavras porque, em Tavarede, pequena povoação perto d’esta cidade, se está organisando uma estudantina de operários que, nas horas vagas, se entreteem na muzica, innocentemente, e muito melhor do que gastando o seu tempo em diversões perniciosas.
Caminhae, caminhae. Adiante! Assim é que é andar.
Escrevendo assim parece-nos divisar umas caretas de taberneiros offendidos… que sentem a concorrência dos cobres à gaveta. É assim; tenham paciência
".


terça-feira, 8 de setembro de 2009

De Casa de Cultura a... taberna!!!

No livro “50 Anos ao Serviço do Povo”, ao recordar as casas “onde se representavam peças que fizeram correr rios de lágrimas e provocaram indigestões de gargalhadas”, Mestre José Ribeiro escreve que, entre outras, havia a de Joaquim Águas, pai do velho capitão José Joaquim Alves Fernandes Águas, “prédio em que mais tarde esteve o Grupo Musical Tavaredense”.
Bem sei que já no segundo caderno destas recordações me referi a esta casa, muito em especial quando nela tiveram a sua sede o Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, nos anos de 1914 a 1930 e, depois, o Grémio Educativo e de Instrução Tavaredense, entre 1931 e 1935. É natural, portanto, que me repita nalgumas breves notas, mas considero necessário recordá-las para bem contar a história que se segue, considerando que a casa teve um papel importantíssimo no desenvolvimento cultural na nossa terra, durante mais de cinquenta anos, e que, por circunstâncias várias que procuraremos comentar no decorrer da história, acabou ingloriamente em ruínas, na segunda metade dos anos trinta do século passado, acabando por ter sido reconstruída e reconvertida em estabelecimento de mercearias e vinhos, para se não dizer “taberna” que, aliás, ainda conhecemos muito bem.
Não o fazendo totalmente, ocupava uma boa parte do quarteirão que, actualmente, é limitado a sul, pela Rua A Voz da Justiça, a norte, pela Rua do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, do nascente, pelo Largo D. Maria Amália de Carvalho, e do poente, pela Rua D. Francisco de Mendanha.
“Duas casas, próximo do Largo do Forno. Pertenceram ao falecido Joaquim Alves Fernandes Águas, operário tanoeiro, que ao mesmo tempo empregava algumas vagas do seu labor no trato do amanho da sua quinta do Peso, não muito longe situada ao norte da povoação. Vivia ali com a sua prole, bastante extensa, filhos e filhas, que foram criados senão com uma educação almiscarada de salão, pelo menos educados regularmente, bem morigerados, decentes e eivados de espírito trabalhador”.
Já sabemos quem foi este Joaquim Águas, que, pelos anos setenta do século dezanove, veio para a Figueira, onde começou por abrir uma oficina de tanoaria, a que se seguiu a fundação, com seus filhos, da casa Águas & Cª., que foi uma sociedade comercial de sucesso, especialmente no comércio e exportação de vinhos e seus derivados e nos transportes marítimos, de curto e longo curso.
Ainda em Tavarede, o velho Águas, para quem o tradicional “Presépio” era o melhor dos seus divertimentos, resolveu instalar, numa daquelas casas, um pequeno teatrinho, onde ele e seus filhos representaram diversas peças, especialmente aquela sobre o nascimento de Jesus, ficando registada a interessante notícia de que, nalgumas representações, os amadores se “travestiam”, ou seja, as mulheres representavam de homens e os homens de mulheres.
Com a mudança para a Figueira da Foz da família Águas, a casa em que residiam julgo que terá passado a ser a morada do então pároco de Tavarede, o padre António Augusto da Silva Nobreza, pois que, em “Recordações de Tavarede” se escreve “na casa da Rua Direita onde habitava o falecido velho Águas, está hoje o digno pároco da freguesia, sr. Joaquim da Costa e Silva, um ornamento da vida eclesiástica, que bem concebe, perante a ciência do século, qual o seu lugar como padre e como cidadão”. Presumo, portanto, que durante alguns anos tenha sido a residência paroquial.
Na casa ao lado, onde havia sido montado o pequeno e tosco teatro, instalou-se em 1895, o intitulado “Bijou Feminino”. Este teatro era animado pelo conhecido artista canteiro António da Silva Proa, enquanto que, certamente por influência de seu filho, João Nunes da Silva Proa, se organizou uma tuna que, em 1896, era dirigida por J. Teixeira Ferreira, “muito ilustrado professor nesta cidade”. Esta associação, “Bijou”, foi muito acarinhada pelo capitalista e fundador da Quinta do Robim, o sr. João António da Luz Robim Borges, e pelo reverendo Joaquim da Costa e Silva, que muito se interessou pelo teatro e pela organização da tuna, chegando a “andar de porta em porta pedindo aos sócios da Estudantina para saírem dela e irem para uma outra que ele quer organizar”.
