sábado, 24 de novembro de 2012

Teatro da S.I.T. - Notas e Creíticas - 55


2002.03.14     -     PIRANDELO NO TEATRO DA SIT (A VOZ DA FIGUEIRA)

                No seu 98º aniversário, a Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT) levou e mantém em cena a peça “O Homem, a Besta e a Virtude” de Luigi Pirandelo, autor dos inícios do século XX. Não é fácil representar Pirandelo, mas os actores e actrizes da SIT já nos habituaram a não terem dificuldade em representar qualquer peça de teatro, por mais difícil que seja.
                Fernando Romeiro, o actor principal e que se mantém em cena todo o tempo, tem um desempenho excelente, no papel do professor Paolino que dá aulas particulares a vários jovens entre eles, o filho da senhora Perella com quem tem uma relação amorosa.
                Aquela personagem, a quem o marido, o capitão Perella não liga, mesmo quando vem a casa passados meses, é bem desempenhada por Rosa Paz que também já nos habituou com a sua presença em palco. Rogério Neves personifica muito bem o autoritário e machista capitão Perella.
                O bom desempenho de todos: o doutor Nino, por Valdemar Cruz; o senhor Tótó, farmacêutico, António Barbosa; Rosária, a governanta, Manuela Mendes; os estudantes, Gil e Abel, representados por José Miguel Pereira e Anselmo Cardoso; Nónó, João Pedro Paz; Graça, a criada, Maria Helena Rodrigues e o marinheiro, João José Silva, faz com que ao longo de aproximadamente duas horas se assista a teatro de qualidade, apanágio da SIT ao longo da também já sua longa existência, uma vez que está a dois anos da comemoração do seu centenário.
                Mas por trás dos bastidores toda uma equipa trabalha afincadamente, antes, durante e depois, dirigida e coordenada por Ilda Simões que tem feito um bom trabalho e que tem a seu cargo a encenação e direcção de cena, equipa composta por José Miguel Lontro, Nuno Pinto, José Maltez, Otília Medina, João Pedro Amorim, João Fadigas, José Manuel Cordeiro e Vitor Assis.
                Vocacionada desde sempre para o teatro, a SIT está a desenvolver um projecto a que concorreu, através da Delegação do Ministério da Cultura da Região Centro, tendo em vista a formação nos vários domínios, o adequado apetrechamento técnico e um arquivo documental ligado ao teatro, de forma a que possa vir a apoiar os outros grupos de teatro amador do nosso concelho, que é um exemplo no país e a testemunhar estão as 25ª Jornadas de Teatro Amador, organizadas pelos Lions Clube da Figueira da Foz e que irão decorrer a partir de 27 de Março, nas quais estão inscritos 26 grupos de teatro.

2002.05.02     -     É URGENTE O AMOR (O DEVER)

                Apresentando em estreia, com lotação esgotada e honras de presença do autor da peça – Luís Francisco Rebello – e também do engº Duarte Silva com alguns dos seus vereadores, a peça “É urgente o amor”, a Sociedade de Instrução Tavaredense deu uma lição de como é possível pôr a evolução tecnológica ao serviço do teatro de qualidade, aspecto a merecer uma referência muito especial para os homens que do escuro dos bastidores souberam fazer dos efeitos de luz “actores” decisivos na espectacularidade da representação, prescindindo das tradicionais descidas de pano para mudanças de acto.
                E foi, apoiados nessa mais-valia dos desenhos de luz, que os oito personagens “viveram” a tragédia da jovem Branca (Luísa Rosmaninho, com a naturalidade espantosa de transformar os problemas de há meio século em chagas de hoje) vítima daquela encruzilhada de vidas sombrias onde a mãe (Ilda Manuela Simões essa continuadora da escola de mestre José Ribeiro que lhe permite ser “pau para todo o serviço” – actriz a fazer inveja a muitos profissionais, encenadora de méritos reconhecidos e que nesta peça soube ganhar o desafio desta coabitação com os desenhos de luz, onde é justo deixar um aceno de muito apreço para José Miguel Lontro) soube assumir a mentira que serviu de suporte à peça e m que os papéis de maus do enredo tiveram magnífica interpretação nas pessoas de João José Silva (Alberto, o ausente da terra mas sempre presente no palco e direcção de cena, peça da mobília), e José Medina, um “Jorge” à medida das circunstâncias (dificílimas) em que se viu envolvido naquela teia de mentiras tão bem realçadas na penumbra da repartição de polícia onde o chefe (António Barbosa) e o seu agente (João Pedro Amorim) cumpriram as formalidades de assinalar o desenlace fatal esquecendo as denúncias de Margarida (Paula Sofia Simões), esposa traída, e da Madalena (Susana Neves), a falsa amiga da vítima.
                Porque as exigências técnicas de apoio à peça não deverão permitir a representação desta fora do Teatro da SIT, razão porque não está integrada nas Jornadas de Teatro Amador, e porque a alta qualidade do desempenho justificam plenamente a presença de quem tem gosto pelo bom teatro, aconselhamos uma deslocação a Tavarede para assistir a “É urgente o amor” numa das repetições que a muita afluência registada justificam.

2002.05.09     -     SIT PRESTA HOMENAGEM A GIL VICENTE (A VOZ DA FIGUEIRA)

                No corrente ano celebram-se os 500 anos da representação do primeiro texto vicentino: “Auto da Visitação” ou “Monólogo do Vaqueiro”. Este texto marca o início do teatro em Portugal. A Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT), assumindo-se como um pólo da arte de Talma no concelho, irá também assinalar “tão importante data, pois Gil Vicente teve sempre um lugar de destaque nesta casa”, conforme frisa a direcção da colectividade. “O Auto da Barca do Inferno, “O Auto da Alma”, “Quem tem farelos?”, “Todo o Mundo e Ninguém”, “O Velho da Horta”, “D. Duardos”, “O Pranto da Maria Parda” e “O Monólogo do Vaqueiro”, foram alguns dos trabalhos apresentados pelos amadores de Tavarede, sob a direcção do grande Mestre José Ribeiro.
                A direcção cénica considera que “apesar de todas as trasformações, de todo o dsenvolvimento que o nosso mundo tem sofrido Gil Vicente continua actual”,  que “a crítica à falsa moralidade a sociedade da sua época, aos costumes, ao quotidiano dos grandes e dos pequenos, leva-nos a reflectir sobre o ser humano que cada um de nós é”.
                Sendo da opinião de que o teatro também serve para nos conhecermos, nada melhor que trazer Gil Vicente para o palco e aproveitar esta data para “lembrar ou relembrar alguns textos vicentinos. Actores e público, vão ter oportunidade de estar lado a lado e frente a frente, em espaços tidos por convencionais para a prática do teatro, vão poder vivenciar as realidades do século XVI e vão poder compará-las com as realidades do século XXI.
                Desta forma, a SIT irá começar por fazer um espectáculo de rua, no dia 15 de Junho, o qual terá início às 16,30 horas, no largo da colectividade. Este espectáculo terá cinco actos e envolverá mais de 30 amadores, assim distribuído: 1º acto – Largo de Santo Aleixo: “O Velho da Horta”; 2º acto - Largo da Igreja: “Auto da Barca do Inferno” e “Todo o Mundo e Ninguém” (fragmentos); 3º acto – Largo Maria Amália: “O Pranto de Maria Parda” (fragmentos); 4º acto – Largo do Paço: “Farsa de Inês Pereira” (fragmentos); 5º acto – Largo da SIT: “O Monólogo do Vaqueiro”.
                O espectáculo, entre estes espaços, “desenvolver-se-á com movimentos e velocidades diferenciadas, onde serão explorados gestos e expressões, voz e improvisação”. A música da época acompanhará toda a actuação.
                No dia 15 de Junho, às 21,45 horas, no palco da SIT, acontece a representação de “O Velho da Horta” e uma palestra sobre Teatro Vicentino, proferida por José Bernardes.

