sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Histórias e Lendas - - 18

D. Antónia Magdalena  - 10ª. Senhora de Tavarede
 Julgada por crime de lesa-majestade

         Se folhearmos cuidadosamente os escritos existentes narrativos sobre a ilustre família Quadros, os célebres Senhores de Tavarede, encontraremos, sem dificuldade, muitos membros que se destacaram como religiosos, guerreiros, beneméritos e, até, criminosos e assassinos.
         Destacando, como exemplos, só um de cada das espécies citadas, recordamos Frei Álvaro Teles, da Congregação de S. Bernardo, confessor no convento do Lorvão, mestre de Teologia no mosteiro de Alcobaça, abade em Seiça, etc.; Manuel de Melo de Quadros, combatente que morreu em combate, em 1664, na batalha de Almeida, defendendo a independência reconquistada; António Fernandes de Quadros, o primeiro Senhor de Tavarede, que doou terrenos e dinheiro para a construção do convento de Santo António, na Figueira; Fernando Gomes de Quadros, que morreu na cadeia da Portagem, em Coimbra; e seu filho e herdeiro Pedro Joaquim, assassino de um tio frade simplesmente por este o ter repreendido de uma desobediência ao pai, e que igualmente morreu na mesma cadeia.
         Houve, no entanto, um elemento desta grande família, cuja história profundamente nos impressionou.  Pois poder-se-ia imaginar que uma descendente de tão poderosa família, amiga e protegida por reis, fosse um dia presa, julgada e condenada por um crime de lesa-majestade?
         Mas, na verdade, isso aconteceu. E foi protagonista da história a 10ª. Senhora de Tavarede, a morgada D. Antónia Madalena de Sousa e Quadros. E antes de  iniciar a narrativa, queremos referir que talvez tenha sido o palco da Sociedade de Instrução Tavaredense que nos influenciou a aprofundar este acontecimento.
         Recordamo-nos que, em Janeiro de 1957, foi levada à cena a peça “A conspiradora”, da autoria do dramaturgo Vasco de Mendonça Alves. A acção o drama situa-se na intensas e dramáticas lutas travadas entre os portugueses no período miguelista, ou absolutista, nos anos finais de década de 1920 e principios da década seguinte.
         Terá, na verdade, D. Antónia Madalena sido uma liberal? É dificil fazer um julgamento correcto. Terá sido uma ‘extravagante’ como a apelidou o historiador figueirense Dr. José Jardim? Também duvidamos. A morgada de Tavarede, em nossa opinião, terá sido mais vítima do que culpada. Nascida em casa de seus avós maternos, cedo terá começado a viver a vida da fidalguia da         queles tempos, considerando-se uma classe superior e dominadora.
         Mas vamos relembrar um pouco da sua vida até chegar à triste situação de presa política.
         Diz uma tradição local, que D. Antónia Madalena de Sousa e Quadros, 10ª. Senhora de Tavarede, falecida no dia 25 de Fevereiro de 1835 e sepultada no Convento de Santo António, na Figueira, terá sido ‘enterrada ainda viva’.
         Quando iniciei as muitas consultas para compilar o primeiro caderno de ‘Tavarede – a terra de meus avós’, esta nota ficou gravada no meu pensamento. E, a partir de então, procurei ler tudo a que fosse possível sobre a vida desta Morgada de Tavarede, tendo o meu interesse aumentado consoante ia colhendo mais elementos.
         Não é verdadeira aquela tradição. A morgada de Tavarede acabou os seus dias em Lisboa, no palacete do Grilo que herdara de uma sua parente, a viscondessa de Condeixa, e foi sepultada no cemitério lisboeta do Alto de S. João.


         D. Joana Madalena da Silva e Castro, terceira filha do casal Fernão Gomes de Quadros e D. Brites Josefa da Silva e Castro, casou com seu primo José Joaquim Juzarte de Quadros. E no dia 13 de Junho de 1774, no Paço de Tavarede, nasceu Antónia Madalena.
         Foi baptizada na capela do Paço, em 14 de Julho, tendo como madrinha sua avó materna e como padrinho o seu tio mais velho. “Aos catorze dias do mês de Julho de mil setecentos e setenta e quatro, baptizei solenemente na capela do Paço desta freguesia, com licença do ordinário, a D. Antónia, nascida a treze(?) de Junho da dita era, filha legítima do doutor José Juzarte de Quadros e de sua mulher D. Joana Madalena de Quadros, neta paterna de António Xavier Juzarte de Quadros e de D. Brites de Menezes e Quadros, da cidade de Coimbra, e neta materna de Fernando Gomes de Quadros e de D. Brites Josefa da Silva e Castro. Foram padrinhos Pedro Joaquim Lopes de Quadros, por procuração feita a mim, e D. Brites de Menezes e Quadros, por seu legítimo procurador e filho Francisco Juzarte de Quadros e foram testemunhas o reverendo José Vieira Pinto e o reverendo Inácio do Amaral Mascarenha.” (registo paroquial)
         Tendo sua mãe, D. Joana Madalena, falecido com a idade de 36 anos, Antónia Madalena, que tinha a idade de cerca de quatro anos e meio, foi viver com seu pai para Coimbra, onde ele tinha o cargo de provedor da comarca coimbrã.
         Tendo seu pai falecido em 13 de Janeiro de 1791, Antónia Madalena, orfã aos 17 anos, foi mandada recolher ao convento da Encarnação, em Lisboa, pela rainha D. Maria I, a requertimento de seu tio materno António Leite de Quadros.
         E no dia 26 de Dezembro do mesmo ano, “casou com o grande D. Francisco de Almada e Mendonça, famoso fidalgo do Conselho de D. Maria I, senhor da vila de Ponte da Barca, primeiro alcaide-mor de Marialva, comendador da Ordem de Cristo, desembargador do Paço, intendente geral e inspector das obras públicas das três províncias do norte, superintendente do tabaco e saboarias do Porto, intendente da marinha da mesma cidade, corregedor perpétuo da sua comarca e juiz geral das coutadas do reino”. (Dicionário Portugal Antigo e Moderno, de Pinho Leal)
         Tratou-se de um casamento arranjado, de simples conveniência, como era uso entre as famílias da nobreza. Nenhum dos noivos esteve presente na cerimónia e o novo casal fixou residência na cidade do Porto.
                   Como sabemos D. Antónia Madalena herdou a Casa de Tavarede por testamento de seu tio, o morgado António Leite de Quadros, que havia sido o herdeiro de seu irmão Pedro Joaquim, falecido na cadeia da Portagem, em Coimbra.
         A Casa de Tavarede, que havia sido tão poderosa e tão rica, entrara em decadência. Podemos apontar como causas diversos motivos. A mudança da Câmara de Tavarede e suas justiças, para a nóvel vila da Figueira da foz do Mondego, no ano de 1771, resultante da luta travada durante muitos anos com o Cabido da Sé de Coimbra, donatário do lugar de S. Martinho de Tavarede, terá sido uma das causas principais.

