sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Histórias e Lendas - 16

O recolhimento da Esperança
Recordação já distante


            “a um quilómetro aproximadamente para o norte do convento do Santo António, pelo nascente da estrada de Tavarede à Figueira e dentro da propriedade que hoje pertence a José Joaquim Alves Fernandes existia, no século 18º, outro edifício religioso: era o recolhimento de Nossa Senhora da Esperança”.

         No já longíssimo ano de 1605 teve lugar, na igreja de S. Julião da Figueira da foz do Mondego, o casamento de D. Leonor Migueis com Manuel Gonçalves. O casal teve uma filha, à qual deram o nome de Catarina,  que casou, em 1623, com Domingos António. E no ano de 1625, foi baptizada na mesma igreja uma criança, que recebeu o nome de Esperança, a qual faleceu precocemente deixando profunda mágoa e saudade especialmente em sua mãe e em sua avó.

         Era uma família abastada, possuidora de avultados bens, entre os quais se contava a quinta sita no caminho da Figueira para Tavarede, no local chamado ‘alto de S. João’, à qual deram então o nome de Esperança, em recordação de sua filha e neta.

         D. Leonor Migueis também possuia uma das quatro marinhas existentes na várzea de Tavarede, que se denominavam: a de El-Rei; a Lapa; a Vassala; e a Licenciada. Esta última, que se situava no lugar onde hoje está construida a estação do caminho de ferro, foi a adquirida e à qual, segundo o registo efectuado no livro das sisas do couto de Tavarede, também deram o nome de Esperança.

         Enviuvando muito cedo, D. Catarina Migueis casou em segundas núpcias com o sargento mor Francisco António Rossano no dia 30 de Junho de 1648. Todavia, foi um casamento que pouco tempo durou, pois ficou novamente viúva em 2 de Janeiro seguinte, pois o seu novo marido faleceu após seis meses de casado. Nascido em Itália Francisco António Rosani adoptou o apelido português de Rossano, foi sargento mor em Montemor-o-Velho, de onde foi transferido para a Figueira, com a missão de comandar as fortificações de Buarcos e Redondos que defendiam o porto de mar local.

         Novamente viúva D. Catarina Migueis, senhora rica e piedosa, resolveu fundar um recolhimento na sua já mencionada quinta e, sempre recordando sua filha, igualmente lhe deu o nome de ‘Recolhimento da Esperança’.

         Para a subsistência do recolhimento instituiu uma capela. “A capela consistia em bens vinculados em herdeiros do instituidor, com proibição de alienar, pensionados com a obrigação de missas e outros ofícios por sua alma. Na instituição da capela a porção do administrador era fixa e o que sobrava era para os encargos incertos, em contrário do que sucedia no morgado. Mas, na realidade, morgado e capela confundiam-se com o nome de vínculo, quando era certo que na capela o instituidor atendia principalmente ao espiritual e no morgado ao temporal. Não se sabe quais eram os bens desta capela, apenas se sabendo que tinha umas terras no campo de Verride”.

         “Compunha-se o edifício de casa em que habitavam as recolhidas e uma capela. A julgar pelo número de mulheres que lá viviam, pelos recursos de que viviam, pelo preço por que foi vendido o prédio, e pelos restos que dele conhecemos, não tinha luxos de arquitectura”.

         Como já referimos, o recolhimento terá sido construído no século dezassete. Do testamento de Fernão Gomes de Quadros, o morgado e quarto Senhor de Tavarede, recortamos o seguinte apontamento: “Ordeno que por minha Alma se mande dizer mil missas para que por meio dellas, se lembre Deus della, e isto em brevidade possivel, e cem dellas, serão a Virgem Nossa Senhora, para que seja minha interessessora e 50 a S. João Bautista, e 50 a Santo Antonio, e 50 a N. Sª. da Esperança, a quem darão de esmolla, 2.000 reis para as suas obras, ou o que mais necessario fôr e parecer ao dito meu Testamenteiro”.

         O referido testamento é datado de Setembro de 1665, o que nos indicia que o recolhimento estaria a ser construido por esta época.  “Ignoramos qual o ano em que este recolhimento se extinguiu. Mas é certo que por uma provisão régia de 29 de Dezembro de 1768 foi o edifício, com sua capela, cerca e dependências, dado às religiosas do convento de Pereira, e que em 2 de Dezembro de 1780 estas o cederam por 130$000 reiss ao dre. Francisco da Cruz Rebelo. Assim terminou esta pia e benéfica instituição”.


         É curioso o facto de que, em Setembro de 1768, poucos meses antes da sua doação, o confessor das recolhidas, o padre João Rodrigues de Carvalho, habitar no prédio, e ter sido ali que João Adolfo de Crato, o célebre juiz da Alfândega da Figueira, fez o seu testamento, na presença do tabelião do couto de Tavarede, em favor de suas quatro filhas solteiras, que ficaram conhecidas pelas ‘Alfândegas’.


         Já no século vinte o local, conjuntamente com a quinta do Paço de Tavarede, antiga residência dos fidalgos Quadros, foi urbanizado, tornando-se um dos mais modernos bairros residenciais da cidade figueirense. Manteve, no entanto, o nome que lhe havia sido dado por D. Catarina Migueis. É o bairro da quinta da Esperança que, assim, perpetua o nome da falecida filha daquela piedosa senhora figueirense.

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