sexta-feira, 28 de outubro de 2011

UMA VISITA A TAVAREDE

AINDA A EXCURSÃO À FIGUEIRA DA FOZ

….
Duas ou três voltas pela cidade… A música deixou de se ouvir, os foguetes calaram-se também… Numa torre distante, soaram, pesadas e lúgubres, as doze badaladas do meio-dia… Os estômagos daqueles quatro excursionistas (Medina, Gonçalves, Santa Bárbara e eu) deram horas, não sei bem se por espírito de imitação, se por necessidade…


Optemos pela última hipótese… O Santa Bárbara, sonhador, imaginava já um alto castelo de batatas cozidas, cercado por fortíssima muralha… e resistente barbacã de postas de bacalhau, vibrante e luzidio… E ele, qual conquistador da Idade Média, avançando, avançando sempre, eis que consegue tomar aquela fortaluza, embora sem prévia autorização do alcaide… Mas, tudo aquilo é um sonho…


Então, nunca largando o seu preciosíssimo sobretudo, resolve distribuir mais alguns prospectos lindíssimos do rico ramisco da Adega Regional, a estas ou àquelas espanholas que por ali cirandeiam… De súbito Medina chama um táxi e empurra-nos para dentro do auto… Alegram-se os semblantes e, para entreter, o Gonçalves admira a paisagem que, certamente, não consegue ver…


Somios chegados a Tavarede… Medina apresenta-nos sua mãi… Simpática velhota que nos recebe alegremente, pois estão ali, como ela diz, os amigos de seu filho… Percorremos as dependências da casa… Estamos encantados… Medina, cicerone atencioso, vai-nos indicando os retratos que se acham espalhados pelas paredes… São todos da família… Prestamos mais atenção às fotos do “velho” director quando era novo… O pai Medina aparece-nos de surpresa… “É o meu pai”, diz o Medina, cada vez mais satisfeito… Acolhimento cativante que nos faz despertar a vontade de jamais sairmos de Tavarede… Depois os manos… José, Pedro, Ricardo e Violinda… Todos nos recebem com agrado… Qualquer coisa nos atrai para a casa de jantar… É o almoço, o desejado almoço, que nos parece estar magnetizado… Qualquer coisa há, também, que nos provoca comentários… É a boroa, a característica boroa, que parece estar acanhada ao lado do pão de trigo… Supõe talvez que a desprezamos… Isso sim!... É ela que toma a presidência… - e nos convida, mais depressa, a baixar à adega…

À tardinha, um passeio pelos arredores… Vamos a Brenha, povoação encantadora… - São rapazes dos jornais de Lisboa e do meu, como diz o Medina… Recebem-nos às mil maravilhas, longe de nos tomarem por simples distribuidores de jornais, como se podia deduzir da afirmação feita pelo natural daquelas lindas regiões…


Que interessante!... Rapazes e raparigas, em volta duns coretos onde duas boas tunas tocavam, impecavelmente, canções em voga, fazem ouvir a sua cristalina voz:


Não deves trocar Maria,
As sedas por essa chita…


- Não há tempo a perder!... – exclama o Medina… Com muita pena, subimos para o carro que nos há-de levar a Quiaios e à Serra da Boa Viagem… Vamos visitar a Mata dos Cedros, a Vela, a Bandeira… Enfim, estávamos dispostos a trocar todos os passeios por mais alguns momentos de permanência naqueles sítios… Mas, não podia ser… E lá fomos… Chegam ainda até nós os acordes dos violinos e as vozes das raparigas:


Pois a flor quando é modesta,
Não deixa de ser bonita…


Alberto Cosme. (Jornal de Sintra - 22-9-1935)

TEATRO DA S.I.T. - NOTAS E CRÍTICAS

1921

ESPADELADA

Fazem-se por aí, de quando em vez, reclamadas récitas de amadores. É raro, no entanto, surgir alguma coisa que marque, alguma coisa que agrade, alguma coisa que amplamente satisfaça o espectador.


Feita uma relativa excepção a alguns novos do Ginásio, a um ou dois rapazes da Naval, o resto acusa o vício atávico do presepe indigena, aquele ramerrão coçado e batido que vai do


Oh meu menino Jesus

Da lapa do coração...


até ao aflictivo carpir de Raquel chorosa, em face do arrogante Herodes barbaçudo. Récitas de caridade são sempre de fazer arripios. Ainda há dias, uma muito simpática instituição de assistência o demonstrou com largueza, organizando um espectáculo por tal forma e com tais gentes, que houve quem fugisse dos amadores mais espavorido que menina histérica de bravos bois desembolados...


Há por isso que, jubilosamente, fazer justiça a um rancho de petizes que no passado sábado, em dia de aniversário e festa da Sociedade de Instrução Tavaredense, souberam riscar um encantador traço de beleza. Eram aí uns vinte e tantos meúdos e meúdas, trajados à minhota, os pimpolhos de jaqueta e chapeirão de feltro, e as pequenas com a clássica saia bordada, a chinela, o avental bordado, o chambre todo farfalhudo de oiros e o aceso lenço de ramagens, com suas franjas amplas em vermelho e amarelo.


Representavam a Espadelada, - uma coisa regionalista e leve, em que com finura se encaixaram uns interessantes motivos de música popular, que estão tão a propósito para a criançada, como sôpa fôfa para uma dose de doirado mel!


Eu gostava que todo o fiel amadorzinho cá do burgo visse representar a meúdagem de Tavarede. É certo que aquilo mostra uma larga soma de trabalho. Vê-se com clareza a continuada e longa domesticação que sofreram. Calcula-se das lições, dos reparos, do ensino, do desbaste, que dia a dia, hora a hora, instante a instante, foram sofrendo até atingir o grau de perfeição com que brilhantemente se apresentaram em público. Cabe todo êste esfôrço inteligente e bem orientado à evangélica paciência de José Ribeiro. Sim, ao ensaiador cabe em quinhão grande o aprumo, a marcação, a linha com que a petizada disse e representou seus papéis. Graças a José Ribeiro é que não houve uma nota discordante e antes tudo aquilo, de comêço a fim, correu com a limpeza, a segurança, a firme tranquilidade dum veio de água seguindo sem estôrvo o seu caminho fácil. Mas o que o organizador da récita não fez, porque não podia fazê-lo por mais dedicação e mais conhecimentos, foi a naturalidade, o á-vontade, a natural vocação scénica com que se apresentou galhardamente a maioria dos meúdos-actores.


Maria Ribeiro, uma garota ainda dos seus 12 anos, encarnou à maravilha um papel de velha mãe, com seus falares pausados, o passo cansado, o gesto lasso. Maria de Figueiredo deu uma Joaquina tão viva como uma cantiga vermelha numa tarde sádia de arraial alegre. António Cordeiro, fez um janota com aprumo, encarnando com facilidade o seu papel de sedutor sabido, com ápartes a tempo, um cofiar de bigodes a rigor, mantendo sempre o seu ar de pessoa fina. António Broeiro, fez um galã ingénuo e apaixonado, com arranques de alma tirados sem aparente dificuldade, movendo-se no seu papel de amorudo como se em vez dos seus dez ou onze anos, já uns dezoito ou vinte lhe trouxessem a cabeça a juros e o coração agarrado a saias em vez de a peões e papagaios ligeiros. E José Loureiro compoz com graça um marinheiro autêntico, desde as botorras de borracha até ao chapéu de oleado, e das barbaças de lobo do mar ao cachimbo entalado nos beiços com uma naturalidade de catraeiro.


O que mais me maravilhou neste grupo de crianças, e nomeadamente neste marinheiro, lobo do mar de 13 anos, foi a correcção do gesto e a natural entoação da frase. Não foi esquecido um pormenor, nem olvidado um detalhe. O dito mais simples era composto com o modo mais frisante. Assim como o galã arrimava ao cacete a sua cara de sofrimento e de ciúme, assim o marinheiro bamboleava o andar nos hábitos de bordo, e a velha fazia o caminhar custoso e as moças cirandavam com calor o seu bailar.


Até à beira da scena, nuns toques de aldeia que faziam mover e rodopiar o danço, um meúdito de seus oito anos, chocalhando nuns ferrinhos um acompanhamento bregeiro, e meneando a cabeça e o corpo frágil ao ritmo da modinha popular, tinha tal chiste e tamanha graça que ninguêm havia que não risse...


... Emfim, um grupo de pequenos amadores, com o pior dos quais muito tinham que aprender todos os seus colegas maiores da terra e a grande maioria de seus iguais da Figueira! (Voz da Justiça – 01.21)

O 17º ANNIVERSARIO DA SOCIEDADE DE INSTRUCÇÃO TAVAREDENSE

A sympathica e florescente collectividade local Sociedade de Instrucção Tavaredense commemorou nos dias 15 e 16 d’este mez, d’uma fórma luzida, o seu 17º anniversario de fundação, constituindo aquelles dias na terra a que tenho a honra de pertencer uma festa d’um cunho tão brilhante, tão bello, que os seus associados devem orgulhar-se em ella calar tão bem no espirito de todos os tavaredenses dignos; de todos aquelles que, como eu, desprezam facciosismos associativos para se congratularem com o desenvolvimento da Instrucção e Educação do Povo na terra que lhes foi berço.


Por lhe ser totalmente impossivel vir a Tavarede no ultimo sabbado e ainda porque sabia que eu como sendo de cá não tinha convite, o digno editor d’este jornal offereceu-me expontaneamente o da Gazeta, que aceitei reconhecido, porque estava possuido d’um certo empenho em vêr a péça que representavam uns pequenitos na SIT.


E assim foi, pois que n’aquelle dia dirigi-me lá cima ao Terreiro a occupar no theatro da Instrucção Tavaredense o logar que estava destinado ao editor d’este jornal – o meu patrão.


Um membro da direcção recebe-me delicadamente e entrega-se um bilhete de plateia, ao mesmo tempo que me indica o meu logar, que occupo após uma bréve vizita ás salas d’aquella collectividade, que eram aliás d’uma sumptuosidade pouco vulgar.


A disposição das colgaduras ricas, das verduras e dos vazos de flôres revelava bem o fino gosto, a habilidade de quem os havia disposto.


São 21 horas. A orchestra inicia o bem constituido programma com o Hymno da Associação, que é ouvido de pé pelas innumeras pessoas que enchiam o theatro.


O panno sóbe e a figura sympathica de José Ribeiro surge no palco, e n’um vibrante e caloroso discurso frisa bem claramente qual a obra da Sociedade de que é Presidente.


A assistencia ouve o com attenção, e no fim elle recebe acclamações fartas e justas.


Segundo o programma, segue-se a operetta em 1 acto, de costumes regionaes, A Espadelada, interpretada por um grupo de creanças.


Assim foi, pois que após um breve intervallo o panno sóbe e a petizada começa de representar a alludida operetta.


De principio a fim eu admirei todos, absolutamente, desde o protagonista ao simples comparsa.


