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sábado, 7 de novembro de 2015

Os Quatro Caminhos - 3

A FEIRA DOS QUATRO CAMINHOS
  

         No jornal “Gazeta da Figueira”, de 17 de Abril de 1901, encontrámos a seguinte notícia: “Chega-nos aos ouvidos de que foi proibido fazer-se no Pinhal, dessa cidade, o antigo mercado de suínos que ali se efectuava todos os domingos, e cremos que se pensa agora em a continuar, mas aos quatro caminhos (Senhor da Arieira).

É boa a ideia, pois que, na verdade, a concorrência àquela feira, tanto de vendedores como de compradores, costuma ordinariamente ser feita por gente de Tavarede, Buarcos, Serra da Boa Viagem, Quiaios, Casal da Robala, etc, e por isso, estabelecendo-se naquele local o referido mercado, fica este decerto mais centralizado entre as povoações a que aludimos, e portanto mais comodidades se oferecem ao público.

         Parece-nos que isto qualquer pessoa julga e apoia, e recomendamos o caso ao nosso pároco e vereador da câmara o sr. Costa e Silva, que com certeza tratará de conseguir que a feira ali se estabeleça, mostrando assim a sua boa vontade em promover qualquer serviço a bem dos munícipes daquelas localidades”.

         Complementando a nota acima, publica dias depois, um extracto da acta da Câmara Municipal sobre a deliberação: “... deliberou a câmara, em virtude do dano que causa às árvores ultimamente plantadas no Largo do Pinhal desta cidade, a feira de gado suíno que ali costuma realizar-se, mudar o local da mesma feira um pouco mais para baixo, isto é, para os largos compreendidos entre as estradas do Casal do Mártir Santo à estrada real n° 49 e da Figueira ao Casal da Serra, mais conhecidos pelos largos do Senhor da Arieira”.

         Dias depois é publicado um aviso informando que “por resolução da Câmara Municipal pode já funcionar ao Senhor da Arieira (quatro caminhos) a feira de gado suino que se costuma realizar todos os domingos ao Pinhal e que dali foi mudada para aquele local”.

         A Junta de Paróquia de Tavarede, responsável pelo lugar onde estava a funcionar a feira, oficiou, entretanto, à Câmara Municipal “pedindo a vedação dum largo, ao Senhor da Arieira, para a realização das feiras de suínos, que se têm feito nas estradas que cruzam no mesmo local, impedindo o trânsito”. Esta petição, confirma o que já havia dito: naqueles tempos era um simples cruzamento de estradas.

         Mesmo sem grandes condições, a comissão paroquial resolveu mandar terraplenar o local “onde aos domingos se faz o mercado de gado suíno” e arborizá-lo ao mesmo tempo. E a mesma notícia comenta que “é uma boa medida, pois evita o impedimento de trânsito nas estradas durante as horas do mercado, embelezando muito o local”.

         Mas, como a Junta de Paróquia não tinha verba para a terraplenagem, solicitou à Câmara “o serviço braçal” para a terraplenagem “do terreno que lhe foi oferecido para ser apropriado à feira de gado suíno”.

         Quem havia feito a oferta do terreno para a feira fôra a senhora D. Maria Duarte Costa, viúva de João José Costa, da Quinta dos Condados, quando teve conhecimento da mudança da feira para aquele local. Havia-o feito “há um ano!” Apesar da boa vontade em arranjar o local, uma notícia comenta que “dizem-nos que não será tão depressa terraplenado devido à Câmara se achar deveras atrapalhada com a organização do serviço braçal. Há um ano, senhores, há um ano que está organizado o serviço braçal das freguesias do concelho da Figueira... Que vergonha!...”.

         Mas, em Agosto de 1912, já estava terraplenado metade do terreno para a feira. “Custou, mas foi...”.

         Depois deste apontamento só em Janeiro de 1918 é que voltamos a ter notícia sobre o assunto. Numa descrição da freguesia de Tavarede, publicada no Anuário Figueirense, refere-se que “todos os domingos aqui se efectua um mercado de porcos”.

Até que, em Fevereiro de 1921, temos uma nova notícia: “Na sessão de quarta-feira da Comissão Executiva da Câmara Municipal foi lida uma representação assinada por vários indivíduos da freguesia de Tavarede, pedindo a criação de uma feira de gado bovino, suíno, caprino e azinino e cereais e géneros de várias espécies, a qual deverá realizar-se nos dias 1 de cada mês, no lugar do Senhor da Arieira. A mesma comissão pediu ainda que a feira semanal de gado suíno fôsse transferida para o dia 1 e terceiros domingos de cada mês. A Comissão Executiva deliberou criar a feira, atendendo es prtição”.

         Aprovada a petição, a Câmara Municipal fez publicar o seguinte edital: A Comissão Executiva da Câmara Municipal da Figueira da Foz:
        
         “Faz público que em sua sessão de 2 do corrente mês, deliberou criar uma feira mensal no lugar da Arieira, freguesia de Tavarede, deste concelho, que terá lugar nos dias 1º de cada mês, e que constará de gado bovino, vacum, suíno e asinino, além de géneros de todas as qualidades e espécies, quinquilharias, fazendas, etc. Para constar se passou o presente e outros idênticos, que vão ser afixados nos lugares públicos do costume”.