A casa do teatrinho ficou vaga quando acabou a actividade do “Bijou Tavaredense”. Não devo estar errado se disser que o seu declínio se terá ficado a dever ao falecimento, em Maio de 1897, do seu principal protector, o sr. Robim Borges.

Representação de 'O Presépio' pelo Grupo Musical e de Instrução Tavaredense


Em Julho de 1914, uma notícia na “Gazeta da Figueira”, escreve: “O apreciado Grupo Musical Tavaredense acaba de mudar a sua sede para os prédios ultimamente comprados pelo seu dedicado sócio protector, sr. Manuel da Silva Jordão, dos Carritos, os quais ficam situados mesmo ao centro da povoação e são aproveitados para a instalação da aula de música e de um elegante teatrinho, que já anda a ser construído. A direcção do Grupo Musical está muito grata para com o seu consócio sr. Jordão, por esta gentileza que muito concorre para o engrandecimento da agremiação”.
Já sabemos que estas casas eram as antigas casas da família Águas. O Grupo Musical, que se havia fundado em Agosto de 1911 e desenvolvia as suas actividades teatrais e musicais numa loja junto ao Largo do Paço, em condições muito deficientes, aceitou a oferta daquele seu benfeitor, que a havia feito “motivado pelos fins propostos pelos activos dirigentes da nova associação”, e que, além disso, colaborou financeiramente nas obras necessárias para a construção de uma boa sala de espectáculos.
A inauguração teve lugar em Janeiro de 1915.
A partir de então, a colectividade tomou grande incremento cultural, desdobrando a sua actividade pelo teatro, música, escola nocturna, ginástica, desporto e convívio e tal foi o desenvolvimento que, poucos anos decorridos, se viu na necessidade de fazer novas obras para boa acomodação de todas estas actividades.
Também já lhes contei a compra da sede pelo Grupo Musical àquele seu sócio protector, em condições excepcionais. Todavia, os gastos feitos com as obras de transformação da casa foram muito elevados e, apesar das tais “condições excepcionais”, a verdade é que em 1928, mais de cinco anos depois da compra, ainda faltava pagar cerca de metade.
Bem se esforçaram os grupistas para satisfazerem o pagamento que o sr. Jordão acabou por exigir, por carta de Junho de 1928, lhe fosse feito em Novembro desse ano. Fizeram espectáculos em diversas localidades, com o grupo dramático e com a tuna, na tentativa de obterem fundos, pelo menos para amortizarem a dívida, pois, na verdade, nunca entregaram mais qualquer importância, falhando inteiramente as condições acordadas. Até garraiadas no Coliseu Figueirense, mas tudo foi insuficiente.
Ainda tentaram um empréstimo bancário com hipoteca do edifício, mas as negociações com a agência do Banco de Portugal na Figueira não se concretizaram. E assim, embora com bastante mágoa de todos, foram obrigados a pôr a casa em venda.
Apenas como curiosidade, recordo este facto muito interessante: Em 1915, o sr. Manuel da Silva Jordão foi nomeado sócio benemérito e foi-lhe descerrado o retrato, num ambiente de enorme entusiasmo. Em Maio de 1924, o sr. Jordão concorda em vender o edifício, concedendo-lhes as maiores facilidades para o pagamento; em Março de 1929, “o presidente da direcção deu conhecimento que já havia liquidado contas com o principal credor do Grupo, sr. Manuel da Silva Jordão, propondo que o mesmo sr. fosse suspenso de sócio até à realização da primeira Assembleia Geral, pela qual deverá ser demitido, para o que se tem em vista o que se encontra estatuído, pois não só difamou o Grupo como menosprezou a honorabilidade de todos os componentes da sua direcção e ainda que, em atenção à incorrecção manifestada, ou por outra, posta em prática pelo mesmo sr. Jordão, propôs também que lhe fosse retirado imediatamente, da nossa sala de espectáculos, a sua fotografia, que ali se achava exposta…”. Passou, assim, de desejado a indesejado, de benemérito e protector a difamador!...
Quais as razões concretas? Por querer receber o seu dinheiro? Concretamente não sei, mas estou inteiramente convencido que houve interferências e interesses estranhos.
