sexta-feira, 25 de maio de 2012

Teatro da S.I.T. - Notas e Críticas - 29

1959.04.18 - FREI LUÍS DE SOUSA, EM ALCOBAÇA (O ALCOA)


Bem andou o Círculo Alcobacense de Arte e Cultura ao trazer a Alcobaça o Grupo Dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense que a todos proporcionou um espectáculo admirável e um nobre exemplo de solidariedade e sentido social, ao serviço da cultura popular.

Com manifesto agrado do público assistiu-se ao desenrolar do drama “Frei Luís de Sousa” que, estreado no Conservatório a 6 de Maio de 1843, foi desde então consagrado como obra prima do teatro nacional, coroa de glória do genial escritor. Embora ultrapassada a época do romantismo, este drama, quando bem interpretado, tem uma intuição de beleza poética que transforma a narrativa de Fr. António da Encarnação, num quadro de grande formosura.

O espectáculo foi apresentado pelo sr. Afonso da Cruz Franco, director do Círculo, que fez o elogio do sr. José da Silva Ribeiro, que tem dedicado a sua vida à cultura popular, e à obra gigantesca realizada desde 1904 pela Sociedade de Instrução Tavaredense. O sr. Silva Ribeiro, depois de agradecer os cumprimentos e as referências feitas, fez uma inteligente e agradável síntese da função cultural e educativa do teatro de amadores, que se projecta no bom gosto do povo e o recreia.

A representação teve muito nível e pasma-se como foi possível conseguir de amadores um conjunto tão uniforme de valores, que tem a valorizá-lo, com justo merecimento, a arte cenográfica de Manuel de Oliveira e a indumentária de Alberto Anahory. Bem merecem estes amadores uma parte descritiva de harmonia com o valor do grupo, cheio de talento e vocações.

Os principais papéis masculinos estiveram a cargo de João Cascão (Manuel de Sousa), Fernando Reis (Romeiro), António Jorge da Silva (Telmo Pais) e João de Oliveira Júnior (Frei Coutinho), que ouviram repetidos aplausos. Todos com boa dicção, sinceridade e sem maneirismos, revelaram fibra dramática. Necessariamente, pequenos pormenores distinguem o amador do profissional, mas seria descabido apontar um caso ou outro de maior excitação e duas entradas fora do tempo, prontamente disfarçadas, a revelar recursos. Na Arte, particularmente na poesia e no teatro, vivemos um somatório de impressões. Se o conjunto nos impressiona pela beleza das figuras, acorda sentimentos pela convicção, boa mímica e intuição artística dos personagens, atingiu-se o objectivo. Todo o jogo de cena teve acção própria e todos mostraram saber contracenar a tempo, sem excessos de atitudes, bem integrados nas personalidades respectivas. Fernando Reis, António da Silva e João de Oliveira Júnior foram mais regulares no decurso dos 3 actos, mas João Cascão teve momentos de grande intensidade dramática no 3º acto, mostrou possuir garra artística e intuição, que soube transmitir ao público.

Violinda Medina e Silva (Madalena de Vilhena) e Maria Isabel Reis (Maria de Noronha) foram duas grandes figuras que compreenderam a personalidade dos personagens, tiveram naturalidade e mostraram sentido dramático.

A marcação foi correcta e sem atrapalhações, cumprindo todos os restantes figurantes bem o seu papel, bem como o coro.

Todos os actos mereceram aplausos e no final o público, de pé, tributou uma vibrante salva de palmas a premiar a categoria dos artistas e o esforço cultural da Sociedade.

1959.05.13 - AS ÁRVORES MORREM DE PÉ (O DESPERTAR)

Para provável fecho da temporada teatral (supomos que será assim, pois dificilmente, dado o adiantado da época, alguma outra Companhia, profissional ou de amadores, virá ao Avenida), que este ano, aliás, foi verdadeiramente excepcional, o Grupo Cénico da SIT – o mesmo que a tinha iniciado brilhantemente com a representação de “Os Velhos”, de D. João da Câmara – veio apresentar, em benefício do Asilo da Infância Desvalida, a interessante peça de Alexandre Casona, “As Árvores Morrem de Pé”. A sala estava cheia, o que, não sendo de admirar – dado o prestimoso destino da receita e o justo cartaz que os Amadores de Tavarede possuem em Coimbra – é sempre para louvar, e o público palmeou com entusiasmo o bom trabalho que lhe foi apresentado.

Não é, agora, o momento oportuno para fazer apreciações à peça, por forma que vamos já, embora rapidamente, dizer o que nos parece dever salientar-se do trabalho dos Tavaredenses. E comecemos pelos intérpretes:

Violinda alardeou, uma vez mais, todas as suas enormes possibilidades histriónicas, defendendo com galhardia uns pequenos lapsos de memória.

Teresa foi uma excelente Genoveva, sendo, sem dúvida, entre os vários papéis que lhe temos visto desempenhar um dos que mais completamente nos agradou.

Maria Pereira foi uma eficiente secretária e Aurélia uma atrapalhada dactilógrafa como cremos que a peça exigia.

A criada Felícia foi dada por Maria de Lourdes com boa presença e desembaraço.

Nos homens Fernando Reis teve o grande osso da peça, não só pelo papel em si próprio como pela necessidade que teve de se rejuvenescer. Só a sua grande capacidade permitiu que vencesse brilhantemente tão numerosas dificuldades. Um reparo só: o braço esquerdo rigidamente caído quando da cena amorosa com Isabel no I quadro do III acto.

António Jorge tevem no avô Balboa, uma actuação certíssima, sem um deslize. Oliveira Júnior, no neto fugitivo e desclassificado, fez jus, por contraste feliz, a uma muito boa classificação.

João Medina (o pseudo pastor protestante e pseudo marinheiro norueguês), Nascimento (o ladrão de ladrões), António Santos (o ilusionista) e Cerveira (o caçador) formaram o fundo indispensável ao desenvolvimento do I acto e foram buscar à sua experiência cénica a defesa indispensável para o artificial dos seus papéis. Cerveira, porém, que julgamos ser a primeira vez que vimos actuar, menos calejado, tentou a defesa com uma exuberância demasiado visível.

Para terminar esta parte, duas palavras em especial para Isabel Reis.

Amalgamando o critério de apreciação de Maurício perante a actuação de Marta-Isabel em casa de Eugénia de Balboa, dir-lhe-emos somente que marcou nitidíssimos progressos sobre a sua actuação em “Os Velhos” e confirmou, sem margem para dúvidas, que tem todas as condições para vir a ser uma excelente artista. Deve guardar-se, porém, não nos cansamos de prevenir, de considerar-se já impecável (e haverá alguém que o seja?), antes deve continuar a ouvir com atenção – com mais atenção ainda, se possível – os conselhos dos mais sabedores, maxime do seu director artístico. Resumindo: para já, um M.B. – mas é indispensável continuar a merecer a classificação.

Evidentemente que este grupo de muito bons Amadores teatrais não poderia constituir uma equipa se não tivesse um Director que sabe o que quer conseguir e como o pode alcançar nas circunstâncias objectivas em que trabalha. José Ribeiro mostrou, uma vez mais, que é um excelente Director, encenando, ensaiando e conseguindo sempre esplêndidas caracterizações.

A contra-regra de Adriano Silva foi muito certa, tal como a actuação do ponto, José Cordeiro, que não se ouvia mas estava sempre atento e salvou uns pequenos lapsos de memória de duas personagens.

Os cenários e a maior parte dos adereços, muito bem, como é costume; outra parte dos adereços, incluindo o mobiliário, as louças e vidros, sobre o fraco.

A mutação das luzes, no crepúsculo do I quadro do III acto, também não nos pareceu feliz pela brusquidão sacudida com que se efectuou. Não será talvez difícil conseguir um reóstato que, de futuro, gradue a exigida diminuição da intensidade luminosa, pondo-a de acordo com o alto nível do restante da representação. Estamos certos que o Grupo Cénico da SIT, que já tem resolvido problemas tanto ou mais difíceis (por exemplo, o relógio que trabalhava, da Conspiradora, em contraste com o relógio parado que nos mostrou a Companhia do Nacional em Alguém Terá de Morrer) irá resolver também estrouto a contento dos seus admiradores e amigos.

Um problema que se nos afigura de mais difícil solução – mas que, obtido, muito ajudaria ao brilhantismo total dos espectáculos – é o da música de cena, pois as gravações, por mais perfeitas que sejam, não atingem a veracidade requerida e destroem o equilíbrio ambiental que o esforço dos Amadores tem conseguido criar.