         A comissão organizadora marcou, então, o dia 1º. de Maio de 1921 para a inauguração da nova feira. “Inaugura-se no próximo dia 1º de Maio a feira mensal de gados, géneros e fazendas que ultimamente foi criada e que deve realizar-se todos os dias 1 de cada mês, no lugar do Senhor da Arieira, próximo de Tavarede.

         Sabemos que a comissão organizadora desta feira está trabalhando com vontade para que no próximo dia 1º de Maio afluam ao Senhor da Arieira avultadas quantidades de géneros alimentícios, gado bovino, caprino, azinino, suíno e outros artigos, como quinquilharias, etc., tudo deixando prever a realização de vantajosas transacções. Procura ainda conseguir que a inauguração da feira seja abrilhantada por uma banda de música”.

         Segundo informações obtidas, a feira estava a despertar o maior interesse, prevendo-se que os povos limítrofes iriam acorrer àquele novo mercado para efectuar transacções “sobretudo de cereais e gados”. Esperava-se, aliás, que a nova feira de Tavarede viesse a ser um valioso melhoramento para a freguesia e que muito beneficiaria os povos vizinhos, “pois é de há muito notada a falta de um mercado perto da sede do concelho, onde todos, sem dificuldades nos meios de transporte, façam as suas transacções”.

         E a inauguração ocorreu no dia marcado.     “Excedeu toda a expectativa a concorrência de gado de todas as espécies e géneros de todas as qualidades que no domingo inaugurou a feira do Senhor da Arieira, em Tavarede.

         Além de muito povo, que afluiu dos arredores, não faltou a nota alegre, que foi dada pela filarmónica de Quiaios.

          As transacções, como era natural, foram importantes, tendo aqueles que ali foram negociar constatado as vantagens daquele novo mercado, que poderá vir a ser um dos melhores dos arredores da Figueira.

         Felicitamos os seus promotores, que devem continuar as suas diligências para manter os créditos da feira”.

         Para a feira seguinte, 1 de Junho, uma nota escreve que “vai realizar-se ao Senhor da Arieira, Tavarede, o mercado mensal inaugurado sob os melhores auspicios o mês passado e que terá lugar sempre no dia 1 de cada mês. As transacções de gado de todas as espécies, cereais, legumes, quinquilharias, etc., então efectuadas, atingiram importância elevada, animando os feirantes a continuarem a ir ali.

         Por isso se espera que o mercado de amanhã continue a demonstrar a sua vantagem, dele beneficiando todos – vendedores e compradores”.

         Dias depois, tivémos o comentário de que “foi concorridíssimo, sobretudo de gados de todas as espécies, o mercado anteontem realizado ao Senhor da Arieira, Tavarede, avultando as transacções. Congratulamo-nos com o facto, pois achamos vantajoso o desenvolvimento daquela feira nos aros da cidade, para isso trabalhando solicitamente os seus promotores, que continuam a ser dignos de ver bem sucedidos os seus esforços”.

         Em finais de Julho surge nova notícia. “No dia 1 de Agosto, segunda-feira, realiza-se ao Senhor da Arieira, Tavarede, a feira mensal que desde Maio ali se vem efectuando com o mais lisonjeiro resultado. O mercado de segunda-feira não deixará de ser por igual concorrido, devendo por isso avultar as transacções. 

         Mas parece que o entusiasmo despertado estava a adormecer. Esta última feira “esteve pouco animada, fazendo-se transacções quase exclusivamente de gado suíno”.

         Não havia dúvidas. O mercado ambicionado e que tanto prometera, não vingou. Vejamos o que nos diz uma notícia de Agosto de 1923:
        
         “Realizou-se mais uma vez, no dia 1 do corrente, a feira mensal de gados, cereais, géneros alimentares, etc. (?), que funciona no Senhor da Arieira, desta localidade, a qual foi inaugurada no dia 1º. de Maio de 1921, ao som de música e foguetes, e a que acorreram todos os lavradores desta freguesia, com os seus gados, para dar mais brilhantismo à referida feira naquele primeiro dia, o que despertou algum entusiasmo nos tavaredenses, por verem naquela iniciativa um engrandecimento para a sua terra.

         Mas... como o que é bom acaba depressa, como costuma dizer-se, é certo que nos meses seguintes se transformou apenas em feira de gado suíno, aliás com pouca concorrência, desaparecendo assim quase da ideia de todos a existência da mesma.