2002.05.23     -     É URGENTE O AMOR (A VOZ DA FIGUEIRA)

                Sorririas, mestre Ribeiro, se ao lado de todos nós, presenciasses a todo um ideal que defendeste, a toda uma postura fiel a uma escola por demais viva e marcante, onde os teus princípios se traduziram não só na escolha do grande autor dramaturgo Luís Francisco Rebelo, mas em toda a envolvência programática feita de rigor, disciplina e método, aliado a uma grande alma e teatro, bem patente na dedicação, talento e garra desta gente do “povo comum”, que te honra e te segue passo a passo.
                Foi a primeira vez, mestre Ribeiro, que pisei esta sua segunda casa, quando junto à Igreja de Tavarede iniciei caminhada a pé, escalando o pequeno percurso das ruas estreitas em direcção à SIT. Depois da primeira subida, o corte à direita, uma grande luz iluminava a colectividade e logo a dita “catedral do teatro” estava ali, em frente aos meus olhos.
                A azáfama era grande entre os que organizavam as entradas e acomodamento do público e aqueles que metodicamente colocados nos seus postos, se preparavam para dar corpo à envolvência da representação, com um ambiente cenográfico adequado e, diga-se com justiça, perfeitamente conseguido.
                Às pancadas de Molière sucedeu-se um grito de angústia e morte, ao silêncio espectante da plateia, a envolvência arrepiante do resgate de uma causa perdida, o barulho ritmado das hélices de um helicóptero, as luzes em movimento estonteante, num bailado aflito de desespero e drama, e o público ali no meio, tomando conhecimento e certificando-se do inevitável fim de Branca, uma jovem que entre o inconformismo e a esperança, procurou o amor, sem nunca o ter conseguido.
                Orgulhosa poderá e deverá estar esta autêntica equipa da SIT, porque para além do mais, apresentou aspectos técnicos que tiraram um maior rendimento à pretensão da mensagem transmitida. No palco, um ambiente tão curioso quanto enigmático, onde a determinados “espaços de acção”, se juntavam a totalidade ou quase totalidade dos personagens, embora em ambientes perfeitamente definidos, a delegacia policial, Branca no além, ora prostrada no chão representando a morte, ora em acesas discussões e interpelações, com um alinhamento à sua volta, das pessoas da sua relação, ou ainda no exercício do regresso ao passado no espaço íntimo do seu próprio quarto. Tudo isto com o auxílio caprichado de um jogo de luzes onde cada individualidade alternava a acção com um silêncio presente, quedo e mudo, na penumbra do palco e numa postura comprometedora de conivência e sentido e culpa pelo desenlace fatal. Foi o prender da plateia a cada um dos intervenientes, mantendo uma relação forte entre o público e aquilo que cada uma significava para a procura da verdade.
                António Barbosa e João Amorim, ou melhor dizendo, o chefe e o agente Simões, de forma segura, serena e tranquila, conseguiam materializar a imagem pretendida de uma força de autoridade, que por função tinha deslindar um caso de hipotético acidente, suicídio ou homicídio, mas com um tal empenho de carácter duvidoso, entre a investigação dos factos e o interesse preferencial de umas boas palavras cruzadas, onde o saber qual o imperador romano com oito letras se lhes afigurava um objectivo de primordial importância.
                Susana Neves, no papel de Madalena, evidenciou atributos de uma artista em potência, com uma forte sensibilidade e uma margem enormíssima de progressão. Esta Madalena, nada arrependida de considerar os homens todos iguais e a mesmo tempo nutrir um carinho demasiadamente “especial”... por Branca.
                João Silva mostrou talentosamente como um drama não é só representação “séria” como pensará o “senso comum”. Com passos de quem bem conhece os caminhos de um palco, levou à cena o personagem Alberto, naquele que se pode afirmar tratar-se de um “chulo de cinco estrelas” que não via com bons olhos quando o dr. Jorge ameaçava deixar Branca, sua namorada, o que obviamente lhe colocaria instabilidade financeira. Por acréscimo da sua falsidade e cobardia, fugia a sete pés quando via o mar mais alto que a terra, nas discussões de Branca com sua mãe, provocando momentos de grande divertimento na plateia.
                Um elenco acima de tudo experiente, onde José Medina assume essa forte mensagem em cada palavra e em cada gesto, de como o tempo amadurece e dá consistência, como na vida também no teatro. E assim foi a melhor escolha para um dr. Jorge, com uma bonita idade para... não ter juízo assumindo-se com um verdadeiro mecenas que vivia entre o adultério e o conceito de família respeitosa, que não podia ser beliscada fosse por que preço fosse.
                Ilda Simões estará decerto duplamente feliz, porque na qualidade de encenadora viu a sua gente dar expressão aos seus desejos, com actuações de grande qualidade artística,  que ao facto não será alheio a sua galvanizante presença em palco, onde no papel de mãe de Branca, fez jus a uma brilhante interpretação feita de engenho e arte, num apelo muito forte ao estado de alma que apenas advém de uma genuina artista de teatro.
                Mãe de Branca era, como dizia Alberto, um “velho coiro” que incentivava a sua filha a uma relação amorosa com o dr. Jorge, de forma a tirar dividendos financeiros de tal situação.
                O bom e o bonito foi o aparecimento de Margarida, esposa do dr. Jorge e autêntica figura mistério, com acção apenas na parte final da história. Revelou a todos, e especialmente ao seu marido, que afinal de contas sabia de tudo, sofrendo no silêncio e na ânsia de recuperar só para si o dr. Jorge. Acabou por interferir também no labirinto de desencanto que levou à morte de Branca. Paula Simões, num menor tempo de actuação, provou com Margarida não deixar créditos por mãos alheias e chegar aos níveis altos dos seus colegas.
                Luísa Rosmaninho (Branca), que excelentes momentos nos proporcionou, mais um grande exemplo de que não é só preciso saber-se fazer teatro, isto no que concerne puramente aos aspectos técnicos de representação, mas também sentir o teatro, e se assim se pode dizer, com a sensibilidade do coração, numa aproximação de como quase fosse uma situação real.
Procurou dentro de si as suas qualidades inatas, que não se compram, não se vendem, não se aprendem, mas apenas teremos que lhes dar espaço para se revelarem. Luísa Rosmaninho é sem dúvida um nome a fixar.
Em tempos de tão badalada crise teatral, em boa hora organizou e apoiou o Lions Clube da Figueira da Foz estas jornadas de teatro amador, e se crise existe, então digo eu com toda a certeza, de que afinal não é geral e Tavarede é mais um bom exemplo e como o teatro no concelho da Figueira da Foz está forte e vivo e, sinceramente, recomenda-se.