1959.05.13 - AS ÁRVORES MORREM DE PÉ (DIÁRIO DE COIMBRA)

Já aqui se disse que o espectáculo levado a efeito no Teatro Avenida em benefício do Asilo da Infância Desvalida, pelo Grupo de Tavarede, conseguiu mais um êxito, que muito nos apraz registar aqui.

O Avenida apresentava o aspecto das grandes noites, tendo esgotado a lotação.

À hora marcada, o pano subiu, e a distinta declamadora, Maria Isabel Reis, disse a poesia do genial poeta, Miguel Torga, intitulada “História Antiga”, que o público aplaudiu com vibração.

Depois, representou-se a peça de Alejandro Casona, “As árvores morrem de pé”, que teve uma interpretação harmónica, de nível superior, destacando mais um vez os elementos do grupo. Não é favor, no entanto, destacar do conjunto, os conhecidos elementos, Violinda Medina, Maria Isabel Reis, Maria Teresa de Oliveira, António Jorge da Silva e João de Oliveira Júnior.

No final de cada um dos actos, o público manifestou-se com entusiasmo e por último fez uma justa chamada ao palco do nosso velho amigo José Ribeiro, que tem sido e continua a ser a alma do soberbo conjunto de amadores, digno de toda a simpatia, não apenas pelos seus méritos mas também pela colaboração que sempre sabe dar às jornadas com carácter de solidariedade.

Pena foi não ter sido possível conseguir-se mobiliário que correspondesse à indicação do autor da peça, para os diferentes actos.

Isso, no entanto, não tirou o valor à representação que, repetimos, conseguiu agrado pleno, firmando os créditos já conseguidos pelo simpático Grupo de Tavarede.

1959.05.23 - AS ÁRVORES MORREM DE PÉ (NOTÍCIAS DA FIGUEIRA)

Alejandro Casona, autor moderno dos mais representados e aplaudidos, tem na peça “As árvores morrem de pé” um dos seus mais justificados êxitos.

Em algumas das suas peças quis acompanhar a corrente “abstracionista, modernista, existencialista, etc., etc.,” enveredar por processos e caminhos diferentes dos do velho teatro grego, dos séculos XV e XVI, do romântico e do contemporâneo; mas com inteligência e perspicácia, e para que o público o entendesse e aplaudisse, arranjou uma fórmula que condiciona, em harmonia com o género da peça que pretende escrever. É teatro de Casona.

Na peça “As árvores morrem de pé” sem hesitações, apresenta o primeiro acto, aquele que tem uma única finalidade – a de esboçar o conflito – com aparente desejo de apresentar teatro moderno. Há ambiente de mistério, luzes estranhas, portas falsas, figuras arrancadas aos velhos autos ou às velhas comédias italianas! Casona preparou este arranque da peça, ao novo jeito, mas com grande habilidade e senso artístico para não caír em Chinezise.

No segundo acto, resolveu enveredar por caminho mais próprio para a efabulação da peça e apresentou um rico e belo quadro de alta comédia, de perfeita e harmoniosa construção e com a emoção devida, bem condicionada, para o agrado do público, mesmo do mais exigente. No terceiro, com cenas alteradas de boa comédia e de bom drama, e não desprezando uma pontinha de romantismo, tão agradável a todas as plateias, solucionou a seu modo o conflito criado. Assim – Sal e Pimenta – Casona, com inteligência, engenho e saber, produziu uma grande peça para o público... e para os empresários.

Desempenho – Maria Isabel Reis, que tinhamos apreciado na Emilinha dos Velhos, não desmentiu o conceito que dela tinhamos formado, apresentando uma bela figura de ingénua de comédia, com emoção sentida nalgumas cenas de carácter dramático.

Progrediu e muito bem, António Jorge, no papel, (o canastrão da peça) muito certo nos poucos momentos em que tem de representar, e defendendo com denodo, os muitos momentos em que o autor o abandonou. Fernando Reis, absolutamente à boa vontade, discreto e representando bem. Os restantes intérpretes, todos bons, certíssimos no movimento, no ritmo e na afinação, sob a regência da batuta do mestre José Ribeiro, o há muito tempo consagrado homem de Teatro. Para o fim, reservamos a apreciação do trabalho de Violinda Medina e Silva. Minucioso e perfeito no detalhe, correcto e elegante nas atitudes, belo na intuição e na intenção do dizer. Nada mais dizemos a não ser, que esta Amadora é uma Grande Artista. Cenários e arranjos, de bom gosto.

1959.08.22 - FAZER JUSTIÇA A QUEM A MERECE (O FIGUEIRENSE)

Para conhecimento dos nossos leitores e por serem dignas de grande valor, para uma associação que tem feito tudo para a elevação educativa e cultural do teatro, transcrevemos estas considerações do jornal Diário de Coimbra:

“O Concurso de Arte Dramática das Colectividades de Cultura e Recreio

Nos dias 27 e 28 do mês findo estiveram em Tavarede, vizinha freguesia deste concelho, os srs. Couto Viana, actor Pedro Lemos e António J. Forjaz, que constituem o júri do Concurso de Arte Dramática dos Colectividades de Cultura e Recreio.

Nomeados pelo SNI, deslocaram-se de Lisboa, para assistirem às provas de selecção do famoso grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense.

A velha e prestigiosa colectividade inscreveu-se nas duas categorias do concurso: categoria A – drama, com “Frei Luís de Sousa” e categoria B – comédia, com “Os Velhos”.

Exigia o regulamento do Concurso que as peças a representar fossem portuguesas, e não pode negar-se que as duas peças com que o grupo de Tavarede se apresentou são autênticas obras-primas do teatro português, das tais que não podem chamar-se antigas nem modernas, porque são eternas, como são as obras de arte verdadeiramente geniais. A alta classe destas obras de Garrett e de D. João da Câmara, as dificuldades a vencer na interpretação e na encenação, deram ensejo a que o grupo da Sociedade de Instrução Tavaredense patenteasse a homogeneidade e firmeza do seu conjunto e simultâneamente revelasse os seus valores individuais.

Digno de nota foi o cuidado com que a Sociedade de Instrução Tavaredense rigorosamente deu cumprimento a todas as disposições regulamentares.

Assim, estabelecendo o regulamento que seriam admitidas as colectividades que mantivessem grupos cénicos em actividade regular, apresentou a lista das obras representadas nos últimos 30 anos, indicando as peças levadas à cena em cada ano, numa constante actividade teatral.

Também o regulamento do Concurso estabelecia que as provas de selecção seriam prestadas, de preferência, na sala de espectáculos da sede, em récitas para sócios. Por isso, aquela Sociedade, reconhecendo embora que as provas ganhariam em beleza teatral sendo prestadas numa moldura cénica mais ampla, como a que lhe dariam os excelentes cenários do Prof. Manuel de Oliveira e de Rogério Reynaud num dos teatros públicos da Figueira, não quis sair da sua pequena e modesta casa em Tavarede, onde o júri pôde apreciar a actuação dos amadores tavaredenses no seu meio próprio, representando para os seus associados, na sua aldeia.

A primeira prova prestada foi a da comédia, com a representação de “Os Velhos” e a segunda foi dada com “Frei Luís de Sousa”. Duas representações de muita categoria. O público, que enchia o teatro, deliciou-se com a frescura rústica, a singeleza e a graça que D. João da Câmara pôs nos seus “Velhos” e contagiado, sorriu e muitas vezes riu francamente; e no “Frei Luís de Sousa” sentiu-se verdadeiramente dominado, esmagado pela beleza e grandeza daquela tragédia, tão vigorosa e tão simples na sua forma clássica.

Foram dois espectáculos de autêntico teatro português, de um alto nível artístico e de uma grande dignidade, que honram o teatro de amadores – do grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense. Merecedor ainda de registo o cuidado com que aquela Sociedade cultural respeitou e serviu a letra e o espírito das duas belas obras na interpretação, nos cenários, no mobiliário, nos adereços, em tudo que o conjunto cénico exigia para que não saissem desfigurados ou desrespeitados os dois gloriosos dramaturgos portugueses que o grupo de Tavarede levou ao Concurso de Arte Dramática das Colectividades de Cultura e Recreio.