         Acresce, porém, e não de menor importância, a vida dissoluta e despótica do morgado Fernando Gomes de Quadros, que igualmente havia falecido encarcerado na cadeia de Coimbra acima referida, o desregramento de seu filho herdeiro, preso nas Berlengas por assassínio de um tio frade e que, indultado pela rainha D. Maria I, não teve emenda e continuou como boémio e criminoso, até ser novamente preso, terão sido causas de decadência desta família.

         As administrações nomeadas para o governo da Casa, devido ao impedimento justiceiro dos herdeiros, igualmente se mostraram pouco diligentes nas suas tarefas.

         Solteiro, António Leite, que faleceu relativamente novo, deixou como sua herdeira a sobrinha Antónia Madalena. No entanto, quando esta entrou na posse da herança, além do morgado, ainda possuía o prazo de Lares, muitas propriedades e foros na Figueira e terras vizinhas, assim como o prazo de Rendide, em Torres Vedras.

            “Não se duvide que se tratou de um casamento arranjado, de simples conveniência. Foi assim precedido da habitual escritura antenupcial, celebrada em Lisboa em 24 de Dezembro desse ano, estando presentes José de Seabra como procurador do noivo, Fernando Leite como procurador do deão de Coimbra António Xavier de Brito e Castro, primo da noiva, e esta em pessoa. D. Antónia Madalena dotou-se com  a Casa de Tavarede  e, por Francisco de Almada não possuir Casa, constituiram-se arras de 50.000 reis mensais, com hipoteca sobre os bens daquela Casa, confirmada por provisão régia de 10 de Maio de 1792”. (A Casa de Tavarede, de Pedro Quadros Saldanha) 


         O noivo, Francisco de Almada e Mendonça, nasceu em Lisboa no dia 28 de Fevereiro de 1757, sendo filho de João de Almada e Melo e de Ana Joaquina de Lencastre e Moscoso. “Doutorou-se em leis na Universidade de Coimbra, foi comendador da Ordem de Cristo, primeiro senhor donatário de Ponte da Barca e primeiro alcaide-mor de Marialva e fidalgo da Casa Real. Na comarca do Porto foi provedor, corregedor, presidente do cofre, intendente da Marinha, presidente da Junta Administrativa da Fazenda, das saboarias e do tabaco, conservador no juizo das encomendas e do sal, avaliador das obras literárrias  produzidas, assim como nos processos policiais, contrabando e moeda. Foi igualmente juiz geral das coutadas do reino e inspector das obras públicas do norte”. (Wikipédia)
          “... foi, contudo, no Porto que mais se revelaram as suas qualidades de administrador autero e sumamente empreendedor...”. O casal fixou a sua residência naquela cidade e foi lá que nasceram seus dois filhos: Ana Felícia de Almada e Quadros e Lancastre, no ano de 1792, e João de Almada e Quadros de Sousa Lancastre, em 28 de Fevereiro de 1794.

         Francisco de Almada e Mendonça faleceu no Porto, no dia 18 de Agosto de 1804, com a idade de 47 anos. “Morreu pobre em 1804, no Porto, sendo sepultado na Igreja da Misericórdia. Em 1839 foi trasladado para o cemitério do Prado do Repouso a expensas da Câmara Municipal do Porto, tendo-lhe sido erguido um mausoléu com um busto de Soares dos Reis”. (Wikipédia)
         “A ‘desgraçada viuvez’, como lhe chamaria mais tarde, encontrou D. Antónia Madalena com 30 anos de idade e com dois filhos menores. A sua situação financeira não seria das melhores pois sabe-se que seu marido fora acumulando dívidas, não em resultado de uma vida gastadora mas sim do serviço público. Nada a ligava ao Porto após a morte de seu marido pelo que logo se decidiu a ir viver para Tavarede”.  (A Casa de Tavarede)
         O seu regresso à terra natal verificou-se em 7 de Dezembro de 1804.


         Enquanto viveram no Porto, o casal vinha passar temporadas em Tavarede. No ‘Dicionário Portugal Antigo e Moderno’ escreve-se que “quando aqui residiam eram a providência dos pobres destes sítios. As senhoras de sua família deram muitos ornamentos para a igreja matriz, alguns dos quais ainda existem”.

         É oportuno recordar que, e tudo assim o indica, o casal teve grande influência no desenvolvimento cultural do povo da terra, nomeadamente incutindo nele o gosto pelo teatro, que, desde então, foi o principal veículo educacional para as gentes tavaredenses. Lembremo-nos que D. Francisco de Almada fundou, no ano de 1798, o Teatro de S. João, onde fez apresentar as melhores companhias teatrais e de dança, nacionais e estrangeiras.

         Com a ida de D. Antónia Madalena para o Porto, a administração da Casa de Tavarede passou a ser gerida por procuradores. Um desses gestores foi o padre dr. José Vieira Pinto que, tendo sido destituído do cargo em Dezembro de 1794, procedeu à elaboração de um inventário dos bens móveis e dinheiros. Este relatório está transcrito no anexo 6 do trabalho ‘A Casa de Tavarede’, da autoria do doutor Pedro Quadros Saldanha e ao qual nos temos referido por diversas vezes. “... os móveis ali existentes em 1794 e os que se encontravam numa casa sita em Lares, mostram ainda a grandeza do Paço e a riqueza dos seus proprietários”.

         As elevadas dívidas deixadas pelo falecimento de D. Francisco de Almada, tendo sido vários os credores que procederam judicialmente para a cobrança das dívidas, levaram à continuação do aforamento de muitos bens imóveis, especialmente na Morraceira e na Figueira, em condições desvantajosas.

            “As dívidas que ficaram de seu marido, a necessidade (e vontade) de viver de acordo com a sua condição social, a necessidade de dar destino aos filhos, alguma inabilidade e a certa falta de preparação para a gestão dos seus bens, os muitos interesses de terceiros que geraram à volta dessa administração e principalmente as consequências locais das invasões francesas serão as causas mais seguras para o descalabro económico”. (A Casa de Tavarede)
        
A situação levou a Morgada a resolver mudar-se para a capital. A situação dos filhos, nessa ocasião, era a seguinte: Ana Felícia havia sido recolhida, como educanda, no convento da Visitação, em Lisboa, por ordem do príncipe regente D. João VI, e seu filho João, que fora educado no Colégio dos Nobres e entretanto recebera o título de ‘barão de Tavarede’, mercê real concedida em memória de seu pai, casou, aos dezasseis anos, com uma fidalga trancosense, Maria Emília da Fonseca Pinto de Albuquerque Araújo e Menezes, foi residir para Trancosco, após um breve período que o casal morou em Tavarede.