Com franqueza: tenho pena de infelizmente não ter competencia para poder relatar com minuciosidade o que vi. Sei que me custa a crêr que um grupo de amadores com mais annos de pratica na arte de theatro do que os que teem de vida aquelles pequenos actores fossem capazes de representar A Espadelada com tanto escrupulo e d’uma fórma tão correcta como o grupo dos 20 e tantos petizes dos dois sexos que Zé Ribeiro com a sua proverbial paciencia pôz em scena lá em cima na Sociedade de Instrucção.


O filho mais velho do Jayme Broeiro, o Antonio, faz com tanta naturalidade o papel de Thomaz, que me dá a impressão d’um velho amador, batido. É um galã bom.


A irmãsita do Zé Ribeiro, a Maria, marca authenticamente o papel de Tereza. É uma velha que eu estou a vêr e não uma creança dos seus 10 ou 11 annos.


O Zé Borrasca cahiu bem no filho do Manél Loureiro, que faz sem dificuldades um velho marinheiro.


O Antonio Cordeiro dá muita vida ao Ernesto. É um janota magnifico, como a Maria José, da Helena, uma camponeza authentica. Faz a Joaquina muitissimo bem, revelando para de futuro aptidões aproveitaveis.


Está um outro, um piriquito, de ferrinhos em punho, que sem dizer uma palavra faz como sóe de dizer-se um papelão. Não há um só espectador, o mais sizudo, que se não ria a bandeiras despregadas com o rapaz, que ostentando ao canto da bocca um cigarro brégeiro quasi tão grande como elle, acompanha lindamente com a cabeça, com o corpo e com o batuque dos ferrinhos, todos os numeros de musica que se tocam durante o tempo que está em scena!


É d’uma graça extraordinaria!


Emfim, todos os pequenitos, desde o mais taludo ao Gentilito, indubitavelmente o mais liliputiano dos engraçados amadores, houveram se d’uma fórma tão brilhante que não devo cohibir-me de os estreitar n’um cordeal abraço de felicitações, bem como ao seu ensaiador, o amigo Zé Ribeiro, por vêr coroado de bom exito todo o seu esforço, toda a sua muita paciencia, revelados no successo obtido com a representação da Espadelada, por um grupo de gentis creanças, n’um dos theatros da minha aldeia.


A terceira parte do Espectaculo de gala consta d’um acto de foliés-bergéres. Recitam com agrado varios amadores, que recebem ovações.


Seguidamente sóbe á scena a hilariante comedia Zázá, por adultos, que a desempenham com correcção e graça.


E findou assim o primeiro dia de festa da Sociedade de Instrucção, onde se passaram algumas horas alegres e despreoccupadas. (Gazeta da Figueira – 01.22)

1923

ROSAS DE NOSSA SENHORA

No sábado, às 21 horas e meia, realizou-se a récita de gala no teatro, que apresentava um aspecto festivo com a ornamentação. Representou-se a linda comédia em 3 actos Rosas de Nossa Senhora, com música original do distinto amador sr. António Maria de Oliveira Simões, dessa cidade.


O seu desempenho agradou muito, sendo aplaudidos calorosamente todos os intérpretes. Esses aplausos foram inteiramente merecidos, porque, tratando-se de amadores de fraquíssimos recursos, sem prática do palco, revelaram, alguns, habilidade, e todos, grande fôrça de vontade, sem a qual não seria possível o bom conjunto que apreciámos.


A distribuição foi a seguinte: Marta, Idalina Fernandes; Rosa, Virginia de Oliveira; Rita, Emília Fadigas; Cigana, Eduarda Fernandes; Carriço, Francisco Carvalho; Tio João, José Vigário; Anastácio, José Maria Marques; D. Luiz, Fernando Ribeiro; José, António Cachulo; Um camponês, António Pinto. A todos estes amadores, bem como aos restantes que constituiam o grupo coral e que cumpriram muito bem a sua obrigação, dirigimos os nossos parabéns.


Os 5 números são felizes, tendo a assistência manifestado o seu agrado com palmas que soaram ruidosamente. O autor, sr. António Simões, que assistia, teve de agradecer do palco entusiásticas ovações de que foi alvo.


O ensaiador e o dirigente da orquestra, o hábil regente da Figueirense, sr. Manuel Martins, viram estarem bem aproveitados os seus esforços, pelo que os felicitamos. (Voz da Justiça – 01.23)

OS AMORES DE MARIANA

Há vivo interêsse pela representação, no próximo sábado, da linda opereta em 3 actos Os Amores de Mariana, levada a efeito pelo festejado grupo da Sociedade de Instrução Tavaredense.


Esta récita é esperada com um entusiasmo que pode avaliar-se pela enorme procura de bilhetes, e os amadores procuram corresponder a êsse entusiasmo, dando relêvo à interpretação dos seus personagens.


A opereta tem 29 números de música alegre, muito viva, parte original e parte coordenada.


O grupo coral é constituido por 20 figuras de ambos os sexos, tomando parte na representação 30 pessoas.


A distribuição é como segue: Morgada do Freixo, Idalina de Oliveira; Mariana, Virginia de Oliveira; Rita, Joaquina Cascão; 1ª camponesa, Emilia Fadigas; 2ª camponesa, Eduarda Serra; Zé Piteira, António Coelho; Manuel de Abalada, Francisco Carvalho; Roberto, sacrista, Jaime Broeiro; Barnabé Pacóvio, António Graça; Ernesto, António Santos; Tiago, José Maria Marques; André, Emídio Santos. (Voz da Justiça – 03.27)

OS AMORES DE MARIANA

Esta linda opereta teve no sábado último um excelente desempenho pelos amadores da Sociedade de Instrução Tavaredense. Todos os espectadores aplaudiram com entusiasmo nos finais de acto, fazendo chamadas especiais, como igualmente foram aplaudidos alguns números de música.


Não há que fazer especializações. Todos os intérpretes dos principais papéis representaram com muito acêrto.


O interessante par dos Morgados (Idalina de Oliveira e António Silva) foi esplêndido de graça, atraindo as atenções da assistência; A Coelho, no Zé Piteira, manteve-se com felicidade; Francisco Carvalho, no Manuel de Abalada, Virginia de Oliveira, na Mariana, e António Santos, no Ernesto, todos muito bem; Jaime Broeiro soube tirar partido do sacristão e Graça fez o brasileiro Barnabé com grande naturalidade, tendo de bisar o seu número Brasileiro di água doce, que cantou muito bem. Os restantes amadores houveram-se por forma a manter um bom conjunto, e os coros sairam afinados e muito certos, pelo que o regente, sr. Manuel Martins, foi justamente elogiado.


A récita foi em benefício da Santa Casa da Misericórdia, dessa cidade, gesto simpático que muito dignifica a benemérita Sociedade de Instrução Tavaredense e os seus amadores dramáticos.


Oxalá esta iniciativa fôsse seguida pelos grupos dramáticos das outras freguezias do nosso concelho, visto que aos infelizes de todo o concelho acode nos momentos dificeis da doença o hospital da Misericórdia desta cidade. (Voz da Justiça – 04.13)


Nota - As notas e críticas, iniciadas neste blogue na semana passada, são retiradas do caderno "100 Anos de Teatro", que compilei por ocasião do centenário da Sociedade de Instrução Tavaredense. Destes cadernos, pois são dois (1904-1954 e 1954-2004), constam também todos os espectáculos realizados, na sede ou fora, notas sobre alguns espectáculos, colaboradores diversos e amadores, indicando a peça e o papel representado e respectivo ano, além destas notas e críticas. Algumas serão, certamente, repetidas, mas julgo de interesse publicar tudo o que consta dos referidos cadernos. Caso alguns dos meus estimados leitores não aprecie, peço-lhe desculpa e peço que passe adiante.

sábado, 22 de outubro de 2011

TEATRO DA S.I.T. - NOTAS E CRÍTICAS

1915

OS AMORES DE MARIANA – NA FILARMÓNICA FIGUEIRENSE

Conforme noticiámos no penultimo numero do nosso jornal, teve logar no pretérito domingo, no elegante teatrinho da Figueirense, o espétáculo que foi abrilhantado pelo grupo dramatico da Sociedade d’Instrução Tavaredense, que levou à cêna a opereta Os Amores de Mariana.


Não mentimos quando afirmámos que o publico corresponderia com a sua presença, no vasto salão da Figueirense, ao apêlo feito por esta simpatica colétividade, organisando uma récita que, como a de domingo, tarde se nos apagará da memória. E também não mentimos fazendo as mais elogiosas referências ao grupo de Tavarede, que sabe conduzir-se de forma que encanta todos que logram o prazer de o ouvir. Por tal razão os nossos cumprimentos aos briosos rapazes que tão bem aproveitam as suas horas vagas, cultivando sob a diréção d’um habil amador, como o é Vicente Ferreira, uma Arte tão querida do nosso povo: - Arte dramatica.


Os Amores de Mariana agradam pela sua simplicidade e agitam os corações pela boa musica que tem, verdadeiros mimos da nossa fértil canção portugueza. E se nós temos vontade imensa de nos prendermos à Mariana, salta logo essa figura de Zé Piteira, bonacheirão mas amorudo, que não gosta da brincadeira e descarrega traulitada.


É que o nosso camponez ama valentemente como uma vaca, e sendo só pão, pão, queijo, queijo, não consente – e faz muito bem – que o queijo da sua conversada se vá unir a qualquer pão da cidade, que envenena e não quer casar.


E mesmo tem o nosso Zé Piteira carradas de razão nos seus zelos: - é que a srª. Mariana é o beijinho lá da aldeia, une-se, casa-se bem com o pitoresco daquele Minho ridente em que as flôres são belas e teem perfumes estonteantes; e por tal é triste que um jinota todo triques à beirinha venha com forçada meiguice apoderar-se da filha do Manuel d’Abalada, que de bom gosto dá tudo quanto tem e ainda mais à filha ao simplorio Zé Piteira.


A alma é esta, e a poesia ressalta no campo a todo o passo, de maneira que desde o Barnabé Pacóvio, o brazileiro d’agua-doce, até à Morgadinha do Freixo, que já se conheceram... trez vezes, todos à uma anuem ao casamento, e o simpatico Zé lá se abicha com aquela linda Mariana, bem contra a vontade desse Ernesto, o jinota, que queria... que se acabasse esta maçadoria que fica escrita para registo da noite de domingo ultimo. (Voz da Justiça – 05.14)

1916

ENTRE DUAS AVÉ-MARIAS

Por tábuas do “theatro do grupo de Instrucção Tavaredense” – ‘Hi por abas das dez e picos, com a casa á cunha, cheiinha como ovo galado, amigo e mestre Gentil, de seu poiso de maestro, içou batuta e deu signal de começo á funçanata. Subiu o pano no ranger d’uso. E na scena, raparigas em trajes minhotos, com suas saias rodadas, seus colletes de velludo, lenços de ramagens, peitos estrellados d’oiro, desataram c’uma malta de moços de jaqueta e calça afunilada, com camisas de bofes e chapeirões largos de feltro, a farandolar, a cantar qualquer coisa com resaibo popular, assim á guisa de móda de róda em rancho alégre, á volta de fogueira, por noite santa de S. João!


Era esta festança no largo da Aldeia. Á esquerda o tasco do sr. André, à direita a botica de mestre Aniceto.