1959.09.23 - O GRUPO CÉNICO DA SIT NO TEATRO TRINDADE (REPÚBLICA)

Tavarede, a mais pobre freguesia do concelho da Figueira da Foz, com cerca de 500 habitantes apenas – cavadores, operários, gente humilde de vários ofícios – viu nascer e crescer no seu seio uma inicitiva que hoje, 55 anos volvidos, se afirma como uma das mais notáveis realizações em prol de elevação da cultura popular, à custa dos maiores sacrifícios e em luta com as maiores dificuldades.

De facto, é entre aquela população de trabalhadores que têm sido recrutados os membros do grupo cénico da colectividade local – a Sociedade de Instrução Tavaredense. Vemos assim operários e cavadores aproveitar as horas livres do dia – que bem poucas devem ser quantas vezes – para se entregarem ao teatro com uma dedicação e uma vontade que nunca serão demasiado encarecidas.

À frente daquele agrupamento encontra-se José Ribeiro, que a ele se tem dedicado desde há longos anos de uma forma que associa indelevelmente o seu nome a essa rara iniciativa. Na realidade, não poderia esta ser compreendida sem o esforço desse homem, que conseguiu, com gente que suporia apenas rude e inculta, formar um grupo cénico que se tem mostrado à altura de ombrear com outros agrupamentos congéneres, procedendo ao mesmo tempo à divulgação do que de mais válido se regista na nossa literatura dramática, através de representações, conferências e outras realizações. Todos os anos se renovam os seus espectáculos, de que também não são excluídos os mestres estrangeiros, e não deve haver hoje em Tavarede uma família que não tenha contribuído para a existência do grupo.

Ontem tivemos ocasião de apreciar os resultados da obra notável de José Ribeiro, no quarto espectáculo da fase final do Concurso de Arte Dramática das Colectividades de Cultura e Recreio, preenchido com a representação da comédia em 3 actos, de D. João da Câmara, “Os Velhos”, pela Sociedade de Instrução Tavaredense.

O público, que encheu a sala do Trindade, não deixou de lhes prestar justiça, e os aplausos que lhe dispensou por várias vezes não só sublinharam os méritos imediatos do espectáculo como constituíram também significativa manifestação do carinho e da admiração que o esforço desses humildes trabalhadores e do seu orientador naturalmente lhe inspiraram.

Protótipo do nosso teatro regionalista, “Os Velhos” oferece hoje várias dificuldades até por divergir das concepções e da técnica que o tetro dos nossos dias impôs.

Dessas dificuldades se saíram, de uma forma que se poderá classificar de brilhante, os amadores de Tavarede, que souberam incarnar com naturalidade, graça e saber os pitorescos personagens do Patacas, do Prior, do Bento, do Porfírio, do Júlio, da Emília, da Ana, da Narcisa, da Emilinha, interpretados, respectivamente, por João da Silva Cascão, Fernando Severino dos Reis, António Jorge da Silva, João Rodrigues Medina, João de Oliveira Júnior, Violinda Medina e Silva, Maria Teresa de Oliveira, Helena Rodrigues Medina e Maria Isabel de Oliveira Reis. Interpretação adequada e adequada a encenação em que é sugerido ao espectador o ambiente alentejano no qual se desenrola a acção de “Os Velhos”.

O lirismo naturalista e o humor, a verdade dos ambientes e o espírito de observação que servem de base à obra de D. João da Câmara e a esta comédia em especial, animaram a representação do agrupamento de Tavarede, que arrancou calorosos aplausos, chegando aquela a ser interrompida mais de uma vez, como aconteceu no último acto.

Assim se viram ontem mais uma vez confirmados os méritos do grupo de José Ribeiro, esse grupo que se tornou um exemplo talvez único e decerto admirável de quanto pode ser feito por aqueles que acreditam na capacidade de criação artística do povo, que será sempre um recurso, mesmo quando as crises parecem fechar todas as portas.

1959.10.03 - AS PROVAS FINAIS DO CONCURSO DE ARTE DRAMÁTICA (O FIGUEIRENSE)

Os leitores devem estar recordados deste Concurso de Arte Dramática promovido pelo Secretariado Nacional de Informação, em que foi classificado para as provas finais o grupo dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense, com a comédia em 3 actos, Os Velhos.

Realizou-se esse espectáculo público, no Teatro Trindade de Lisboa, no dia 22 do corrente mês, em que entre outros jornais diários, fizeram referências elogiosas, “A República”, “A Voz” e o “Século” do qual transcrevemos:

“....a sala oferecia um belo aspecto e foi numa atmosfera de carinho que decorreu a apresentação da popular obra de D. João da Câmara, certamente aquela que o tempo mais envelheceu. Não que esteja ultrapassada pelo seu conflito, mas pela técnica e principalmente, pelos seus longos e estirados monólogos. Acentue-se todavia que os amadores de Tavarede se houveram galhardamente, transmitindo-nos aquele ingénuo encanto, aquela saborosa tela naturalista, em que não faltam alguns apontamentos de bom humor soberbamente observados e criticados. Duas salvas de palmas interromperam a representação do último acto em momentos magistrais, tão singelos tão puros, que pareciam arrancados à própria vida.

Subiram mais alto esses aplausos no final, envolvendo intérpretes e encenador, sendo lícito salientar entre aqueles: António Jorge da Silva (que roubou as melhores gargalhadas durante a cena da ceia), João da Silva Cascão e Maria Isabel de Oliveira Reis, plena de frescura e graça. Apontemos ainda os nomes dos outros artistas merecedores de referência: Fernando Severino dos Reis, João Rodrigues Medina, João de Oliveira Júnior, Violinda Medina e Silva, Maria Teresa de Oliveira e Helena Rodrigues Medina”.

Também o “Diário Ilustrado” disse de sua justiça:

“... convém dizer que Tavarede é a sede da mais pobre das freguesias do concelho da Figueira da Foz, com cerca de 140 fogos e apenas 500 habitantes. Trata-se duma pequena aldeia de lavradores e operários onde não há uma família onde alguém não tenha sido actor, no grupo dramático que exerce a sua actividade há mais de quarenta anos de espectáculos renovados.

... cumpre-nos elogiar a sobrevivência ao longo de quarenta anos duma tradição teatral num remoto canto da nossa província, sem recursos nem humanos nem financeiros”.

Sabe bem ler estas coisas a respeito da nossa terra.

FEZ-SE JUSTIÇA (O FIGUEIRENSE)

Depois de escrevermos a primeira notícia, temos agora a grande satisfação de dar aos nossos leitores, que foi atribuído o prémio à Sociedade de Instrução Tavaredense, pela representação “Os Velhos”:

“Prémio Francisco Taborda” – Sociedade de Instrução Tavaredense – “Os Velhos” – 6.000$00.

Encenação: “Prémio Carlos Santos” – José da Silva Ribeiro – 5.000$00.

Prémios de interpretação:

“Prémio Chaby Pinheiro” – António Jorge da Silva (no papel de “Bento”) – 3.000$00.

“Prémio Maria Matos” – Violinda Medina e Silva (no papel de “Emília”) – 3.000$00.

Menção honrosa: João da Silva Cascão, no papel de “Manuel Patacas”.

Está de parabéns o grupo dramático, merecendo as nossas felicitações, pelo triunfo que alcançou.

1959.10.08 - CONCURSO DE ARTE DRAMÁTICA (A VOZ DA FIGUEIRA)

Já depois de andar pelas mãos dos seus leitores o último número de “A Voz da Figueira”, foi tornado público o resultado do concurso de Arte Dramática promovido pelo Secretariado Nacional de Informação entre as sociedades de cultura e recreio de todo o país.

O triunfo da Sociedade de Instrução Tavaredense, como era de prever, foi de molde a convencer e honrosíssimo para a nossa terra.

A colectividade tavaredense foi galardoada com o “Prémio Francisco Taborda” (2ª. classificação da categoria B – comédia) pela representação de “Os Velhos”, de D. João da Câmara.

José da Silva Ribeiro recebeu, como ensaiador, o 2º. prémio “Carlos Santos” (5.000$00).

António Jorge da Silva e Violinda Medina e Silva foram contemplados com o “Prémio Chaby Pinheiro” e o “Prémio Maria Matos” (3.000$00 cada) de interpretação masculina e feminina, respectivamente, em “Os Velhos”.

E, finalmente, a João da Silva Cascão foi atribuida menção honrosa pelo desempenho do papel de “Manuel Patacas” na mesma peça.