         De notar que, aquando do casamento, D. Antónia Madalena dotou o filho com “a propriedade e o usufruto de um terço dos seus bens livres e administração e uso da Casa de Tavarede, vínculos e prazos, bens livres, em cujo governo entraria logo que casasse, ficando este obrigado a pagar-lhe 2.800.000 reis anuais, em mesadas iguais, vivendo ela separada do filho.
            Caso ele não  cumprisse estas obrigações, D. Antónia Madalena retomaria a administração da Casa de Tavarede, ficando com a obrigação de dar àquele 6.000 cruzados anualmente a título de alimentação”.

         Por volta do ano de 1810, D. Antónia Madalena resolveu ir viver para a capital, recolhendo-se ao convento de Santos, juntamente com sua filha que, até então, se encontrava internada no convento da Visitação. De referir que, ainda enquanto residente em Tavarede, a morgada havia tomado ao seu serviço João Anselmo de Melo Barreto de Eça, natural de Águeda, que mais tarde se tornaria seu mordomo e administrador e que, como se verá, teve grande influência no seu destino.

         Estando em Lisboa, e na tentativa de evitar que a Casa de Tavarede fosse consumida no pagamento das enormes dívidas existentes, D. Antónia Madalena requereu a administração judicial da sua Casa. “Consistia numa providência régia, pela qual o senhor de uma Casa assolada por circunstâncias que a punham em perigo, obtinha a graça da transferência da sua administração para um magistrado judicial. O principal benefício consistia na paralisação dos meios que os credores dispunham para a cobrança dos seus créditos, cobrança essa que ficava sujeita, por rateio, às disponibilidades do rendimento do património. O outro benefício consistia no pagamento de uma pensão ao senhor da Casa, para sua subsistência e decente sustentação, pensão essa que também saía do rendimento”. (A Casa de Tavarede)
        
A requerida administração foi concedida por provisão datada de 12 de Novembro de 1810, sendo nomeado administrador o Desembargador José António da Silva Pedrosa. A morgada de Tavarede receberia uma pensão de 60.000 reis mensais que, segundo ela disse mais tarde, ‘só davam para tenda, aguadeira e lavadeira’.

         Entretanto, e por decisão régia de Fevereiro de 1811, Ana Felícia voltou ao convento da Visitação para acabar a sua educação.

         Enquanto residente em Lisboa, a morgada seguia, com a maior atenção, a situação da sua Casa. Notando que a administração judicial não estava a actuar convenientemente, decidiu-se a apresentar superiormente o caso. “Diz D. Antónia Madalena de Quadros e Sousa, Senhora de Tavarede, viúva de Francisco de Almada e Mendonça, que tendo obtido de Sua Majestade a graça de lhe conceder uma administração judicial para a sua Casa de Tavarede, de que V.Exª. é digníssimo Juiz, vem a Suplicante informar que representam a sua Casa com mágoa e defraudação, pelo que a sua Casa está sofrendo em alguns dos seus direitos. E principia, agora no presente requerimento, pelo abuso que várias pessoas da Figueira, Lavos e Vila Verde, têm feito da passagem para a Ínsua da Morraceira, sem reconhecimento, licença ou facultado deste Juizo ou da Suplicante.
            Entre os bens desta Casa se compreende a dita Ínsua da Morraceira, que é uma ilha próxima à foz do Mondego, cuja ilha é toda da Suplicante, e compondo-se de salinas, é a passagem para a dita ilha privativa da Casa da Suplicante, e ninguém pode atravessar por ela senão nos barcos estabelecidos para esse fim, e de cuja passagem pagam direitos, desde tempo imemorial, à Casa da Suplicante, tendo havido já sentenças obtidas pela Suplicante e seus antepassados a favor destes direitos.
            Acontece, pois, que ao presente muitas pessoas, com ofensa destes direitos, põem barcos para a passagem para a Morraceira, sem quererem reconhecer este Juizo ou a Suplicante, como senhora exclusiva deste direito, e por isso ela recorre a esta administração para que se digne mandar ordem ao Juiz de Fora da Figueira, a fim de se evitar este abuso, fazendo-se citar quaisquer pessoas que tenham barcos para a dita passagem, para mais o não praticarem, sem reconhecimento a este Juizo ou à Suplicante, com a pena de que fazendo o contrário lhe serem apreendidos e inutilizados os barcos, intimando-se igualmente Domingos José da Costa, da vila da Figueira, actual recebedor das rendas da Casa da Suplicante, para que com o seu conhecido zelo, fiscalize o exacto cumprimento da ordem sobredita, pondo os barcos necessários, fazendo os ajustes convenientes e recebendo o produto destes direitos, da mesma forma que recebe as mais rendas da Casa da Suplicante.
            A V.Senhoria se digne assim o haver por bem. D. António Madalena de Quadros e Sousa”.

         Em Julho de 1811 foi forçada a abandonar o convento de Santos, onde estava recolhida, devido a não ter possibilidades de cumprir o pagamento da sua estadia, uma vez que o administrador da sua Casa deixara de lhe pagar a pensão estabelecida, argumentando a falta de rendimentos. Refira-se que a fidalga “nunca negou as dificuldades que passou”, tendo-se visto na necessidade da “venda do prazo de Torres Vedras e das suas jóias, móveis, carruagens e bestas”.

         Terá sido um período bastante difícil para a morgada. A doença também a atacou, conforme uma certidão médica, de Junho de 1811 que diz “D. Antónia Madalena sofre de moléstias que tornavam a sua existência penível e sempre objecto de remédios, muito principalmente agora que se tem exacerbado algumas delas para as quais precisa de remédios e exercício de quitação e banhos de mar”. Uma outra certidão, do mesmo mês, refere que “se acha bastante doente em razão de se terem agravado as suas antigas moléstias; e tendo-se aplicado alguns remédios, entre estes ‘leite de burra’, entendia que devia passear de sege ou a cavalo, do que se acha impossibilitada de os tomar por falta de meios”.

         Resolveu, então, pedir aumento da pensão mensal que “tem a suplicante há mais de um ano passado os mais cruéis vexames e duras necessidades, sendo violentada a prejudicar seus filhos e a decência da sua pessoa, pela ‘arratadíssima’ venda de todas as suas mobílias e próprias roupas, e que os 60.000 reis mensais não chegavam para um terço do mês, visto o tratamento que precisava pelas moléstias que tinha. Sustentava-se com o seu próprio bacalhau e arroz porque tinha aquele lastimoso recurso e ainda quem lhe emprestasse alguns vintens para ir suprindo 120 ou 130.000 reis que cada mês gastava”. (A Casa de Tavarede)

         E em Dezembro de 1811 verificou-se a substituição do administrador da Casa de Tavarede pelo também Desembargador José Guilherme de Miranda.