2002.06.20     -     TAVAREDE EVOCOU GIL VICENTE PELAS RUAS (A VOZ DA FIGUEIRA)

                ... Na actividade da Sociedade de Instrução Tavaredense patenteia-se o culto do fundador do teatro em Portugal e revela-se o propósito de levar Gil Vicente ao povo, mostrando-o vivo, através das suas obras, sobre tábuas do palco...
                E assim foi. Tavarede é como que uma “ilustre e idosa senhora” que honra e sempre honrou com engenho e arte o culto da representação teatral. O teatro saiu à rua, de alegria estampada no rosto o povo apinhava-se nos recantos sombrios da povoação, a ansiedade sentia-se em cada gesto, o ambiente estava magnificamente ajustado a um pretendido regresso ao passado, as melodias impulsionavam o som de uma sublime flauta encantada, tão típica e marcante da época.
                Os batimentos melodiosos do sino da Igreja de Tavarede despertou Gil Vicente, o povo agitou-se e estava disposto a participar e foliar com sátira vicentina. Em dia quente escaldante, a corte desfilava altaneira as vestes pesadas do tempo, a beleza de luz e brilho de lantejoulas suportadas por artesanais desenhos de purpurina, que nos enchiam a alma e refrescavam os olhos.
                O bôbo da corte saltitava em animação estonteante, em círculos endiabrados e provocatórios, como que aferindo em cada um de nós um potencial e objectivo “réu” de barrete enfiado à sátira de Gil Vicente. O culto vicentino estava agora vivo e bem vivo e pronto para a abertura às eventuais hostilidades satíricas, um palco no meio de um riacho ou recanto escolhido para o “navegar” da dita “Barca do Inferno”.
                Fernando Romeiro era a imagem de um Satanás genuíno, de gargalhadas sonoras e movimentos maquiavélicos, aliciava e justificava passageiros para a sua barca, de diversos extractos sociais e múltiplas artes e ofícios. À sucessão de “Todo o mundo e ninguém”, iniciava-se a caminhada para o Largo de Maria Amália de Carvalho, defronte a um pequenito jardim, como tanto era do agrado de Gil Vicente, assistiu-se ao “Pranto de Maria Parda”, transformado num grande momento de teatro.
                Brilhou uma estrela, feita do povo, e com um dom que Deus lhe deu, e escusado será, que determinados intelectuais do teatro possam pensar que em algum momento deixarei de realçar e individualizar tudo aquilo que me arrepie o coração e estremeça os sentidos.
                Deixe que em primeiro lugar Otília Cordeiro, bem ao estilo medieval, lhe faça uma vénia por uma caracterização e Maria Parda feita de sensibilidade e minúcia e que tanto ajudaram ao êxito de Ilda Simões. Ilda Simões, repito. Encantou tudo e todos, deu espaço ao seu grande talento expressou com uma garra impressionante sentimentos de uma mulher perdida, satirizou, exagerou o quanto baste na procura do culto vicentino, que o diga Simões Baltazar, que ao seu espaço temporal de entrada em acção, no papel de Martim Alho, sorria ao bom sorrir com a performance entusiasmante da sua colega de cena, quase mesmo hipotecando o brilho da sua própria intervenção. Com a “Farsa de Inês Pereira” revelou-se acima de tudo a grande escola de teatro da SIT, onde Cátia, José Pereira e Emanuel Cardoso são a constatação viva de um futuro assegurado para a arte de representação.
                Do majestoso palácio de Tavarede, o regresso de novo à SIT, onde com o “Monólogo do Vaqueiro”, por mais uma vez, João José soube com mestria interpretar sentimentos distintos de expressão séria e momentos divertidos, num deambular artístico de assinalável mérito. Caíu a noite, na sala de teatro da SIT. Subiu ao palco, na íntegra, “O velho da horta”.
                O professor doutor José Bernardes, convidado especial para as comemorações, fez uma palestra muito interessante, deixando aos presentes indicativos preciosos de como interpretar um autor tão abrangente e complexo como Gil Vicente. Ficaram lamentos de que os 500 anos de teatro em Portugal não sejam motivo de comemorações mais dignas de âmbito nacional e elogiou a SIT por se revelar uma “pedrada no charco” no respeito por tal efeméride.
                Ao momento solene de entrada do Rei D. Manuel na sala e acomodamento nas cadeiras reais, fez-se escuro que nem breu, subiu o palco e lá estava o velho da horta no seu jardim, apaixonado e ao mesmo tempo enganado por si próprio, por um amor inantingivel onde a irreverência da juventude venceu a velhice inconformada. Um jardim verdejante e colorido, onde marcou pontos o magnífico jogo de luzes, que deu um ambiente de cena distinto e com atributos de bom gosto.
                O elenco foi como fechar com chave de ouro, como a fina flor, que divertiu e arrancou gargalhadas e, por fim, fortes aplausos de uma assistência que enchia quase por completo a sala
                O “velho” da horta era Rogério Neves. Senhor de um grande à-vontade no palco, deliciou e divertiu a plateia com momentos de expressão artística ímpares para o dito meio amador. Soube ser rigoroso consigo próprio, porque afinal de contas, não deve ser fácil exibir uma curvatura na coluna durante todo o espectáculo, que não lhe é peculiar na vida real. Por ali haverá, decerto, também o “dedo” de uma encenação cuidada.
                Uma jornada inesquecível, mais uma página escrita no já valioso património cultural da Sociedade de Instrução Tavaredense. Quanto a Gil Vicente, o agradecimento por continuar, 500 anos depois, mais vivo do que nunca.