Menina Rosinha, filha do tendeiro, assomou no riso claro de sua belleza, á janella de sua casa.


Subiu um côro de saudações á mais linda moçoila das redondezas. E ella que por todos é querida, e de todos é graça, entra a lamentar suas desditas, sua escura sorte de namorada, com noivo por terras longes, perdido por Brazis distantes, sem dar novas ou noticias de sua saude e seus haveres.


N’isto, n’uma céga réga, apressurado, mexifo, buliçoso, sórde D. Procopio, mordómo dos srs. fidalgos d’Arrifana. E ali bota dueto por’môr d’um melro que morrera a sua excellentissima ama, com mestre boticario a quem egualmente fallecera certo papagaio excellentissimo.


Ouvem-se toques de corneta. O carteiro anciosamente esperado chega alfim.


E todo o povoléu do logarejo recebe suas cartas, todo. Só Rosa fica sem mandados, só Rosa foi esquecida de quem tanto lhe lembra!


Uma nevoa de tristeza cae com suas queixas, desce com suas maguas d’abandonada. Presentem-se olhos de gentana amiga orvalhados de lagrimas, corações condoídos da negra sorte de Rosinha.


E subitamente, na paz das coisas e das almas, o sino maior do campanario da Aldeia, chora lagrimas de bronze, espaçadamente... Dobram-se joelhos. Descobrem-se cabeças. Balbuciam-se orações. Dentro, um côro de creanças resa uma Avé-Maria, suavemente. E o pano desce na benção do lyrismo que paira em tudo aquillo...


Estoiram palmas. Pano arriba, pano abaixo, e o theatro despe-se de machos. Cá fóra o mulherio das freiras de milho, faz negocio largo. E no Zé Maria e no Francisco, não há mãos que cheguem, a medir copos com vinho p’rá basta fréguezia.


Içam de novo o pano. Agora a scena tem ao fundo um carro de bois de toiço baixo, c’um casco no leito. Fazem róda vindimadores e vindimadeiras encostados a seus poceiros vindimos. Cantam. ‘Té que seu patrão André os enxota p’r’ó serviço.


Amigo Zé Cochicho, zagorro vivo e moço decidido, promette ir consultar certa bruxa, sabida e mestra em adivinhas e feitiços, por’môr de averiguar do paradeiro de Jorge, querido e sonhado noivo de Rosinha.


Parte a realisar sua ideia. Mestre André vae à sua obrigação, - vêr se a gente que traz lhe dá conta do trabalho.


E é então que o sr. fidalgo e seu mordómo apparecem em cata da linda moça do logar. Cynicamente, o fidalgo confessa que quer para serva de seus desejos. Quasi lhe impõe a venda de sua carne, - que ou ella lhe pertence, ou o pae é entregue á justiça por suas dividas.


Um desconhecido que surge e tudo aquillo ouve, e que tem tentado saber com certas móstras de interesse o que a rapariga sente, põe ponto final na questão, saldando a divida com dez contos de reis, despresadoramente atirados ás ventas do fidalgo e de seu mordómo, em bellas notas de cem milhos (palavra d’honra que até pareciam das bôas... – aquillo por mais que me digam, foi abono do João dos Santos).


Fogem corridos, amo e lacaio. E o desconhecido faz evocar a Rosinha coisas velhas, recordações de sua infancia, e certa canção de Jorge, dos tempos distantes de sua felicidade.


Annuncia-se o regresso breve de seu noivo. Junta-se a gente do casal. Cantam, dançam, e o pano desce sobre o segundo acto na alegria d’uma grande festa.


Abre o terceiro c’um côro em surdina, por gentes enfeitando o largo onde d’ahi a momentos deve ser recebido Jorge de regresso de suas viagens. Zé Cochicho volta, a affirmar que a bruxa lhe predisse as maiores venturas para os dois que vão acasalar-se. Mas o fidalgo e seu mordómo travam crimes graves de desasocego e arrelia. E combinam fazer passar por moedeiro falso o desconhecido, fazer prender por cumplice o pae de Rosa. Certo aldeão que os escuta tudo descobre. Correm a informar a justiça do que se cuida fazer. E o fidalgo é preso. O mordómo é preso. Jorge chega. Noivo e noiva abraçam-se no grande contentamento de todos. Ali se combina o casamento proximo. Podre de rico, Jorge, offerece a locanda do sogro a Zé Cochicho, seu fiel amigo. Tudo ri, tudo canta. Uma alegria d’oiro faulha, vibra em falas e cantares.


... Mas subitamente, sinos tamgem de novo. Corta o arruido da festa uma rápida transição de recolhimento. Creanças ajoelham. Voltam a cantar-se Avé-Marias. E o pano desce...

Que dizer do desempenho? – Quasi nada. – A peça é um bocado de vida rustica, cortada de typos authenticos.


Claro que não é opereta. Certo que não tem valor como theatro. Mas é um pretexto para encaixilhar em motivos populares meia duzia de typos caseiros de nossas aldeolas. E vae d’ahi, os amadores de Tavarede ali achados como peixe n’agua, em coisinha suave e facil, perfeitamente á altura de seus créditos, lindamente se houveram em seu desempenho.


Já de certa vez de lá vim arripiado, a quando d’um tal dramalhão de faca e alguidar que ali bispei. Agora não, agora satisfez-me aquillo, e sinceramente d’aqui os incito a novas proezas, com comedias ligeiras, operetas leves, theatro assim á altura dos seus merecimentos, coisas assim da egualha d’esta.


Devo notar que a marcação de José Ribeiro mais uma vez vincou o valor d’este moço intelligente e estudioso, que conseguiu distribuir regularmente as figuras, sem marcas monotonas e pesadas que vulgarmente se topam em pisos d’amadores.


Salientarei ainda a graça, a leveza, a frescura com que Helena de Figueiredo se incarnou em papel de aldeã. A vivacidade, a naturalidade de Francisco Carvalho no Zé Cochicho. E a superior interpretação de Broeiro, no D. Procopio. Antonio Graça a meu contento se houve no tio André. E os outros, sem desprimor, egualmente me agradaram. (Gazeta da Figueira – 02.02)

FESTA DA ÁRVORE

Domingo esteve em festa a pitoresca localidade de Tavarede. Realisou-se a festa da Arvore, promovida pela professora oficial srª. D. Maria José Martins Santos, com a cooperação da Sociedade d’Instrução, Grupo Musical Tavaredense e várias pessoas d’esta freguezia que souberam dar, com o seu louvavel gesto, mais um exemplo de abnegação e civismo.


Às 15 horas inaugurou-se na casa da escola oficial a bandeira nacional, entoando as creanças a Portugueza. Organizou-se depois o cortejo com os alunos, associações e seus estandartes, orquestra composta dos elementos locaes sob a diréção do sr. Paula Santos e muito povo, dirigindo-se ao Largo do Paço, onde plantaram duas arvores, tendo n’essa ocasião a professora oficial usado da palavra para afirmar ser necessário acabar com a guerra à arvore e incutindo no espirito da assistencia o amor que ela a todos deve merecer.


D’ali veio o cortejo ao Largo do Forno, onde plantou quatro arvores, realisando-se em seguida o jantar oferecido na séde do Grupo Musical a todas as creanças, ato a que assistiram, comovidos, muitos dos paes, comoção que era maior certamente por ser para eles desconhecido até ali o sentimento de tão bela confraternização.


À noite, no teatro da Sociedade d’Instrução, efétuou-se o sarau, que começou pela Portugueza cantada pelas creanças, acompanhadas pela orquestra, depois do que o sr. dr. José Gomes Cruz felicitou as associações locaes por se terem congraçado n’este momento, e mostrou a grave situação em que se encontra a pátria. É preciso reunir todos os esforços para a sua defeza. Por último, o orador põe em relevo as vantagens da plantação das arvores e a sua importancia na nossa vida. Conclue com vivas a Portugal e à República, que foram entusiasticamente correspondidos.


Segue-se Marcial Ermitão que, a propósito da marcha que ouvira às creanças com uma estrofe dos Luziadas, explica quem foi Camões como poeta, como soldado, como altissimo patriota que deixou o seu nome assinalado para todo o sempre na história da nacionalidade. Fala da heroicidade dos portuguezes, cujos soldados foram elogiados pelo proprio Napoleão, incute no espirito dos novos o amor pela defeza da nossa independencia auxiliando os que lutam contra as prepotencias da Alemanha e morras à barbara nação teutónica.


A assistência, que por vezes interrompeu o orador, dedica-lhe muitas palmas no final das suas calorosas palavras.


Cabe agora a vez a José Ribeiro. Felicita as creanças, pelo brilhantismo da sua festa e pelo entusiasmo com que n’ela colaboraram. Define o significado de cada frase da Portugueza. Refere-se à entrada de Portugal na guerra, afirmando ser preciso que n’ela tomemos parte para manter a nossa honra, para que não se diga apenas que os portuguezes foram heroes, mas se prove que ainda o são. É preferivel morrer com honra do que ser apodado de infames e cobardes. É militar e será dos primeiros a marchar para onde a Pátria reclamar os seus serviços. Quer que as creanças que ali vê apenas lhe lancem e aos seus camaradas, muitas flôres, certos de que, quando regressarem, não carecerão já de mais flôres, porque hão-de vir cobertos de louros de glória.


É tambem vivamente aplaudido.


O último orador foi o sr. dr. Manuel Gomes Cruz, que principiou por se congratular por vêr cruzadas as bandeiras das duas sociedades da sua terra e felicitar os promotores da festa da arvore, cujo alcance só pode trazer-nos beneficios.


Fazendo tambem a nota da beligerancia, relata os termos em que a Alemanha declarou guerra a Portugal. Se não tivéssemos procedido como procedemos na aquisição dos navios alemães, não estariamos hoje ainda em guerra com a Alemanha, mas estariamos certamente em luta com a Inglaterra, nossa aliada de sempre. Rebate as insinuações caluniosas e torpes dos que atribuem ao sr. dr. Afonso Costa qualquer gesto impensado no modo como procedeu na requisição dos navios. O grande estadista tudo previu e soube acautelar todos os interesses dos proprietarios d’estes barcos. A guerra que a Alemanha move é a guerra de ódio a todas as nações que lutam pela liberdade e pela paz da Europa e todas as mães devem animar os seus filhos para que não nos deixemos insultar de braços cruzados! Recorda o procedimento que tivémos para com o ministro alemão e o modo incorrecto como foi tratado o nosso representante em Berlim. Saúda as nações aliadas e põe termo nas suas considerações com vivas a Portugal, a que a assistencia correspondeu com entusiasmo.


O sr. Marcial Ermitão propõe então que ao sr. Presidente da República seja dirigido o telegrama congratulatório a que já démos publicidade na ultimo numero e que o povo aclamou delirantemente.


Nos intervalos dos discursos foram recitadas lindas poesias e cantados varios numeros de musica pelas creanças das escolas, tendo terminado o sarau com a comedia-drama As Arvores, pelos meninos João e Aurelia Cascão, apoteose à Arvore, com coro da Sementeira, acompanhados pela orquestra regida pelo sr. Paula Santos, creanças lançando flôres, etc., tudo n’um conjunto de belo e sugestivo efeito que tornou a festa uma das mais lindas e entusiasticas que se teem levado a efeito n’esta localidade.