         As quezílias com seu filho e, especialmente, com o sogro deste, bem como as contínuas exigências dos credores, não a deixavam em sossego. E em Março de 1813 regressou à sua casa em Tavarede.
 
         Três meses depois do seu regresso a Tavarede, teve lugar o casamento de sua filha Ana Felícia, com Tomás da Cunha Manuel Henriques de Melo e Castro, morgado da Roliça.

         Natural de Coimbra, onde nasceu em 8 de Agosto de 1777, era filho de D. Rodrigo da Cunha e de D. Isabel Bray, foi o décimo-primeiro morgado da Roliça, moço fidalgo da Casa Real e tenente coronel do Regimento de Milícias da Figueira da Foz, tendo sido condecorado com a medalha da guerra peninsular, e faleceu em Lisboa no dia 26 de Outubro de 1849.

         Apesar de ter melhorado o relacionamento de D. Antónia Madalena com o novo administrador judicial, o desembargador José Guilherme de Miranda, a morgada requereu, em Janeiro de 1817, a cessação da administração judicial, com a alegação de estar a sofrer grandes prejuizos, mas a mesma não foi concedida.

         “Mas o que D. Antónia Madalena não conseguiu directamente viria a obter por outra via e talvez de melhor forma. Mais uma vez intervém João Anselmo de Melo, aparentemente no interesse de D. Antónia Madalena, reduzida à situação de não receber sequer a sua mesada. Foi de facto o ‘cumplice’ de D. Antónia Madalena, que com sua família a seguira para a Figueira da Foz, onde estava como negociante, que arrematou o rendimento da Casa de Tavarede. Se o tivesse feito quando aquela requereu a cessação da administração seria legítimo supor que o arrendamento fazia parte de uma estratégia para terminar a administração”. (A Casa de Tavarede)

         E foi só no ano de 1826 que a morgada de Tavarede recuperou a administração da sua casa. “Estes anos de administração foram de facto  maus para a Casa. No decorrer o rendimento dos bens foi diminuindo, mesmo quando os tempos já eram menos turbulentos e a oportunidade de negócio aumentava. Teria D. Antónia Madalena a sua quota-parte de culpa nos factos que levaram a Casa a entrar em administração. As circunstâncias da sua viuvez, alguma inexperiência e talvez o mau conselho são circunstâncias fortemente atenuantes dessas culpas”. (A Casa de Tavarede)

         Mas, no ano seguinte, 1827, a vida da fidalga tavaredense mudou radicalmente. A viscondessa de Condeixa, sua tia D. Maria Madalena Leite de Castro Oliveira, já então viúva do visconde Pedro Maria Xavier de Brito Ataíde, faleceu em Lisboa, no dia 27 de Julho, tendo deixado D. Antónia Madalena como sua herdeira.

         A herança trouxe-lhe o vínculo de avultados bens nos arredores de Lisboa, diversas herdades no Alentejo e o palácio e a quinta do Grilo em Xabregas. E logo que entrou na posse da herança D. Antónia Madalena fez a sua mudança para a capital, indo residir naquele palácio. A morgada de Tavarede vivera catorze anos no seu paço tavaredense.
 
“… chegando a esta minha casa, que foi de minha tia, e achando-a sem móveis e só com as paredes, comprei a mobília necessária para a ornar com decência correspondente ao decoro da minha pessoa. Comprei parelha e carruagens…”.

            “Chegados a este ponto, parece-me conveniente fazer um pequeno comentário. Como se disse, D. Antónia Madalena casou com um ilustre e poderoso fidalgo, D. Francisco de Almada e Mendonça, rico de nobreza e sentimentos mas de pequenos rendimentos. Enquanto viveram no Porto, preocupou-se este fidalgo, devido ao seu cargo de governador, com o bem público, mandando fazer imensas obras de interesse social, mas sem apoio financeiro do governo, pelo que se individou.
            Enviuvando muito cedo e regressando a Tavarede, a fidalga tavaredense, precupou-se em pagar as dívidas de seu marido, endividando-se por sua vez. Por outro lado, apesar de todos os esforços que fez, também tomou imensos encargos com a educação e com o casamento de seus filhos. Não teve, no entanto, qualquer apoio da parte destes. Nisso terá tido muita importância o ascendente que sobre seu filho tomou o sogro deste, com quem se incompatibilizou de tal forma, que teve de abandonar a sua casa em Tavarede, mudando-se para Lisboa, onde viveu em precárias condições económicas.
            Acredito que a sua ‘miséria’ terá sido empolada um bom bocado, tentando que lhe fosse concedida melhor pensão. É certo que sempre D. Antónia Madalena levou, ou pretendeu levar, uma vida de certa opulência, incompatível com seus rendimentos, mas a que se julgava com direito como fidalga que era. Não terá sido ‘extravagante’, como escreveu o Dr. José Jardim, mas talvez tenha sido a ‘voz do sangue’ que a isso a impelisse. Já sabemos como haviam sido os fidalgos seus antecessores…

         Entretanto a situação política em Portugal também se tinha alterado. Escorraçados os franceses e depois da regência de D. João VI, chegou ao poder D. Miguel, a quem o filho de D. Antónia se aliou, esperançado que todos os bens de sua mãe fossem perdidos por esta, a quem acusou, por diversas vezes, de esbanjamentos, no que era também culpado seu mordomo, João Anselmo.

         Foram muitos os requerimentos que João de Almada fez na tentativa de retirar da posse de sua mãe os seus bens. Temia, diz ele, que ela dissipasse os bens que herdara da Viscondessa de Condeixa, da mesma forma que dissipara os bens da Casa de Tavarede. Foram ouvidas muitas testemunhas, de ambas as partes, mas a verdade é que foi dada razão a D. Antónia Madalena, como refere o despacho do corregedor que julgou o caso … seria muito violento privar de modo tão sumário D. Antónia Madalena de uma Casa que era sua por direito próprio… E por decisão do Desembargo do Paço, de 16 de Março de 1829, o assunto ficou encerrado para sempre.

         Parecia, agora, que D. Antónia Madalena, então com 55 anos de idade, iria passar a ter uma velhice tranquila na sua casa de Lisboa. Mas não foi isso que sucedeu. A Morgada de Tavarede era uma liberal. Tinha sofrido enorme desgosto por seu filho ter assumido o absolutismo. Não sei, na verdade, se o liberalismo da nossa fidalga era uma verdade indiscutível ou se seria levada a isso por oposição a seu filho. Na verdade muitas foram as vezes em que ela invocou seus títulos e os de seu marido, defendendo a sua posição. “Mas sabe-se que o seu mordomo, João Anselmo, e o padre capelão José Vitorino de Sousa, natural de Formoselha, que tomara a seu serviço aquando passara a residir em Lisboa, eram liberais e convictos. E tambem se sabe que, no dia 4 de Julho de 1832, pelas 2 horas da noite, o Corregedor do Crime de Alfama, com o escrivão e acompanhados por tropas da Guarda Real da Polícia e dos Voluntários Realistas de Castro Daire, entraram no seu palácio, sito no ‘pátio da Tavarede’, na Rua do Grilo, levando presos todos quantos ali se encontravam”. (Quadros – Os Senhores de Tavarede)
        
         Mais uma vez as tormentas atacaram a morgada de Tavarede e agora com a acusação, terrível para o tempo, de liberal...