O Juri era constituído pelos srs: Rogério Fonseca, delegado da Federação das Colectividades de Cultura e Recreio; D. Maria Manuela Couto Viana; e srs. António Pedro, Carlos Moreira, António Manuel Couto Viana, Pedro Lemos, António José Pereira Forjaz, Goular Nogueira, Armando Cortês e Carlos Wallenstein.

Felicitamos a Direcção da SIT, os distintos amadores e seu ensaiador, congratulando-nos sinceramente com o seu merecido triunfo.

1959.10.08 - CONCURSO DE ARTE DRAMÁTICA (A VOZ DA FIGUEIRA)

Levadas a efeito pelo SNI (Secretariado Nacional de Informação), estão a decorrer em Lisboa, no Teatro da Trindade, as provas finais do concurso de Arte Dramática das Colectividades de Cultura e Recreio, que em hora alta aquela entidade julgou por bem realizar.

Numa altura em que muito se fala de “crise teatral”, para a direita e para a esquerda, num período em que tais actividades culturais adormecem acariciadas pelo embalador sol estival, tal manifestação artística vem despertar o ânimo (ou desânimo), daqueles que não acreditam no teatro e, o que é mais notório, vêm demonstrar que a haver crise ela não tem a sua origem numa falta de valores representativos.

Após um juri especialmente nomeado ter percorrido o país para poder assistir às primeiras provas selectivas, foi tornada pública a lista das colectividades apuradas para a fase final e, note-se, chegar-se a esta parte do concurso é já um subido triunfo, uma vez que a categoria dos concorrentes obrigará agora a uma maior demonstração de valor, a uma mais certa e profunda actuação, qualidades essas que virão, como é óbvio, a realçar o prestígio dos finalistas.

Para trás ficaram agrupamentos que ao teatro têm dedicado o sangue da sua existência, como é o caso, v.g., da Sociedade Guilherme Cossoul e que neste concurso se apresentava com “Catão”, de Garrett, sob a direcção de Jacinto Ramos, uma pessoa que além de conhecer sabe o que é Teatro.

No grupo dos doze escolhidos aparece o nome da Sociedade de Instrução Tavaredense, grupo que há mais de 40 anos defende e difunde o Teatro dentro do amadorismo mais sadio que é possível conceber-se, procurando um grau de perfeição cada vez mais elevado, lutando contra todas aquelas barreiras que condicionam as colectividades pobres.

Pois bem, a SIT prestou as suas provas no Trindade, no passado dia 22, ante uma assistência numerosa que aguardava com visível interesse a subida do pano.

Escolheu a Sociedade de Instrução Tavaredense a comédia em 3 actos de D. João da Câmara – “Os Velhos” – peça que nos fala da gente humilde e franca do nosso povo, com os seus usos e tradicionalismos fortemente embrenhados na alma, dos seus dizeres tão característicos, das suas reacções em face do progresso, progresso este que neste caso vinha bulir com o rústico sossego que durante anos os conservava tal como eram e não desejariam deixar de ser.

Todas as dificuldades de encenação foram, contudo, vencidas pelos competentes amadores de Tavarede que conseguiram atingir, numa peça em que cada personagem retrata um tipo de indivíduo acentuadamente diferente dos outros elementos, uma categoria muito acima do nível geral do meio artístico amador nacional.

Será injusto destacar nomes numa representação que brilhou pelo equilíbrio e homogeneidade do conjunto, pela sobriedade e naturalidade com que cada um se houve do seu papel e, acima de tudo, pelo sentido artístico revelado do princípio ao fim.

Salientaremos apenas, tal como o público o fez com demorada salva de palmas, uma vigorosa cena do 3º. acto, na qual se gera uma aguda controvérsia entre... “os velhos”.

Cumpre-nos afirmar que a Sociedade de Instrução Tavaredense viu a sua actuação saudada calorosamente, não só nos finais de acto, como no desenrolar dos mesmos, para no final escutar da assistência, de pé, vibrantes aplausos, misturados com inúmeras exclamações de parabéns.

E de parabéns está a Figueira.

1959.10.15 - TAVAREDE NO TRINDADE (A VOZ DA FIGUEIRA)

Quando haviamos traçado as primeiras linhas sobre a actuação do grupo de Tavarede no Trindade, tinhamos adoptado como única base qualitativa um critério muito pessoal e, por tal, muito subjectivo, susceptível de toda e qualquer opinião contraditória. Dissemos, então, o que nos pareceu justo e de justiça afirmar-se e, evidentemente, a opinião mantém-se, opinião essa que foi corroborada quase por toda a crítica da especialidade. Quanto ao “quase”, ele apenas vem em favor da SIT, pois todo aquele que não tem pelo menos um “inimigo” não pode, por força, ser importante.

Agora, porém, se tal nos é permitido, falaremos em função de dados que além de concretos, são oficiais. Referimo-nos à classificação dada pelo juri do concurso e começaremos por lembrar que esta parte final engloba 12 concorrentes, pelos quais iriam ser atribuidos 32 prémios e menções honrosas, quer aos conjuntos como aos intérpretes. Ao atentarmos na lista classificativa reparamos que três associações obtiveram quase que metade da totalidade de citações. São elas – “Grupo de Teatro Miguel Leitão”, de Leiria, com 2 prémios e 3 menções honrosas; “Sociedade Recreativa e Dramática Eborense”, com 2 prémios e 3 menções honrosas; e “Sociedade de Instrução Tavaredense”, com 4 prémios e 1 menção. Se até há pouco podíamos ser acusados, por hipótese, de algo de regionalismo determinante de alguma crítica menos verídica, cremos, igualmente, que o “como queríamos demonstrar” não será alcançado, qualquer que seja o método adoptado.

Especificando e comentando os louvores atribuídos à Sociedade de Instrução Tavaredense anotamos a conquista do “Prémio Francisco Taborda” pelo agrupamento e, consequentemente, a atribuição a José da Silva Ribeiro do “Prémio Carlos Santos”, pela encenação de “Os Velhos”. Sobre tal já anteriormente tecemos o essencial. O “Prémio Chaby Pinheiro” (interpretação masculina, categoria B) foi para António Jorge da Silva, no papel de “Bento”, enquanto Violinda Medina e Silva no papel de “Emília”, obteve o “Prémio Maria Matos”, (interpretação feminina, categoria B). Para João Cascão, em virtude do seu papel de “Manuel Patacas”, foi uma menção honrosa de interpretação.

Prémios justíssimos, a atestar o dote do feito, os seus valores representativos, a sua sentida personagem artística, a qual, ainda que enformada por um amadorísmo íntegro, se revela pujante de qualidades cénicas. Afirmámos ser injusto destacar nomes, mas uma vez que eles já foram erguidos, poderemos sobre eles exprimir algo mais do que uma recompensa pode sugerir.

D. Violinda Medina foi, quanto a nós, o elemento mais valioso no palco. Igual desde o princípio ao fim, sempre a mesma suavidade de movimentação, igual candura de mímica em todos os actos, tudo inerente a uma “Emília” que D. João da Câmara desenhou. D. Violinda Medina dava a sensação de não representar, mas viver. António Jorge da Silva entregou-se de corpo e alma a um “Bento” sadio e aberto, homem sem “papas na língua”, desses que retratam todo um tipo de aldeão que ainda, felizmente, encontramos. A João Cascão foi atribuída “menção honrosa”. É justa, pois “Patacas” alternou o bom com o muito bom. Na cena que destacámos alcançou ele bitola alta, foi mesmo o soberano da situação.

Falou-se que a escolha da peça não tinha sido feliz. Talvez. Note-se, porém, que “Os Velhos” foram igualmente escolhidos pelo agrupamento “Os Modestos” e que, tal como o juri posteriormente esclareceu, para efeitos de selecção, não foi tomada a categoria das peças, mas sim o “mérito dos recursos artísticos dos componentes de cada grupo dramático concorrente, o seu valor de conjunto, o nível do espectáculo e o seu estilo e bom gosto da encenação em todos os seus efeitos”.

A não ser que a tal “voz discordante” esperasse ver Ionesco...

1959.10.17 - IMPRESSÕES DE UM AMADOR DA SOCIEDADE DE INSTRUÇÃO TAVAREDENSE COM A REPRESENTAÇÃO DE “OS VELHOS” NO TEATRO TRINDADE, EM LISBOA, NA FINAL DO CONCURSO DE ARTE DRAMÁTICA ORGANIZADO PELO SECRETARIADO NACIONAL DE INFORMAÇÃO (NOTÍCIAS DA FIGUEIRA)

Entrámos no Concurso de Arte Dramática organizado pelo Secretariado Nacional de Informação animados de grande esperança, se bem que de antemão soubéssemos que iam concorrer os melhores grupos de amadores do país.

