sábado, 10 de novembro de 2012

Quadros - Os Senhores de Tavarede - 29


  


  
Notas finais

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            Do domínio serraceno nenhum testemunho restou, apesar de, em 717, haver notícia de a povoação (S. Julião da Foz Mondego) ter sido assolada e destruída. A reconquisra cristã, empreendida por Fernando Magno de Leão, é orientada, na zona coimbrã, pelo conde Sesnando, moçárabe natural de Tentúgal e homem de confiança do rei, mais tarde investido nos cargos de governador de Coimbra e no de toda a Terra de Santa Maria. Em 1064, conquista Coimbra aos mouros. As zonas vizinhas, em mãos destes, são abandonadas, não sem antes terem sido alvo de saques e outras atrocidades. S. Julião é exemplo desta política de terra queimada, como zona tampão de alguma eficácia, verdadeiro espaço estratégico negativo entre dois contendores. Este acontecimento encontra-se implícito num documento do século XI, que situava S. Julião como o centro do povoado que ali teria existido. Depois de normalizada a situação, o conde Sesnando incumbe, em 1080, o abade Pedro de Coimbra, de reconstruir o lugar e a Igreja.

            Em documento datado de 14 de Novembro de 1096, do Livro Preto da Sé de Coimbra, o mesmo abade doa estas suas propriedades àquela Sé, na pessoa do bispo D. Crescónio, por intenção da salvação da sua alma, como era então uso e costume, permitindo cronologicamente datar a reconstrução da igreja de S. Julião e do respectivo povoado entre os anos de 1080 e 1090. O abade Pedro viria a falecer, segundo o Obituário da Sé de Coimbra, em 1100.

            Estava este povoado da Figueira da Foz do Mondego ciente da sua importância económica (porto de mar) e geo-estratégica (acesso a Coimbra e à área económica circundante por via fluvial, bem como defesa da embocadura do rio), como se depreende de uma doação a Santa Eufémia, em 1092, onde é referida a existência de salinas na foz do Mondego, um dos principais produtos de exportação portugueses.

            O Mosteiro de Santa Cruz inicia, por esta altura, o seu domínio efectivo sobre esta região, beneficiando da acção que desenvolve junto dos monarcas e de várias doações reais. Em 1134 adquire metade da vila de Eimide. Quatro anos mais tarde compra uma herdade na Foz do Mondego a Susana Martinho. Em 1139 toma posse da carta de venda da pesqueira do porto de Eimide. D. Afonso Henriques, no seu testamento de 1143, doa-lhe a outra metade da terra de Eimide. Em 1158, nova doação real permite ampliar os coutos crúzios, com a entrega da Ínsua da Ouveiroa, ou da Morraceira, com as suas salinas. O castelo de Santa Olaia, perto de Montemor-o-Velho, é igualmente doado a Santa Cruz por Afonso Henriques, no ano de 1166, incluindo a foz do Mondego, “por onde entram os navios”. Todo o estuário, barra e baía da actual Figueira eram couto daquele mosteiro, incluindo os interesses económicos que deste domínio advinham.

            A partir desta última data, a Sé e Santa Cruz denominarão este povoado, nos seus documentos, de “Igreja de S. Julião” e “terras da Figueira”.

            A 8 de Novembro de 1191, o cabido da Sé, por vontade de D. Sancho I e de D. Dulce, recebeu o couto de Tavarede pro jure hereditário in perpetuum, isento de todo o tributo régio ou episcopal. Tavarede era o povoado mais importante daquela vasta área, nele se fixando a chefia administrativa e económica das herdades que o cabido possuía na região. Em documento de 1 de Maio de 1237, o cabido doa a Domingos Joanes o Gago, Martim Miguéis e Martim Gonçalves, povoadores do termo de S. Julião e lavradores humildes, as herdades “rotas como não rotas” do lugar da Figueira, na foz de Buarcos. Estas herdades estendiam-se até à Tamargueira e ao Paul, “incluindo as águas que para este corriam e de todo o mesmo supradito lugar por circuito como nos seus termos se cerra”, e identificavam-se, no respectivo documento, com o lugar da Figueira e demarcando a Tamargueira como limite geográfico da Figueira.

            A obrigatoriedade dos moradores de Redondos e da Póvoa da Torre em frequentar S. Julião espelha a antiguidade da Figueira.

            O papel desempenhado pela Coroa nesta área circunscrevia-se, maioritariamente, ao exercício de direitos sobre a vida económica da região. Em 1338, Afonso IV coloca a possibilidade de adquirir as penhoras de certas casas da Figueira, pelo não pagamento de dívidas entretanto contraídas pelos respectivos proprietários, que se efectiva no ano seguinte. Cinco anos depois, em 1344, o cabido doava a Tamargueira, que confrontava com Buarcos, ao homem-bom Afonso Peres. O movimento mercantil da foz de Buarcos (isenta do pagamento de direitos de portagem ou outros, bem como da dízima), através do qual se exportavam vinhos e outras mercadorias de Coimbra para outros portos portugueses, bem como para França, importando-se vasilhame e madeiras para construção naquela cidade, mostra, em 1361, a crescente importância do porto e da respectiva alfândega, que transitará para a Figueira da Foz, durante o século XVII, quando esta ultrapassa Buarcos no crescimento económico (indústrias da construção naval, do sal e da pesca) e no demográfico.

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