         Além de D. Antónia Madalena, do seu mordomo João Anselmo de Melo e do padre capelão José Vitorino de Sousa, também foram detidos os hóspedes: António Manuel da Silva Vieira Broa, alferes demitido do Regimento de Infantaria de Lisboa; José Maria Rodrigues, natural do bairro do Castelo de Lisboa; e Joaquim Pessoa da Silva Amorim. Este último, oferecendo resistência à sua detenção, pois pretendia destruir alguns impressos comprometedores que tinha em seu poder, foi ferido ainda que sem gravidade.

         No dia 7 de Julho a morgada fez uma petição a D. Miguel requerendo “... por seus privilégios e por ter sido presa por uma denúncia vaga de crime político, por suas doenças perigosas, como há quatro dias se acha sem socorros médicos, incomunicável no segredo da Corte, para Sua Majestade a mandar para onde lhe aprouver, mas onde a suplicante possa evitar a sua morte”.

         Tal petição foi atendida e por aviso régio de 10 do mesmo mês, foi mandada “ser transferida do segredo da cadeia da Corte para o mosteiro de Santa Joana”, onde terá dado entrada no dia 21 daquele mesmo mês, afim de ser julgada por “crime cometido contra a Augusta Pessoa de Sua Majestade El-Rei Nosso Senhor e segurança do Estado”, com a alegação de que haviam sido apreendidos papéis subersivos em sua casa.

         D. Antónia Madalena, entretanto, havia sido interrogada quando foi presa. “Ano de 1832. Aos 6 de Julho do dito ano, nesta cidade de Lisboa e cadeia da Corte, onde veio o dr. Jerónimo Moreira Vaz, Corregedor do crime do Bairro de Alfama, comigo escrivão do seu cargo e o assistente no fim assinado, aí mandou chamar à sua presença a D. Antónia Madalena de Quadros e Sousa, presa na dita cadeia, e depois de lhe deferir juramento dos Santos Evangelhos quanto a terceiro, lhe fez as seguintes perguntas. E eu, José Joaquim Galvão, o escrevi.
            E perguntado pelo nome, filiação, naturalidade, morada, estado e idade, respondeu chamar-se D. Antónia Madalena de Quadros, filha de José Juzarte de Quadros e Dona Joana Madalena Leite, natural de Tavarede, moradora da Estrada do Grilo, em Lisboa, é viúva de Francisco de Almada e Mendonça, e tem de idade 58 anos, incompletos.
            E perguntada quando, aonde, por que ordem e por que motivo foi presa, respondeu que fôra presa na noite de 3 para 4 do corrente, em sua casa, por ordem do Ministro e que ignora o motivo.
            E perguntada há quanto tempo viviam em casa dela, interrogada, Joaquim Pessoa da Silva Amorim, natural de Castelo Branco, António Manuel da Silva Broa, natural do Sardoal, e que foi alferes do novo regimento de infantaria de Lisboa, e José Maria Rodrigues, natural da freguesia de Santa Cruz, do cartel desta cidade de Lisboa, e o Padre José Vitorino de Sousa, natural de Formoselha, e que mais pessoas eram frequentes em sua casa, ou por visita ou em efectiva residência.
            Respondeu que Joaquim Pessoa da Silva Amorim, há 5 ou 6 meses na casa dela interrogada, e António Manuel da Silva Vieira Broa, que reside na casa dela, interrogada, há 3 meses, e José Maria Rodrigues residia em casa dela, interrogada, haveria um mês, pouco mais ou menos, e que o seu padre capelão José Vitorino de Sousa, reside na casa dela, interrogada, há 5 anos, e que não tinha visitas.
            E perguntada se antes de admitir na sua casa, e na sua companhia, os referidos Joaquim Pessoa da Silva Amorim, António Manuel da Silva Vieira Broa, José Maria Rodrigues, examinara ela, interrogada, como devia examinar, a conduta religiosa, moral e política destes indivíduos, e os títulos por que eles puderam legalizar a sua residência na Corte, principalmente aqueles que dela não serão naturais.
            Respondeu que há 3 anos, pouco mais ou menos, que Joaquim Pessoa da Silva Amorim frequentou a casa dela, interrogada, visitanto o seu administrador João de Melo Barreto de Eça, com o qual tomou conhecimento numa hospedaria e contraíram tal amizade que o referido Joaquim Amorim, frequentando por este motivo a casa dela, interrogada, lhe pediu o deixasse residir nela, ao que  anuiu ela, interrogada, não lhe investigando a sua conduta, não lhe importando o que ele fazia, e quando o via era a reunião do almoço, jantar e ceia; e que António Manuel da Silva Vieira Broa era conhecido dela, interrogada, há muito tempo, bem como a família dele, e por isso o admitiu em sua casa e lhe permitiu que nela vivesse, ignorando o seu emprego militar, no que reconhece o seu pouco cuidado e sua culpa; e que José Maria Rodrigues foi conduzido a casa dela, interrogada, por um seu tio, chamado Fortuna, caserneiro, por ocasião de visita e jogo de voltarete, e tomando depois conhecimento, o dito José Maria Rodrigues, com os filhos do administrador dela interrogada João José de Melo Barreto de Eça, lhe pediram aqueles que o deixasse persistir em sua casa, ao que ela interrogada anuiu, ignorando que ele tivesse culpas.
            E por ora ele Ministro não fez mais perguntas à respondente, que sendo-lhe lidas disse estarem conformes e que as respostas as ratifica, e assinou com a respondente e nós escrivães, em fé de verdade. E eu José Joaquim Galvão o escrevi e assinei.

         D. Antónia Madalena, a 10ª. Senhora de Tavarede, foi condenada ao pagamento de 300 000 reis, sendo duas partes para a Casa Pia e uma para os oficiais e soldados da diligência, por conservar de cama e mesa na sua casa os réus de Lesa Majestade. Esta sentença foi, porém, revogada.
        

         Presume-se que a Morgada de Tavarede ainda se encontraria no Convento de Santa Joana no dia 24 de Julho de 1833, quando Lisboa foi tomada pelos liberais. Com a abertura da prisão aos presos políticos, certamente que D. Antónia Madalena terá regressado ao Palácio do Grilo, onde, a 26 de Fevereiro de 1835, faleceu, sendo sepultada no cemitério do Alto de S. João.