2002.06.27     -     GIL VICENTE PELAS RUAS DE TAVAREDE (O DEVER)

                Misturam-se tradição, talento e trabalho agitam-se, em Tavarede, e obtém-se Teatro de Amadores Atentos, que gostaríamos de designar por Teatro de Amantes, com elevado nível. Digamos que essa miscelânea – ou liga, para os mais exigentes – não é nova, mas como, desta vez, foi agitada ao ar livre deu, no passado sábado, 15/6, Teatro Vicentino nas ruas da terra do limonete, com palestra, a propósito, e reconfortante serão para o ferido ânimo desportivo lusitano.
                Isto aconteceu porque os elementos do Grupo Cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT) atentos como são, fizeram parar o trânsito e comemoraram o V Centenário da 1ª Representação Vicentina, o que se aceita ser o nascimento do Teatro em Portugal.
                Desta vez as pupilas e os pupilos (parece-nos justíssima a prioridade) de Mestre José Ribeiro – já ausente, mas sempre presente – fizeram com que, em boa hora, a obra de Gil Vicente, o pai do Teatro Português, andasse pelas ruas mais antigas da freguesia.
                As e os tavaredenses trouxeram para a rua o Teatro e fizeram apresentações nos largos, não muito largos diga-se, da urbe perante muita assistência e numa linguagem teatral, com laivos dum arcaico português, que conseguiu fixar a atenção de todos mesmo com a irreverência do feminino bobo da corte que por lá andava.
                Não é nossa pretensão escalpelizar aqui tudo o que vimos, mas não queremos deixar de referir a felicidade da escolha de locais como: o ribeiro de Tavarede onde estava o Demo e a sua Barca; a zona fronteira ao pequeno jardim onde uma Maria Parda, com uma incrível caracterização, teve espaço para se expandir; a proximidade do Paço de Tavarede, dando, simbolicamente, à Violinda Medina possibilidades de assistir ao que lá se representou, porque ali é lembrada com o nome numa placa e pôde “ver” actuar o futuro do teatro tavaredense; e no local mais adequado, em frente do busto do Mesre – Alma Mater do Teatro em Tavarede – onde se concluíu o teatro de rua, com a representação do “Monólogo do Vaqueiro” perante a “comitiva real” em que a presidente era a rainha.
                À noite, as comemorações concluiram-se, no salão da SIT, com uma excelente palestra pelo Dr. José Bernardes, a que se seguiu mais uma peça vicentina “O Velho da Horta”, numa cena simples mas apropriada, representada com gosto e com o nível habitual naquela casa. E tudo aconteceu graças ao trabalho, ao empenho, de mais de trinta pessoas, algumas pouco visíveis, como, por exemplo, quem dirigiu, coordenou e supervisou o acontecimento, que foram ELAS, as senhoras da SIT.
                Viveu-se, uma vez mais, Teatro em Tavarede, mas desta vez Gil Vicente até fez parar  trânsito.
                E nós por aqui paramos, depois de agradecermos uns rissóis que por lá comemos em companhia da “Companhia de Teatro do Condado de Tavarede” onde reinam os Medinas, mas não só.

2002.06.28     -    GIL VICENTE NAS RUAS DE TAVAREDE (O FIGUEIRENSE)

                Gil Vicente, tal como Shakespeare e tantos outros barões assinalados do Teatro, esteve no palco da Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT) mais do que uma vez (a primeira foi em 28 de Dezembro de 1946).
                Porém, neste ano em que se comemoram os 500 anos da 1ª representação vicentina, que o mesmo é dizer, do nascimento do Teatro em Portugal, era lógico que a SIT (que sempre teve como objectivo a educação pelo Teatro), não ficasse de braços cruzados. Com efeito, após as representações de Janeiro, pelo aniversário, presenteou-nos agora com alguns dos autos de Gil Vicente.
                Desta vez pôs-se de lado a habitual representação em palco e optou-se pelo exterior, como se se pretendesse ainda uma maior aproximação do povo da Terra do Limonete. Dir-se-ia que Gil Vicente, em vez de aparecer em palco, como em 1946, a dizer
                                               Boa noite, amigos meus!
                                               Ih! Tanta cara espantada a olhar-me, Santo Deus!
foi por ali abaixo, numa romagem de saudade, aos sítios onde viveram tantos dos seus amigos que, não só em Tavarede, mas também noutras localidades do concelho e do país, divulgaram a sua mensagem num falar “rude, franco e leal”.
                A primeira paragem para apresentação de “O Velho da Horta”, foi no Largo de Santo Aleixo, a dois passos da casa onde viveu José Luís do Nascimento (que em Janeiro de 1984 foi o sapateiro no Auto da Barca do Inferno). A segunda representação, “Todo o mundo e ninguém” e o “Auto da Barca do Inferno”, foi por cima do ribeiro, ao lado da igreja, num feliz enquadramento, perto da casa onde viveu João de Oliveira Júnior (no auto já referido, era o diabo). A terceira representação, foi a do “Auto de Mofina Mendes”, junto ao Jardim, bem perto das casas onde viveram Lurdes Lontro (que ainda na peça referida, foi Brísida Vaz, a alcoviteira) e José Ribeiro. Por feliz coincidência, tivemos em “palco” a directora actual do grupo cénico, drª Ilda Simões, que com o nível da sua actuação, prestou uma excelente homenagem ao histórico director do Grupo de Teatro. Em frente do Palácio dos Condes de Tavarede, representou-se a Farsa de Inês Pereira, frente à casa onde viveu António Jorge da Silva (que em 28 de Janeiro de 1946, foi um dos pastores do “Auto de Mofina Mendes”). A última representação, “Monólogo do Vaqueiro”, foi em frente à SIT, junto ao busto de José Ribeiro, e da casa onde viveu José Vigário (um dos pastores no auto representado em 1946).
                Será difícil passar em qualquer local de Tavarede, onde não viva ou tenha vivido algum actor da SIT, tal tem sido a sua actividade teatral. Os resultados saltam aos olhos de qualquer pessoa: os tavaredenses evidenciam-se pela afabilidade com que nos recebem e pela riqueza vocabular e correcção do seu falar.
                ... Foi ideia do Zé Manel – Esta foi a resposta que me deu a directora do Grupo de Teatro quando elogiei a localização do Auto da Barca do Inferno.
                Penso que esta resposta traduz uma abertura de espírito muito pouco vulgar nesta nossa democracia, que terá alguma coisa a ver com o elevado número de pessoas dispostas a participar não só no grupo cénico como nos outros muitos trabalhos feitos na “sombra” e que permitem a exibição de peças diferentes com pouco intervalo entre elas e apresentar um espectáculo disperso por 5 “palcos”, na via pública.
                Há quase 470 anos (completam-se no dia 11 de Julho próximo?), mestre Gil Vicente proclamava:
                                                                              Que ninguém busca consciência
                                                                              E todo o mundo dinheiro.
                Actualmente parece não se enxergarem quaisquer melhoras em relação ao tempo de Gil Vicente. Vivemos numa sociedade em que o consumismo campeia, provocando o endeusamento do dinheiro, perante o qual as pessoas capitulam, renegando a honra, palavra praticamente expulsa do nosso vocabulário. O egoísmo é cada vez maior e vai sendo ensinado aos jovens.
                Contudo, ainda é possível encontrar pessoas como estas com quem cruzamos na SIT, que dispõem dos seus tempos livres para fazer algo que lhes dá prazer espiritual especialmente ao saberem que estão a dar um contributo válido para melhorar o nível cultural e espiritual da sociedade de que fazem parte.
                É um exemplo reconfortante e estimulante para aqueles que não desistem da luta por um mundo melhor.
                Embora, infelizmente, as palavras de Gil Vicente continuem actuais, há que dar as mãos e não esquecer os versos que Manuel Alegre escreveu, na noite salazarenta:
 Mesmo na noite mais triste
Em  tempo de servidão
Há sempre alguém que resiste
Há sempre alguém que diz não.