Foi, pois, com uma grande força de vontade e apoiados no saber e competência do nosso ensaiador que começámos os ensaios a ensaiar a sério.

Mas se na verdade o Concurso exigia que fizéssemos boas provas, a verdade também manda que se diga que os amadores tiveram sempre o grande desejo de se apresentarem na capital. Nunca as circunstâncias o tinham proporcionado, apesar de conhecermos um grande número de palcos do país. Sintra tinha sido a localidade mais próxima...

Foi, pois, com entusiasmo, que todos os amadores encararam as provas de selecção, dado que nos surgia a grande oportunidade de representarmos em Lisboa.

A data foi marcada.

O nosso ensaiador deu os últimos retoques nos “Velhos” e no “Frei Luís de Sousa”. E perante o juri nomeado para a nossa zona - a mais numerosa em concorrentes e com grupos de grande valor - fizemos duas esplêndidas representações.

Aguardámos a decisão do Júri com muitas esperanças, pois os dois espectáculos tinham sido dos melhores que tinhamos feito durante a carreira das referidas peças.

Veio a notícia.

Iamos, finalmente, representar em Lisboa!

Os amadores sentiram-se radiantes. Não era só o Concurso; não eram os prémios... era, sim, o facto de representarmos para o público da capital...

A responsabilidade era grande. O nosso mestre fez-nos ver o tamanho dessas responsabilidades e o fracasso que seria se o espectáculo saísse mau.

Talvez por isso mesmo fizemos dois ensaios péssimos. O último foi mesmo muito mau, não sabemos porquê, pois todos sabiam bem os papéis. Nervos com receio dum público exigente.

O nosso ensaiador estava desapontado e receoso de uma exibição semelhante perante o júri; Chegou mesmo a lembrar que seria bom enviar um telegrama a desistir do Concurso...

Antes dele sair para Lisboa (teve de ir na véspera por causa da montagem dos cenários) deixou-nos uma grande folha de papel com indicações - dos erros cometidos durante esse desastroso ensaio.

Essas observações foram lidas com muita atenção; decoradas, até, como se fora um papel distribuido para uma peça, tal era a vontade de fazer um bom espectáculo perante um público desconhecido para nós.

Como seria o palco? Era muito grande? E o teatro?

Chegou, finalmente, o grande dia!

Cada um sentia o peso das responsabilidades...

... E o combóio partiu para Lisboa levando dentro dele um modesto grupo de amadores que tinham agora medo do público alfacinha...

O sonho tinha-se tornado em realidade, mas agora essa realidade pesava-nos como um fardo... Todos pensavam o mesmo mas ninguém se atrevia a dizê-lo...

O combóio chega ao Rossio. Na estação esperavam-nos alguns amigos figueirenses que vivem na capital e que quizeram dar-nos o prazer de nos dar um abraço.

Fez-nos bem, mesmo muito bem, pois sentimo-nos mais confiantes. Mas a nossa satisfação subiu mais alto, (que nos perdoem a franqueza) quando dentre essas pessoas que nos esperavam surgiu o nosso muito querido amigo pintor Alberto Lacerda. Em toda a parte o encontramos. Em toda a parte ele nos vai ver representar. E nem sequer nos tinhamos lembrado que afinal ele estava na sua terra...

Fomos para o teatro na sua companhia e quase nos esquecemos das responsabilidades que nos preocupavam.

Muito cedo comparecemos para nos vestirmos e caracterizarmos. Antes da hora estava tudo pronto para começar a representação.

Espreitámos para ver a sala de espectáculos. Lá estava ela, já quase cheia, cheia dum público selecto, desejoso de apreciar mais um espectáculo do Concurso.

Como iria sair a representação? Boa? Má?

Quando sentíamos o coração oprimido por recearmos esse público - mais até do que o próprio Júri - poisou nos nossos ombros a mão amiga de Alberto Lacerda. A seu lado estava Alberto Anahory; mais além José Ribeiro com os nossos carpinteiros e o nosso contra-regra...

Mas afinal, pensámos, estes amigos são os mesmos de Tavarede! O ambiente é o mesmo... Porque se não há-de fazer uma boa representação?

E foi com este pensamento que encarámos o espectáculo.

Subiu o pano...

Grande silêncio na plateia, sinal de público que gosta de teatro.

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A representação do primeiro acto saíu bem.

O público aplaude calorosamente e ficámos muito animados. José Ribeiro está contente... e no intervalo aparecem as pessoas amigas a dizer que o acto tinha sido bom e que o público estava a gostar.

Foi então com mais segurança que entrámos no segundo acto.

Durante a representação observámos que o público não perdia uma palavra. Todas as falas eram seguidas com interesse e marcadas com gargalhadas as passagens mais cómicas.

No final deste acto redobraram os aplausos e sentimos então que tinhamos conquistado a plateia.

Reinava já grande alegria e satisfação entre os amadores...

Iamos entrar no terceiro acto - o de maior responsabilidade e o de maior espectáculo. A cena da ceia era para nós a maior preocupação... Mas se ela saísse bem, então seria o triunfo...

Sobe o pano.

A representação começa bem. Os amadores tornam-se senhores da situação. O público continua com uma atenção extraordinária - tão extraordinária que nos surpreende.

Chega a cena capital - a da ceia - e sai como nunca o fizemos!!! O público, esse público que nós tanto temíamos, recompensa-nos com uma tremenda salva de palmas, a premiar essa cena admirável que D. João da Câmara magistralmente concebeu e que o nosso mestre magistralmente ensaiou...

Recomeça a representação para, mais adiante, outra grandiosa salva de palmas interromper o espectáculo.

Cai o pano...

... E cai sobre nós uma ovação como nunca tiveramos ouvido em toda a nossa carreira de amadores.

O pano sobe, e desce para tornar a subir seis, sete, oito vezes... O nosso ensaiador é chamado ao palco... e os aplausos continuam com toda a plateia a aplaudir de pé.

Foi um verdadeiro delírio.

No palco o contentamento entre os amadores e as pessoas amigas não se podia descrever...

Abraços... Lágrimas... Parabéns...

Obrigado, público de Lisboa. Foi este o melhor prémio que nos podias dar.

1959.10.24 - ENGENHEIROS DE OBRAS FEITAS (NOTÍCIAS DA FIGUEIRA)

Na nossa qualidade de figueirenses estamos sempre prontos a louvar com o justo realce tudo quanto prestigie a nossa terra, tanto no campo material como no campo cultural, numa coerência de princípios que os “engenheiros de obras feitas” cumprem muito gostosamente.

Recentemente, o Secretariado Nacional de Informação promoveu um Concurso de Arte Dramática para o qual seleccionou as colectividades do país que julgou dignas de concorrerem às diversas modalidades de teatro, opondo-as fora do seu ambiente e sob as vistas de um júri de mestres.

A finalidade deste Concurso e os resultados que dele resultarão, pensamos nós, serão mínimos e quase estéreis.

O teatro de amadores precisa de impulsos de outra ordem, mais palpáveis e substanciais, e para a elevada função que ele representa na instrução do povo, são necessárias outra directrizes mais profundas e eficazes, de forma a salvar da decadência a magnífica arte de representar que, no conjunto de amadores e profissionais, sofre uma crise de estímulo provocada por asfixiante regulamentação, como todos sabemos.

Mas isto é assunto para uma vasta apreciação e não é esse o nosso propósito neste momento.

Todos os figueirenses conhecem de sobejo o valor da “nossa” Sociedade de Instrução Tavaredense, que foi uma das colectividades admitidas ao referido concurso.

A sua obra e o seu valor estão documentados pela representação do que melhor existe no teatro nacional e estrangeiro. As peças de autores portugueses mais consagrados têm passado pelo pequenino teatro de Tavarede, representadas, sempre, por um grupo de grandes amadores, que têm enchido de prestígio não só a sua associação como a própria Figueira da Foz, através de quase todo o país.

É enorme a sua acção no campo cultural e beneficente, e neste último aspecto, ela tem dado tudo em prol dos outros, nunca pensando em si, e hoje, que quer reconstruir o seu teatrinho não o pode fazer porque não amealhou meios para isso.