         Em nossa opinião, diremos que o povo desta freguesia não sabe bem compreender quais os beneficios que advêem daqueles mercados, para o desenvolvimento do comércio e muito em especial da agricultura, pois que, podendo adquirir ao pé da porta o que lhe é necessário, tem de procurar em outras localidades onde também se realizam, o que representa, para ele, grande sacrificio com a sua deslocação; e que, a continuar assim, melhor seria que acabasse de vez a feira mensal, visto haver a semanal, que só consta de gado suino, ou então prestar o seu concurso de forma a dar-lhe um certo incremento, de futuro, para assim chamar farta concorrência que efectue algumas transacções importantes e ao mesmo tempo tornal-a conhecida, o que, decerto, só beneficiará e dará nome a Tavarede”.

         Entretanto havia sido decretado o descanso semanal ao domingo. Em Maio de 1929, o correspondente em Tavarede do jornal “O Figueirense” lamentava-se: “os comerciantes de Tavarede, só porque, perto daquela povoação se realiza ao domingo uma pseudo feira de porcos, mercado esse que dura duas ou três horas da manhã, goza o privilégio de se manter aberto todo o domingo, com manifesto prejuízo dos comerciantes da cidade que são obrigados a estar encerrados”. Era sempre um dia de bom negócio, pois os copos de vinho eram muito requisitados...

         E acabaram-se as notícias sobre as feiras na nossa terra, primeiro, de gado suíno, aos domingos, depois mais uma feira/mercado no dia 1 de cada mês, e para acabar, novamente semanal, só de porcos.

         As Juntas de Freguesia seguintes bem tentaram a sua continuidade. Fizeram-se alguns melhoramentos, como, por exemplo, instalaram um chafariz, com uma bacia, para os animais beberem, mas não resultou. Bem sabemos que as condições não eram as ideais, especialmente higiénicas. E a forma de comercialização e industrialização
tornaram obsoletas e impróprias estas feiras. Mas eram características...

         Mas não quero acabar este capítulo sem um comentário. Muitas eram as famílias tavaredenses, sempre de poucos rendimentos e de muito trabalho, que tinham ali o seu “mealheiro”. Compravam um ou dois bácoros acabados de desmamar, tratavam deles durante uns meses e, quando precisavam de realizar algum dinheiro, muitas vezes por causa de doenças, levavam o animal à feira, vendiam-no e voltavam para casa com um novo bácoro, a que se seguia o mesmo percurso. Além deste pecúlio, tinham também o proveito dos estrumes, que eram o adubo utilizado mas pequenas hortas que cultivavam.

         Duas recordações aqui deixo. Uma, a de que havia então em Tavarede uma sociedade protectora de gado suino (compromisso), na qual, mediante uma quota mensal, garantiam o “seguro” do animal. A outra, é uma palavra de admiração à memória de tantas mulheres tavaredenses, pela sua luta e trabalho com a criação caseira dos porcos. Por conhecimento próprio, não posso deixar de recordar minha mãe e uma vizinha, a senhora Isaura, mulher do saudoso Manuel Lindote, que, diariamente e por vezes de manhã e à tarde, iam à Figueira, com um latão à cabeça (cerca de 20/25 quilos), a casa de famílias conhecidas, que lhes guardavam os restos e sobras de comida e que elas traziam à cabeça em prodígios de equilíbrio. Cito estas duas, como disse, por conhecimento próprio. Mas outras mais faziam o mesmo. De inverno ou de verão, chovesse ou fizesse sol, tinham mesmo de o fazer, para que aquelas sobras se não estragassem.

         Que mais não fosse do que por estas singelas recordações, a feira dos Quatro Caminhos do Senhor do Arieiro tinha que fazer parte destas histórias. E não me esqueceram ainda os tremoços e as camarinhas que lá se vendiam e que tão bem nos sabiam!...


                                           A Quinta da Borlateira

domingo, 25 de outubro de 2015

Senhor do Aeeiro . 3

         Será bom que este caso se deslinde por homens que prezam os interesses e haveres da sua terra, e que não querem deixar-se lograr por quem não tem escrúpulo em praticar actos tão melindrosos”.

         No dia seguinte (19 de Novembro de 1899) e no jornal “O Povo da Figueira”, surgiu uma nova notícia sobre o assunto. Vejamos:

         “Devido a várias pesquisas que tenho feito, e a informações que de fontes limpas tenho recebido, acabo de saber de mais um escândalo para não chamar dois crimes. Eil-os:
        
         Em tempos remotos, ouve um devoto nesta freguesia que mandou fazer uma capela no lugar do Arieiro (encruzilhada das estradas que vai da Figueira a Quiaios e de Tavarede a Buarcos). Este devoto mandou fazer um crucifixo para a dita capela, a que pôs o nome de – Senhor do Arieiro.
                  
         Esta imagem é dum trabalho admirável, em pedra, que na actualidade não era feito por 70$000 reis.
        
         Passado pouco tempo desta acção religiosa ser feita, o devoto morria não estando a capela perfeitamente acabada.
        
         Os herdeiros do falecido tomaram conta dos bens, entre eles a citada capela e a imagem que dentro dela estava.
        
         Nesse tempo era pároco desta freguesia, o padre Bernardo da Silva, filho desta terra. O padre Bernardo lembrou-se de a pedir aos novos donos, o que fez e do que foi bem sucedido.
        