sábado, 17 de novembro de 2012

Teatro da S.I.T. - Notas e Críticas - 54


2001.01.26     -     SOCIEDADE DE INSTRUÇÃO TAVAREDENSE (O FIGUEIRENSE)

                Foi em 15 de Janeiro de 1904 que Tavarede viu nascer no seu seio a Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT).
                Tavarede, uma freguesia rural cuja população vivia exclusivamente da agricultura, onde os “cavadores” trabalhavam a terra de sol-a-sol, não havia tempo para a cultura e muito menos para a instrução. Tal facto levou a que um punhado de tavaredenses fundasse a SIT, cuja principal acção seria a criação duma escola onde os tavaredenses pudessem aprender a ler depois das tarefas da lavra.
                Poucos anos após a sua fundação, já se falava de teatro e foi de tal ordem o amor pela “arte de Talma” que ainda hoje, volvidos 97 anos, é o teatro a principal razão da existência da colectividade.
                Não se pode falar da SIT sem mencionar o nome de mestre José da Silva Ribeiro. Se a SIT hoje é o que é muito deve a mestre José Ribeiro que dedicou toda a sua vida ao teatro e soube incutir essa paixão aos tavaredenses, que ainda hoje sentem o orgulho pela sua SIT ser considerada a “catedral do teatro amador”.
                Várias gerações têm passado por aquela colectividade, todavia o exemplo daquelas que ao longo dos anos escreveram páginas brilhantes, de um historial que é orgulho dos tavaredenses, continua a ser seguido religiosamente por quem hoje dirige a agremiação.
                Há cerca de quatro anos, uma grave crise de dirigismo na SIT levou a que um grupo de jovens mulheres assumisse a liderança da colectividade. Na altura a notícia foi comentada quase a nível nacional, pois não havia memória de tal situação ter acontecido em território nacional. Daí para cá tem sido uma luta constante, o modelo tem persistido e na passada semana realizou-se a assembleia geral da SIT e mais uma vez fica a pertencer às mulheres a condução dos destinos da casa.
                Rosa Paz, uma jovem tavaredense, assumiu desde a primeira hora o modelo directivo da SIT. A massa associativa na última assembleia geral elegeu-a para presidir aos destinos da colectividade. Licenciada em Direito, Rosa Paz divide o seu tempo entre o escritório de advocacia, a sala de direcção e o palco da SIT, já que é também amadora teatral.
                Foi com Rosa Paz que O Figueirense conversou, tomando nota daquilo que ultimamente tem sido feito, bem como as perspectivas que se colocam no futuro, numa altura em que já se pensa nas comemorações do primeiro centenário.
                Eis as perguntas e respostas:
                Como vai a SIT?
                Dentro do possível vai bem. Tudo o que se faz nesta casa tem sempre a ver com o teatro. Consideramos que é a principal actividade da SIT. No dia que o teatro acabar, dá-me ideia que a razão de ser da SIT deixa de existir.
                Isso quer dizer que o teatro absorve a SIT na totalidade?
                Não é bem isso. Tentamos levar à prática várias actividades de acordo com as pretensões dos nossos associados. Todavia, o teatro constitui sempre prioridade. Nestes dois últimos anos definimos três obras prioritárias: as obras de remodelação do nosso bar, tendo em conta que o mesmo seja convidativo para que os nossos associados se sintam bem e venham com assiduidade à colectividade. Uma outra obra que iniciámos foi a construção de uma “régie” de forma a poder responder a algumas insuficiências no aspecto da montagem de peças de teatro. Finalmente a remodelação da instalação eléctrica. Esta última obra muito cara, obrigatoriamente tinha de ser feita até por questões de segurança, levando-nos a ter de fazer arranjos em termos da nossa sala de espectáculos e camarins.
                Deduzo que as obras encerraram um ciclo de investimento...
                As obras que enumerei representam um ciclo de prioridades, mas não ficaram por aqui os investimentos. Todos os anos temos levado à cena novas peças de teatro. Para quem está por dentro da situação a montagem de uma peça hoje é caríssima e nós não fazemos teatro para rentabilizar as finanças da colectividade. Pensamos que o teatro é uma função cultural e quando montamos as peças e as representamos não estamos a pensar que lucros eventualmente apuraremos. Quero dizer com isto que no nosso plano de investimentos tivemos de adquirir alguns equipamentos que permitam uma maior rentabilidde, de forma a que a montagem das peças saia mais barata e possamos ter em linha de conta melhores espectáculos. Refiro-me a equipamentos de luz e som.
                Digamos que em termos de mandato anterior está tudo falado?
                Quase tudo, mas ainda há algo que queria dizer. Em 1999, sob a direcção de Ilda Simões, quisemos homenagear um grande escritor português que é Bernardo Santareno, e levámos à cena a peça “O Pecado de João Agonia”. Foi um êxito de que muito nos orgulhamos. Por um lado a crítica foi unânime ao apoiar o nosso trabalho, todavia foi importante todo um conjunto de solicitações para representarmos a peça nos mais diversos locais, e acabámos por não aceder a muitas das solicitações, já que tinhamos necessidade de preparar outros trabalhos. Também procurámos ser gratos a quem tem dedicado a sua vida ao teatro e assim homenageámos em 1999 dois amadores da SIT que fizeram 50 anos de palco, José Luís Nascimento e a nossa muito saudosa Lourdes Lontro, que faleceu na véspera de um espectáculo.
                Ainda como ponto de referência, fomos os representantes do movimento associativo concelhio junto da Comissão de Protecção de Menores.
                Escola de Teatro: uma realidade – Foi no último sábado que se realizou a assembleia geral da SIT. Rosa Paz e seus pares foram reconduzidas para mais um mandato. Curiosamente, nas eleições da colectividade tavaredense não é necessário campanha eleitoral, já que a preocupação dos associados vem no sentido de saber “se as meninas continuam”.
                Quais os grandes objectivos para 2001?
                Nos últimos tempos tem sido uma preocupação constante a formação teatral. Para tanto, é uma necessidade premente a constituição de uma escola. Demos os primeiros passos no ano anterior e a escola de formação é já uma realidade através de um protocolo existente entre a delegação regional da Cultura do Centro, o Grupo de Teatro Profissional “A Escola da Noite” e a SIT, projecto denominado “Centro dos Amadores de Teatro”.
                Tem havido boa receptividde da delegação regional da Cultura aos vossos projectos?
                Mantemos com a delegada óptimas relações. Temos o cuidado de a convidar de forma a que possa assistir à nossa actividade cultural. Por outro lado, é um facto que nos apraz registar o reconhecimento do nosso trabalho e a confiança que em nós é depositada. Recentemente concorremos num universo de 115 colectividades para sermos considerados como pólo receptor e gestor de equipamentos teatrais. Fomos uma das quatro colectividades contempladas, e a partir daí partilhamos a nossa acção com sete colectividades concelhias.
                Que tipo de colaboração existe entre a SIT e outras colectividades?
                A colaboração normal entre colectividades. Recentemente realizou-se o fórum das colectividades e desde logo para além da nossa participação cedemos as nossas instalações. O nosso pavilhão desportivo tem sido cedido às mais diversas organizações, quer culturais quer desportivas. Em termos de teatro temos dado apoio a diversos grupos que a nós recorrem, desde a cedência de instalações, cenários e guarda-roupa.
                Para além do teatro que outro tipo de actividade existe na SIT?
                Ao longo do ano realizámos vários espectáculos culturais e outros de entretenimento para os nossos associados. Procuramos manter tradições muito antigas nesta casa, como os concursos de pesca de mar e rio, os campeonatos de sueca e a “Serração da Velha”.
                Tchekov aos 97 anos – A SIT comemora os seus 97 anos de existência durante o mês de Janeiro. Faz parte da tradição da colectividade a realização de uma récita teatral, inserida nas comemorações. Assim este ano, para não fugir à tradição, os amadores da SIT fazem subir à cena quatro peças.
                Quais são as peças preparadas para este aniversário?
                Julgo que pela primeira vez estamos em condições de representar quatro peças praticamente em simultâneo. Juntamente com Ilda Simões fizemos uma escolha criteriosa de autores e decidimos que este ano seria de Tchekov, um escritor nunca antes representado em Tavarede. “Um Pedido de Casamento”, “O Urso” e o “Canto do Cisne” são as peças que representaremos nos dias 27 e 28 do corrente. Para além destas, também queremos homenagear um grande autor português, José Régio, já que este ano se comemora o primeiro centenário do seu nascimento, pelo que também levaremos à cena a peça “O Meu Caso”.
                Como conclusão final, com que apoios conta a SIT para toda esta actividade?
                Temos a convicção que as entidades oficiais nos deveriam ajudar muito mais do que têm feito até aqui. De qualquer forma, temos tido ajudas. Todavia, temos o cuidado de apresentar os nossos projectos devidamente fundamentados e com  descrição das necessidades prementes para os levar a efeito. Nesta base, aguardamos o veredicto das entidades a quem recorremos e vamos realizando-os conforme as nossas possibilidades e as ajudamos de que dispomos.
                A SIT tem de momento cerca de 700 sócios que contribuem com uma quotização anual da ordem dos 600 contos. Esta importância não dá por vezes para pagar o aluguer de um guarda-roupa para uma peça de teatro. Daí seria fácil ter uma colectividade aberta para funcionamento de um bar e se ocupar o tempo com jogos de cartas e dominó, como muitas outras que conhecemos. Não foi para isso que foi fundada a SIT. Consideramo-nos uma casa de cultura para fazer cultura. Só assim tem razão a nossa existência. No dia em que não nos for possível cumprir a tradição e a memória dos antepassados que fizeram a história desta colectividade, outra alternativa não nos resta do que fecharmos a porta.
                Estamos à beira de comemorar o nosso primeiro centenário, faltam três anos, mas já pensamos na constituição de uma comissão organizadora.
                Comemorações do 97º aniversário – As comemorações dos 97 anos da SIT tiveram o seu início no passado dia 15 com a realização de um jantar convívio.
                No último sábado realizou-se a assembleia geral, com as eleições para os corpos sociais relativos ao ano de 2001. A mesma noite, na SIT, foi preenchida com uma sessão dedicada ao fado de Coimbra, tendo actuado o Grupo “Saudade Coimbrã”.
                Momento alto das comemorações acontece este fim de semana. Assim, na noite de 27, pelas 21,45 horas, realiza-se um espectáculo de teatro pelo grupo cénico da SIT, com a apresentação de duas comédias de Tchekov: “Um Pedido de Casamento” e “O Urso”.
                No dia imediato, realiza-se a partir das 16 horas a tradicional sessão solene tendo como orador principal João Manuel Pedrosa Russo. No decorrer da sessão será apresentada a peça “O Canto do Cisne”.
                O teatro volta novamente à cena no dia 3 de Fevereiro, pelas 21,45, homenageando José Régio nas comemorações do primeiro centenário do seu nascimento, com a apresentação da peça “O Meu Caso”, estando ainda inserido no programa um recital de poesia e uma palestra sobre o escritor.