O Associativismo na Terra do Limonete - 113

         Numa outra notícia, publicada em Janeiro de 89, a nossa atenção foi despertada pelo seu título: ‘Em Tavarede senhoras dão o exemplo’. No passado domingo a Sociedade de Instrução Tavaredense esteve em festa, ao comemorar em Sessão Solene, os seus brilhantes 85 anos de vida, de uma vida onde INSTRUIR e RECREAR tem sido o objectivo prioritário.
         É de todos sabido, como o fez notar a Drª Ana Maria Caetano, presidente da sociedade, que o TEATRO sempre foi particularmente cultivado pelas gentes de Tavarede, ainda que ele seja uma actividade de enormes dificuldades, que resultam não só do elevado número de pessoas que envolve, mas também de todo um conjunto técnico de conhecimentos que urge possuir-se. E em Tavarede, diria ainda a 1ª oradora desta sessão solene, não se brinca ao Teatro, mas faz-se Teatro pelo Teatro, recorrendo-se às melhores obras dos melhores dramaturgos, independentemente dos problemas daí resultantes.
         Esta Sessão Solene foi presidida pelo Dr. Abílio Bastos em representação da Câmara Municipal. Na mês de honra tomariam ainda lugar vários convidados e amigos da colectividade em festa.
         Momento sempre solene foi o acto de posse dos novos Corpos Sociais. Solene e pouco usual (infelizmente), pois em Tavarede as senhoras dão exemplo, como o prova o facto de quatro senhoras passarem a compor a nova Direcção: Presidente, Drª Ana Maria Caetano, Vice-Presidente: Drª Ilda Manuela Simões, 1ª Secretária, D. Otília Maria Cordeiro, 2ª Secretária, D. Maria Luísa Lontro de Sousa.
         Uma saudação muito especial para estas quatro senhoras que, numa atitude sempre de enaltecer, se prontificaram a servir na sua Sociedade, esquecendo todos os sacrifícios que tal decisão possa acarretar.
         Nesta sessão usaram ainda da palavra o sr. Padre António Matos Fernandes que, além das usuais felicitações destas cerimónias, aproveitou para agradecer a colaboração que a SIT deu à Paróquia durante o ano findo. O sr. Carlos Cardoso, amigo da casa e representante da Sociedade Figueira-Praia teceu depois uma curiosa, oportuna e justa crítica à representação que na véspera tivera lugar naquele palco, demonstrando não só um apurado sentido crítico, mas igualmente um agradável espírito de humor e bagagem “técnica-teatral”.
         Também o Director de “O Figueirense” usaria da palavra para saudar a SIT, e proferir alguns comentários sobre a quase total ausência de jovens na sala. De referir que esta terá sido uma das sessões solenes mais despidas de público dos últimos tempos, problema que a nova gestão não deixará de solucionar. E bem.
         O Dr. Joaquim Barros de Sousa teceria como que o discurso oficial da sessão. Demonstrando um profundo conhecimento sobre a SIT e sobre Mestre José da Silva Ribeiro, o palestrante recordaria, entusiasmado, a figura desse grande Homem de Teatro e a obra que criou em Tavarede, obra que – disse – tem raízes, pois o Teatro não acabou em Tavarede com o seu desaparecimento.

         O primeiro de Maio desse ano foi alvo de notícia. Com ar festivo, um colorido inigualável, a Figueira rejuvenesceu na manhã do 1º de Maio! Os sorrisos multiplicaram-se, expontâneos, nos lábios doces das raparigas a fazer lembrar as descrições de Maurício Pinto ou de um Raimundo Esteves.
         Com os potes à cabeça, cobertos de lindas e perfumadas flores naturais, como aliás é seu hábito, Tavarede surgirá uma vez mais, entoando aquela bonita melodia que a tradição soube imortalizar. “É o encanto de Tavarede”, como simplesmente nos disse Álvaro Marques, o grande impulsionador (também o ensaiador) do Rancho 1º de Maio do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense.
         Esta colectividade, fundada em 1911, para além de um meritório trabalho no campo cultural, como é o caso de uma escola de iniciação cultural, preservou e acarinhou sempre a música, arte aliás para a qual esteve sempre vocacionada.
         Em 1961 “reaparecemos em força com o Rancho do 1º de Maio e apostámos sempre na diversidade e qualidade musicais”, afirmou-nos ainda Álvaro Marques. Este ano, segundo apurámos, 18 pares (adultos) constituirão o Rancho 1º de Maio do GMIT, para além obviamente de um conjunto de 15 elementos que, sob a orientação de Vítor Murta, serão o suporte musical deste agrupamento folclórico. Agrupamento que ainda pretende imprimir alguma veracidade aos temas que interpreta inserindo um ou outro instrumento de cordas, caso dos violinos e violas.
         “O Figueirense” teve conhecimento ainda que os ensaios decorrem já a um ritmo espantoso, não só com a preocupação  de burilar os últimos pormenores de trajo e marcação como também, com o entusiasmo habitual, começarem-se por “fitar” já os locais onde proliferam as flores mais bonitas de Tavarede.
         =É o cheiro das várzeas e do limonete que dão um “pulo” à Figueira.

         Chegados a mais um aniversário da Sociedade, uma nova reposição teve lugar. No programa comemorativo do 86º. aniversário da Sociedade de Instrução Tavaredense destaca-se, para o próximo sábado, 27, às 21 horas e 45 minutos, a representação pelo grupo cénico, da comédia em 3 actos, de D. João da Câmara, “Os Velhos”.
         Em palco estarão, sob a direcção de João de Oliveira, os seguintes amadores, já conhecidos: José Medina, João José Silva, J. Luís do Nascimento, João Medina, João José Fadigas, Maria Conceição Mota, Maria de Lurdes Neto, Lurdes Lontro e Ana Maria Caetano.
         No dia seguinte, haverá alvorada às 8 horas; e às 17,30 horas, a sessão solene com a participação do Rotary Clube da Figueira da Foz. Nesta cerimónia far-se-á o lançamento público de uma publicação editada por aquele clube de serviços da nossa terra, sobre o grande tavaredense e mestre de teatro que foi José da Silva Ribeiro. Além dos amigos da SIT e das entidades oficiais, estará presente, como oradora da tarde, a drª. D. Judite Pinto. E ao acto associam-se também o Coral David de Sousa e a Filarmónica de Quiaios.
         A propósito, Carlos Alberto de Oliveira Cardoso e Hernâni da Costa Pereira, em nome da Direcção do Rotary, fizeram questão de nos oferecer, pessoalmente, duas brochuras do volume “Em memória de José da Silva Ribeiro” e a acompanhá-las a seguinte nota explicativa:
         “Na sua casa humilde de Tavarede, aos 13 de Setembro de 1986, morria José da Silva Ribeiro. Contava 92 anos feitos e fora lição de amor à terra natal e cidadania, de jornalismo e doação ao Teatro.
         Seis meses após, a 18 de Janeiro imediato, na sessão solene comemorativa dos 83 anos da SIT, quis o Rotary Clube da Figueira honrar a memória desse seu sócio honorário, para o que por várias formas participou naquele acto memorial.
         Reunindo a maior parte das comunicações então produzidas e juntando-lhes alguns outros elementos relacionados com a referida sessão ou com a personalidade homenageada, agora acaba este Rotary Clube de editar um volume “Em Memória de José da Silva Ribeiro”.
         E é esta obra que o Clube Rotário da Figueira pretende apresentar em Tavarede, na SIT; como forma, ainda e sempre, de honrar a memória daquele que toda a vida deu lição de amor à terra natal e cidadania de jornalismo e doação ao Teatro”.