A casa foi comprada por um tavaredense, António de Oliveira Lopes. Uma das condições contratuais, era a de que o Grupo continuaria ali instalado mediante o pagamento de uma renda. Note-se que o comprador, à data da operação, era um dos directores da colectividade.
Os esforços realizados acabaram num fracasso. Os encargos assumidos com as obras, que também não haviam sido completamente pagos, e, talvez os tais interesses estranhos, levaram a que o novo proprietário da casa, poucos meses após a compra, não vendo liquidadas as rendas já vencidas, meteu uma acção de despejo em Tribunal e o Grupo Musical foi obrigado a deixar aquelas instalações que tanto sacrifício haviam exigido!
Antes de avançar com a nossa história, entendo conveniente fazer um breve comentário que, talvez, explique em parte a situação acima referida.
No dia 12 de Agosto de 1928, domingo, havia partido de manhã uma excursão, em camioneta de aluguer, com tavaredenses e figueirenses que, sob a direcção do reverendo padre Manuel Vicente, foram em peregrinação a Fátima, afim de participarem nas cerimónias religiosas que ali se realizariam nessa noite e no dia seguinte.
Por volta das 5 horas da tarde e no lugar de Reguengo do Fetal, entre Batalha e Fátima, uma ultrapassagem mal feita por uma outra camioneta, fez com que o condutor da camioneta da peregrinação tavaredense perdesse a direcção e, resvalando para um declive, a camioneta desse uma volta sobre si antes de se imobilizar.
Com gravidade ficaram somente feridos dois peregrinos: Abílio Simões Baltazar, um dos proprietários da Quinta do Robim, que dado o seu estado crítico foi enviado para casa, onde faleceu pouco depois da chegada “no meio de horrorosos sofrimentos” e o padre Manuel Vicente, que sofreu uma forte comoção cerebral e apresentava contusões graves. Foi internado no hospital de Leiria e, apesar de todos os socorros prestados, ali faleceu poucos dias depois.
O padre Manuel Vicente era muito acarinhado e admirado pelo povo da freguesia. O seu trato afável havia conquistado a maioria dos tavaredenses e chegou a acompanhar, com relativa actividade, a vida associativa local. Só assim se compreende que, ao contrário do que se verificou em tantas outras paróquias, o padre Manuel Vicente tenha atravessado, com alguma facilidade, dois períodos bastante difíceis. Primeiro, em 1910, com a implantação da República e as fortes lutas contra os tradicionais privilégios da Igreja, e depois o 28 de Maio de 1926, que terminou com o regime republicano e do qual veio a resultar a sinistra ditadura salazarista.
Para sua substituição foi nomeado o reverendo padre José Martins da Cruz Dinis. Muito jovem, acabara de ser ordenado padre, bastante inteligente e declaradamente conservador, logo tentou a “reconversão” dos seus novos paroquianos, pois havia ficado muito surpreendido com a pouca participação religiosa da maioria da população local.
As colectividades eram um local propício à participação popular, pelas actividades que desenvolviam. E o novo pároco de imediato pensou na fundação de uma nova colectividade, intimamente ligada à religião.
Não vou especular o caso, mas, na verdade, ainda bem conhecemos os responsáveis do Grupo Musical daquela época. Os republicanos liberais, digamos assim, acabaram por levar o Grupo para as instalações do Paço, onde se mantiveram durante muitos anos. Os restantes, muito religiosos e conservadores, não os acompanharam.
Pouco tempo depois do despejo do Grupo Musical, o proprietário António Lopes vendeu o edifício à Diocese de Coimbra, pois a sociedade “Predial Económica”, em nome de quem foi feita a escritura, era propriedade, na totalidade, daquela Diocese.
Sabe-se que a compra foi feita devido à influência do padre Cruz Dinis. Sabe-se que um dos seus ideais era fundar uma colectividade de índole religiosa. Estará aqui a explicação para o “ultimato” feito pelo sr. Jordão ao Grupo Musical? Não avanço mais na especulação, mas sempre digo que, pelo que apurei, aquele senhor era católico praticante.
No ano de 1931 é fundado o Grémio Educativo e de Instrução Tavaredense. Foi seu presidente da Direcção o reverendo Cruz Dinis.
Aquela casa continuou, então, a sua acção cultural. As instalações, no dizer da imprensa figueirense, eram das melhores em aldeias do concelho. Aos amadores do teatro e da música que não haviam seguido com o Grupo Musical, outros se juntaram. Além de alguns espectáculos, muito em especial dirigidos às crianças, também a colectividade passou a dar aulas nocturnas, sob a direcção do padre Dinis que, anteriormente, dava as lições na sua residência.