2001.02.08     -     DOIS BONS MOMENTOS DE TEATRO NA SIT (A LINHA DO OESTE)

                A SIT levou à cena no passado dia 27 duas peças de Anton Tchekov, dramaturgo russo e impulsionador do chamado “realismo psicológico”, que faleceu já no início deste século.
                As peças, “Um pedido de Casamento” e “O Urso” integraram-se na comemoração dos 97 anos daquela colectividade. Com estas peças e mercê de um trabalho que se denota apaixonado e sério, a SIT está de novo a conquistar público, uma vez que a sala estava completamente cheia.
                Trata-se de duas comédias ligeiras, de costumes, que pedem tratamento naturalista quer na encenação, quer nos adereços e cenários. Este tipo de teatro vive essencialmente do bom desempenho dos actores e aqui os dois espectáculos contaram, no caso do “Pedido de Casamento”, com duas excelentes interpretações rubricadas por Rogério Neves e por Fernando Romeiro, este último, bastante seguro e mostrando ser um actor com escola; Já no “O Urso” estiveram em bom plano Ilda Simões e José Medina, não desmerecendo o discreto António Barbosa, num papel que parece fácil mas que, na realidade, não o é.
                A encenação consegue manter um ritmo adequado ao desenrolar da acção, sem quebras e prestável à atenção do público. Talvez, e tratando-se de teatro realista, uma ou outra articulação não estivesse bem, tal como o cenário de “O Urso”. Nesta matéria seria bom que a SIT deixasse de utilizar os “velhos” cenários que funcionam como uma parede no espaço cénico e partisse para novos moldes mais consentâneos com o teatro moderno.
                Uma nota para os folhetos de apresentação: simples, directos e informativos para o grande público.