Os nossos melhores elogios a quantos para ela contribuiram. (Voz da Justiça – 03.24)

O PAÇO DE TAVAREDE - E. Cação Ribeiro




“A história pode comparar-se a uma coluna polígona de mármore. Quem quiser examiná-la deve andar ao redor dela, contemplá-la em todas as suas faces” – A. Herculano.


São inúmeros os testemunhos documentais da importância que tiveram os fundadores e possuidores da residência senhorial de Tavarede nos acontecimentos mais demarcados da História Nacional. É um manancial de registos, os mais deles com saborosas narrativas de feitos honrosos que os Quadros souberam colocar no sagrado altar da Pátria. Ficam à espera que alguém, com mais legitimidade e saber, os traga a público para orgulho daqueles tavaredenses que sabem beber no passado a razão de ser do presente e o estímulo vivificante do futuro.


O documento que hoje oferecemos os leitores de “O Dever” interessados por estas velharias regionais, é uma interessante de D. João IV, datada de Agosto de 1647 e dirigida a Fernão Gomes de Quadros.


Por ela ficamos sabendo que o fundador da Dinastia de Bragança utilizou os valentes e humildes pescadores de Buarcos e Tavarede para consolidar a Restauração Portuguesa nas usurpadas terras do Ultramar. Fernão Gomes de Quadros, no dizer do monarca, era um fidalgo zeloso e diligente no serviço do Rei, que o mesmo é dizer da Nação.


Portugal, depois de 60 anos de domínio espanhol, dava os primeiros passos na reimplantação da sua independência. Os portugueses de 1640 estavam atentos aos mais prementes problemas nacionais e todos os homens grandes e decididos, leais e patriotas, eram constantemente mobilizados e postos ao serviço da Nação libertada.


Paralelamente ao esforço agigantado dos portugueses com vista à consolidação da Independência no território continental, processava-se nas longínquas paragens ultramarinas, uma espantosa movimentação de forças libertadoras, dirigidas contra a ocupação legitimada pela coroa espanhola ou contra a usurpação despudorada que a Holanda vinha praticando.


É nesta grave conjuntura que os pescadores de Buarcos e Tavarede são requisitados. Anónimos trabalhadores das “águas vivas”, os pacíficos trabalhadores da nossa costa foram os autênticos heróis da mais espantosa epopeia marítima que o Mundo viu, e, pelos vistos, ainda os mais necessários para restaurar o colossal império a que ela deu origem.


Buarcos tinha como donatário o Conde do Louriçal, nessa época o 5º, D. Nuno Álvares Pereira de Melo, 4º Marquês de Ferreira e, desde 1648, Duque de Cadaval em prémio pelos relevantes serviços prestados a Restauração.


Tavarede era da Sé Conimbricense mas o seu senhorio estava na Casa dos Quadros desde há séculos. O lugar da Figueira situava-se no termo geográfico do Couto daquela vila e era, então, uma pequena póvoa de pescadores, certamente dos denominados “pescadores de Tavarede” em documentos coevos.


Fernão Gomes de Quadros usufruia de grande prestígio na corte do fundador da Dinastia de Bragança. No documento que hoje publicamos e que julgamos inédito, D. João IV confirma o apreço em que tinha o fidalgo do Solar de Tavarede pelo desvelo “com que em tôda a ocasião acodia” ao serviço real.


Era casado com D. Mariana de Mello, filha de António de Mello da Silva e de D. Ana de Mello, familiares muito próximos de D. Nuno de Mello, oficial de Marinha, que acompanhou D. Sebastião na batalha de Alcácer Kibir, onde ficou cativo.


Já em 1635 (16 de Maio), Fernão de Quadros toma a iniciativa de representar, aos poderes constituidos, a necessidade de acorrer com pólvora e munições para a defesa da vila de Buarcos e lugares vizinhos, a fim de obstar a possíveis ataques de corsários “que costumam ter os moradores destas vilas em contínuo cuidado por haverem sido duas vezes saqueados”.


Porque sabemos ter sido Fernão de Quadros Capitão-Mor do Couto de Tavarede e em face do seu comportamento na campanha da Restauração, podemos concluir ser aquela diligência do fidalgo uma antecipada manobra com vista à defesa da região depois do 1º Dezembro de 1640.


É certo que a tradição e a investigação histórica nos diz ter sido a poderosa família Quadros de Tavarede de índole despótica e dominadora. São conceitos que terão de ser julgados à luz de uma época onde o despotismo e a opressão eram moeda corrente nas relações sociais. A História tem de aclarar, não só as situações negativas das pessoas ou dos povos, mas também os momentos altos em que se encontraram ao serviço da Grei, sacrificando vidas e fazenda. Se o aviltamento da pessoa humana é tendência conhecida num herói, o seu sacrifício patriótico continua a ter jus à nossa gratidão, embora discordando das suas imoralidades rotineiras. São, na maioria das vezes, produtos de uma civilização degradada, onde os valores cristãos se destacam por excepção, mas onde todo o comportamento humano terá de ser considerado historicamente.



É o que nos interessa neste caso concreto. Eis a carta:


“A Fernão Gomes de Quadros
Pelo muito que convém que a armada que ora tenho mandado aprestar para passar ao Brasil a socorrer a Baía de Todos os Santos que os Holandeses têm sitiado, para com toda a brevidade e, porque uma das cousas de que mais necessita é de gente do mar, pela muita que, como sabeis, é necessária, assim para a mesma armada como para outras embarcações que hão-de ir a conquistar outras partes, confiando de vós e do zelo, diligência e cuidado com que em toda a ocasião acodis ao meu serviço, que nesta é da importância que sabeis, procedereis muito como ela pede, hei por bem encarregar-vos que logo que receberdes esta carta vos partais às vilas de Buarcos e Tavarede, Aveiro e lugar da Figueira, a cujos donatários mando escrever na forma costumada e nelas, pelos meios que vos parecer e tiverdes por mais a propósito para melhor execução deste negócio, té chegardes aos de prisão e execução (!!!) façais o maior número de gente de mar que vos for possível e, feita, a embarcareis em uma caravela para esta cidade, onde será entregue à ordem do Conde de Odemira, meu muito amado sobrinho e Vedor de minha fazenda, advertindo que as pagas que sou servido (conceder) a esta gente hão de ser três: duas que logo hão-de receber e uma quando se embarcarem. Escrita em Lisboa a 13 de Agosto de 1647. (T.T. – Min. do Reino – Lº 533 p. 104)


NOTA: Tivemos a grata notícia de que, finalmente, a Assembleia Municipal aprovou, por unanimidade, a aquisição e conservação do Paço de Tavarede. Tal decisão confirma plenamente a clarividência de muitos figueirenses que ainda sabem colocar os superiores interesses da sua terra acima das mesquinhas divergências políticas que os dividem. Estamos todos de parabéns... por agora. (E. Cação Ribeiro).



(O Dever --6-1979)

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

INAUGURAÇÃO DO TEATRO E SEDE DA SIT


Tavarede, a risonha e antiquíssima Tavaredi, cuja fundação é anterior à da nacionalidade portuguesa, que foi couto e concelho a que Dom Manuel deu foral, em Lisboa, em 1517, iniciou no passado sábado as festas comemorativas da inauguração da sede da Sociedade de Instrução Tavaredense, belo edifício que, entre outras confortáveis instalações, comporta um magnífico teatro, grande aspiração daquela benemérita sociedade, cujo grupo cénico, constituido por distintos amadores e dirigido pelo talentoso mestre José da Silva Ribeiro, tem sido, a par de outras actividades educativas da SIT, um magnífico veículo de cultura e fonte de bem-fazer, levando a muitas terras do país, com o mais elevado nível artístico, as peças mais representativas do nosso teatro, com o que grangeou para a sua terra e para a Figueira títulos de merecida glória aureolados com a mais bela expressão de solidariedade humana, ao representar essas peças com fins puramente beneficentes.


As obras de ampliação da antiga sede, de que o arquitecto responsável tirou o mais feliz partido, foram realizadas pela SIT com a valiosa colaboração de muitos dos seus dedicados associados e outras entidades, mas para a grandeza e conforto que acabaram por vir a ter, muito contribuiu a benemérita Fundação Calouste Gulbenkian ao subsidiá-las com uma importante verba.


As festas iniciaram-se no sábado, à noite, com a reposição da peça em 2 actos e 24 quadros, “Terra do Limonete”, da autoria de José Ribeiro, com linda música do falecido António Simões e do nosso colaborador sr. Anselmo Cardoso Junior.


A peça, como já dissemos a quando da sua estreia, é uma descrição baseada em factos históricos, desde o 3º quartel do século XI, e comporta alguns motivos lendários e de fantasia da terra do limonete, da Figueira da Foz e da região, salpicados com passagens do mais saudável bom humor, rica e belamente postos em cena e representados com a maior propriedade pelos consagrados amadores tavaredense Violinda Medina, Maria Teresa de Oliveira, Maria Lurdes Moura, Maria Dias Pereira, Helena Silva Medina, Maria Otília Medina Cordeiro, João Cascão, João de Oliveira Junior, Fernando Reis, José Luís do Nascimento, Carlos Conde, os irmãos José e João Medina, Alberto Vigário, à frente de um numeroso grupo, havendo a assinalar e saudar o regresso à cena do grande amador António Jorge da Silva.


José Maria Ferreira dirigiu a orquestra com acerto.


Este espectáculo, que se repete hoje, foi dedicado a convidados, contando-se entre eles o sr. presidente da Câmara e outras altas individualidades de destaque não só desta cidade como de outras terras do país, que aplaudiram com entusiasmo os diversos e lindos quadros, tendo feito chamada especial ao autor da peça.


No domingo, realizou-se a cerimónia oficial da inauguração, que foi presidida pelo sr. engº Coelho Jordão, presidente da Câmara Municipal, que foi aguardado no Largo do Paço pela direcção e muitos associados da SIT e quase toda a população, representantes das autoridades civis e militares e de quase todas as colectividades do concelho, com os seus estandartes, e ainda pelos Bombeiros Voluntários desta cidade e pelas Filarmónicas Santanense e da Boa União Alhadense.


Organizou-se um luzido cortejo que se dirigiu à nova sede, tendo as senhoras da terra lançado em profusão lindas pétalas sobre os visitantes.


No átrio da sede, e coberta pela primitiva bandeira da Sociedade, uma lápida que o sr. presidente da Câmara descerrou, fica a testemunhar a gratidão dos tavaredenses à Fundação Gulbenkian, pelo generoso e importante subsídio concedido para a realização das obras.


No elegante teatro, realizou-se depois uma Sessão Solene, presidida pelo sr. engº Coelho Jordão, presidente da Câmara Municipal, ladeado pelos srs. João de Oliveira Junior, presidente da Junta de Freguesia; representante do Comando Militar; Padre Paulo Ribeiro, pároco da freguesia; dr. Carlos Estorninho, sócio honorário da colectividade; dr. Mário Braga Temido, de Coimbra; tenente Manuel de Matos, João de Oliveira, único sobrevivente dos fundadores da SIT, e outras individualidades, entre as quais o sr. Comendador Mário Barraca.