Maior isenção, maior sacrifício pelo bem comum, não é possível encontrar nos dias de hoje.

A Sociedade de Instrução Tavaredense foi ao Concurso do SNI por méritos próprios, não se organizou ou ensaiou à pressa para se apresentar em Lisboa. O concurso encontrou-a preparada e apetrechada e não teve de recorrer a qualquer recurso para representar a sua peça, porque o bom teatro e as boas peças são norma corrente do seu trabalho.

Por isso, foi altamente honroso para a Figueira o resultado alcançado pelo grupo de Tavarede, e que se deve atribuir, exclusivamente, ao valor dos seus amadores, que souberam vencer, num confronto das maiores responsabilidades.

Atesta-o a classificação que obteve no referido Concurso, na Categoria B – Comédia, com quatro prémios.

= 2º. Lugar – Prémio “Francisco Taborda”, pela representação da comédia “Os Velhos”.

= Prémio “Carlos Santos”, ao seu ensaiador.

= Melhor interpretação feminina – Prémio “Maria Matos”, à amadora Violinda Medina e Silva, no papel de “Emília” na comédia “Os Velhos”.

= Melhor interpretação masculina – Prémio “Chabi Pinheiro”, ao amador António Jorge da Silva, no papel de “Bento” na mesma comédia.

= Foi, como se vê, o único grupo que alcançou quatro prémios, pois os restantes oito prémios foram assim distribuidos: - “Grupo Miguel Leitão” de Leiria, 2 prémios; Sociedade Recreativa e Dramática Eborense, 2 prémios; Círculo Cultural do Algarve, 2 prémios; Clube Popular de Faro, 1 prémio; Centro de Desporto, Cultura e Recreio do Pessoal dos CTT de Lisboa, 1 prémio.

Verifica-se assim,que o grupo de Tavarede alcançou um terço da totalidade dos prémios, devendo acrescentar-se duas menções honrosas: interpretação do amador João Cascão, no papel de “Patacas” de “Os Velhos” e encenação do “Frei Luís de Sousa”.

Quer dizer, os primeiros Artistas – Amadores do teatro português de comédia, são tavaredenses.

Ao distinções que definem bem o valor de uma colectividade com uma vida dedicada ao teatro, e que traduzem, ainda, uma enorme honra para a Figueira da Foz.

E é aqui que queríamos chegar:

Como se manifestou a Figueira no seu regozijo e no merecido agradecimento à Sociedade de Instrução Tavaredense?

Em nada, absolutamente nada.

Que contraste, que tristíssimo contraste com o acolhimento que a nossa vizinha Leiria dispensou ao seu grupo “Miguel Leitão”, que alcançou 2 prémios com a representação do drama “Tá Mar”.

O grupo leiriense foi recebido nos Paços do Concelho da sua terra por toda a vereação municipal, numa sessão solene em que participou toda a população.

A Câmara Municipal, atribuindo-lhe a medalha de ouro da cidade deliberou, ainda, aumentar de 6 para 10 contos o subsídio que lhe dá anualmente.

A Câmara de Leiria rematou o seu agradecimento, oferecendo um banquete aos componentes do grupo, e ao qual assistiram os srs. Governador Civil, Presidentes da Câmara e do Turismo e outras individualidades.

E por último realizou-se novo banquete, oferecido pelos amigos do grupo, presidido pelo sr. Presidente da Câmara e no qual tomaram parte dezenas e dezenas de pessoas de todas as camadas sociais.

Leiria e as suas entidades oficiais souberam, assim, agradecer ao grupo “Miguel Leitão” a honra de levar para sua terra 2 prémios do Concurso de Arte Dramática realizado em Lisboa.

E as entidades oficiais da Figueira como é que manifestaram o ser reconhecimento à Sociedade de Instrução Tavaredense pelos QUATRO prémios que ela alcançou para a nossa terra?

Nem uma simples referência, nem um modesto voto de louvor se tornou público (e tem havido tantos neste últimos tempos!) a galardoar tanto esforço, tanto trabalho pela instrução e pela beneficência do nosso concelho!

E se nos anais da nossa Câmara há registos que honram e enobrecem, a obra da Sociedade de Instrução Tavaredense devia ficar ali vinculada em letras de ouro, em preito do muito que ela tem prestigiado a nossa Figueira da Foz.

Seria o verdadeiro prémio a que ela tem incontestável direito, e uma prova de gratidão muito e muito merecida.

1959.11.05 - TRIBUNA LIVRE (A VOZ DA FIGUEIRA)

Temos pouco?... temos mau? ... mas também há bom, para não falar em muito bom e que não premiamos, como merece.

Vêm estas considerações a propósito de uma notícia lida, há poucos dias, sobre a homenagem prestada ao GRUPO TEATRO MIGUEL LEITÃO, por ter sido distinguido com o 1º. Prémio-Drama no Concurso de Arte Dramática, promovido pelo SNI, entre todas as Sociedades de cultura e recreio do nosso país.

Vamos nós ficar indiferentes ao retumbante êxito alcançado pela Sociedade de Instrução Tavaredense quando esta foi galardoada com o “Prémio Francisco Taborda” (2ª. Classificação da categoria B – comédia) pela representação de “Os Velhos”, de D. João da Câmara?

José da Silva Ribeiro recebeu, como ensaiador, o 2º. prémio “Carlos Santos”; António Jorge da Silva e Violinda Medina e Silva foram contemplados com o “Prémio Chabi Pinheiro” e o “Prémio Maria Matos”; e a João da Silva Cascão foi atribuida menção honrosa pelo desempenho do papel de “Manuel Patacas” na mesma peça – conforme vem publicado nos jornais, e em especial na local de A Voz da Figueira de 8 do corrente, que teve a feliz ideia, passando por cima da modéstia de José Ribeiro, de lhe publicar a sua fotografia. Limitamo-nos a ler essas notícias?

Se não fosse razão bastante o êxito alcançado bastaria, como causa principal, o que tantos têm recebido, através das comissões organizadas em várias terras do país, que têm solicitado, sem nunca ouvirem um não, o seu concurso, pois os fundos arrecadados através das suas magistrais interpretações, somam uns bons milhares de escudos.

Organizemos nós uma pequena, mas sincera homenagem, que será acarinhada, estou certo, por todas as terras onde são conhecidos, e de que são credores, transformando-se, imediatamente, em qualquer coisa de grande, digna desses rapazes e raparigas que, depois de um árduo dia de trabalho, ainda têm tempo para se sacrificarem, à noite, com ensaios, dias e dias seguidos, para que resultem sempre, dignas de aplauso, as suas representações, “grandes lições” (pois as peças são escolhidas com o maior cuidado) para todos, principalmente, hoje em dia, em que tanto se fala de educação cívica dos jovens, futuros homens de amanhã, que só pensam em “futebois e filmes americanos”.

Tem a Sociedade de Instrução Tavaredense muitos e distintos amigos e, sem querer melindrar ninguém, lembro o sr. Dr. Elísio de Moura, que se poderiam consultar e, estou certo, se juntariam a todos nós, para prestar justiça a quem a merece, sem esquecer a forma de se conseguir uns tostões que, multiplicados pelo número grande de inscrições, dariam um total razoável de umas centenas de escudos para as obras que a Sociedade pensa fazer na sua sede e que não têm sido possíveis, por falta de fundos.

Até José Ribeiro, que é contra homenagens, teria de a aceitar, pelo fim em vista, e, assim, juntar-se-ia o útil ao agradável.

Aguardamos, com fé, o aparecimento do jornal ou a Comissão que tenha tão feliz iniciativa.

1959.11.28 - FREI LUÍS DE SOUSA (NOTÍCIAS DA FIGUEIRA)

Frei Luís de Sousa, imortal obra de Almeida Garrett, não consente crítica ou comentário, pois que como todos sabem, é considerada Obra Prima do Teatro Clássico Português.

Linguagem, história e efabulação, tudo é perfeito, é sublime e grandioso.

Há mais de cinquenta anos que conhecemos a peça e temos assistido a dezenas e dezenas de representações.

Vimos as notáveis interpretações de Brazão e Pato Moniz do protagonista; as admiráveis criações de Álvaro e Cardoso Galvão no Romeiro; os perfeitos e conscientes desempenhos de Augusto Antunes e Carlos Santos do difícil Telmo Pais; muitos e bons actores no Frei Jorge, o papel ingrato da peça; grandes actrizes como Emília de Oliveira e Augusta Cordeiro na Dona Madalena de Vilhena; várias actrizesinhas no papel de grande vibração dramática de Dona Maria, que em 1916 teve a mais humanamente dolorosa encarnação em Judite de Castro, rapariguinha de 14 anos, naturalmente histérica e doente, que um ano depois, abandonou a carreira do Teatro.