2001.02.15     -     TCHEKOV NO ÊXITO DAS PEÇAS QUE ENCERRAM ANIVERSÁRIO (O DEVER)

                Com os olhos já voltados para o Centenário (2004) e o Teatro a constituir o prato forte da colectividade – quatro peças -, encerrou a Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT) as comemorações do seu 97º aniversário com honras de casa cheia na representação das peças do russo Anton Tchekov “Um pedido de casamento” e “O urso”, no dia 10 de Fevereiro.
                Tavarede soube, assim, uma vez mais, mostrar que o teatro ali “pegou de estaca”, a escola de Mestre José Ribeiro continua viva e a coabitar com as novas experiências postas em prática na “Escola de Teatro” dirigida por professores de Coimbra e cuja influência já foi notória com maior incidência na peça de José Régio “O meu caso”.
                Com a particularidade comum de envolverem poucos personagens, as duas peças representadas tinham como núcleo dos conflitos o mesmo temperamento forte das personagens, o convencionalismo cerimonioso e ridículo e o orgulho “pequeno-burguês”, e até o resultado feliz dos enredos.
                Com Fernando Romeiro (o pretendente à mão de Natália) entregue a um papel delicado pelas mutações de comportamento que “Um pedido de casamento” lhe exigira – cerimonioso no pedido de casamento, exaltadamente agressivo na defesa do património e reputação do seu cão – e que ele desempenhou com grande brilho ao “seguro” stepan (Rogério Neves) naquele vai-vem de situações a exigirem “camaliónica” presença a que soube responder com nível artístico fruto de muitas actuações, também a noiva Natália (Rosa Paz) teve o talento para passar daquela personalidade orgulhosa de ofendida à candura de uma aproximação que a mãe (Manuela Mendes) soube acompanhar com a segurança própria de quem tem “escola”.
                Merecidas, pois, as muitas palmas dispensadas aos “artistas”.
                “O urso”, a segunda peça de Tchekov a subir à cena, apostando na irredutibilidade Grigori (José Medina) e dupla personalidade de Popova (Ilda Simões), dois papéis de charneira do enredo só ao alcance de actores com grande experiência de palco, proporcionou àqueles dois actores amadores(!) duas brilhantes actuações a que o criado Luka (António Barbosa) emprestou uma participação de muito mérito.
                Mais uma vez um final feliz a contrastar com um percurso impetuoso que meteu “duelo”, “O urso” provou como é difícil a solidão resistir a uma promessa de felicidade a dois.
                E como remate da apresentação destas duas peças, dois êxitos a juntar ao das outras duas representadas nas comemorações de aniversário, muitas foram as palmas que fizeram voltar por diversas vezes ao palco os actores para aplaudir todos aqueles que deram vida a estas peças.
                Não há dúvida que Tavarede continua a ser a catedral do Teatro Amador da nossa região.

2001.03.01     -     DUAS PEÇAS NA SIT (A LINHA DO OESTE)

                A SIT apresentou, recentemente, as peças “O meu caso” de José Régio e “O Canto do Cisne” de Anton Tchekov.
                O “Canto do Cisne”, com encenação de Ilda Simões coloca em cena dois personagens, Vassili Vassilievitch (João Medina) e Nikita Ivanitch (Manuel Lontro) na qual um deles, Vassili, sente chegado o fim da sua carreira e relembra o seu passado de entrega ao palco. Curiosamente, o texto de Tchekov é quase uma remake dramática da vida do próprio João Medina, que tem a mesma idade que o personagem, mas certamente mais de 45 anos de teatro.
                Medina revela mais uma vez ser um actor de valor e a contra-cena com Manuel Lontro chega a ser comovente, pois a saga dos personagens confunde-se com a dos actores. Mau grado alguma dicção pouco marcada e com dificuldades de entendimento para a sala, os gestos, a inquietação, a dor e as emoções do personagem Vassili transferem-se para o público com facilidade.
                Em “O meu caso”, de José Régio, a situação é contrária. Valdemar Cruz tem dificuldade em ser credível dando pouca autenticidade ao personagem. A peça, que tem falhas de ritmo, conta com duas soberbas interpretações: uma inexcedível Paula Simões, que faz o papel de uma actriz fútil e vazia, vivendo da sua vaidade e narcisismo e uma Maria da Conceição Mota, segura, rítmica, convincente no seu papel de “autora”. Boa nota para o conjunto e para a “coragem” estética da encenadora.

Quadros - Os Senhores de Tavarede - 30 (fim)


Para melhorar a administração de Tavarede e do lugar da Figueira, o infante D. Pedro determina, em 1362, que o cabido da Sé e a cidade de Coimbra nomeiem os funcionários e os tabeliões, para benefício da dita Sé. E é Tavarede que estará na origem da progressiva autonomização administrativa da Figueira da Foz.

            Em 1522, piratas atacam e saqueiam a costa da Figueira e de Buarcos. D. João III nomeia para feitos da alfândega de Buarcos e juiz das sisas de Tavarede o cavaleito da sua Casa Real – António Fernandes de Quadros, que recebe igualmente o senhorio de Tavarede.

            A família deste fidalgo, senhor da Casa de Buarcos e de Vila Verde, filho do espanhol Alonso de Quadros, família poderosa que já servira o infante D. Pedrto, dispunha de importantes relações na corte. Entre os vários serviços prestados contavam-se a ordenação, limpeza, secagem e regularização das valas, lezírias e paúis do reino, sendo provedor de tais trabalhos André de Quadros, seu primo co-irmão, e ambos comendadores da Ordem de Cristo. Senhor de Tavarede, casa com Genebra de Azevedo, detentora de importantes bens patrimoniais nesta região, pelo que amplia o senhorio recebido, o qual englobava vários outros domínios e a posse das lezírias vagas de Buarcos e Vila Verde, sendo-lhe atribuído brasão, por carta de cotta d’armas, a 1 de Agosto de 1541. Os Quadros organizaram na região um vasto domínio senhorial, passando aí a viver num paço, de que hoje já só restam as janelas manuelinas (uma das quais no museu municipal da Figueira da Foz) e uma torre, ao mesmo tempo que exerciam o seu poder despoticamente. Dominando a câmara local, não respeitavam a jurisdição do cabido, do que resultou uma longa guerra política de direitos e relações de força entre ambas as partes, que teve início entre 1530 e 1535. O primeiro litígio circunscrevia-se a laudémios em dívida, reclamados muito justamente pelo cabido. Em 1544, Lopes de Quadros (Fernão Gomes de Quadros, filho e herdeiro de António Fernandes de Quadros) pressiona as populações de Tavarede e Figueira para que usem o seu forno de cozer o pão, levantando um protesto do cabido por esta ingerência. Mais tarde, o juiz do tribunal cível de Coimbra profere sentença contra os Quadros por estes fugirem aos pagamentos dos terradegos devidos ao cabido, na qualidade de donatário do couto de Tavarede. Os Quadros consideravam como seus direitos de administrar, comprar ou vender propriedades sem consultar ou pagar quaisquer impostos ao cabido. Como este se achava no seu direito ancestral de os colectar, iniciou a interposição de uma longa série de processos judiciais, alguns dos quais desfavoráveis, esquecendo, por vezes, o seu carácter de instituição com jurisdição cível. Na sequência de várias sentenças, recorreu infrutiferamente ao tribunal de Braga como tentativa suprema de dirimir este conflito em seu favor.