Não quero questionar a actividade religiosa, educacional e cultural daquele pároco. Ela foi grande, é fora de dúvidas. No entanto, e em minha opinião, depois de ter lido e relido tudo quanto há para ler, relativo àquele período, ele politizou em demasia a sua acção. Foram anos de duras e violentas lutas. Republicanos e conservadores, estes protegidos pela capa ditatorial do novo regime, defrontavam-se ferozmente, em especial nos órgãos jornalísticos que lhes davam cobertura.
E em Setembro de 1935, o reverendo padre José Martins da Cruz Dinis foi transferido, a seu pedido, para a paróquia de S. Paulo de Frades, em Coimbra, depois de aqui ter permanecido 7 anos.
Com ele acabou o Grémio Educativo. Ele era a sua alma. Mas, a nossa casa, continuou de pé. A obra cultural lá realizada durante tantos anos acabara de vez. Mas a nossa história ainda não acaba aqui. Continuemos.
Sem actividade, naturalmente que o edifício se começou a degradar. O proprietário estava longe, em Coimbra, e a Diocese interessou-se mais em vender a casa do que em fazer obras.
No dia 22 de Outubro de 1938, o jornal “O Figueirense” publicou a seguinte local sob o título “Incoerências”:
“O último número do semanário da Figueira da Foz “O Dever”, publica um interessante e oportuno artigo anónimo, sobre “tabernas”, com que estamos inteiramente de acordo, dada a boa doutrina que defende.
Nele se classifica a taberna de enorme desgraça individual e social e “o maior foco de infecção social”, o que ninguém se atreverá a contestar.
O pior é que, noutro local do mesmo número, se considera acertada a resolução dum proprietário, vendendo, para instalação duma taberna, a casa que possuía em Tavarede – Figueira da Foz, outrora sede duma associação católica.
Afinal, é bico ou cabeça?
Sem comentários…
O que o prezado colega não sabe é que a propriedade em referência, era pertença dum alto dignitário eclesiástico e a sua resolução é tanto mais para deplorar quanto é certo que a venda do prédio foi feita sonegadamente, depois de prometido à Comissão Organizadora para instalação da Casa do Povo de Tavarede”.
Como se vê tinha sido organizada uma comissão para instalar, na nossa terra, uma Casa do Povo, um dos organismos corporativos que o regime ditatorial espalhou com abundância pelo país, sob a tutela da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, argumentando casas de cultura e recreio populares mas, efectivamente, com o objectivo maior de fazer propaganda à sua ideologia política.
A casa onde esteve instalado o Grémio Educativo pertencia à Diocese de Coimbra. Ora, e com muita lógica, a referida Comissão Organizadora pensou que aquele edifício, já meio degradado, era uma boa solução para a instalação da Casa do Povo, fazendo, claro, as necessárias obras.
Poucos dias depois daquela notícia, em correspondência de Tavarede, “O Dever” escreve: “Segundo nos consta e é voz corrente, o Governo vai entregar à comissão organizadora da Casa do Povo de Tavarede, a quantia de trinta ou trinta e cinco contos para a construção da Casa do Povo de Tavarede, em local apropriado, pois que a casa que foi sede do Grémio não foi achada em condições, não só por se ter reconhecido pequena, mas por estar muito deteriorada.
…………………..
Afinal, temos de felicitar-nos por a casa do Grémio ter sido vendida, sem o que não teríamos um edifício novo para a Casa do Povo, e que foi apenas leviandade o barulho agressivo contra as pessoas julgadas com intervenção na sua venda”.
Começou, de imediato, tremenda polémica. A comissão organizadora, em carta dirigida àquele periódico procura rebater a notícia e escreve em determinado lugar: “…… Também não tem o menor fundamento que a chamada casa do Grémio, que a Comissão se propunha adquirir contraindo um empréstimo particular, fosse reprovada por ser pequena e estar deteriorada. Pelo contrário, foi e continua a ser considerada a que reúne as melhores condições de adaptação e ampliação (quando necessária) de todos os prédios existentes nesta povoação. Seria, além disso, ingenuidade supor que com 30 ou 35 contos (que se não sabe se virão) obteríamos um prédio novo, maior, e em melhores circunstâncias”. Termina a carta com a bem conhecida frase “A bem da Nação”.
Eu não queria alongar-me muito com algumas transcrições desta polémica. Ela foi longa. Mas, para que bem se fique a conhecer a história da casa em questão, terei de fazer mais algumas pequenas transcrições, das partes mais significativas e que me parecem de mais interesse.