Depois da leitura de grande número de cartas e telegramas de felicitações e aplauso à obra realizada pela SIT, foi entregue o diploma de sócio honorário ao sr. tenente Manuel de Matos, benemérito daquela Sociedade, tendo usado depois da palavra o presidente da Assembleia Geral, sr. prof. Rui Martins, que saudou o sr. presidente da Câmara e os outros ilustres convidados, fazendo depois o elogio da obra extraordinária e meritória realizada pela Sociedade de Instrução Tavaredense nos 61 anos da sua existência, nos sectores da instrução e educação do povo da sua terra e no campo da assistência na cidade e outras terras do país.


Referiu-se com palavras de reconhecimento à Fundação Calouste Gulbenkian, pela contribuição mgnífica para a mais breve realização da obra que se inaugurava, que era como que uma restituição de tudo quanto a SIT, na sua grande obra de amor, distribuira pelos pobres do país. Prestou homenagem de viva gratidão a José da Silva Ribeiro, que tem sido o dinamizador de tão grande obra realizada em Tavarede e que é credor da homenagem de quantos apreciam essa imensa obra e admiram as suas extraordinárias qualidades.


O teatro de Tavarede, por proposta que em tempo submeteria à apreciação da Assembleia Geral, devia ostentar o nome de José Ribeiro.


O presidente da Direcção, sr. António de Oliveira Lopes, dirigiu saudações ao sr. presidente da Câmara (a quem agradeceu o auxílio prestado para a concretização da importante obra e a simpatia e carinho que dispensa à SIT).


Referindo-se à importância do melhoramento que honra e valoriza a sua pequena mas bonita aldeia, ergueu um “viva” aos que para ela contribuiram, salientando a Fundação Gulbenkian, os srs. presidente da Câmara e tenente Manuel de Matos e dr. Carlos Estorninho. E prestou também homenagem ao talento de José Ribeiro, que tão alto tem levantado o nome de Tavarede e elevado o nível cultural e educativo da sua gente.


O sr. tenente Manuel de Matos agradeceu o diploma com que a SIT o distinguira e referiu-se à encantadora festa que se estava realizando, a culminar um verdadeiro milagre que deu a Tavarede um teatrinho airoso e que mostra quanto vale e pode a vontade dos que se dedicam às boas causas. Terminou abraçando José Ribeiro, que recebeu nova e entusiástica manifestação da assistência.


Depois de, na mesma ordem de ideias, ter discursado o sr. dr. Mário Braga Temido, foi a vez de se ouvir José Ribeiro, que produziu um belo discurso em que, depois dos cumprimentos ao sr. presidente da Câmara, afirmou que a festa que se realizava era festa dos tavaredenses e não de homenagear a quem não se sente merecedor dela e apenas pretende cumprir o seu dever, sentimento que se impõe e não se agradece. Agrada-lhe ensinar o pouco que sabe, fazer bem e colaborar no auxílio aos que precisam. E não há nada que pague a paciência, o sacrifício, o interesse dos que trabalham pela causa que é a causa de todos.


Lembrou o tenente Matos, seu companheiro nas fileiras do exército e outros que, como ele, contribuiram generosamente para a edificação da nova sede, como os operários da sua terra e a benemérita Fundação Gulbenkian, que permitiu fazer uma obra moderna, confortável, verdadeiramente funcional.


Ao cumprimentar o único sobrevivente dos fundadores da SIT, disse depositar nele as esperanças, para que as transmitisse às gerações do futuro.


O sr. presidente da Câmara, ao encerrar a sessão, salientou a obra cultural e artística realizada pela Sociedade de Instrução Tavaredense, associando-se ao júbilo dos tavaredenses e louvando o gesto da Fundação Gulbenkian e do seu presidente sr. dr. Azeredo Perdigão, que permitindo à SIT a realização de tão grande melhoramento, dará também à Figueira a possibilidade de instalar em edifício próprio a Biblioteca e o Museu Municipal, o que muito valorizará esta cidade.


Terminou com palavras de esperança no futuro da prestante sociedade.


Abrilhantaram a sessão, executando o hino da SIT, as filarmónicas das Alhadas e Santana.


Aos convidados, foi servido um belo “copo-de-água”, no decurso do qual ergueram brindes, entre outros, os srs. Padre Paulo Ribeiro, José da Silva Ribeiro, João Assunção Pinto, dr. Pinhal Palhavã, Anselmo e Joaquim Cardoso.


Hoje à noite, repete-se a representação de “Terra do Limonete”, em récita dedicada aos associados.


Amanhã, depois da romagem ao cemitério, realiza-se um almoço de confraternização e um bodo aos pobres, terminando as festas com um baile.


(O Figueirense - 15.5.1965)

OS LIVROS NÃO SE VENDEM - José da Silva Ribeiro


Não há dúvida: a luta ardorosa e sempre renovada entre o pinhal e as dunas encontrou a sua voz própria. Podemos ouvi-la ainda nos formosíssimos versos do belo poemeto dado à estampa com o singelíssimo, e amplo e rumoroso título O Pinhal das Dunas.


Admirável Poeta-Artista que foi o nosso grande Poeta Figueirense João Maria de Sant’Iago Prezado! A 9 de Outubro de 1983 teria ocorrido o seu centenário. Mas o nosso querido Poeta continua vivo, forte, brilhante nestas minguadas 12 páginas que contam a luta heróica, incessante e invencível do Pinhal das Dunas.


Quando um dia passávamos – já lá vão 30 anos... – junto ao grande prédio que é sozinho um quarteirão inteiro, estava amplamente aberta aquela porta de casa nobre: era a Casa das Lamas, o palácio do Senhor Conde de Verride, que ali vivia com a sua família. Lá viviam também o sobrinho do Senhor Conde de Verride, o grande Poeta e escritor e admirável Artista dr. João Maria de Sant’Iago Prezado, sobrinho do dono da casa, que talqualmente ali vivia com a Família. Avancei uns passos pelo átrio. O lugar já era nosso conhecido: ali, naquele palácio certamente de opulento recheio, várias vezes nos encontrámos – com alguns companheiros do grupo chamado da Voz da Justiça – para conversarmos e darmos curso aos nossos desabafos e anseios, naquela época em que a ditadura de Salazar obrigava a falar baixinho, em segredo, não fosse a PIDE ouvir-nos... Connosco estava sempre o dr. Sant’Iago Prezado, sobrinho do dono da casa. Ele, o querido escritor e grande poeta – figura simpática, distinta, sempre elegante e de uma simplicidade atraente – comungava nos nossos anseios patrióticos de Liberdade e Democracia. Sant’Iago Prezado era um patriota sincero e verdadeiro democrata. Ouçamo-lo:


“Se a Liberdade é para ti um culto, e não vazia ideia,
tens de a glorificar com o sacrifício de respeitar a liberdade alheia”.


E já agora, este Letreiro com que se anuncia o belíssimo volume d’ A Roda dos Meses – d’A Horta do Mestre Gil – e Mais”...


“Não penses, se a terra é boa
e as sementes boas são,
que possas ter boa horta
se fores mau hortelão”.


E, pois falámos em letreiros, voltemos atrás. Demos mais dois ou três passos no átrio do palácio e detenhamo-nos um instante em frente de uma grande estante envidraçada, cheia de livros, que se nos depara no patamar da escada. Atravessando a fileira de lombadas de volumes, um letreiro a todo o comprimento avisa ou proclama: “OS LIVROS NÃO SE VENDEM”. Poderiam vender-se – com que desgosto e saudade! – o rico mobiliário, os objectos preciosos, as lembranças mais queridas – mas OS LIVROS NÃO SE VENDEM!


E porque os livros – tal como os homens se não medem aos palmos – não se avaliam pela quantidade de páginas, aqui tenho eu um precioso, belíssimo livro de apenas uma dúzia de páginas, primor de arte gráfica – O Pinhal das Dunas.


Que extraordinária beleza, que vigor, que profundo sentir das forças da natureza! – o Mar-Oceano, o Vento, o Mar-das-Dunas, o húmus mudando em terra fecunda a areia estéril, o Pinhal crescendo e avançando – se concentram nos versos admiráveis em que se canta “a luta heróica entre o pinhal e as dunas”! Leio esses versos e vejo-me nos nossos areais concelhios, nas dunas quialheiras do norte ou nas costas do sul até Leirosa, onde os longos desertos ondulantes de areias brancas já hoje são pinhais de vária idade, manchas de copas rasteiras verde-escuras, varas esguias e flexíveis que começam a dar sombra, troncos possantes e ramarias fortes que são barreira indomável às areias e aos ventos...


O Poeta encontrou para o assunto a expressão própria, rica, sonora, viril, colorida e variada, e conta-nos a rude batalha do pinhal e das dunas como um Poeta no-la pode contar – com beleza de forma, sim, mas sem amesquinhar a alma dos elementos que se defrontam. Lendo estes versos, sente-se que o pinhal das dunas bebe areia e respira vento na ânsia de viver e de medrar, e deles se desprendem o saibo e o cheiro a iodo e às resinas...


E para tudo ser belo, o Poeta e o Artista, que deram vida à história, deram alma ao livro: a feição gráfica é, já o dissemos, um primor de arte: expressão dum requintado gosto estético, ao mesmo tempo delicado e sadio, já admirado em livros que vieram antes, que todos eles são autêntico primor de arte gráfica e riqueza de Pensamento.


Tavarede, 1 de Janeiro de 1984 (Dia de Ano-Bom), que o seja para toda a gente!


(A Voz da Figueira - 12.1.1984)

sábado, 8 de outubro de 2011

GRUPO DESPORTIVO E AMIZADE DO SALTADOURO


Revendo-se na obra erguida a pulso de bairrismo, onde esforço, sofrimento, muita carolice e uma indómita determinação serviram de argamassa à realidade que hoje (14 de Março) serviu de ponto de encontro às muitas pessoas que quiseram associar-se ao júbilo da 1ª sessão solene, realizada em casa própria, do Clube Desportivo e Amizade do Saltadouro, Fernando Serra, à frente de um grupo de companheiros de aventura que acreditaram ser possível pôr Saltadouro (Tavarede) no mapa das colectividades concelhias, era bem a imagem de um homem feliz.


É que, após aquela longamente dolorosa e incompreendida odisseia de 20 anos de “barraca clandestina” era reconfortante poder-se gozar a dignidade de um edifício que, apesar de inacabado, lhes permitia, pela primeira vez, comemorar condignamente o 20º aniversário daquele sonho de 11-03-1979.


E com Fernando Serra a saudar os que tornaram possível a obra e a lembrar, emocionado, os que tombaram na caminhada – Albarino Maia ali tinha a cadeira vazia e Adelaide Oliveira o agradecimento pela sua doação à causa – se iniciou esta histórica sessão solene com Padre Matos a dar o abraço de felicitações pelo “dever cumprido” e a exaltar este salutar exemplo de convivência reforçado na vontade de servir.