         E, também, aqui queremos recordar a sessão solene desse mesmo aniversário, durante a qual o Rotary Clube da Figueira da Foz igualmente homenageou José Ribeiro. Na tarde do passado dia 28, a sede da Sociedade de Instrução Tavaredense registou uma animação fora do vulgar, pela circunstância da efectivação da sessão solene comemorativa do 86º. aniversário da prestigiosa colectividade da terra do limonete.
         Ao acto, e como estava previsto, associou-se na sua máxima representatividade, o Rotary Clube da Figueira da Foz, que aproveitou a oportunidade para lançar o livro “Em Memória de José da Silva Ribeiro” (publicação esmerada graficamente  que contém as comunicações da homenagem que este clube de serviço da nossa terra prestara àquele “mestre” da arte de Talma, no ano de 1987).
         Após a execução do hino da colectividade pela Filarmónica Quiaiense, e feitos os convites às diversas entidades para participarem no lugar de honra do palco, usou em primeiro lugar da palavra a presidente da Direcção, drª. Ana Maria Caetano, que deu explicações porque não subiu à cena na noite do dia anterior a peça de teatro “Os velhos”, cujos motivos assentaram no facto de alguns dos seus amadores terem sido surpreendidos pelo surto da gripe, e desenvolveu matéria sobre as linhas fundamentais da orientação da colectividade na arte de bem dizer e de bem recriar.
         O pároco da freguesia, padre António Matos, fez alusões pertinentes à representação da peça ali levada à cena pelo TEM (Teatro Experimental de Mortágua).
         O presidente da Junta, António Simões Baltazar, na sua simplicidade de expressão, prometeu o melhor apoio e espírito de ajuda àquela colectividade aniversariante, orgulho da sua terra natal.

         A evocação de diversas facetas e o amor de figuras tavaredenses à sua terra berço e à sua SIT, foi oratória muito apreciada pelos presentes, saída da boca da drª. Maria Almira Medina, directora do “Jornal de Sintra”, que, naturalmente, realçou o nome de seu pai, António Medina Júnior.
         Na ocasião foi anunciado que a Direcção deliberara conceder 3 títulos de sócios honorários: a José Medina (uma dedicação sem precedentes e amador de teatro de altos méritos); a Carlos Alberto de Oliveira Cardoso; e ao Rotary Clube da Figueira da Foz.
         A segunda parte da sessão foi ocupada pela presença do Rotary: o presidente engº. Costa Pereira e o dr. Carlos Estorninho (este apresentou um interessante trabalho literário, que abordou a colaboração de José Ribeiro no semanário “A Voz da Justiça”).
         Como oradora oficial a drª. Judite Mendes Pinto Abreu, filha do saudoso rotário e figueirense de elevada cultura, Maurício Pinto, salientou José Ribeiro como homem de teatro, como jornalista, como pensador, como homem de família.
         A sessão foi encerrada pelo presidente da Câmara Municipal, engº. Manuel Alfredo Aguiar de Carvalho, que rendeu o seu preito de admiração à obra da SIT na cultura popular.
         O Coral David de Sousa interpretou vários números do seu reportório, muito aplaudido pelo nível artístico evidenciado.

         Como nota final, podemos anunciar que o livro editado pelo Rotary encontra-se à venda na sede da SIT. 

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Histórias e Lendas - 17

... e estão situados no território de Montemor para o lado da praia ocidental...


         Este Couto de Tavarede fica na província da Beira, bispado de Coimbra, termo de Montemor-o-Velho no crime. É donatário o ilustríssimo Cabido da Sé de Coimbra e é o que apresenta o seu pároco. Tem 138 fogos vizinhos e 442 pessoas. Está situado num vale e se não descobre coisa notável.
         A paróquia está contígua à terra e nada mais.
         Seu orago é S. Martinho, tem seis altares, que são do do orago, o do Santíssimo Sacramento, o de Nossa Senhora do Rosário, o de Jesus, o de Mártir S. Sebastião e do Senhor das Almas, não tem naves, só tem uma irmandade do Santíssimo Sacramento.
         O pároco é cura apresentado pelo ilustríssimo Cabido, com renda de 16$000 reis. Tem um  convento de recolhidas de Nossa Senhora da Esperança com 22 recolhidas e 2 capelães. Tem três ermidas, do Senhor da Chã, fora da paróquia, do Senhor dos Milagres ou Areeiro, contígua à mesma terra, e de Santo Aleixo, dentro da terra.
         Os frutos da terra em abundância são vinho, milho e algum feijão.
         Tem juiz ordinário das sisas em quatro freguesias pertencentes a este Couto. È Couto e cabeça do concelho da Figueira da Foz.
         Serve-se do correio de Coimbra, donde dista sete léguas. Não tem porto de mar.
         Não padeceu ruína no terramoto de 1755.
         O cura: Anacleto da Cruz.

(Livro manuscrito do dr. Mesquita de Figueiredo nº.  16 – páginas 160 e 161)

O abade D. João de Montemor
A lenda dos degolados


         “ D. João foi abade no Mosteiro do Lorvão e viveu, supostamente, na década de 850, sendo posteriormente alcaide de Montemor-o-Velho, aquando de um ataque dos muçulmanos ao castelo. Liderou uma defesa heróica da vila que levou a criação da canção de gesta do Abade João à lenda de Montemor-o-Velho e edificação da capela de Seiça. O Mosteiro do Lorvão guarda uma parte do crânio do abade como relíquia e peça de exibição” (Wikipédia).

         Segundo alguns estudiosos autores afirmam, o Abade D. João era filho natural de D. Fruela e meio irmão do rei Bermudo, o Diácono, e de D. Afonso, o Católico. Resolveu um dia abandonar a corte dos reis de Leão e os exercícios guerreiros e, esperando a sua salvação, retirou-se para o Mosteiro do Lorvão, onde vestiu o hábito de monge e seguido as regras em vigor.
                                                                     
Castelo de Montemor-o-Velho
    Quando o Abade do Mosteiro morreu, os monges, tendo em consideração o seu virtuoso exemplo, escolheram-no a ele para o lugar. Um dia, sendo visitado pelo seu sobrinho, o rei Ramiro primeiro, este reconhecendo a grande pobreza em que viviam os monges daquele mosteiro, fez-lhes doação de muitos bens, entre os quais estava a vila de Montemor-o-Velho, com todos os seus bens e pertences, impondo a condição de ali estabelecerem um aquartelamento para soldados que defendessem a vila de futuros ataques dos muçulmanos.