O que estava em causa era se o Bispo de Coimbra, conhecedor dos desejos da Comissão Organizadora da Casa do Povo tinha ou não tinha prometido vender-lhes a casa. “O Dever” dizia que não e alegava:
"……… Mas porque não comprou? Desde que sugerimos a fundação da Casa do Povo de Tavarede – fomos nós da ideia – até à venda da casa do Grémio, decorreram muitos meses.
Desde que a Junta de Freguesia e muitas outras pessoas tiveram conhecimento da existência dum segundo pretendente, até ao encerramento do contrato de venda, decorreu tempo mais que suficiente para se prevenir. A sociedade proprietária teria muito prazer em vender o seu prédio para instalação da Casa do Povo, desde que alguém aparecesse com dinheiro e disposto a fechar contrato real e imediatamente”.
Mais à frente, acrescenta: “Isto mostra bem que o nosso correspondente teve razão em achar acertada a venda a um comprador certo, para se evitarem maiores prejuízos, visto que a Casa do Povo, em organização, ainda hoje não é comprador, pois hesita no caminho a seguir; e, portanto, que foi leviandade grosseira o barulho agressivo contra as pessoas julgadas com intervenção na sua venda. Os 35 contos do Estado, com alguns contos de compra e adaptação com que a Comissão se propunha adquirir e casa do Grémio contraindo um empréstimo particular, dariam mais de 60 contos com o que, é absolutamente certo, se construiria uma casa melhor do que a do Grémio, tanto mais que seria possível obter terreno de graça e outras ajudas”.
O debate jornalístico tornou-se inevitável. Por seu lado, a Comissão Organizadora tentava, com todos os elementos de que dispunha, argumentar que tinha razão, pois que o Bispo de Coimbra havia-lhes prometido todo o apoio e esse apoio, entendiam eles, incluía a cedência da casa.
Os meses de Novembro e Dezembro de 1938 foram férteis em comunicados de defesa, de ataque e, até, de questões que, na verdade, nada tinham com o problema, pois alguns foram meros ataques pessoais. Como recordação fica o nome dos dois principais intervenientes nesta longa polémica: em “O Dever”, que defendia a venda a um particular, o padre Alfredo de Melo Abrantes Couto, prior de Buarcos e encarregado temporariamente da paróquia de Tavarede, e em “O Figueirense”, em nome da Comissão Organizadora, esteve Belarmino Pedro.
Conheci relativamente bem os dois. Posso adiantar que, durante os poucos anos que o padre Abrantes Couto foi responsável pela paróquia de Tavarede, não teve vida nada fácil. Queixava-se, bastante, que o parco rendimento que aqui tirava, nem de longe nem de perto compensava o seu trabalho. Belarmino Pedro, que posteriormente integrou a redacção do jornal “A Voz da Figueira”, foi interveniente em várias polémicas com pessoas ou sobre assuntos da nossa terra, algumas, igualmente, bastante violentas.
Nesta história, se calhar, todos teriam razão. Ou talvez não. A verdade é que, com promessas ou sem promessas, a casa teve outro destino. Também, e como se sabe, a fundação do tal organismo corporativo, a Casa do Povo de Tavarede, prevista pela interessadíssima comissão, que tão brava e heroicamente lutou pela sua fundação, não passou de uma “vã quimera”, ou de um sonho que se esfumou.
Pelos vistos, o apoio que esperava do Estado e que estimaram em 30 ou 35 contos, que era bastante dinheiro para a época, nunca terá sido prometido e muito menos disponibilizado. Como aparte, indico que o prédio havia sido adquirido a António Lopes por 24 contos e foi vendido a António Pedro Carvalho por 10.
O que verdadeiramente interessava era contar a história daquela velha casa. Talvez tenha abusado nas transcrições, mas posso dizer que só transcrevi uma pequeníssima parte, mas o que não foi transcrito, além de nada mais adiantar, tornaria demasiado enfadonha a história. Preferi, e entendo que com acerto, ficar por aqui.
E vou concluir com um facto bastante irónico. O novo proprietário da casa, que a reconstruíu e onde montou um estabelecimento de mercearias e vinhos, onde não faltava uma grande taberna e um retiro, no quintal, para os petiscos e para jogos diversos, conhecedor de toda a polémica que a sua compra desencadeou e sabendo qual era a finalidade para que queriam as antigas instalações associativas, resolveu, talvez sarcasticamente, dar um nome ao seu novo estabelecimento. Chamou-lhe, e mandou escrever na fachada do edifício, em letras enormes, “A LOJA DO POVO”.
Sem mais comentários!


(Caderno: Tavarede - A Terra de meus Avós - 3º.)