Também Sérgio Gouveia, servindo-se de Fernando Pessoa para realçar a lição de sacrifício dada por esta gente “que terá de ser compensada e retroactivos” pela grandeza desta obra que não poderá ser ignorada.


Era uma vez 16 amigos que sonharam num clube para o Saltadouro. Dumas tábuas fizeram uma barraquinha e... na clandestinidade dessa iguaria se atreveram a entrar no atletismo com... camisolas ali confeccionadas; unidos pela “sueca” e “matraquilhos” aventuraram-se a uma... marchinha... a “ginástica”... juntaram boas-vontades para uma escola de música... outra para lutar contra o analfabetismo, numa ambição de crescer copiada da rã que queria ser tão grande como o i... que, aqui, não estoirou.


Conseguiram terreno... mãos para abrir alicerces, erguer paredes tijolo a tijolo, regados com o suor dos rostos em sábados e domingos negados ao descanso até que a miragem dum telhado – 1600 contos – se atravessou no sonho, com a Câmara a não acreditar na determinação daquela clandestinidade que pela primeira vez erguia a mão a um subsidio.


Só que tal sonho já estava tão enraizado que não havia obstáculo que pudesse cortar-lhe as raízes e à custa das “migalhas” do Rancho e o bater à porta de todos os vizinhos o tecto apareceu e a obra saiu do anonimato. Para hoje deixar o recado a todos aqueles que a podem ver com os próprios olhos.


Aconteceu “milagre”, disse Fernando Serra.


E foi orador oficial da sessão, Lídio Lopes, a voz que veio enaltecer o exemplo deste punhado de gente que tão bem soube mostrar quanto pode o bairrismo.


Empregando uma metáfora para explicar a determinação dos responsáveis pela obra, Lídio Lopes diria mesmo que “haja quem lhes proporcione as sapatilhas e a pista para correr” e deixem o resto com eles numa alusão muito merecida ao facto de terem contado mais consigo que com a caça a subsídios, prática corrente dos nossos dias, tecla igualmente tocada por Simões Baltazar, o Presidente da Junta de Tavarede, que pôs os seus préstimos à disposição e Alice Mano que viu “na luz de esperança que todos traziam nos olhos o futuro risonho que a obra merece”.


Miguel Almeida, o vereador vindo da Câmara, não foi insensível à obra realizada e na hora de intervir não frustrou as expectativas: saudou a determinação daquela gente, reconheceu o alcance da obra feita e prometeu ajuda para a Escola de Música, Rancho Etnográfico – hoje já embaixador da Figueira – e até uma Extensão Educativa.


E porque a obra merece ser concluída para dar satisfação ao sonho, ali mesmo entregou 1500 contos com a promessa de que no próximo orçamento a obra não será esquecida, gestos saudados com grandes provas de regozijo, com direito a hino do Clube, pela primeira vez tocado/cantado pela Tuna de Tavarede que animou toda a sessão.


E com a actuação (muito aplaudida) do “Rancho Etnográfico Cavadores do Saltadouro” e exibição duma classe de ginástica de Caceira se encerrou a histórica sessão solene, assinalada com foguetes e um grande lanche a todos os presentes.


Valeu a pena tanto esforço!


Viva o Clube Desportivo e Amizade do Saltadouro!



(O Dever - 1999.03.18)

GRUPO MUSICAL E DE INSTRUÇÃO TAVAREDENSE



1996.08.30 - SESSÃO SOLENE DO GMIT

Foi bonita, teve nível, esteve à altura das circunstâncias a Sessão Solene comemorativa do 85º aniversário do Grupo Musical Tavaredense.


A sessão que teve início às 16,30 horas, foi presidida pelo dr. Luís de Melo Biscaia, representando a Câmara Municipal, que teve a seu lado, António Simões Baltazar, Presidente da Junta de Freguesia de Tavarede, drª Ilda Manuela Oliveira Duarte Simões, oradora oficial, drs. Albarino Maia, Maria Celeste Pinto Almeida, Jorge Galamba Marques, António Rafael, Presidente do Grupo Recreativo Vilaverdense e Augusto Ferreira, da Dez de Agosto.


O Presidente da Assembleia Geral começou por empossar os novos corpos sociais, que têm a presidir aos diversos orgãos: Simões Baltazar, na qualidade de Presidente da Assembleia Geral; José Augusto Rodrigues de Carvalho, Presidente da Direcção e Joaquim Sobreira Calhaço, Presidente do Conselho Fiscal. Da Direcção fazem parte três senhoras.


A Presidente da Direcção, D. Celeste Maria, entregou diplomas de sócios honorários a Álvaro Jorge Marques, recebido por sua filha, e a Aristides Cardoso Esteves, pelos relevantes serviços prestados à colectividade. Depois distinguiu, com placas, os seguintes associados: D. Júlia Medina, D. Maria da Providência, D. Fernanda Esteves, D. Albertina Nogueira, Aristides Cardoso Esteves, Nuno Esteves, Eduardo Mouco, Graça Cachulo, Rita Cachulo, João Carlos, Joaquim Cachulo, Aristides Esteves, Luís Neto Pereira, Joaquim Cabeças, Rui Dias, Pedro Rodrigues, Jorge Fernandes, Jójó, Hugo Gonçalves e Filipe Santos.


Foi a altura da Presidente da Direcção, Celeste Maria, ler um breve relatório, no qual deu conhecimento dos melhoramentos efectuados quer no palco, quer dotando a sala de instalações sanitárias e bem assim doutros melhoramentos na sede. Referiu os subsídios recebidos da Secretaria de Estado da Cultura para a compra de instrumentos e deu conta que deixava, também, aprovado na Câmara o projecto para a construção do telhado. Lembrou a conquista, em dois anos seguidos, do 1º prémio das Marchas da Cidade e agradeceu todos aqueles que com ela colaboraram.


Felicitou a nova Direcção e afirmou estar segura de que os novos directores formarão uma equipa coesa para que, o GMIT, continue a honrar a terra onde nasceu: Tavarede.


O Dr. Melo Biscaia, deu a palavra ao nosso Director Dr. Albarino Maia que empolgou a assistência com um brilhante improviso. Começou por dizer que estava presente em consequência do muito amor que tem pelo movimento associativo.


Afirmou que a verdade das colectividades não está no que se passa nas sessões solenes, está sim nos 365 dias da constante actividade, no dia a dia que constrói a sua história. Disse que, nas ocasiões como a que estava a viver, não gosta de pensar o que diz pois prefere deixar falar o coração. Felicitou a Tuna de Tavarede que estava sempre presente em festas desta natureza, embora naquele dia desfalcada de mestre Bichão e chamou a atenção, das entidades oficiais, para a justa homenagem que deve ser prestada à dedicação e espírito de colaboração da Tuna.


Pediu, depois, aos presentes não uma salva de palmas para alguém especial mas sim para todos aqueles que, cumprindo um dever associativo, ali estavam presentes.


Felicitou a Direcção cessante pelo excelente trabalho desenvolvido especialmente pela prova de eficiência ao conseguir que, na Sessão Solene a decorrer, os novos responsáveis tivessem tomado posse.


Desejou felicidades aos novos dirigentes da colectividade.


Durante a sua brilhante intervenção o Dr. Albarino Maia foi várias vezes interrompido, com vibrantes salvas de palmas, merecendo, no final, que fosse tocado o hino do Grupo em festa.


E tão agradáveis de ouvir, foram as suas palavras, que, na sua intervenção, o Dr. Melo Biscaia o classificaria de “Mestre em pedagogia associativa”. Mais um “tacho” mas sem vencimento.


O Presidente da Junta, Simões Baltazar, fez a apologia das Associações, felicitou os presentes, cumprimentou o Dr. Albarino Maia pela riqueza da sua intervenção, saudou as pessoas distinguidas, deu os parabéns à direcção cessante e afirmou a sua esperança no futuro, face ao conhecimento que tinha das qualidades e méritos dos empossados. Transmitiu uma saudação do Padre Matos, ausente nos Açores.


Teve lugar o segundo momento alto da sessão ao ouvir-se a Drª Ilda Manuela, professora do ensino secundário, que proferiu a sua valiosa palestra, subordinada ao tema: “A amizade, a solidariedade e o diálogo numa colectividade”.


A Drª Ilda Manuela principiou por dar a definição “fria” constante dos dicionários, de cada uma das palavras do título, que na vida têm um significado com mais “calor”.


“Recordo, com nostalgia, a sã camaradagem com que se vivia nesta casa feita de paredes velhas, muito humildes, onde havia algumas salas forradas com os retratos de homens barbados, de aspecto austero, que impunham um enorme respeito, um soalho oscilando que tremia freneticamente ao compasso do rock, do twist e que balançava docemente quando o tango e a valsa soavam, para que os nossos pais “velhotes” de trinta e poucos anos, mostrassem as suas habilidades... Que saudade!...


Ao recordar esses tempos sinto que havia vaidade, havia orgulho naquilo que se fazia, e que se pretendia que fosse bem feito. Só havia um objectivo: o engrandecimento da colectividade. Quando chegada a hora de músicos e bailarinos descansarem ouvia-se uma voz: “Agora, os cavalheiros devem acompanhar as senhoras e as meninas ao bufete”... E lá se ia, escada acima, saborear o pratinho de arroz-doce e beber um pirolito.


O espaço era pequeno e por isso ficávamos até apertados, o que levava um mais brincalhão a dizer: “cuidado, se baloiçais muito, caímos em cima das vacas do Marcelino”. Mas qual cuidado, ninguém se lembrava que o aquecimento central do Grupo MIT era o bafo das vacas, dormindo pachorrentamente nos estábulos, por baixo do salão! Por tudo isto se sonhava com uma sede.


Não posso deixar de lembrar o sr. Matias, sem esquecer os outros, é que, nos meus tempos de meninice, eu sentia naquele homem alguma dose de autoridade, de exigência que fazia com que o respeito fosse uma palavra sentida e vivida. A boa camaradagem só é possível desde que todos se respeitem.


Outro aspecto que recordo e que mostra bem como a amizade e solidariedade não eram palavras vãs, foi a compra do 1º televisor! Que grande espírito de união. Foi lindo, todos quotizando-se, para a sua compra.


Aqui vivemos com sonhos a nossa vida, todos os dias. E havia tempo para partilhar os nossos sonhos. Hoje falamos muito e conversamos pouco, porque conversar é viver em companhia. O diálogo hoje é quase inexistente. Foi rasgado pela pressa, devorado pelo excesso de trabalho, absorvido pela ânsia do poder. É pena.


Hoje esquecemo-nos de compreender os outros, esquecendo que a compreensão gera confiança e aproxima as pessoas. Mais adiante: “Sabemos que a violência nas relações humanas é o reflexo de uma violência mais geral que depende em grande parte de injustiças sociais. Importa combatê-las.


Esta casa não existiria se os homens, desta terra, não tivessem dado as mãos e começado a obra que hoje se vê.


Com dissabores, com discordâncias, que se corrigiram com a sabedoria da amizade e da solidariedade e do perdão”. Terminou afirmando: “certamente que todos aqueles que ajudaram a erguer esta colectividade – e tantos deles já desaparecidos... e lembro, se mo permitem o meu pai que fazia precisamente hoje 79 anos se fosse vivo, e que tanto amou o GMIT – se sentirão satisfeitos porque sentem que os homens de hoje continuam a exercer a solidariedade e a praticar a tolerância”.