Foi o Abade João, acompanhado por diversos monges, para aquela vila, tratando imediatamente do prover o castelo de soldados, armamento e provisões, cumprindo desta forma a imposição de seu sobrinho e rei. Nomeou para o cargo de capitão das tropas um outro seu sobrinho, de nome Bermudo, e mandou edificar um convento em cuja igreja colocou uma imagem de Nossa Senhora, que considerava milagrosa e à qual tinha grande devoção.

Tempos mais tarde foi vítima de uma traição. Um rapaz, de nome Garcia, que o Abade havia criado, pois fora abandonado pelos pais, fugiu da vila indo oferecer-se ao rei mouro Abdarraman de Córdova, para seu serviço, convertendo-se à religião muçulmana, ao mesmo tempo que dava ao rei mouro as informações necessárias para tomar a vila de Montemor-oVelho.

Abderraman concordou e de imediato reuniu um poderoso exército, cujo comando confiou ao traidor, mandando-o sitiar o castelo, tendo feito pelo caminho imensas crueldades e hostilidades. O Abade João, juntamente com seus monges, homens de armas e populares, resistiu valorosamente ao assédio, conseguindo repelir todos os ataques dos mouros.

Não sendo possível receber ajuda, especialmente de Teodomiro, o então abade do Mosteiro do Lorvão e encontrando-se no limite da resistência, por falta de provisões, foi resolvido pelos sitiados sairem e lutar contra os muçulmanos. Mas como não tinham qualquer esperança de os vencer e porque não queriam deixar cair em poder do inimigo nenhum refém, também resolveram sacrificar todos os não combatentes, velhos, mulheres e crianças, degolando-os.

O Abade João deu o exemplo, degolando ele próprio sua irmã D. Urraca e seus sobrinhos crianças. “Fez-se este espantoso sacrifício em uma madrugada. Depois de se confessarem e  comungarem, como o fizeram todas as mais pessoas e em que cada um tirava a vida à coisa que mais amava, derramando o sangue, que via correr da garganta da esposa, da irmã, ou dos filhos, porque os pais e os maridos eram os mais violentos verdugos desta lastimosa execução, que é o caso mais celebrado e mais sentido que se lê nas histórias de Espanha, obrado pela conservação da fé e da castidade”.

 Foi na igreja onde se venerava a imagem de Nossa Senhora com o Menino nos braços, que recolheram os corpos. Depois deste piedoso e cruel acto, abriram as portas do castelo e acometeram o campo inimigo, que não esperavam tal corajoso ataque, pois sabiam do estado lamentável dos sitiados.

O primeiro ataque foi dos soldados comandados pelo seu capitão. Seguiram-nos o povo comandado pelo Abade João, ainda vigoroso e cheio de forças, apesar de já idoso, que vendo o traidor Garcia, entretanto chamado Culema, o atacou tão cheio de ânimo que logo conseguiu derrotá-lo, cortando-lhe a cabeça de um só golpe. De tal forma os mouros ficaram desorientados com a morte do seu chefe, que logo trataram de se salvar fugindo desordenadamente.

As tropas montemorenses foram em perseguição do inimigo até Seiça, que se situa a cerca de quatro léguas de Montemor, onde deram batalha aos muçulmanos fugitivos, os quais derrotaram totalmente. Calcula-se que durante a refrega terão morrido cerca de setenta mil mouros.

“Ao som dos tambores e mais instrumentos bélicos, que tocavam a recolher, e das vozes dos capitães que mandavam cessar no alcance dos inimigos, se recolheram os soldados às suas bandeiras, e achando vivo o Abade João e quasi toda a sua gente, deram infinitas graças a Deus, e passaram o resto da noite em diversos pensamentos, uns nascidos da glória de tão grande vitória e tão inesperada, outros de lástima com a lembrança das mortes que haviam executado em suas mulheres, e filhos e irmãs, em companhia dos quais lhes pudera ser este sucesso mais glorioso e alegre, como ali é triste e aguada a sua falta”.

Quando amanheceu o dia seguinte, e depois de recolherem os mais ricos despojos dos vencidos, preparavam-se os soldados para regressarem à sua vila quando, inesperadamente, receberam a notícia, trazida por alguns populares, de que estavam vivos todos aqueles que haviam deixado mortos em Montemor-o-Velho.

O Abade João, vendo no caso as grandes mercês de Deus, na grande vitória obtida e na maravilhosa ressurreição dos seus mortos, resolveu consigo entregar-se à sua fé, ficando no lugar da batalha, vestido de monge, “tão humilde e pobre aos olhos do mundo, quanto bravo e invencível parecera no dia antecedente aos do inimigo”. 

Regressando à vila Bermudo com os seus soldados e restante povo, encontraram todos os seus familiares que haviam degolado, nos quais “se via um fio como de seda encarnada, e sinal vermelho na garganta, donde se lhes dera o golpe”. Regressou Bermudo depois, ao local onde se dera a batalha, levando consigo os filhos que havia degolado em busca de seu tio, com o qual se encontraram no local onde se travara a batalha.


“... E para melhor conseguir o efeito do seu santo propósito, renuncia da sua abadia, erigiu no próprio lugar ermida à Virgem Santíssima. Esta imagem e do Menino que tem no colo, por cuja intercessão (é de crer) se obrou esta maravilha, conservam ainda hoje nas gargantas os mesmos sinais dos ressuscitados. Da qual e daquele deserto nunca apertadas instâncias dos seus monges puderam diverti-lo. Ali o resto da vida (esquecido das coisas da terra) perseverou em grande santidade, acompanhado de contínuos desejos de pátria celestial. Chegada a hora de seu feliz trânsito, vieram assistir-lhe os monges de Lorvão, em cujos braços (confortado com os últimos sacramentos) carregado de anos e santas obras exalou aquele generoso espírito. Querendo os monges levar seu corpo para lhe daram honorífica sepultura, entre os abades daquela casa, mostrou o Senhor  com manifesto milagre, que lhe não agradava esta mudança, fazendo o corpo do seu servo tão pesado e imóvel, que obrigou os religiosos sepultá-lo na própria ermida, onde permanecem seus ossos debaixo do altar da Senhora, e sua preciosa cabeça entre as relíquias do Lorvão, obrando por ela a mão divina (em pessoas mordidas por cães danados) contínuos milagres”.