            Em 1630, após novo ataque corsário, Fernão Gomes de Quadros escreve ao rei, relatando-lhe a fuga dos habitantes de Buarcos para a Figueira, por falta de artilharia e artilheiros para a consequente defesa da costa. Com a Restauração, D. João IV lembra a Fernão Gomes de Quadros para não descurar a defesa dos lugares a ele afectos, especialmente a costa da vila de Buarcos, determinando-se, em 1642, a sua subordinação ao capitão-mor de Coimbra, vindo a ser nomeado, em 1646, por alvará régio, capitão-mor da costa do mar da vila de Buarcos e seu distrito.

            Esta querela entre as duas partes assiste, em 1759, ao pedido da transferência da Câmara de Tavarede para a Figueira pelo cabido, sonegando-a à influência dos Quadros, e permitindo-lhe retomar a administração da Figueira. Os Quadros opuseram-se, pelo que o pedido não foi atendido. Toda esta situação conduziu ao abandono das terras por rendeiros e foreiros e ao despovoamento de Tavarede, formando-se novos núcleos populacionais, cujo desenvolvimento irá lesar ambas as forças em litígio. O progressivo crescimento da Figueira da Foz, com o implícito beneplácito do cabido, acelera o projecto de separação administrativa e jurisdicional, agora com o parecer favorável da Administração Pública. O processo da transferência da Câmara de Tavarede para a Figueira da Foz consuma-se, de facto, no ano de 1770, dado o superior número de vereadores pela Figueira em relação aos de Tavarede. O cabido, que tudo fizera para derrotar o poderio dos Quadros, viu-se relegado para o entretanto despovoado couto de Tavarede. Elevada à categoria de vila com a designação de Figueira da Foz do Mondego, no dia 12 de Março de 1771, por decreto de D. José I, tinha por distrito os coutos de Maiorca, Alhadas, Quiaios, Tavarede, Lavos, as vilas de Buarcos e Redondos (entretanto unidas e em plena fase de retrocesso económico e demográfico), bem como os concelhos situados a sul do rio de Carnide ou do Louriçal, junto ao Moinho do Almoxarife, pertencentes ao distrito de Montemor-o-Velho. A esta elevação não é estranha a unificação, ao longo do século XVIII, dos diversos casais que circundavam o núcleo base da Figueira (Paço, Abadias, Vale de Lamas…), formando uma só povoação com 360 moradores, nem a acção e conveniência pessoais do Dr. José de Seabra da Silva, donatário da Quinta do Canal e grande amigo do marquês de Pombal, o qual lhe proporcionara importantes doações régias de bens confiscados à Companhia de Jesus situados nas imediações da Figueira. É criado o lugar de juiz-de-fora com jurisdição desanexada do distrito de Montemor-o-Velho, no qual é provido o Dr. Bento José da Silva, patrício e amigo de José Seabra da Silva. ………(Esta nota foi retirada do livro CIDADES E VILAS DE PORTUGAL, da autoria de José Pedro de Aboim Borges, edição Editorial Presença)

            Sei que me estou a repetir, nalgumas coisas, com a transcrição acima, mas entendo que todos os esclarecimentos nunca são demais. E a nota tem coisas interessantes, na minha opinião.

            Muito, mesmo muito, haveria a contar sobre a família QUADROS. Mas, quando iniciei este caderno, tive a intenção de só descrever as vidas daqueles que foram considerados ‘Senhores de Tavarede’. Claro que há algumas excepções, mas poucas. Só procurei transcrever o necessário para se ficar a conhecer a história dos fidalgos que, durante séculos, dominaram e oprimiram, na sua grande maioria, o pobre povo, que teve de suportar os seus abusos e insolências. Creio que o que fica escrito é o suficiente.

            E não quero deixar de referir, uma vez mais, que a grande maioria do escrito não tem a minha autoria, pois limitei-me o copiar o que entendi dos diversos trabalhos existentes sobre o tema. Procurei, ao longo do texto, referir a origem. Quero, porém, aqui deixar referido alguns dos mais importantes trabalhos que utilizei, tais como: A CASA DE TAVAREDE, do Dr. Pedro Quadros Saldanha; CADERNOS E LIVROS MANUSCRITOS, do Dr. Mesquita de Figueiredo; A MUDANÇA DA CÂMARA DE TAVAREDE PARA A FIGUEIRA, do Dr. Rocha Madahil; MATERIAIS PARA A HISTÓRIA DO CONCELHO DA FIGUEIRA DA FOZ, do Dr. Santos Rocha; AS ALFÂNDEGAS – FIDALGAS FIGUEIRENSES DE OUTRORA, do Dr. José Jardim; CHÁ DE LIMONETE, de Mestre José Ribeiro. Sei que foi um abuso da minha parte, mas tenho a certeza de que serei perdoado.

            Não sei se algum dia conseguirei dar uma continuação a esta história, contando (copiando) tanta coisa que encontrei sobre familiares  dos fidalgos tavaredenses. Filhos, e não só, muitos houve que bem merecem a sua recordação.

            E vou terminar agora com mais uma transcrição. É sobre aquela velha e enorme casa que nós víamos quando, à saída de Tavarede, íamos para a escola nos Quatro Caminhos, algumas vezes atirando pedras aos inofensivos sardões que dormitavam no cimo do velho muro. Trata-se do belo poema, da autoria de Mestre José Ribeiro, que incluiu no terceiro acto do ‘Chá de Limonete’.


O Palácio - (ainda sem transpor o portão)      
   
É verdade! O Palácio tão falado
Da velha Tavarede - aqui o tens
Reduzido à ruína pelos desdéns
Dos homens e do tempo já passado...
Ai! o que eu fui, e no que estou mudado!

(Avançando dois passos e saindo o portão)

Quatro séc’los me pesam sobre os ombros!
nesses longos anos vi grandezas,
Vi ruir opulências em escombros,
 Vaidades, alegrias e tristezas...

Fui torre altaneira, medieval,
Onde o Fidalgo, senhor absoluto,
Julgando-se em poder senhor feudal,
Levou, sob’rano, um viver dissoluto.

Mudaram-me depois a minha traça,
Deram-me um pátio nobre e bons salões,
E o terceiro Conde deu-me a graça
Das agulhas, janelas, torreões...

(Transição)

Sinto na alma saudades torturantes
Dos serões e das festas ruidosas,
Com luzes, flor’s e pratas cintilantes,
Veludos, sedas, pedras preciosas...

(Pausa)

Que resta do que fui?... Ai! Triste sina
A do solar que é hoje um mutilado,
Mendigo esfarrapado, uma ruína,
- Horroroso fantasma do passado!...

 Eis o que sou. Ninguém me queira ver!
 Não existo. De mim não falem mais...
 Deixai-me assim em paz apodrecer
 No chiqueiro infecto dos currais...

 


 Chá de Limonete - 1950

Julho de 2011