         O crucífixo veio pois, em procissão do Arieiro para a nossa igreja onde muito tempo esteve exposta, sendo depois retirada com destino à capela do nosso cemitério, o que se não fez, por ainda não estar acabada.
        
         Há poucos dias fomos passear ao cemitério dessa cidade, e na casa dos depósitos deparamos com o nosso Senhor do Arieiro! Sabem os leitores quem o mandou para lá?
        
         Foi o nosso bom pároco Joaquim da Costa e Silva!!
        
         O facto repugnou-nos tanto, que fomos ter com o guarda do cemitério a perguntar-lhe como tinha ido para ali aquela imagem; dizendo-nos em resposta foi em troca do sino que estava nos antigos Paços do Concelho (na Praça Nova).
        
         Ora, o sino já cá está há muito mais dum ano. E a imagem está lá há poucos dias. Mas isto não basta.
        
         Com que autorização trocou o padre Silva a imagem pelo sino sem ao menos a Junta de paróquia ter sido consultada? E com que auctoridade desapareceu da nossa igreja a velha Senhora do Rosário, que agora está substituída por uma que custou a um devoto 120$000 reis no Porto?
        
         A primeira foi trocada por um sino que o povo sempre dispensou e dispensará.
        
         A outra foi… naturalmente trocada a farrapos?
        
         Isso não creio eu.
        
         Não comento estes factos, apenas chamo para eles a atenção dos meus patrícios e em especial dos que pugnam pelos bens da terra que lhes serviu de berço.
        
         Soma e segue”.

         Durante a missa conventual de domingo, 19, foi dito pelo pároco, Joaquim da Costa e Silva, presidente da Junta de Paróquia de Tavarede, “que da melhor vontade auxiliaria a comissão que nos dizem ir preparar-se aqui para acabar as obras da capela que está sendo edificada no cemitério desta povoação”. Depois, e referindo-se ao caso da imagem do Senhor do Arieiro, disse que “se efectivamente ela estava exposta no cemitério ocidental dessa cidade, fôra para lá por algum tempo, voltando para Tavarede logo que isso fosse exigido. E agora, visto que se vai tratar de acabar a capela do nosso cemitério, e que é para ali que o Senhor da Arieira está destinado, ele viria imediatamente da Figueira”.

         Acrescentou depois “o facto que o levara a dispensar para ali a referida imagem fôra apenas por saber que ela não era aqui necessária por enquanto e tanto mais por a ver desprezadíssima numa casa contígua à igreja paroquial. Como o Senhor volta para Tavarede, fica sanada esta questão e oxalá agora que a capela do cemitério se conclua”.

         E não encontrei nada mais nos jornais figueirenses, nenhuma alusão ao caso da imagem do Senhor Crucificado, também chamado Senhor do Arieiro ou Arieira.


Tavarede no Teatro - 20

         E fazem-se as apresentações. O Paço do Conde

                                      “Amigo d’outrora,
                                      Vê minha figura!
                                      Sou um pardieiro
                                      Sem arquitectura.

                                      Brilhei muito em festas...
                                      Hoje abandonado...
                                      Sou podre palheiro,
                                      Sou curral de gado!”

         O Rio Velho também se lamenta. E responde:

                                     “Tenha paciência, fidalgo,
                                      Também tive a minha conta:
                                      Vê-me estreito, porco e seco,
                                      Pois fui rio d’alta monta.

                                      De mim era a terra ufana,
                                      Tive cais, tive aduana,
                                      Fui muito tempo feliz.
                                      Agora é grande desgraça.
                                      Quem me busca ou por mim passa
                                      Tem de tapar o nariz”.

         Sim, senhor. Era verdade. E a sua história bem triste, por sinal. “Fui nobre e generoso. Acolhi em meu seio os Condes de Tavarede, tive luxo, fortuna e privilégios. Eram sagrados os meus velhos muros, e mancebo que a eles se encostasse, estava livre de ser soldado. De simples e despretencioso solar, transformaram-me em imponente palácio. Lavraram-me cantarias, ergueram sobre os meus ombros arrogantes torreões. Ai! Pobre de mim! Embranqueceram-me os cabelos e senti-me abandonado ao tempo. A chuva repassou-me as carnes, penetrou-me até aos ossos, e hoje tenho o cavername apodrecido. O grande torreão, desapareceu. Os salões arruinaram-se. E hoje não sou mais do que uma ruína aproveitada para curral de bois e carneiros para o matadouro. Ao que cheguei!”. Ao que tinha chegado o nobre solar quinhentista. E isto, não esqueçamos, há já mais de setenta anos!

         Mas o Rio Velho não estava melhor. “Dê cá a mão, amigo. Somos irmãos na desgraça. Fui mar, e até mim chegavam as embarcações carregadas de mercadoria. Nos meus domínios estava a Alfândega de Tavarede. E hoje? Não passo de um ribeiro sujo onde só navegam barquitos de casqueira, e de uma viela porca para onde despejam cascas de mexilhões, e... o resto. Agora chamam-me Rio Velho e quando passam por mim tapam o nariz. Eu que fui rico e forte, reduzido a beco da Dona Lúcia!”.