As notáveis encenações de Augusto Rosa, Augusto de Melo e Carlos Santos, mestres no género, com cenários de Manini e Machado e figurinos de Manuel de Macedo, deram a essas representações um nível máximo, à grande altura a que tinha juz obra de tão reconhecido valor.

No passado dia 20 retomámos o contacto com o célebre drama, duvidando de que o grupo cénico Tavaredense conseguisse levar a cabo tão difícil como ingrato cometimento. Ouvimos a peça seguindo a representação com crescente admiração. Não pretendemos nem podemos analisar um por um, os trabalhos dos distintos amadores, saíndo-nos da pena com toda a sinceridade a seguinte apreciação: Todos bem, muito bem, havendo cenas que nos fizeram reviver as grandes interpretações a que nos referimos. Violinda Medina, Maria Isabel, Cascão, António Jorge, Fernando dos Reis e Oliveira Júnior, em grande conjunto com os restantes intérpretes, que em pequenos papéis contribuiram para mais um êxito do Grupo Cénico de Tavarede, como já dissémos – Muito Bem.

Eis as nossas impressões que no respeita ao que o público viu e aplaudiu.

Mas na parte que o público não vê, na vara mágica que fez viver a beleza e magnificência da peça, na cabeça que estudou e meditou, na direcção e ensaio, na minúcia do detalhe, finalmente na realização de tão complicado e científico trabalho, reside o maior valor do espectáculo, e esse sucesso, é devido à mão, à experiência e saber do Grande Homem de Teatro que se chama José Ribeiro.

Palmas ao Grupo de Tavarede – Parabéns a José Ribeiro.

Quadros - os Senhores de Tavarede - 5

Podemos calcular a enorme vastidão dos dominios territoriais da Casa de Tavarede pelo que o Dr. Santos Rocha escreveu, no livro ‘Materiais para a História da Figueira – séculos XVII e XVIII’. “… só no século XVIII a Casa de Tavarede começou a fazer concessões de terrenos para se construirem casas, tanto no lado setentrional da rua Bela, na parte que abrange as três primeiras casas do lado do nascente, como no lado ocidental da rua de Santo António e no lado oposto da mesma rua, e bem assim na rua, travessas e ladeira da Lomba e no lado oriental da rua da Bica; ainda em 1761 os representantes da Casa de Tavarede diziam numa escritura: ‘que eles eram senhores e possuidores de um chão pousio, sito por baixo de Santo António da mesma Figueira, a cujo pousio chamam a Lomba…’. Outro cerrado abrangia o Mato e a costa oriental do Monte até à Rua da Fé, entre o rio e o caminho da Várzea e constava como terra de pão, mato, pedreiras e barrocos. A Casa de Tavarede vendeu-o em 1738. Um outro cerrado estendia-se, desde o sítio da Lapa e do Mato, pelo Vale até ao caminho de Santo António. Ainda nos princípios do século XVIII a Casa de Tavarede aforou ‘uma jeira de mato, no monte, confinante com a estrada das Lamas, sob a condição do enfiteuta a reduzir a cultura…’”.

A primeira questão com o Cabido de Coimbra de que encontramos nota, data de 1535. Trata-se de um Auto de Inquirição de testemunhas, datado de 15 de Julho daquele ano, a requerimento de António Fernandes de Quadros, nomeadas contra o Cabido sobre os terrádegos. E, no ano seguinte, ‘Contra os Quadros (cartas régias a respeito de António Fernandes de Quadros, - apontamento do cabido da sé de Coimbra para El Rei nosso senhor sobre António Fernandes de Quadros, morador em Tavarede). Estes elementos, e muitos outros que se seguirão, foram retirados do trabalho ‘A mudança da Câmara de Tavarede para a Figueira’, do Dt. Rocha Madahil.

Como referimos, António Fernandes de Quadros casou com D. Genebra da Fonseca. Já não seria novo, embora não saibamos a data do seu nascimento, que, como já se referiu, se presume ter sido por volta de 1475. Não se sabe ao certo quando se realizou o casamento. No entanto, uma provisão do rei D. João III, datada de 30 de Agosto de 1523, ordena ao Almoxarife ou recebedor da Alfândega de Aveiro, que do rendimento deste presente ano de 1523, deis a António Fernandes de Quadros, sessenta mil reis de dote do seu casamento de cavaleiro. Foi Andre de Quadros, residente em Aveiro e procurador do fidalgo de Tavarede, seu parente, quem recebeu aquela importância, em duas prestações, emitindo o respectivo recibo em 5 de Setembro de 1524. Pode-se concluir, por estes documentos, que o casamento terá ocorrido no ano de 1524.

Deste casamento resultaram três filhos:

- Fernão Gomes de Quadros, primogénito e herdeiro;

- D. Filipa de Azevedo, que casou com António Homem, natural de Soure, que foi contador em Coimbra;

- D. Ana de Azevedo, freira no Convento de Celas, em Coimbra.

Foi um grande benfeitor do Convento de Santo António, fundado por Frei António de Buarcos, no ano de 1527. “ …Mas estes destroços, e os do tempo, não tiveram nem terão eficácia para riscarem da memória dos nossos religiosos, o nome do ilustre Cavaleiro António Fernandes de Quadros, seu particular devoto e benfeitor, antes pretendemos restituir-lhe a glória que outros lhe usurparam, dizendo que a capela mor deste convento se devera a Fernão Gomes de Quadros, seu filho, o que é totalmente alheio da verdade: porque o letreito da pedra, que cobre seu corpo no meio da mesma capela, está requerendo justiça e clamando que esta capela é sua, e nela fora sepultado no mês de Julho de mil quinhentos e quarenta, que foi a ocasião em que passou da vida presente.

Por este epitáfio, consta que já neste tempo era seu o padroado da capela e que Fernão Gomes, seu filho, entrara nele mais por sucessão do morgado, que por doação do convento. Também o escudo das suas armas, gravado no arco da mesma capela e remate da abóboda, declaram que é sua desde a fundação da casa. Porém, o nome de seu patrono e titular, Santo António, posto que fosse muito do agrado e gosto daquele instituidor, foi eleição do venerável padre Frei António de Buarcos, autor principal de toda a fábrica do convento…”.

Igreja do Convento de Santo António

(O convento era no edifício ao lado. Posteriormente foi adquirido pela Santa Casa da Misericórdia, que remodelou o edifício e ali montou um hospital, que funcionou durante muitos anos, até ser inaugurado o novo hospital, sito na margem sul do Mondego. Actualmente é a sede da Santa Casa, tendo uma das suas dependências de assistência)

António Fernandes de Quadros teve um papel muito importante na nossa terra. Podemos apontar três casos dos mais significativos realizados por aquele fidalgo: estabeleceu e aumentou, de forma considerável, a sua Casa, nomeadamente com o aforamento da ilha da Morraceira; a instituição de um morgado, cuja aprovação solicitou ao rei D. João III, mas a qual não chegou a receber, pois, entretanto, faleceu; e a sua participação na fundação do convento de Santo António, como já referimos.

Debrucemo-nos, para melhor nos inteirarmos do que acima fazemos referência, sobre os diversos elementos que, para o efeito, conseguimos reunir. E, antes do mais, desejamos prevenir que as nossas limitações foram muitas. As pesquisas que fizemos foram, praticamente, todas realizadas na Biblioteca Municipal da Figueira da Foz, onde, além da imprensa local e alguns livros escritos por figueirenses estudiosos e ilustres, lemos e analisámos, com os nossos parcos conhecimentos na matéria, os cadernos manuscritos legados pelo Dr. Mesquita de Figueiredo, que recolheu as suas notas enquanto conservador da Torre do Tombo, em Lisboa, e nos arquivos do Cabido de Coimbra, e o importante trabalho do Dr. Rocha Madahil, publicado no ‘velho’ Album Figueirense, sobre a mudança da Câmara de Tavarede para a Figueira da Foz, e que fez as suas pesquisas nos arquivos da Sé e Universidade de Coimbra. E, prestado este esclarecimento, nada melhor do que transcrevermos o seu testamento. Ressalvamos, contudo, possíveis erros que possam existir, devido à dificílima leitura dos referidos cadernos acima citados:

“Eu, António Fernandes de Quadros, faço, pelo presente, o meu testamento. Primeiramente recomendo minha alma a Deus, pedindo-lhe que, pelos merecimentos da sua sacratíssima Paixão e precioso sangue que derramou pela redenção e geração humana, haja misericórdia de mim e me queira perdoar meus pecados e dê graças para que acabe em salvação.