“Com amor direi eu...”


O público de pé sublinhou com palmas as bonitas e adequadas palavras da Drª Ilda Manuela.


O Dr. Luís de Melo Biscaia com uma carinhosa intervenção, felicitou o Dr. Albarino Maia pelas suas sentidas palavras, cumprimentou a Presidente cessante, D. Celeste Maria Pinto Almeida e a sua equipa, e fez votos para que tivessem encontrado uns bons continuadores e felicitou a Drª Ilda Manuela pela forma didáctica como tinha sabido orientar a sua brilhante intervenção. Declarando, de seguida, encerrada a sessão solene comemorativa do 85º aniversário.




(O Figueirense)

GRUPO DESPORTIVO E RECREATIVO DA CHÃ



É vulgar dizer-se que não foi por acaso que as fronteiras foram marcadas no papel, ou seja uma certa forma de afirmar as diferenças dos povos. É evidente que num sentido amplo, a asserção pode colher, mas os casos especiais também devem ser ressalvados, pois há marcas que se não extinguem facilmente e há também quem se orgulhe da sua identidade.


Estas situações visíveis um pouco por toda a parte, assume em especiaç acuidade nos casos em que o alargamento dos centros urbanos se faz com o ‘sacrifício’ de áreas de feição nitidamente rural. Via de regra estas ‘invasões’ provocam situações ambíguas e uma descaracterização que em nada abonam da condição do homem como um todo.


Decerto estas (e outras) razões pesam hoje na orientação do Grupo Desportivo e Recreativo da Chã, uma colectividade que se enraizou nesta área da freguesia de Tavarede, e que nasceu há exactamente 17 anos para praticar futebol.


O lugar da Chã, onde as terras de cultivo vão sendo substituidas pela construção e a condição de ‘dormitório’ surge como inevitável, o seu Grupo Desportivo e Recreativo pode (e deve) como nos disse o presidente da direcção, José Silveira, ser ‘o elemento de ligação de gerações e ajudar a juventude a encontrar o seu caminho’.


Aliás, como nos referiu ainda este dirigente, o nascimento do G. D. R. da Chã, surgiu numa época especial da nossa história contemporânea e de forma invulgar, ‘pois tendo como objectivo a prática do futebol (Inatel) teve como sede nos 6 primeiros anos de existência a residência do primeiro presidente, e sócio nº 1, António da Paz’. Aliás, o problema da sede ainda hoje se mantém e a sua conclusão é objectivo, prioritário, de qualquer elenco respectivo. De momento, a instalação no 2º piso, de um salão para teatro é tarefa premente e urgente.


Com efeito, o teatro já hoje movimenta grande número de associados, a par do folclore (rancho infantil), actividades que necessitam de espaço próprio. Com cerca de 600 associados, e movimentando nas suas vertentes mais de 100 pessoas, o G. D. R. da Chã, ainda que mantenha os vínculos da ‘zona velha’ deste lugar está aberto aos novos residentes, procurando, como lje compete, ser elo de ligação entre gerações e os diversos extractos sociais na linha da tradição do associativismo que honra a Figueira da Foz.



(Diário de Coimbra - 1993.05.14)

5 de Outubro - Dia da República

1977.10.05 - JOSÉ SILVA RIBEIRO – E 5 DE OUTUBRO

Não podemos comemorar o 5 de Outubro sem evocar a acção nobilíssima dos homens que durante mais de duas décadas dedicadamente fizeram, com inteligência e intemerata coragem, a propaganda do ideal republicano, derrubaram a Monarquia e implantaram a República democrática. A queda do anterior regime não foi o resultado feliz dum golpe de poucos militares que estiveram na Rotunda com Machado dos Santos e alguns jovens cadetes da Escola Militar – entre eles os dois heróis Humberto de Ataíde e Viriato de Lacerda, que iriam morrer em África na guerra contra os alemães. Não. A Monarquia estava já condenada na consciência da nação, despertada e informada pela pregação de verdadeiros apóstolos – homens dos mais ilustres nas letras, nas artes, nas ciências, no professorado, em todas as camadas sociais, cujos nomes vivem na memória do Povo e se recordam com admiração e reconhecimento. “Monarquia sem monárquicos”, caduca e afogada em escândalos – escândalos que iam fundo e subiam alto, como o dos adiantamentos, em que mergulharam os Ministros e o próprio Rei – a Monarquia já não tinha raízes capazes de encontrarem seiva na alma do Povo português.


Na hora decisiva a Monarquia não teve quem a defendesse!


A República firmou-se definitivamente, identificou-se com a Pátria. Já não era possível entender uma sem a outra. A nova Inquisição de quase meio século aviltou os principios basilares, aplicando os antídotos da Polícia e da Censura, sem os quais lhe era impossível viver; mas conservou o rótulo, sem coragem para ir mais longe, mantendo no papel timbrado o nome de República, e até se chamou – Democracia... “orgânica”.


Terminada a revolução, os tribunos da propaganda iam ser governantes. A tarefa enorme a que se lançaram não se realizou sem falhas e sem erros – o que não era surpreendente. Mas fizeram-no com honra, coragem e dignidade, deixando uma obra de que os homens de 1910 podem orgulhar-se. Com inteligência, firmeza e autêntico patriotismo, enfrentaram e venceram ataques e traições dos inimigos, que tudo tentaram para derrubar a República. Vem a propósito recordar o que escreveu Cunha Leal em 7 de Outubro de 1958:


“ Cair-se em erros nos tateamentos iniciais dos governantes improvisados é humano e natural. Por outro lado quando a gente se ponha a considerar que as reacões monárquicas, posteriores à proclamação da República, atingiram formas agudas e perturbadoras da vida portuguesa, cristalizadas, em certa altura, em incursões de bandos armados com bases no país vizinho e a elas retornando após o seu fracasso; quando se não perca de vista que logo a seguir a este fenómeno incursionista, sem quase dar tempo ao novo regime para respirar, o País se viu envolvido numa catástrofe bélica de proporções desmedidas, para salvaguarda da integridade do seu império ultramarino; quando se atente ainda nas complicações originadas, de modo geral, no ocidente europeu pela reconversão da economia de guerra para a de paz, com a intromissão entre nós da intriga reaccionária para agravamento da situação; quando se examinem todos estes acontecimentos e precalços não com olhos de sectário interessado, mas sim com olhos de observador sereno e imparcial, então, forçosamente, os juízos críticos sobre a acção dos governantes da república democrática deixam de ser depreciativos para assumirem modalidades compreensivas. Chega-se mesmo, sem favor, a reputar digno dos maiores encómios o período administrativo de Afonso Costa, com o seu indiscutível “superavit” orçamental e a encarar com respeito o esforço que, no limiar do advento de “o 28 de Maio”, quase nos reconduzira ao equilíbrio financeiro, como condição para, então, se iniciarem com segurança rasgados voos no sentido de se dar satisfação aos anseios de intensificação económica e de acentuada justiça distributiva do produto nacional, o que fora o mais alto objectivo da revolução outubrina”.


Não pode negar-se que a acção governativa da República teve de ser realizada em circunstâncias dificílimas nos longos 4 anos de Grande Guerra. E os governantes desse tempo honraram-se servindo a Nação, levando a cabo, pela mão do General Norton de Matos, o chamado “Milagre de Tancos”, isto é, a intervenção de Portugal na Guerra ao lado dos Aliados. Norton de Matos foi o primeiro Alto Comissário de Angola, onde realizou obra notabilíssima, numa orientação que faria de Angola um novo Brasil – independente mas português! Então ainda não se considerava crime dos portugueses ter dado ao Mar-das-Trevas e construir cidades e levar civilização e progresso às terras africanas. Bernardino Machado, António José de Almeida, Afonso Costa, Norton de Matos e os seus companheiros no Governo – homens da República de 1910 – preservaram de cobiças estranhas as Províncias Ultramarinas portuguesas, que continuaram a ser portuguesas. Provincias ultramarinas – foi assim que a República designou os territórios ultramarinos. O Pacto Colonial apareceu depois, foi criação do Salazarismo. Assinada a paz, Afonso Costa, o grande e prestigioso estadista da jovem República Portuguesa era levado à presidência da Sociedade das Nações.


Todos nos lembramos do exemplo sem par de generosidade e de beleza cívica oferecida pelo Povo de Lisboa durante a revolução em 4 e 5 de Outubro e nos dias naturalmente conturbados que se lhe seguiriam.


Na primeira proclamação do Governo Provisório ao Povo de Lisboa, em 7 de Outubro, recomendava-se:


“A atitude do Povo tem sido admirável de serenidade e cordura. Após o acto revolucionário, em que ele foi duma bravura antiga, sucedeu o entusiasmo da vitória, em que ele se tem comportado como um triunfador generoso, que fez da nobreza de sentimentos o mais belo padrão da sua glória legendária. Mas é preciso regressar ao trabalho fecundo, que será, com uma moralidade severa, a base da nossa regeneração.


Por isso o Governo Provisório convida todos os grupos revolucionários e forças populares não militarizadas a entregarem as suas armas às comissões paroquiais.


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O Governo Provisório da República confia no bom senso do povo, no seu patriotismo e na sua dedicação à República. Por isso o exorta a que continue a ser generoso e cordato, e que respeite a vida e fazenda alheias, a que não persiga ninguém, a que dê enfim mais um alto e nobre exemplo da sua envergadura moral.


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Cidadãos! O futuro da Pátria está nas vossas mãos. Não o zelar com o carinho que lhe devemos seria mais que perdê-lo, porque seria desonrá-lo. Ergamo-lo bem alto para que de todas as partes do mundo ele seja visto, e os países civilizados possam dizer, referindo-se a Portugal: eis um povo antigo pelas tradições heróicas, mas que pela serenidade, pelo amor ao trabalho e pela dignidade cívica é tão moderno que vai na dianteira de todos os povos”.


E o povo ouviu e logo deu cumprimento às determinações do Governo Provisório. Não houve ataques à propriedade privada, não houve assaltos a Bancos, e viram-se populares, de espingarda ao ombro, a guardar os Bancos, edifícios públicos e as residências de figuras em destaque no regime deposto; e as armas que tinham servido aos civis na luta armada, logo foram entregues. Estavam em boas mãos...


Que queriam os homens de 1910? República e Democracia. Governo pela República, vida social em democracia. Democracia significa Liberdade para todos, para todos os mesmos direitos e os mesmos deveres, sempre em obediência à lei legítima, que todos terão de respeitar – todos: monárquicos ou republicanos, de esquerda ou da direita. Assim entendemos em 1910, não entendemos hoje de outra maneira.