         Pobres velhos e curiosas histórias. Falam do passado e das tradições da terra com imensa saudade. Havia outros monumentos. Também havia a fonte, mas esta tinha o defeito de ser muito escorregadia, o que fazia com que algumas raparigas caissem e, ao cair, partiam as bilhas ou, pelo menos, rachavam-nas. Apegavam-se então ao santo António, mas até o Santo se queixava de que eram muitas bilhas para um Santo só...

         Recordo-me que Tavarede tinha grande quantidade de gado leiteiro. Manhã cedo, ainda escuro, lá iam as leiteiras, carregadas com os latões bem cheinhos de leite fresquinho, fazer a sua venda. Tinham as suas freguesas certas, já habituais. Mas, um belo dia, surgiu um novo problema. Então não é que os latões tinham de ser selados e o leite inspeccionado? Nem todas aceitaram o facto de boa-mente.

Leiteira - Éh! seu raio! Largue o latão. Seu alma danada... Antão, hein!
Polícia - Não refile já lhe disse. Escusa de estar a fugir com o latão à torneira, porque não tem remédio senão aguentar com ela.
Leiteira - O raio que o parta!

Leiteira -                        Seu basculho!
                                      Seu masmarro!
                                     Outra vida!
                                     Ora o alma de chicharro!
                                    O polícia
                                    Patarata
                                    Quer que eu meta
                                    Uma torneira na lata!
                                    Com tal birra
                                    Não se enfeite
                                    Que tem fama
                                    A pureza do meu leite.
                                    Forte bruto!
                                    Vai p’ró raio
                                    Que te parta!
                                    Nessa fita é que eu não caio.

Polícia -                       Oh! grande malcriada,
                                    De ti não tenho dó.
                                    Aplico-te a postura
                                    E vais p’ró chelindró!
                                    Tapa-me essa buzina,
                                     Basta de baboseira.
                                     Já te disse e repito:
                                     Vou meter a torneira.

Leiteira -                       Seu basculho!
                                     etc. etc. etc.

Tio Joaquim - Mas vamos lá a saber, o que vem a ser isso?
Leiteira - Pois... Já a gente não pode usar o que é seu. Não deixam vender o leite em latões abertos. Querem que a gente vá todos os dias à revista c’os latões.
Polícia - Olá! O leite todos os dias analisado para se saber se é leite ou o que é. Pois então! É da nova postura. A boca dos latões fechada e selada, e em baixo mete-se-lhe a torneira por onde sai o leite, que é para evitar falsificações. Mas isto é que menina não quer nem à mão de Deus Padre. Queria continuar a envenenar a Humanidade, misturando no leite água e outra coisa que parece água mas que não é água. Com que então, vender o leite com o latão aberto?... Mas isso não era leite, era queijo...
Leiteira - Oh, seu raio! Você não me esteja a tentar. Olhe que eu já não o vejo bem.
Polícia - (cantarolando) Maria, são teus olhos azeitonas...
Leiteira - Vá fazer pouco da sua geração. Por causa da torneira ainda você há-de saber quem eu sou.
Polícia - Você é que não tarda muito que vá de ventas à torneira com uma traulitada nos queixos. Ande lá para diente. Em chegando à Figueira eu lhe contarei um conto. Ande lá para diente.

         Segundo diz o Tio Joaquim, as falsificações estavam muito desenvolvidas cá na terra. Era o leite, o vinho, o azeite, o açúcar, a manteiga... Os comerciantes não resistiam. Mas agora, com as fiscalizações que havia, o lucro fácil tinha acabado. Se se descuidavam, pumba, multas para cima. E bem pesadas.

         O “Mercúrio”, como deus do comércio, é que lhes podia acudir com um milagresinho. “Por esse país fora, uma grande parte do comércio está na estica. Houve um tempo em que tudo eram lucros. Foi encher... encher, e tanto encheram que muitos rebentaram. Os preços subiram por aí acima, voavam que até se perdiam de vista. Nem admira, era Vossa Senhoria que lhes dava asas... Costuma dizer-se que para baixo todos os santos ajudam, mas neste caso para baixo custa mais a vir...”.

         Não podiam faltar a Sopeira e o seu Impedido. Vinham à fonte, à água pura e fresca. Mas, cuidado, menina, não vá rachar a sua bilha...