Mando que o meu corpo seja enterrado na capela da Igreja do Mosteiro de Santo António da Figueira. Deixo por minha testamenteira Genebra de Azevedo, minha mulher, e assim a deixo por tutora e curadoura de meus filhos, porquanto a dita Genebra de Azevedo e eu próprio havemos assentado fazer um morgado de todas as nossas terças, ressalvando cada um de nós até cem cruzados, para nossas exéquias e se dispenderem no que nós quisermos; digo, por mim, que se aparte e tomem todas as minhas terças, de que se tire cem cruzados que se entregarão à dita Genebra de Azevedo, minha mulher, e ela os dispenderá nas minhas exéquias e naquelas coisas que ela já de mim sabe em que os há-de dispender, dos quais ditos cem cruzados mando que lhe não seja tomado contas.

Tudo mais que ficar de minha terça, mando que se tome na Lezíria da Veirôa e nas casas principais de Tavarede, se lhe puderem caber, e que da dita minha terça e a que sair da dela, minha mulher, se faça um morgado, que ficará a Fernão Gomes, nosso filho, mais os fornos de Tavarede, e em toda a sua geração, e, falecendo ele, sem filhos legítimos, ficará a uma das nossas filhas, à mais velha, o qual morgado andará sempre no filho mais velho lídimo, se o houver, ou na filha mais velha, não o havendo; não a havendo, também, passará o morgado para o parente mais chegado, e sendo dois ou mais no mesmo grau, sempre procederá o varão.

Peço a El-Rei nosso senhor que haja por bem que neste morgado entre a legítima que o dito Fernão Gomes, nosso filho, venha a herdar por falecimento meu e da dita Genebra de Azevedo, sua Mãi; e se o dito Fernão Gomes não quiser que as suas legítimas sejam metidas no morgado, hei por bem que ele não haja o dito morgado e o haja uma filha mais velha, contanto que suas legítimas entrem no morgado como atrás é dito do Fernão Gomes.

Falecendo o dito Fernão Gomes, se suceder no morgado, sem ter filho legítimo, e havendo de haver o morgado a nossa filha, entram suas legítimas nele, como atrás é dito; e mando que o dito Fernão de Quadros, meu filho, e todos os seus sucessores no morgado que se houver de fazer, serão obrigados a deixar, cada um, a terça da sua terça, para se juntarem a este morgado; e se os possuidores do dito morgado não tiverem legítimos descendentes, serão, em tal caso, obrigados a deixar, para juntar ao dito morgado, a terça parte de toda a sua fazenda; e se os ditos sucessores quiseram deixar mais da sua fazenda para acrescentamento ao dito morgado, poderão fazê-lo; e não será possuidor do morgado quem não deixar o terço da sua fazenda para o morgado, como dito é.

A pessoa que suceder no dito morgado, faça meter no mesmo tudo como é dito, ficando o dito Fernão Gomes, meu filho, e todos os seus sucessores, a serem obrigados a mandar dizer, em cada ano e na dita Igreja de Santo António onde estará meu corpo, 100 missas, a saber: três cantadas, uma pelo dia de Nossa Senhora da Anunciação e outra no dia de Santo António, pelas festas que se realizem, e outra dos finados, pelo seu dia, e as outras rezadas com responso, sobre minha sepultura, e estas missas se digam pela minha alma e da dita Genebra de Azevedo, minha mulher e das outras pessoas que deixarem fazenda ao dito morgado.

E porque eu, ao presente, estou doente e não sei o que Nosso Senhor fará de mim, e não tenho tempo para haver tão cumprido conhecimento das condições que devo meter no morgado, além das que neste testamento digo, nem o posso fazer com a dita minha mulher com aquela solenidade e condições que se requerem; mando que o testamento que a dita Genebra de Azevedo, minha mulher, fizer com o consentimento e conselho de André de Quadros e de Pero d’Azurara, de Montemor, meus primos, seja bom e se cumpra, e todas as condições que nele meterem hei por bem e que se cumpram inteiramente, como se eu as aqui houvesse ditas e declaradas e hei por bem que todas as condições metidas neste testamento se cumpram.

E acontecendo que falecendo minhas filhas ou cada uma delas sem serem de idade para fazerem testamento, que a terça parte de toda a sua fazenda seja encorporada e metida neste morgado, e se ao tempo que elas, e cada uma delas, falecerem e a dita Genebra de Azevedo, sua máe, por falecida, hei por bem que toda sua fazenda e herança seja metida e encorporada no dito morgado que aqui hei por deixado.

E porque a dita Genebra de Azevedo, minha mulher, e eu temos assentado de fazermos de nossas terças este morgado, como dito, hei por bem que fazendo ela dentro de um ano um testamento em que deixe sua terça a este morgado pela maneira que atrás é dito e houver confirmação de El-Rei nosso Senhor deste morgado, para ficar de tudo assentado e feito dentro em outro ano, que serão dois anos que se estenderão do dia do meu falecimento para diante.

Hei por bem que esta minha terça, e morgado que faço, fique a dita Genebra de Azevedo, minha mulher e testamenteira, em dias de sua vida, com seus encargos, e para melhor ela poder sustentar sua pessoa e encaminhar nossas filhas e enquanto assim possuir o dito morgado, será obrigada a prover e sustentar o dito Fernão Gomes, segundo sua pessoa e as possibilidades dela; e por seu falecimento, fique o dito morgado ao dito Fernão Gomes, nosso filho, e sendo ele falecido, sem filhos, como atrás é dito, à filha mais velha, como dito é.

E se a dita Genebra de Azevedo se casar, hei por bem que ela não possua o dito morgado, mas seja logo do dito nosso filho e assim lhe seja tirada a tutoria e administração de meus filhos; e falecendo a dita minha mulher antes de meus filhos serem de idade maior ou casando-se, deixo por seus tutores e curadores aos ditos André de Quadros e Pedro d’Azurara.

E sendo caso que o dito meu filho ou os sucessores do dito morgado fizerem algum erro contra a lei de Deus ou contra lesa Magestade ou outro excesso tal que por direito deva perder seus bens, o que prazará a Deus que não será, eu lhe hei por tirado o dito morgado e mando que logo seja do seu sucessor.

Recomendo e mando e rogo ao sucessor do morgado que faça, à sua própria custa, o coro aos frades em Santo António e mais corrigirá e reparará as obras do que for necessário, a saber, o telhado e goteiras.

Mais disse, ele dito António Fernandes, que sendo caso que os padres mandem trazer de Flandres o retábulo para a capela, que o sucessor do morgado lhes dê, para ajuda dele, 20 cruzados.

Mando a todos os possuidores do dito morgado que paguem muito bem as missas aos padres do dito mosteiro e também saibam se se dizem, e vindo algum que também as não queira pagar, mando que as pague, ao menos segundo constituição do Bispado; e mais mando que lhe dêem em cada ano, para sempre, 8 arratéis de cera para as candeiras das ditas missas, e quatro alqueires de azeite para alumiar a lampada da capela.

Rogo e recomendo aos ditos meus sucessores do dito morgado, que olhem pelo que cumpre e bom aproveito do dito mosteiro e procurem por ele, e quando souberem que tem necessidade de mantimentos, ao dito mosteiro de mantimentos o ajudem com suas esmolas como puderem.

E por aqui, disse ele, dito António Fernandes de Quadros, que havia seu testamento por acabado, e roga a mim, Bento Vaz, clérigo de missa, e morador no dito Couto de Tavarede e capelão de Nossa Senhora do Rosário e de Santo Aleixo, que este escrevesse, e eu a seu rogo o escrevi, e ele assinou por sua própria mão; o qual foi feito aos 8 dias do mês de Maio da era de 1540 anos. - António Fernandes de Quadros - e eu, Bento Vaz, o assinei por minha mão e reli.

- Mais disse que todos os bens que assim os ditos sucessores deixarem ao morgado, por via da terça, como por via de herança, sejam em bens de raiz aqueles que mais pertencentes forem ao morgado e não os tendo em raiz que se curem dentro de um ano.