Acode-nos ao espírito a figura do nosso ilustre patrício, o Doutor Joaquim de Carvalho, cujo perfil de intelectual, de professor e de cidadão democrata nos é dado por Jaime Cortesão num breve depoimento sobre a personalidade deste grande Homem-de-1910:


“Sem desdouro para outros ilustres cidadãos seus pares, creio que, no último meio século, ninguém em Portugal melhor do que Joaquim de Carvalho, encarnou e exprimiu o valor da Liberdade como condição essencial da dignidade humana, e a sua função criadora na história do povo português. Os seus trabalhos sobre a história do liberalismo em Portugal são pela honradez, a erudição, a interpretação clarividente e o vigor do estilo, obras-primas dignas dum Herculano. A sua compreensão austera e militante da Liberdade como direito medular do homem, fonte de inteireza moral, de tolerância e respeito pelos ideais políticos alheios, dava-lhe a dupla mestria do saber e da conduta para aquela espécie de trabalhos.


Quando da sua estadia no Brasil, onde eficaz e nobremente representou a cultura e a história da cultura nacional, alguns dos seus admiradores e amigos portugueses do Rio de Janeiro ofereceram-lhe um almoço.


Durante o repasto e quando todos falavam com preocupação do futuro político de Portugal, um dos convivas e dos mais ilustres, formulou votos em que transpareciam propósitos apaixonados de vindicta contra os adversários. Tratava-se de uma das pessoas que se associara mais calorosamente à homenagem. Vi então Joaquim de Carvalho erguer-se e com indignada violência defender, em nome da liberdade de pensamento, o respeito pelos adversários ideológicos. Inflamara-se. A sua voz tremia. Acabava de proferir uma das suas melhores lições. E eu vi na minha frente, em toda a sua grandeza, mais e melhor do que o prosélito e o Mestre, o Apóstolo”.


Evoquemos, sim, os fundadores da República nesta hora comemorativa. E não sejamos desdenhosos para o seu romantismo – timbre moral, título de honra que é a sua glória e os levou a merecerem o epitáfio que Almeida Garrett propôs para lápide sepulcral do grande português e figueirense insigne Manuel Fernandes Tomás – “Salvou a Pátria e MORREU POBRE”.


Abramos a alma para receber e guardar nela e fazê-lo frutificar, o apelo dos Homens-de-1910: vamos fazer de Portugal um Povo moderno, aceitando as lições e utilizando os progressos morais e materiais verificados no decurso de 67 anos; mas com o propósito de estabelecer na nossa Pátria a Democracia, que é Liberdade e é Virtude – e foi o ideal dos fundadores da República.


(Mar Alto)

Uma sessão solene na SIT



1981.01.30 - ANIVERSÁRIO DA SOCIEDADE DE INSTRUÇÃO TAVAREDENSE

Festa grande em Tavarede, a das comemorações do 77º aniversário da Sociedade de Instrução Tavaredense, colectividade que vive no coração de todos os habitantes da risonha aldeia nossa vizinha – que já foi sede de concelho – e merece a admiração e o justo respeito de toda a gente pela alta e nobre função social que desde o seu início vem desempenhando, através do Teatro, principalmente, depois de ter mantido uma escola de adultos e menores que em muito contribuiu para abrir para a luz da instrução os espíritos de muitos tavaredenses.


As festas de aniversário da SIT revestem-se sempre de grande brilho e solenidade e contam sempre com a presença das mais representativas autoridades não só concelhias que ali vão prestar a sua homenagem a uma colectividade das mais prestigiosas do País, pela obra cultural que vem realizando numa terra pequenina e bonita, que o representante da Câmara Municipal, engº Saraiva Santos, classificou – e muito bem – de “verdadeiro santuário do teatro Amador em Portugal”.


Este ano, as festas tiveram a dar-lhes mais brilho, ainda, a presença da centenária Filarmónica Gualdim Pais, de Tomar, a qual, sob a proficiente direcção do maestro Diogo Correia, realizou na sede da SIT um magnífico concerto com a execução primorosa de escolhidas peças do seu vasto repertório. O público que enchia a sala, onde estava também a centenária Filarmónica Figueirense, distinguiu os executantes e o seu regente com calorosos e merecidos aplausos.


Findo o concerto efectuou-se a Sessão solene. Presidiu o engº Saraiva Santos, vice-presidente da Câmara Municipal, ladeado na mesa de honra pelas principais autoridades e representantes das colectividades.


Depois da leitura do expediente e da nomeação dos novos corpos gerentes, que têm à frente da Assembleia Geral, da Direcção e do Conselho Fiscal, respectivamente, os srs. José Silva Ribeiro, Ernesto Lemos Serra e António Jorge da Silva, foram colocadas no estandarte da SIT, duas fitas oferecidas pela Filarmónica Gualdim Pais, sendo uma delas dedicada ao grupo cénico tão apreciado e lembrado na linda cidade do Nabão. Na mesma altura, os dirigentes da Academia Musical Arazedense ofereceram à Sociedade em festa uma salva de prata, sendo estes gestos sublinhados por aplausos da assistência.


O primeiro orador da tarde foi o Padre António Matos, pároco da freguesia, que exaltou o trabalho e o sacrifício dos dirigentes da SIT, tanto dos que terminaram agora os seus mandatos como dos que os antecederam desde a fundação, e fez a apologia do Teatro de Tavarede, que disse ser a nota individualizante da gente daquela localidade.


Jerónimo Pais, ao manifestar o agrado com que na véspera assistira naquela sala à representação da peça “Ecos da Terra do Limonete”, salientou também a função cultural da Sociedade de Instrução Tavaredense.


O delegado Regional do FAOJ, dr. Miguel Queirós, usou de seguida da palavra, para enaltecer a função cultural e recreativa da SIT.


Seguiu-se no uso da palavra um dirigente da Filarmónica Gualdim Pais, o qual, ao entregar à SIT uma medalha comemorativa do centenário da sua colectividade, referiu as saudades que o Teatro de Tavarede deixou em Tomar, onde o nome de José Ribeiro está para sempre gravado a letras de ouro. E fez um voto: o de que a SIT possa um dia retribuir este gesto, entregando à Gualdim Pais a medalha do seu centenário.


Fez-se ouvir, depois, a palavra do Revdº Dr. José Manuel Leite, que dissertou brilhantemente sobre Teatro e a propósito da representação a que assistira no dia anterior, de uma peça que focava vários aspectos da história de um povo, ou melhor, da história de dois povos, a Figueira e Tavarede.


José da Silva Ribeiro falou a seguir e começou por dizer que lhe agradou profundamente, numa sessão a que assistira em Caceira, ouvir o representante da Câmara dizer que a mesma Câmara tinha todo o empenho em ajudar as colectividades de cultura e recreio do concelho. (Tinha e tem, acrescentou o orador). Mas acrescentava ele que certamente deveria fazer-se uma revisão ao critério da distribuição de subsídios, porque lhe parecia que “para além da simples designação de sociedades de cultura e recreio, haveria que conhecer realmente a actividade, o valor, o préstimo, a utilidade pública destas colectividades. E esclarecia que “se a associação é apenas uma sala onde se reúnem para jogar a bisca, não vale a pena contar com elas para a distribuição de subsídios”.


E José Ribeiro diria a propósito:


“É que, senhor Presidente, realmente temos de distinguir entre sociedades de cultura e recreio e simples sociedades de recreio. Mas sociedade de cultura e recreio certamente o tem sido sempre, desde 1904, a Sociedade de Instrução Tavaredense”. E fazendo um parêntesis para esclarecer o seu pensamento, José Ribeiro disse: “Mas não são os subsídios só por si que fazem a actividade das sociedades de cultura e recreio. Não são. Podem os Governos, podem as autarquias locais despejar sobre as colectividades cestos e cestos de libras, que nem por isso se criou a sociedade de cultura e recreio. Pode ter-se realmente criado um organismo de diversão. Já é alguma coisa divertir o público. As sociedades de cultura e recreio não se criam apenas com subsídios. Elas só vivem, só existem se dentro delas houver realmente a alma da cultura e do recreio. Aqui alma de cultura e recreio é desejo, solidariedade, ansiedade de fazer cultura e de fazer recreio”.


E depois de fazer outras curiosas considerações, o orador saudou a representação da Gualdim Pais, falando do primoroso concerto por ela dado pouco antes. Falou das belezas de Tomar, das suas rosas, da janela dos Capítulos no Convento dos Templários, onde a história do passado se alia com o renascimento da cidade para além da ponte, passado e presente unidos na visão do futuro.


A terminar, e depois de entregar ao presidente da direcção da Gualdim Pais uma placa comemorativa da visita daquela filarmónica, José Ribeiro diria:


“Quero a todos vós dar a certeza de que, comigo, a SIT não foi até onde devia ter ido, mas foi até onde podia ir”.


A encerrar a sessão, usou da palavra o engº Saraiva Santos, que disse ser com muito prazer e muita alegria que em nome da Câmara ali ia levar mais um abraço de parabéns por mais um aniversário da SIT. E disse:


“É com muita honra que eu, neste lugar e nesta posição me encontro naquilo que eu considero ser um verdadeiro santuário do Teatro Amador em Portugal. E junto àquele que eu considero e que toda a gente considera ser um Mestre do Teatro amador em Portugal. E corrigindo as suas palavras: “Não se trata de um santuário do teatro Amador em Portugal. Trata-se de um santuário do Teatro em Portugal”.


E depois:


“A Figueira começou por ser Tavarede. Tavarede existe antes da Figueira e bem se poderia dizer que aqui nasceu a Figueira. Talvez isso me servisse para fazer e adiantar desde já uma reflexão: É visível e eu creio que os factos o demonstram e o demonstrarão mais, que a Figueira – toda a Figueira – está a crescer, está num crescimento saudável, num crescimento que poderá levar toda a Figueira e toda a região para um polo urbano de grande importância no Centro do País, mesmo em todo o País. É sabido que esse desenvolvimento vai atingir a vizinhança de Tavarede e que Tavarede se ligará muito intimamente à Figueira da Foz. A reflexão que eu deixaria era que fosse possível no futuro, daqui a 100 ou 200 anos, que este núcleo de Tavarede, junto ao santuário que ainda hoje é para a Figueira da Foz o Palácio de Tavarede, possam ser preservados e possa constituir-se aqui em Tavarede um autêntico núcleo histórico onde se possa vir em peregrinação ao berço da Figueira e ao berço do Teatro, ao santuário do Teatro em Portugal.


Referiu-se o orador aos critérios da atribuição de subsídios, que são também preocupações da Câmara Municipal, que está empenhada não apenas em subsidiar (embora isso, como muito bem expôs José Ribeiro, não seja o mais importante em certos casos), mas em promover o apoio a essas colectividades. E se nem sempre esse apoio corresponde aos desejos da Câmara, procurar-se-á fazer o melhor possível, dentro do melhor critério de atribuição.


A terminar:


“Mestre José Ribeiro deu-nos uma bela lição do que deve ser a Cultura e da forma como a Cultura deve ser promovida, desenvolvida e vivida. Ele vive-a, ele pôs nas suas palavras toda a emoção, e uma vida dedicada a Tavarede e à Cultura Portuguesa. Mestre José Ribeiro é já hoje um nome grande na Cultura Portuguesa e eu estou certo que o nome de Tavarede e de José Ribeiro ficarão para sempre ligados à verdadeira Cultura Portuguesa”.



(O Figueirense)