         Encontram depois o Aeroplano, alcunha daquele tavaredense que andava sempre nas núvens, triste e pensativo. Era o mordomo das festas da Igreja e, coitado, agora tinha bastantes motivos para andar triste e pensativo. Pois se o dinheiro do peditório, que havia sido levado para a sacristia, tinha desaparecido misteriosamente! Quem roubaria o dinheiro, e logo diante da imagem do Senhor dos Aflitos? Bem aflito estava o pobre do Aeroplano. Pudera, aí à volta de uns duzentos mil reis... Ná! Aquilo era bruxedo, pela certa. Mas em Tavarede havia assim tantas bruxas, pergunta o deus Mercúrio?


sábado, 17 de outubro de 2015

O Senhor do Areeiro - 2

O SENHOR DO ARIEIRO

  
         “... recorda-nos uma outra (capela), que existiu, também para o lado poente de Tavarede. Era situada no cruzamento do caminho directo desta cidade aos Condados, e que daquele que vai de Tavarede a Buarcos, próximo da quinta de Luís António de Sousa e a uns quatrocentos metros para o lado do poente de Tavarede.
        
         Existiu sob a invocação do Senhor da Arieira ou do Arieiro, naturalmente por ser edificada em um lugar aonde o povo ia extrair areia ou saibro para construcção de alvenarias. Em 186.. só existiam dela, no local, uns restos de alicerces e algumas pedras aparelhadas, soltas. Mais nada.
        
         Contava-se na povoação que havia sido interdita e depois demolida em virtude dum sacrilégio cometido: Um desvairado qualquer foi em uma noite pendurar um enxalavar de caranguejos sobre uma cruz que lá existia, profanando assim aquele lugar sagrado, e daí a interdição.
        
         O povo de Tavarede atribuíu o sacrilégio a algum pescador de Buarcos.
        
         Ao certo nada sabemos desta narrativa, contentando-nos apenas da dicção da tradição como era contada entre o povo das proximidades da capela”.

         Antes de continuarmos com a história do Senhor do Arieiro (preferimos esta forma à de Arieira, mas é só uma questão nossa), também queremos referir que, respondendo ao inquérito paroquial de 1721, o então pároco de Tavarede informa que “estava antigamente um nicho com Senhor Crucificado, no fim da terra para a parte do ocidente, que representava ser muito antigo; que hoje está fechado com porta e com toda a decência; que tem obrado muitos milagres; e vai obrando – suando a sua Santa Imagem e a coluna em que está posto, como se tem visto em certos dias”.

         Nas “Memórias Paroquiais de 1758”, o cura Anacleto Pinto refere a ermida do “Senhor dos Milagres ou Arieira”, contigua a Tavarede, mas fora da povoação.

         Depreende-se do exposto, que o nicho com a imagem do Senhor Crucificado foi transformado numa pequena ermida onde estava devidamente resguardada e protegida, a qual, depois do “sacrilégio” do “enxalavar”, foi demolida.

         Quanto à imagem, uma notícia de 1899, publicada na “Gazeta da Figueira”, diz o seguinte: “Acabamos de saber que alguns paroquianos desta freguesia se vão agregar em comissão para colher dos habitantes da mesma freguesia donativos suficientes para o acabamento interior da capela do nosso cemitério, mandada edificar pela junta de paróquia presidida pelo saudoso e benemérito cidadão sr. João José da Costa.
        
        Foi este malogrado cavalheiro quem teve a louvável ideia de se mandar ali construir aquela capela, com o propósito de nela ser colocada a veneranda imagem do Senhor da Arieira, e de servir também para lá instalar o Santíssimo Sacramento e as imagens que se vêem na igreja, quando por qualquer motivo isso fosse necessário.


         Capela do cemitério actual, mandada construir por João José da Costa, presidente da Junta de Paróquia, para lá se colocar a imagem do Senhor do Arieiro
        
A comissão a que nos referimos vai oficiar à junta de paróquia, a fim de esta conceder autorização para levar a cabo os seus honrosos intentos, visto ela não ter até hoje, passados que são uns poucos de anos depois da morte do iniciador da construção da capela, o sr. João José da Costa, conseguido lançar nos seus orçamentos uma pequena verba destinada a acabar tão útil obra, começada por um homem a quem se deviam acatar e respeitar as intenções.
        
         Honra seja, portanto, àqueles que vão concluir a capela, e oxalá que todas as pessoas desta freguesia contribuam para tal fim.
        
         Agora há uma coisa séria a resolver e de que a mesma comissão vai tratar, que é de averiguar a forma como a imagem do Senhor da Arieira, dada a Tavarede pelos proprietários da extinta capela daquele nome, foi ter à casa de depósito do cemitério ocidental dessa cidade, sem que, segundo o que ouvimos, fosse autorizado para o fazer qualquer dos membros da junta.
        
         Eis um assunto que aqui tem levantado grande celeuma, porque não só a imagem representa para os paroquianos de Tavarede um grande valor, mas também porque estava destinada a ocupar um lugar determinado por um homem cuja memória é sempre invocada com todo o respeito.
        

         E, francamente, também não admitimos que a junta de paróquia ou algum dos seus membros possa assim fazer, leviana e inconscientemente, oferta duma imagem daquelas, como se fôra uma coisa sem valor e que de direito não pertencesse à nossa freguesia, que é como quem diz aos tavaredenses.

Tavarede no Teatro - 13

Retalhos e Fitas



         É uma pequena revista esta. “Retalhos e Fitas” tem um acto e três quadros. Foi integrada no espectáculo do 24º. aniversário da Sociedade de Instrução. Tal como a anterior “O Grão-ducado de Tavarede”, teve a autoria de João José, pseudónimo usado pelos seus dois autores: João Gaspar de Lemos Amorim e José da Silva Ribeiro.

         A música, 14 números, era original e coordenada pelo figueirense António Maria de Oliveira Simões. Com uma magnífica orquestra e luxuoso guarda-roupa, “pode dizer-se que esta récita de gala teve, num meio pequeno e de gente humilde, como o de Tavarede, foros de acontecimento artístico. Por isso mesmo felicitamos todos os que nele colaboraram”.

         Foram estes os pequenos comentários encontrados nos jornais de então. A acção da peça decorre no Largo da Igreja, os dois primeiros quadros, e no palácio da Princesa das Fitas, no último, onde terminava com uma apoteose.

         Quando sobe o pano, o Largo encontra-se cheio de homens e mulheres do povo que, em volta do Tio Joaquim, olhavam para o céu com vidros fumados, como se estivessem a ver um eclipse do sol. Parece uma bola, diziam alguns apontando para o ar. Mas, fosse o que fosse, não vinha no “repertório” e lá vem tudo indicado, desde os cometas até aos eclipses e outras coisas no género. E para aquele dia não havia lá nada!

         Supersticiosas, as mulheres de Tavarede logo se lembraram de gritar que era o fim do mundo e que, certamente, o que aí vinha era um grande cometa, que cairia em cima da terra e arrasaria tudo! Mas o estranho era que os cometas deixam gáses e têm rabo e este não... Parecia uma bola, uma grande bola, e nada mais.

         Quem era, que não era, chegaram brevemente à verdade. Tratava-se nada mais nada menos que o planeta Mercúrio, deus do comércio e dos ladrões. Como, naquela ocasião, passava perto da terra e como tinha chegado ao seu planeta a fama da grande fita dos badalos em Tavarede, aproveitou a ocasião para fazer uma visita a lugar de tanta nomeada. E nem sequer mudou de indumentária. Vinha tal e qual como andava lá pelos seus domínios celestiais.

         Para o receber e acompanhar na visita, nada melhor que o Tio Joaquim. Mas, quem era o Tio Joaquim?

Mercúrio - Se me não engano, estou na Terra do Limonete, não é verdade?
Tio Joaquim - Exacto. Terra de muita fama e de pouco proveito...
Mercúrio - E posso saber a quem tenho a honra de estar falando?
Tio Joaquim - Ao Tio Joaquim. É como todos me tratam: tio Joaquim. Cá na terra há mais Joaquins, mas Tio Joaquim há só um, que sou eu! É como lhe digo. Até os correios assim me conhecem. Os avisos da décima trazem só: Tio Joaquim - Tavarede. E cá vêm ter.
Mercúrio - É então pessoa de alta importância...
Tio Joaquim - Não é por me gabar, mas graças a Deus, sou, sim senhor. Abaixo do senhor Vigário, sou eu. Cá na Terra toda a gente me consulta, toda a gente quer saber a minha opinião, todos querem o meu conselho. Sou eu quem regula o amanho das terras da freguesia: “Oh João, aproveita esta estiada para a sementeira da leira da baixa. Ó Manel, trata-me da vinha, que se te vai embora se não lhe acodes c’o sulifate. Não te descuides c’os tomates, Zé da Estina, amarra-os se os queres ter grandes. Etc. etc. Eu é que digo o que se há-de semear neste crescente, eu é que aviso se vem chuva ou se temos bom tempo p’ró minguante.
Mercúrio - É o barómetro da freguesia.
Tio Joaquim - Lá isso de barómetro não sei o que é. Sou assim uma espécie de folhinha, de Borda d’Água. Dizem os jornais que agora na Itália o Massolini é que manda no trigo, ele é que diz se as terras hão-de dar muito ou pouco. Mal comparado, eu sou o Massolini da agricultura cá da terra. E às vezes não basta o conselho. É preciso obrar. E eu obro muitas vezes nas terras dos outros. Quem quer bons enxertos, vem ter comigo. Ninguém os faz melhor.
Mercúrio - Nessa idade?
Tio Joaquim - Sei mais disso que os novos, e ainda não me falta firmeza para abrir o golpe no cavalo e meter o garfo.
Mercúrio - Acredito.
Tio Joaquim - Se são precisos louvados para avaliações ou para partilhas vêm-me chamar; e nos compromissos de gado nada se faz sem mim. Não há curral de porcos em que eu não tenha entrado. Em questões de porcaria ninguém me leva a melhor.
Mercúrio - Vejo que fui muito feliz em aqui o encontrar. Ninguém melhor do que o Tio Joaquim poderá mostrar-me o que nesta aldeia há de notável. Uma terra velha como esta deve possuir curiosos e históricos monumentos. Se me não falha a memória, reza a história que quando Cristo andou pelo mundo já existia Tavarede.

Tio Joaquim - Sim, senhor, é verdade. Terra velha e rija... Teem passado anos e séculos e Tavarede é hoje a mesma aldeia pequena, a mesma pobreza, a mesma miséria. Não se faz uma casa, e as que caiem, vão aumentando as ruínas. Nem de propósito: Aí veem dois monumentos históricos que são duas ruínas célebres: O Paço do Conde e o Rio Velho.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

O Senhor do Areeiro 1

Vitor Medina







O Senhor dos Milagres

(Os 4 caminhos do Areeiro)




Pequenas histórias evocativas dos
Quatro Caminhos do Senhor do Areeiro






QUATRO CAMINHOS DO SENHOR DO ARIEIRO





         Uma das primeiras referências encontradas, na imprensa figueirense, sobre o lugar dos Quatro Caminhos do Senhor do Arieiro, surge numa descrição dos caminhos que conduzem à Figueira precedentes do norte do concelho e que passam junto, ou relativamente próximo da nossa terra, a propósito do projecto então apresentado para o traçado da futura estrada de Aveiro à Figueira da Foz.

         Em determinada altura diz-se “... duas ramificações desta serra – uma do ponto da povoação da Serra, prolongando-se pelos Condados para o sul, até chegar ao lugar do Senhor do Arieiro a 600 metros ao poente de Tavarede, onde termina limitando o horizonte dessa povoação por este lado...”. Um pouco mais à frente, continua: “... Um outro monte principia a elevar-se junto ao Senhor do Arieiro, continuando a ramificação da serra perdida naquele ponto. A partir dali, o monte continua por alguma distância e divide-se depois em três partes: uma segue para sudoeste, e é aquela em que assenta a nossa igreja matriz (S.- Julião); outra, paralela a esta, é a base da Rua da Lomba (actual Rua José da Silva Fonseca); a terceira, crescendo do Pinhal para sueste, assenta nela o Casal da Lapa, indo depois perder o nome junto dos estaleiros.

         A esta estrada, da Serra da Boa Viagem à Figueira da Foz, cruza, no chamado lugar do Senhor do Arieiro, com a velha estrada que vem de Caceira a Buarcos, passando pela Chã e por Tavarede, onde sempre foi considerada a principal rua. Era, portanto, um cruzamento de duas vias, como há tantos.

         Quando completei sete anos de idade, isto em 1942, comecei a percorrer diariamente o caminho entre minha casa, sita na rua Direita, um pouco abaixo do Largo do Paço, até aos Quatro Caminhos do Senhor do Arieiro, para frequentar a escola primária. Naquele tempo, diga-se desde já, aquela zona era totalmente diferente de hoje. A única coisa que se reconheceria seria o edifício da escola, embora já tenha sofrido algumas alterações.

         Entretanto, o local do cruzamento das estradas, já tinha sofrido algumas modificações, pois, havendo sido decidido transferir para ali a feira semanal de gado suíno que se realizava ao Pinhal das Águas, foi criado o espaço necessário para a mesma, conforme veremos mais adiante.

         Tentemos, agora, descrever o local. Partindo de Tavarede e até chegar ao referido cruzamento, do lado esquerdo ficava a Quinta do Paço, ao tempo pertencente a Marcelino Duarte Pinto, comerciante e talhante na Figueira da Foz, e à direita, depois da quinta de José Duarte e alguns terrenos de cultura, onde já haviam sido construidas três ou quatro casas, situava-se a escola primária, com um pouco de terreno anexo, em cunha, onde tínhamos o recreio. Àquele sítio também chamavam, e ainda o chamam, “Calvário”, certamente por ali ter havido um “nicho” com um “Senhor Crucificado” e uma capela. Àquele “nicho” e àquela imagem também davam o nome do Senhor do Arieiro e ali fizeram uma capelinha, como veremos.

         Passado o cruzamento da estrada vinda da Serra da Boa Viagem, havia, do lado direito, uma casa onde, no rés do chão e anexo, haviam estabelecido uma mercearia e taberna, um enorme arieiro, donde ainda extraiam o saibro, para fabricação dos adobes, utilizados na construção de paredes e muros, assim como no macadame para pavimentação das estradas e caminhos. Depois do arieiro e da casa havia um pinhal, onde se juntavam famílias da terra e da Figueira, normalmente no dia da “Merenda Grande”, bem como em certas tardes do verão quando havia festas populares em Tavarede e que aproveitavam a sombra e fresquidão do lugar para merendarem e descansarem um pouco. A seguir, e na direcção a Buarcos, ficava a Quinta da Borlateira e a Quinta da Calmada.

         Do lado oposto, ficavam as instalações da antiga cerâmica, já desactivada. Muitas eram as vezes que para ali íamos brincar e aproveitávamos para, dentro dos enormes fornos, procurar os pequenos triângulos de barro, que eram utilizados para a separação dos pratos durante a cozedura.

         De uma forma breve e talvez pouco esclarecedora, era assim o lugar dos Quatro Caminhos do Senhor do Arieiro. Irei tentar, a partir dos elementos de que disponho, contar a história deste local.